Eu me joguei no precipício e me lancei à corda da direita. Sobre seguir.

Eu me joguei no precipício e me lancei à corda da direita. Sobre seguir.

Esta foi pra mim, a parte tocante da história que um amigo me contou esta tarde.

Ele saiu há um ano de uma relação de 10 anos porque sentiu que queria mais! Sentiu que havia esgotado as possibilidades, não estava mais satisfeito, não sentia mais o ressoar daquela relação, não havia mais para onde correr, e então ele decidiu um caminho de coragem – decidiu se lançar no precipício – no novo – e enxergou como oportunidade de salvamento a corda da direita, na direção que acreditou ser “em frente”! Pra frente como se faz numa leitura – da esquerda para direita, sem olhar para trás… É e assim mesmo que toda historia é contada e continua!

Admirei sua coragem e audácia ! Tantas pessoas pagam até mesmo psicanalistas para terem esta mesma atitude de seguir em frente sem olhar para trás, recomeçar, arriscando a própria sorte, a vida, o momento…

E na verdade, a vida é isso mesmo. Quando nascemos, nos lançamos no precipício da oportunidade da vida, quando aprendemos a caminhar, nos lançamos no precipício dos primeiros passos, quando descobrimos nossos dons, nos lançamos no precipício de arriscar a viver dos talentos, quando casamos, nos lançamos no precipício da vida a dois… e quando morremos então, nos lançamos no precipício da eternidade.

Soltar, largar, permitir encerrar para o novo chegar é um lançar de precipício! E um novo que requer audácia, muita coragem, sabedoria e amor!

Muitas vezes este lançar no precipício e recomeçar não significa apenas findar a relação, mas deixar morrer os aspectos que não estão mais favoráveis para a transformação! permitir novos olhares, entendimentos… A vida é uma constante mudança. Nada é, tudo está.

Ele está bem! Sinto-o admirado com sua atitude de amor-próprio. O senti mais vivo que nunca.
Que bom! Pensei.. mas e aí, qual a fórmula?

Saber o que se quer e o que merece e ir atrás.
E muitas vezes este ir atrás requer também desapegos! Novos entendimentos, novos olhares para a própria vida. Saber quão profundo é seu nado… Há pessoas que preferem o raso, há aquelas que amam o profundo…

Na verdade, nós sempre sabemos o que merecemos –
Nós sempre sabemos o que é melhor pra nós.Nosso corpo nos mostra isso o tempo inteiro. Mutas vezes não sintonizamos com os sinais de forma direta porque a mente está ruidosa, mas basta um mal-estar pra saber que algo não está bom.

Analisar os sentimentos, e entender que o problema não está na pessoa ou circunstância que causa a angustia, mágoa ou tristeza, mas entender que este sentimento é meu, gerado por mim, pelos meus próprios pensamentos e por isso devo saber o que fazer em relação a isso. E o que eu vou fazer com ele compete somente a mim! Às minhas atitudes, às minhas escolhas pessoais, que devem estar sempre munidas de amor.

Saber o que deve ser mudado requer também diálogo e entendimento. Ele saiu da relação sem ser no “pé de guerra.” Ambos decidiram, após longa conversa, que precisavam mesmo se afastar .Agradeceram a passagem de cada um em suas vidas, e ele, pelo menos seguiu… E é bom saber quando o voo no precipício será agendado.

Sobre a história do meu amigo, eu entendi seu ponto de vista e foi muito bom tê-lo ouvido. Uma inspiração a mais para as decisões que precisam ser tomadas… E um olhar mais audacioso para a vida é sempre bem-vindo em situações de dúvida.

Lembrei que já saltei inúmeras vezes de tantos precipícios…. E sempre existiu a corda da direita, e relembrei agora que não importa o que aconteça, ela sempre estará lá!

Por que essa pretensão de querer dar conta de tudo?

Por que essa pretensão de querer dar conta de tudo?

Esses dias fui surpreendida no trânsito. Enquanto dirigia, liguei o rádio e tocava: “Passei a ser olhado com atenção/ E fui agradecer pela opinião/Então senti que o broto estava toda mudada/ Parecia até que estava apaixonada… Vesti azul! Minha sorte então mudou…”

Me diverti demais com a letra da música que _ pasmem! _ não conhecia, e segui em frente pensando no brotinho, no rapaz que de repente teve sorte… e na vida da gente, que poderia mudar assim, num piscar de olhos, bastando um amuleto que nos desse confiança para seguir em frente.

Lembrei do Dumbo, o personagem de Walt Disney que acreditava que voava só por causa de uma pena mágica. Um amuleto oferecido por Timóteo, o ratinho, para lhe dar confiança. Sem saber que realmente voava, Dumbo quase colocou tudo a perder quando a pena se soltou de sua tromba. Prestes a se espatifar no chão, foi alertado por Timóteo, que aos berros disse: “Você voa!!!!” e assim o fez recuperar as forças e planar.

O tempo nos permite desmistificar certas neuras que insistem em habitar nosso espírito; vamos adquirindo ginga, fortalecendo nossa alma e perdendo o medo de arriscar.
Arriscar leveza, sorrisos, audácia. Aprendemos a olhar nos olhos, a assumir nosso lado mais humano e nem por isso pior.

Outro dia fui abordada com uma pergunta capciosa no meio de um almoço de família. Da cabeceira da mesa surgiu a dúvida: “E você, não cozinha nem no fim de semana?” Fui pega de surpresa, e me senti na obrigação de dar explicações_ já que cozinhar nunca foi meu forte. Gaguejando, perdendo a ginga e deixando a “pena”escapar, fui justificando minha pouca habilidade culinária. Só depois me dei conta da cilada.

Fui soberba. Quis mostrar que dava conta do recado, quando na verdade não dou. Poderia ter respondido apenas “Não”.
… um “não” suave, sincero, simples. Um não redentor, olhos nos olhos, sem culpa.

É difícil aceitarmos nossas incompletudes. E nos habituamos a escondê-las, como se fossem defeitos. Não são.

Tem gente que não dirige, mas faz um risoto de sonho. Outros, tratam o computador como alien, mas operam lâminas e bisturis com a precisão de deuses. Tem gente que não cozinha, mas toca Bach ao piano divinamente. Algumas mães sentam no chão e passam horas brincando. Outras, inventam histórias e buscam na escola… cada um do seu jeito_ certos e incompletos_ porque perfeito, só Deus.

Vestir azul é reconhecer-se apto para o que você tem de melhor e não se martirizar por aquilo que ainda não é capaz, não gosta ou não quer.

Passamos muito tempo flertando com a perfeição e pecamos por excesso de soberba.

Temos dons, mas somos falíveis.

Temos que reconhecer nossos limites, aquilo que não nos cai bem, o que não é do nosso feitio. Por que essa pretensão de querer dar conta de tudo?

Se sua “pena” escapar ou a “camisa azul” não estiver disponível, alivie seu peso. Deixe espaço para aqueles que também lutam por seu lugar no mundo.

Sigamos em frente com humildade, reconhecendo que um simples “não consigo” não é sinal de fraqueza, e sim maturidade.

Você não deixará de ser quem é só porque faz café fraco ou coloca água demais no feijão…

Carta aberta aos machistas

Carta aberta aos machistas

Caríssimos,

Os últimos acontecimentos me trazem aqui novamente.

Diante de tanta revolta contra vocês, houve  um momento em que cheguei a pensar que meu artigo sobre a banalização do machismo não tinha nenhuma procedência. Mas foi tanto chororô, tanta mágoa – tanto mimimi para usar a expressão da moda – diante do suposto “linchamento” produzido por uma simples “brincadeira de bêbados”  que cheguei à conclusão de que vocês, realmente, não entenderam nada. Vocês sequer sabem que são machistas.

Estou bem cansada de ter que desenhar para fazer vocês entenderem. Mas, vamos lá.

Antes de mais nada, quero lhes chamar a atenção para algo que vocês talvez nunca tenham cogitado.

A Convenção das Nações Unidas sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, ressalta em seu preâmbulo “ a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher”.

Vocês devem estar pensando: o que raios o racismo, o colonialismo, a intervenção nos assuntos internos dos Estados têm a ver com vocês?

É que o machismo, assim como a xenofobia, a homofobia, o racismo, o colonialismo, é uma faceta de um fenômeno maior: a covardia.

A ONU sabia disso já em 1979. Viram como a opressão é uma só? Entenderam como o assunto é sério?

Eu sei que a emancipação da mulher é recente.

Até o início do século passado o mundo praticamente não conhecia o sufrágio feminino.

Nossa entrada no mercado de trabalho ocorreu durante a primeira grande guerra. O que são 100 anos na história?

O controle sobre nossos corpos só veio em 1960, com a invenção da pílula.

A queima de sutiãs ainda não fez 50 anos, e a verdade é que nenhum sutiã foi queimado naquele 7 de setembro de 1968, na escolha da Miss America, em Atlantic City. A fogueira foi só simbólica.

Olha, se um século e meio é pouco para a humanidade, é muito para uma vida humana. Dentro desse tempo aí cabem a minha vida toda, a da minha mãe e a da minha avó.

Sou de uma geração de mulheres que viveu entre a luta e a transigência. Tivemos nossos casamentos, senão destruídos, seriamente ameaçados em pelo menos uma vez na vida pelo machismo. Amamos homens machistas e até proferimos frases machistas muitas vezes ao longo de nossas vidas. Lutamos contra o machismo no trabalho, na rua, em casa, na família, dentro de nós e vindo de outras mulheres. Chegamos aos  40-50 anos com a voz rouca de tanto falar sobre isso. Entendam nosso exaurimento.

Para vocês que acham que estamos exagerando, esperem para ver a geração de nossas filhas. Se nossos medidores de transigência disparam no vermelho, o delas não existe, pelo simples fato de que são um modelo aperfeiçoado. Já saíram de fábrica com índice de tolerância zero contra o preconceito em todas as suas formas.  Nós fomos a vida inteira gentis, compreensivas com vocês. Mas elas não parecem nem um pouquinho dispostas a isso.

O que quero dizer é que, para seu bem, para a felicidade de seus filhos, entendam que chegamos a um caminho sem volta, o que os anglófonos chamam de “ponto de não retorno”. Vocês tiveram todas as chances históricas de entender isso com suavidade.

Aliás,  muitos de vocês já se reinventaram, e depois de muito sofrimento entenderam que o machismo faz vítimas também entre os próprios homens.

Outros, no entanto, precisarão viver algumas situações desagradáveis para absorver a realidade que se anuncia.

Eu sei, é chato deixar a própria zona de conforto, acomodar-se a alguma perda de poder.

Não sejam infantis, por favor. Ninguém quer crucificá-los. Mas vocês são grandinhos e perfeitamente capazes de lidar com críticas, por mais contundentes que sejam.

Não contem  mais com nossa indulgência. Nossa resignação realmente chegou ao limite. Decidimos destinar  nossa empatia às múltiplas vítimas do preconceito que inexplicavelmente ainda consome tantas sociedades.

De agora em diante, os marmanjos se viram sozinhos, ok?

Aprendam a lidar com isso.

Agradecemos a compreensão.

Koko, gorila que se comunicava com pessoas, morre aos 46 anos

Koko, gorila que se comunicava com pessoas, morre aos 46 anos

A morte de Koko foi divulgada através Gorilla Foundation, criada pela psicóloga de animais Francine Patterson. Foi Francine quem começou a ensinar a Koko a linguagem de sinais, o que se tornou parte de um projeto da Universidade de Stanford em 1974.

“A Gorilla Foundation lamenta informar a morte de nossa amada Koko”, publicou a organização no Facebook.

Koko era capaz de se comunicar com os humanos usando mil palavras em sinais e entender cerca duas mil palavras em inglês verbal.  Ela foi nasceu em cativeiro no zoológico de São Francisco, nos Estados Unidos.

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Foto: Facebook.com/Koko-The-Gorilla-Foundation

Além de se comunicar, a gorila demonstrava empatia. Em 2001, ela conheceu o ator Robin Williams e os dois se tornaram bons amigos. Quando ela soube da notícia da morte dele, em 2014, ficou visivelmente triste.

***

Na imagem de capa:  A psicóloga animal Francine Patterson se comunica com a gorila Koko – THE GORILLA FOUNDATION

Publicação realizada com informações de Estadão.

 

‘Cozinhar não é serviço… Cozinhar é um modo de amar os outros’ – Mia Couto

‘Cozinhar não é serviço… Cozinhar é um modo de amar os outros’ – Mia Couto

A avó, a cidade e o semáforo

Quando ouviu dizer que eu ia à cidade, Vovó Ndzima emitiu as maiores suspeitas:

– E vai ficar em casa de quem?

– Fico no hotel, avó.

– Hotel? Mas é casa de quem?

Explicar, como? Ainda assim, ensaiei: de ninguém, ora. A velha fermentou nova desconfiança: uma casa de ninguém?

– Ou melhor, avó: é de quem paga – palavreei, para a tranquilizar.

Porém, só agravei – um lugar de quem paga? E que espíritos guardam uma casa como essa?

A mim me tinha cabido um prémio do Ministério. Eu tinha sido o melhor professor rural. E o prémio era visitar a grande cidade. Quando, em casa, anunciei a boa nova, a minha mais-velha não se impressionou com meu orgulho. E franziu a voz:

– E, lá, quem lhe faz o prato?

– Um cozinheiro, avó.

– Como se chama esse cozinheiro?

Ri, sem palavra. Mas, para ela, não havia riso, nem motivo. Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece.

– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela. – Cozinhar é um modo de amar os outros.
Ainda tentei desviar-me, ganhar uma distracção. Mas as perguntas se somavam, sem fim.
– Lã, aquela gente tira água do poço?

– Ora, avô…

– Quero saber é se tiram todos do mesmo poço…

Poço, fogueira, esteira: o assunto pedia muita explicação. E divaguei, longo e lento. Que aquilo, lá, tudo era de outro fazer. Mas ela não arredou coração. Não ter família, lá na cidade, era coisa que não lhe cabia. A pessoa viaja é para ser esperado, do outro lado a mão de gente que é nossa, com nome e história. Como um laço que pede as duas pontas. Agora, eu dirigir-me para lugar incógnito onde se deslavavam os nomes! Para a avó, um país estrangeiro começa onde já não reconhecemos parente.

– Vai deitar em cama que uma qualquer lençolou?

Na aldeia era simples: todos dormiam despidos, enrolados numa capulana ou numa manta conforme os climas. Mas lá, na cidade, o dormente vai para o sono todo vestido. E isso minha avó achava de mais. Não é nus que somos vulneráveis. Vestidos é que somos visitados pelas valoyi e ficamos à disposição dos seus intentos. Foi quando ela pediu. Eu que levasse uma moça da aldeia para me arrumar os preceitos do viver.

– Avó, nenhuma moça não existe.

Dia seguinte, penetrei na penumbra da cozinha, preparado para breve e sumária despedida, quando deparei com ela, bem sentada no meio do terreiro. Parecia estar entronada, a cadeira bem no centro do universo. Mostrou-me uns papéis.

– São os bilhetes.

– Que bilhetes?

– Eu vou consigo, meu neto.

Foi assim que me vi, acabrunhado, no velho autocarro. Engolíamos poeiras enquanto os alto-falantes espalhavam um roufenho ximandjemandje. A avó Ndzima, gordíssima, esparramada no assento, ia dormindo. No colo enorme, a avó transportava a cangarra com galinhas vivas. Antes de partir, ainda a tentara demover: ao menos fossem pouquitas as aves de criação.

– Poucas como? Se você mesmo disse que lá não semeiam capoeiras.

Quando entrámos no hotel, a gerência não autorizou aquela invasão avícola. Todavia, a avó falou tanto e tão alto que lhe abriram alas pelos corredores. Depois de instalados, Ndzima desceu à cozinha. Não me quis como companhia. Demorou tempo de mais. Não poderia estar apenas a entregar os galináceos. Por fim, lá saiu. Vinha de sorriso:

– Pronto, já confirmei sobre o cozinheiro…

– Confirmou o quê, avó?

– Ele é da nossa terra, não há problema. Só falta conhecer quem faz a sua cama.
Aconteceu, depois. Chegado do Ministério, dei pela ausência da avó. Não estava no quarto, nem no hotel. Me urgenciei, aflito, pelas ruas no encalço dela. E deparei com o que viria a repetir-se todas tardes, a vovó Ndzima entre os mendigos, na esquina dos semáforos. Um aperto me minguou o coração: pedinte, a nossa mais-velha?! As luzes do semáforo me chicoteavam o rosto:

– Venha para casa, avó!

– Casa?!

– Para o hotel. Venha.

Passou-se o tempo. Por fim, chegou o dia do regresso à nossa aldeia. Fui ao quarto da vovó para lhe oferecer ajuda para os carregos. Tombou-me o peito ao assomar à porta: ela estava derramada no chão, onde sempre dormira, as tralhas espalhadas sem nenhum propósito de serem embaladas.

– Ainda não fez as malas, avó?

– Vou ficar, meu neto.

O silêncio me atropelou, um riso parvo pincelando-me o rosto.

– Vai ficar, como?

– Não se preocupe. Eu já conheço os cantos disto aqui.

– Vai ficar sozinha?

– Lá, na aldeia, ainda estou mais sozinha.

A sua certeza era tanta que o meu argumento murchou. O autocarro demorou a sair. Quando passámos pela esquina dos semáforos, não tive coragem de olhar para trás.
O Verão passou e as chuvadas já não espreitavam os céus quando recebi encomenda de Ndzima. Abri, sôfrego, o envelope. E entre os meus dedos uns dinheiros, velhos e encarquilhados, tombaram no chão da escola. Um bilhete, que ela ditara para que alguém escrevesse, explicava: a avó me pagava uma passagem para que eu a visitasse na cidade. Senti luzes me acendendo o rosto ao ler as últimas linhas da carta: “… agora, neto, durmo aqui perto do semáforo. Faz-me bem aquelas luzinhas, amarelas, vermelhas. Quando fecho os olhos até parece que escuto a fogueira, crepitando em nosso velho quintal…”.

Mia Couto, conto ‘A avó, a cidade e o semáforo’, em “O Fio das Missangas”. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

Essas ilustrações foram feitas em troca do maior segredo de cada pessoa retratada

Essas ilustrações foram feitas em troca do maior segredo de cada pessoa retratada

Ninguém sabe o que se passa dentro da cabeça do outro. Por trás de sorrisos alegres e comemorações rotineiras podem estar escondidas palavras não ditas, situações que jamais serão relevadas e sofrimentos que, muitas vezes, ninguém além da própria pessoa conhece.

Sabendo disso, o ilustrador filipino Terence Eduarte criou para o site  Bored Panda um projeto audacioso: ele  abordou pessoas durante 100 dias e ofereceu a cada uma delas uma ilustração em troca do seu maior segredo. O projeto foi denominado 100 Days of Secrets e, ao lado das imagens, traz a história da pessoa que inspirou o desenho.

A amostragem abaixo veio do artigo que usamos como inspiração e foi selecionada por Mari Dutra para publicação na Hypeness. As demais criações do artista podem ser encontradas neste link.

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Eu queimei o bilhete suicida que escrevi há um mês. Hoje é um bom dia.

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Eu faço o meu melhor para deixar as pessoas felizes porque eu sei como é se sentir absolutamente sem valor. Eu não quero que ninguém mais se sinta assim.

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Eu falei para o meu filho que estava na barriga que eu não estava pronta para ser amada por ele. No dia seguinte eu sofri um aborto espontâneo.

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Eu queria visitar minha avó no hospital, mas era uma caminhada longa e eu fiquei com preguiça. No dia seguinte ela faleceu.

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Eu atuo em uma peça em que um cara precisa atuar como se estivesse secretamente apaixonado por mim. Mas, quando a peça termina, nós voltamos para a vida real, onde eu estou secretamente apaixonada por ele.

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Algumas vezes eu me sinto sozinha mesmo quando estou com amigos. Eu sinto como se estivesse sobrando quando estamos juntos.

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Eu sempre pergunto como meus amigos estão, mas as pessoas raramente me perguntam como eu estou.

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Metade dos meus amigos são pessoas que eu gostaria de nunca ter conhecido.

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Faz dois anos e meio, mas eu ainda não consigo contar para aqueles próximos de mim que eu sou HIV positivo. Então, ao invés de focar no que eu não posso fazer, eu me tornei voluntário para ajudar a mudar o estigma em torno do HIV.

Todas as imagens são de © Terence Eduarte.

Diga o que te incomoda quando te incomodar, não espere ser tarde demais

Diga o que te incomoda quando te incomodar, não espere ser tarde demais

Normalmente, quando algo nos incomoda, irrita ou dói, precisamos dizer imediatamente. Expressar esse desconforto permite libertar-se dele, pelo menos em parte. O contrário, se nos reprimirmos, acabamos nos sentindo mais irritados ainda.

Obviamente, todas as pessoas não reagem da mesma maneira. Existem aqueles que preferem permanecer calados. A verdade é que o melhor momento para indicar que algo incomoda é no agora. Se você esperar, talvez seja tarde demais e acabe se recriminando pelo que não disse ou não fez, prendendo-se em um círculo de pensamentos reprimidos.

Por que é importante expressar nosso desconforto imediatamente?

– Porque ninguém deveria nos fazer sentir mal. Se alguém ultrapassa os nossos limites e nos faz sentir mal, não devemos permitir que isso continue acontecendo. De fato, quanto mais cedo pudermos agir sobre o assunto, melhor, porque não iremos alimentar o fogo das emoções negativas. Lembre-se de que ninguém pode prejudicá-lo sem o seu consentimento.

– Porque é importante afirmar nossos direitos. Todos nós temos direitos elementares e outros não devem atropelá-los. Se uma pessoa nos ignora sem motivo, se comporta de forma agressiva ou nos humilha, temos o direito de interrompê-la.

– Porque é o caminho mais rápido para resolver um problema. Um velho ditado diz que “quando o burro cai, as varas são dadas”. Quando indicamos um comportamento que nos incomoda, o assunto geralmente não tem grande importância, é resolvido e pode terminar aí. Mas se permanecermos em silêncio, e continuarmos ofendidos, continuaremos a levar esse problema conosco.

Lembre-se que tudo o que nos incomoda e reprimios acaba acumulando dentro de nós. Se em um relacionamento engolimos um sapo após do outro, a raiva e a frustração acabarão explodindo no momento mais inadequados e nos farão dizer ou fazer coisas das quais nos arrependeremos.

A capacidade de se afirmar sem ferir os outros

Assertividade é uma capacidade que nos permite afirmar sem prejudicar os outros. Quando somos assertivos, somos capazes de defender nossos direitos e expressar o que sentimos sem ferir os sentimentos das pessoas ao nosso redor. Trata-se de defender nosso espaço, respeitando ao mesmo tempo o espaço dos outros.

O principal problema é que quando algo nos incomoda, ficamos imediatamente irritados, zangados ou frustrados. Então deixamos aquelas emoções que falarem por nós e, reivindicando nossos direitos, ao invés de auto-afirmação, acabamos atacando os outros. E esse não é o objetivo.

Portanto, quando algo nos incomoda, irrita ou nos prejudica, devemos tentar ser o mais assertivo possível. Dê um passo atrás, metaforicamente falando, e tente se distanciar de suas emoções tornando-se um observador externo. Só então você pode expressar o que você não gosta.

Por exemplo, você pode dizer: “Eu não gosto que você grite comigo, isso me deixa desconfortável.” Acho que nos entenderemos melhor se você abaixar sua voz “. Desta forma, você não apenas expressa seu desconforto, mas também fornece uma solução.

Quando você fala com assertividade, a outra pessoa percebe que ele cruzou certos limites. Na verdade, é provável que tenha feito isso sem perceber. Mas se você ficar irritado e gritar, só fará a situação se degenerar rapidamente.

5 regras para expressar o que incomoda

1. Use expressões que denotem sua maneira de sentir, como “eu quero”, “eu gosto” ou “eu sinto”. Desta forma, você pode estabelecer um vínculo emocional mais profundo com a outra pessoa. Por exemplo, em vez de dizer: “Estou cansado de você gritar comigo”, você pode dizer: “Eu não gosto que você grite comigo, quando você grita me sinto mal”.

2. Reconheça o positivo do seu interlocutor. Não se trata de elogiá-lo, mas você pode destacar alguma qualidade positiva, então ele será mais receptivo à sua mensagem. Por exemplo, você pode dizer: “Normalmente você é uma pessoa muito calma, mas agora está gritando comigo”.

3. Não use reprovações, ironias ou desprezo. Se você quer que os outros respeitem seus direitos, também deve respeitá-los. Isso significa que devemos tratar os outros como gostaríamos que eles nos tratassem. Não recorra à humilhação, recriminações e sarcasmo para ferir o seu interlocutor. Eles são golpes baixos que não fazem de você uma pessoa melhor e levam a lugar nenhum.

4. Seja conciso. Muitas pessoas têm medo de perder a aprovação dos outros, então acabam circulando sobre o assunto e, no final, não atingem seu objetivo. Se algo lhe incomodar, esclareça imediatamente. Não tenha medo de expressar sua opinião.É melhor que você seja direto para não causar mal-entendidos. Por exemplo, ao invés de dizer: “você sempre se comporta assim” você pode ser mais específico: “me incomoda que você grite comigo”. Lembre-se de que não se trata de atacar a pessoa, mas de apontar um comportamento ou atitude de que você não gosta.

5. Forneça uma solução. Em muitas ocasiões, expressamos como nos sentimos, mas não conseguimos enxergar uma rota de fuga, então o problema permanece sem solução. De fato, devemos ter em mente que nosso interlocutor provavelmente também se sentirá sobrecarregado ou frustrado. Portanto, sempre que indicarmos algo que nos incomoda, seria conveniente propor uma solução, indicar outra maneira de fazer as coisas. Por exemplo, você pode dizer: “Eu não gosto que você grite comigo. Eu sugiro que você dê um passeio e fale calmamente “.

Texto traduzido e adaptado de Rincon Psicologia. Tradução de nossa página parceira Psicologias do Brasil.

Daquilo que você ama, quanto tempo levaria para você citar o seu nome?

Daquilo que você ama, quanto tempo levaria para você citar o seu nome?

Quantas vezes você se escondeu, tapou suas questões emocionais em religião, pessoas, lugares e coisas?

Se fosse para listar tudo aquilo que você ama,quanto tempo você levaria para citar o seu nome?

Leve-se em consideração e permita compreender as motivações do seus sentimentos.
Afinal, eles são seus, frutos de seus pensamentos frutos do seus aspectos subjetivos.

Aquilo que aborrece uma pessoa, para outra pode não fazer a diferença. Para um, uma palavra pode virar gatilho emocional para a carência e rejeição, quanto para outro é possível passar despercebido.

Cada um tem uma forma de ver o mundo. Uma programação de alma. A sua é única, por isso, se auto analise e se entenda. A sua vida vale muito, dê atenção ao que se passa em você; Seus pensamentos podem estar como cavalos em fuga, e você sem total controle sobre eles.

Você fala o que sente ou repete padrões? Você se atende em situações de conflito ou joga para baixo do tapete e finge que nada disso é seu?

Não dá para fugir da própria sombra, mas é possível acender a lâmpada do entendimento, iluminar os aspectos obscuros e assim promover a cura.

Usar máscaras e fugir das responsabilidades parte do ego que tem necessidade de ser amado, aceito…Tem medo de julgamentos, de olhares. Mas sabe, vou te dizer uma coisa que pode aliviar sua tensão: estão todos lidando com seus egos! Todos estão em seus processos de entendimento, cura e ninguém está perfeito! As imperfeições são essenciais para nossa descoberta e experiência terrena e de expansão!

Não use máscaras, você não precisa mais delas! Você pode ser você de verdade, ser quem você é, sem medo! Apenas, seja! Está tudo bem!

Observe quando é seu ego que quer mandar, quando é dele as manifestações que não te permitem apenas ser!

A lei do mínimo esforço traz mais felicidade pois é baseada na aceitação, e essa é ação que vem do coração. O Silêncio interno é chave para o coração se manifestar.

Exigir algo que deveria ser espontâneo, por exemplo, é manipulação do ego. E se você precisa exigir é porque também não está sendo natural. E se não está vindo de forma solta e feliz é porque há algo errado…

Não há nada que possa aprisionar mais que seus próprios pensamentos, nada limita mais que os medos e nada controla mais que as crenças. Mude os padrões. Reveja, repense, sinta, e não se lamente.

Não há vítimas! Há vivência, experiência e entendimentos.

Conheça a ti mesmo com amor.

Pessoas ansiosas não têm culpa por sua ansiedade

Pessoas ansiosas não têm culpa por sua ansiedade
Teenage girl sitting alone on autumn cold day. Lonely sad young woman wearing warm sweater thinking and hesitating. Loneliness and solitude concept.

Sêneca, principal representante da escola filosófica do estoicismo, afirmou:

“Quem sofre antes do necessário sofre mais que o necessário.”

Esta frase diz muito sobre ansiedade. A palavra “necessário” demonstra não só que o sofrimento é uma realidade, como também sugere que ele deve ser administrado com inteligência, de forma que o sofrer não seja em vão, e sim transformado em conhecimento emocional produtivo.

Sofrer por antecipação é um hábito comum dos ansiosos, que parecem estar sempre carregando consigo um espectro de pessimismo. Diferente de prever o futuro, eles querem viver o futuro antes de ele chegar e, assim, custam em se entregar ao momento presente.

Todos sofrem de um grau de ansiedade, então por que alguns se dizem ansiosos e outros não? Isso depende da intensidade do problema em cada caso particular. Para alguns, a ansiedade é normal, situacional, tem curta duração e não provoca maiores complicações; para outros, é uma bola de demolição que arruína seus relacionamentos em várias esferas da vida. Chega a assustar a quantidade de pessoas que buscam ajuda médica e psicológica por causa da ansiedade, que chegou a proporções epidêmicas no século XXI. Os psicólogos têm especulado sobre as possíveis razões para o aumento da ansiedade nos últimos tempos, e suas opiniões parecem ter um fator comum: não só a ansiedade cresceu, como também as pessoas se tornaram mais sensíveis e predispostas a ela.

A enxurrada de informações, o vício em tecnologia e a necessidade de eficiência constante no trabalho fazem com que as pessoas vivam aceleradas, imensamente preocupadas com seus afazeres, talvez mais do que nunca. O frenesi regurgitante dos acontecimentos impede que se possa parar para refletir qualitativamente sequer por um instante. Na década de 1950, Martin Heidegger alertou para a “maré de revolução tecnológica” que viria com a perda do “pensamento meditativo”, algo essencial não só à humanidade, mas também para amenizar a ansiedade.

Encontrar a paz interior nunca foi tão desafiador em um mundo que parece crescer em agitação e reduzir em tranquilidade. Não há tempo a perder. A vida não espera por ninguém. O sucesso é, muitas vezes, resultado do sacrifício da própria saúde.

Apesar da vida não ter misericórdia com quem não sabe usufrui-la com parcimônia, manter a parcimônia através de um modelo de vida frenético é uma tarefa quase utópica, a ser realizada somente por aqueles que, de tanto sofrer, se sentem urgentemente obrigados a reavaliar sua conduta.

As pessoas precisam de cada vez mais estímulos para desenvolver suas atividades cotidianas. Com isso, aumenta-se o senso de urgência. A quantidade de estímulos a que se está submetida é tamanha que o espaço para o ócio, para um tempo livre, é quase inexistente. Essa vastidão de estímulos prejudica a produtividade no dia a dia, pois, com efeito, torna as pessoas mais distraídas e desconcentradas.

Certas situações exigem comportamentos urgentes, mas o fato é que comportamentos urgentes estão sendo preferencialmente escolhidos mesmo em situações que dão amplo espaço para o livre-arbítrio.

O mundo corre sem parar e as pessoas acham que, se não acompanharem o ritmo, definharão, enquanto estão definhando por adotarem um estilo de vida excessivamente ajustado a esse mundo.

A necessidade premente de reconhecimento e a vontade de estar sempre produzindo mais e melhor são fatores que apontam uma supervalorização do trabalho, que hoje é tanto agregadora de valor quanto causa de esgotamento. Em seu livro Elogio ao Ócio, o filósofo Bertrand Russell ilustrou o seguinte:

“Suponha-se que em um dado momento algumas pessoas estejam envolvidas na produção de alfinetes. Elas fazem tantos alfinetes quanto o mundo precisa, trabalhando, digamos, oito horas por dia. Alguém faz uma invenção através da qual o mesmo número de pessoas pode fazer duas vezes o número original de alfinetes. Mas o mundo não precisa de mais alfinetes, e dificilmente algum seria comprado por um preço menor. Em um mundo sensato, todos os envolvidos na fabricação de alfinetes passariam a trabalhar quatro horas ao invés de oito, e tudo continuaria como antes. Mas, no mundo real, isso seria considerado desmoralizante.”

Muito da ansiedade é consequência da sobrecarga de trabalho, do culto da eficiência profissional urgente. A falta de trabalho é vista como prejudicial e, de certa forma, vergonhosa, ao passo que se considera o excesso de trabalho algo enobrecedor. Esse ideal de nobreza, no entanto, produz mentes atabalhoadas para suprir uma carga de demanda que excede o suficiente, na maioria dos casos.

Quando alguns intrometidos – como Russell – sugerem que, para reduzir a ansiedade, deveria se trabalhar menos, em resposta ouvem que “Cabeça vazia é oficina do Diabo”, ou “O ócio é o pai de todos os vícios”, ou “Isso é argumento de vagabundos”. Não se quer dizer aqui que o trabalho gera ansiedade – muitas vezes, a ocupação profissional é um antídoto contra ela. O que não ajuda a ansiedade é o trabalho excessivo.

Quem não sabe manter-se calmo em um mundo globalizado que funciona na base da hipervelocidade é engolido pelo tempo e sente sua saúde psíquica sobrecarregada.

As pessoas sentem-se irritadas quando seus celulares travam, quando colegas de trabalho procrastinam em vez de terminarem logo uma tarefa importante, quando os garçons não as atendem prontamente no restaurante, quando seus amigos demoram demais para responder mensagens de texto, quando o filme não as agrada nos primeiros cinco minutos. Tudo é desejado o mais rápido possível. Vive-se dentro de um liquidificador em funcionamento.

A aceleração contínua do processo de existência é um fenômeno que acontece em metrópoles e também chega em pequenas cidades. Trata-se de um modelo de comportamento disseminado em todos os lugares. As pessoas se acostumaram tanto com isso que uma diminuição no ritmo de sua rotina chega a ser estranhada.

Uma crise de ansiedade provoca grande sofrimento. Normalmente súbita e incontrolável, surge como um vendaval de pensamentos atordoantes que deturpam a ordem e deixam o ansioso medroso. Medo e ansiedade andam lado a lado. O ansioso pensa que não conseguirá lidar com os acontecimentos que o competem. Torna-se difícil contornar essa situação por meios meramente racionais. Na verdade, quase toda crise de ansiedade é irracional, podendo inclusive desencadear pânico.

A grande maioria das coisas que deixam as pessoas ansiosas não são tão prejudiciais quanto a ansiedade diz que elas são. A autocrítica inflada, nas horas difíceis, costuma dar a impressão de que o caos subverterá todas as reivindicações por paz interior. Mas, quase sempre, essa autocrítica é apenas o medo se manifestando.

Quem sofre antes do necessário sofre mais que o necessário. Essa verdade está sob o entendimento de qualquer ansioso, embora não ajude tanto na resolução de uma crise ansiosa.

O ansioso antecipa eventos que estão fora de seu controle, imagina ocorrências catastróficas e, não raro, se sabota. Essa autossabotagem é uma consequência direta de querer viver algo que ainda não aconteceu. A influência do futuro na vida de um ansioso é tamanha que obscurece sua capacidade de focar no presente: essa é a maior sina que ele tem que aguentar.

A ansiedade, apesar de ser quase sempre negativa, também funciona como um mecanismo de defesa contra possíveis ameaças externas e, portanto, tem uma importante função evolutiva. O problema está em se sentir ansioso mesmo quando não há perigos à volta. Quando tudo parece bem e ainda assim o ansioso sente uma crise, esta é concatenada por um medo irracional, e então ele se sente acuado e sem motivos convincentes para explicar seu problema.

De acordo com Sêneca:

“Os animais selvagens fogem dos perigos que encontram em sua realidade e, depois de terem escapado, deixam de se preocupar. No entanto, somos atormentados pelo passado e pelo que está por vir. Nossa “benção” nos fere, porque a memória nos devolve a agonia do medo, enquanto a previsão a provoca prematuramente.”

A grande maioria dos pensamentos não pode ser controlada, mas o ansioso teima em aceitar isso. O desejo de governar todos os pensamentos em busca de metas específicas dificulta o atingimento dessas metas. Algumas coisas acontecem além da vontade humana, e querer controlar o imprevisível é o mesmo que decepcionar-se com o próprio poder. Uma vez que a força do livre-arbítrio é parcial, qualquer tentativa de ultrapassar os limites dessa liberdade está fadada ao fracasso.

Os ansiosos estão acostumados a tentar ludibriar o destino, inclusive quando este se encontra além de todos os esforços humanos possíveis. Nicolau Maquiavel sugeriu que as pessoas são capazes de controlar, no máximo, metade de seu destino, enquanto a outra metade é governada por forças misteriosas. Essas forças misteriosas – alguns dirão que é Deus – incomodam ansiosos crônicos, pois eles não suportam a ideia de que seu futuro possa estar em cheque e fora do domínio de suas escolhas. Se algumas decisões não produzirão os resultados esperados, independente da forma como sejam tomadas, insistir nelas acaba gerando uma decepção iminente.

O sofrimento por antecipação é, além de inútil, humilhante. A necessidade de predizer o futuro impede que se possa viver o presente em sua plenitude. Os ansiosos desperdiçam grande parte de sua energia com problemas que não existem, exceto em suas mentes.

De todas as complicações emocionais que afetam a qualidade de vida, a ansiedade é, talvez, a mais comum e frequente, hipótese que pode ser facilmente confirmada no mundo atual.

Quando as coisas acontecem contraditoriamente às expectativas, é normal pensar que houve azar. O azar nada mais que é ausência de sorte. Maquiavel dizia que, se um homem depende unicamente da sorte para a concretização de seus objetivos, ele se arruína logo que ela muda.

Os ansiosos se desgraçam antes da desgraça. De tanto projetarem o desastre, atraem-no para si, indo contra seus próprios desejos. Ao pensarem no pior cenário possível, materializam esse cenário, mesmo quando as circunstâncias apontam claramente a seu favor. Assim, os ansiosos travam uma incessante luta interna para superar os pensamentos pessimistas, mas frequentemente caem na armadilha da autossabotagem. Se por acaso as coisas dão certo, eles se surpreendem, para depois se lembrarem de como seu sofrimento anterior foi absurdo.

Quem tem ânimo para lidar com o destino sente-se apto a precaver-se contra ele, mas uma coisa é prever o previsível, outra é antecipar situações que estão fora do campo das possibilidades reais.

Sêneca, um homem que defendia a virtude da paciência como moderadora dos excessos, afirmava:

“Quando receamos algum mal, o próprio fato de o recearmos nos atormenta enquanto o aguardamos: teme-se vir a sofrer alguma coisa e sofre-se com o medo que se sente.”

Esse medo premonitório da desgraça é o mesmo que produz a desgraça. A pessoa se sente insegura. Superar esse medo é algo que exige uma mentalidade de esperança, além de autoconfiança, coragem e certo desprendimento da necessidade de controle.

Grande parte das coisas com as quais os ansiosos se preocupam nunca acontecerão de fato; não passam de imagens feéricas. Todavia, é complicado abdicar dos pensamentos sem sentido quando eles passam a fazer parte do processo comum de raciocínio. Os ansiosos são mestres na arte da preocupação irrelevante.

Predições pessimistas facilmente se tornam profecias autorrealizáveis. Sabendo disso, os ansiosos se desesperam, porque se percebem reféns de si mesmos. O sofrimento pela possibilidade de acontecer coisas ruins maximiza essa possibilidade, enquanto a vontade de acontecer coisas boas está sendo eclipsada. O otimismo é produto de uma habilidade psicológica, uma disposição mental para conceber realidades positivas, um desafio que os ansiosos precisam vencer todos os dias.

O volume de incertezas aumenta conforme as preocupações vão tomando forma. Existe uma diferença entre sofrer por algo catastrófico que ocorreu inevitavelmente, e sofrer por algo catastrófico que ainda não ocorreu, mas, de tanto ser evocado, possivelmente ocorrerá. Esse segundo tipo de sofrimento compreende a ansiedade.

Em uma de suas correspondências para seu amigo Lucílio, Sêneca observou:

“Há mais coisas que podem nos assustar do que nos esmagar; nós sofremos mais frequentemente na imaginação do que na realidade.”

Um conselho dado aos ansiosos é que evitem a infelicidade antes dos maus momentos, porque pode ser que os perigos imaginados nunca se tornem fatídicos. É mais fácil falar do que fazer, mas não deixa de ser verdade que a maior parte dos sofrimentos humanos são fantasiosos, isto é, não encontram respaldo na realidade concreta e, portanto, não devem ser levados a sério.

Viver em função de algo ruim que ainda não aconteceu acaba gerando não só desgaste mental, mas também uma depreciação da própria existência. O ansioso crônico sabe que deveria investir mais de sua energia em projetos de vida saudáveis e construtores de significado, mas, inadequadamente, gasta seu tempo útil com futilidades. Não é fácil se desprender das amarras do tempo, principalmente quando a ansiedade sobrepuja o bom senso.

Se acontecimentos negativos e imaginários se tornam reais, os ansiosos pensam que se trata de uma confirmação daquilo que mais temiam, mas, quase sempre, é uma consequência direta de suas ações.

Descobrir que o mundo raramente funciona da forma como se deseja é um choque de infância com o qual poucos adultos estão dispostos a lidar. Esse choque percorre a espinha dos ansiosos e faz deles prisioneiros de um destino incerto: a alta intolerância à incerteza é uma característica deles.

As pessoas que sofrem de ansiedade podem cair no erro de pensar que, com suas preocupações intermitentes, estão mais perto de chegar a uma solução viável para seus problemas. Mas, efetivamente, ocorre o oposto: os problemas se aproximam mais de sua realidade à medida que suas preocupações vêm à tona. Ao se preocuparem tanto com tudo, acabam não resolvendo nada. E, quando suas crises enfim passam, elas são acometidas por uma sensação de indignação.

Por causa da ansiedade, pessoas recusam convites para sair, desistem de seus sonhos mais audaciosos, sofrem de insônia, perdem a fome, ficam preocupadas que as coisas fujam do espectro de suas decisões conscientes, eventualmente acabam sentindo-se deprimidas. Saber lidar com esse problema é de substancial importância.

A ansiedade também está associada a boas expectativas. Uma pessoa pode se sentir ansiosa antes de viajar para um lugar que sempre quis ir, antes da uma transa, antes que seu time jogue a final do campeonato, antes de fazer uma apresentação de trabalho na faculdade, antes de uma festa de aniversário, antes de pedir ao chefe um aumento salarial. Nesses casos, a ansiedade surge como uma resposta normal ao se esperar por experiências relevantes.

O que pode parecer irracional para alguém que não sofre de ansiedade crônica, é bem real para quem lida com esse problema.

É muito comum que pessoas ansiosas adotem uma personalidade defensiva, em resposta ao medo de prejudicar os outros (e a si mesmos) com suas paranoias e inseguranças. A ansiedade transforma as pessoas em algo que elas não querem ser, mas com o qual são obrigadas a lidar. O grande perigo da preocupação extraviada é que, devido a ela, não é possível satisfazer-se plenamente com a vida.

Na visão do filósofo dinamarquês e existencialista Søren Kierkegaard:

“Porque é possível criar – criar um eu interior, estar disposto a ser você mesmo –, a pessoa sente ansiedade. Ninguém teria ansiedade se não houvesse possibilidade alguma.”

O existencialismo é uma corrente filosófica que estuda o conceito de liberdade enquanto pressuposto de uma vida autêntica. Essa vida, apesar de proporcionar certa autonomia e empoderar a pessoa, coloca-a num estado de permanente vigilância sobre seu futuro. A ansiedade que Kierkegaard se refere é aquela causada pela liberdade que o indivíduo tem para tomar quaisquer decisões, inclusive as mais terríveis: a possibilidade de criar a própria ruína e de aprofundar-se no vazio estabelece um quadro ansioso. O existencialismo é uma boa razão para haver tantas pessoas perturbadas em departamentos de filosofia.

Embora seja fomentada pela liberdade, a ansiedade pode causar inação, privando a liberdade de alguém.

A ansiedade é uma grande máquina de destruição interna, ela incapacita a pessoa. O ansioso preludia a infelicidade, que é o mesmo que sentir-se infeliz atualmente. A dificuldade de se dedicar ao presente sem sentir ansiedade pelo futuro está expressa no que o imperador romano Marco Aurélio disse:

“Mesmo se você vivesse três mil anos, ou até trinta mil, lembre-se de que a única vida que um homem pode perder é aquela que ele está vivendo no momento. Ele não pode ter outra vida além daquela que ele perde. Pois cada minuto que passa é de igual posse de todos os homens, mas o que uma vez passou não é mais nosso.”

Um segundo gasto em preocupações com o futuro será um segundo de arrependimento por não tê-lo aproveitado bem.

A ansiedade é muito recorrente em pessoas que sofrem de estresse pós-traumático. Esse estresse não se limita ao de veteranos de guerra, como mostram muitos filmes, mas tem enumeráveis outras causas. Mesmo um trauma aparentemente pequeno e insignificante pode esconder uma faceta de terror.

No interior da ansiedade, residem vários medos: do fracasso, da solidão, do abandono, da perda. Para lidar com todos esses medos, em determinados casos, os ansiosos procuram ajuda na terapia psicológica, e fazem bem. A terapia não é capaz de eliminar completamente essas fobias, mas é capaz de mudar a pessoa que as carrega, e essa mudança é decisiva, porque, quando a pessoa medrosa enfrenta seus medos, os medos é que se tornam medrosos – e menos eficientes.

A pessoa ansiosa provavelmente já notou como sua percepção do mundo se altera enquanto ela está em crise. Essa alteração é consequência de se sentir alterada. Como dizia Schopenhauer, “todas as pessoas tomam os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo”.

Na ansiedade patológica, o mundo exterior entra em declínio na medida em que o ansioso sente que seu mundo interno está prestes a desmoronar. Em 99% dos casos, não há esse perigo, mas é justamente no 1% que focam os ansiosos mais preocupados. Suas ameaças são supervalorizadas.

Todas as preocupações internalizadas em ansiosos remexem-se entre seus pensamentos, são percebidas de maneira inconveniente, operam como sombras ameaçadoras do bem-estar e da pacificidade.

Muitos tratamentos que foram desenvolvidos para a ansiedade têm um déficit em comum: focam nos efeitos e não nas causas. A supressão dos sintomas (abordagem superficial) é o objetivo comum desses tratamentos, enquanto todo problema psicológico precisa ser combatido em suas raízes. Ao se concentrarem nas manifestações da ansiedade, e não em seus princípios, esses tratamentos acabam sendo paliativos e incompetentes para propiciar a segurança duradoura que os pacientes procuram ao solicitar ajuda.

Uma coisa que atrapalha o bem-estar dos ansiosos é o senso de perfeccionismo, que não passa de uma ilusão de grandeza falida. A busca da perfeição é diferente da busca pelo melhor: a primeira é fonte de frustração e desapontamento; a segunda, de evolução e desenvolvimento. Em geral, os perfeccionistas sabem que vão sofrer pelos seus esforços obsessivos que destoam da realidade vigente, mas eles acham que esses esforços são necessários para se alcançar o sucesso. Quando os ansiosos se prendem a padrões de conquista irreais, tornam-se ainda mais propensos a se sabotar, porque a vontade de que as coisas sejam perfeitas no fundo revela as suas próprias imperfeições.

Os ansiosos querem que tudo aconteça da forma como desejam, mas alguns de seus pensamentos acusam o contrário. Esse choque entre a vontade objetiva de positividade e a manifestação desordenada de sensações negativas cria nessas pessoas uma ideia de ambiguidade mental.

Em seu livro A Sabedoria da Insegurança: Como Sobreviver na Era da Ansiedade, o filósofo Alan Watts argumenta:

“O futuro ainda não está aqui e não pode se tornar uma parte da realidade até que esteja presente. Uma vez que o que sabemos do futuro é constituído de elementos puramente abstratos e lógicos – inferências, suposições, deduções –, não pode ser comido, sentido, cheirado, visto, ouvido ou de outra forma desfrutado. Perseguir isso é perseguir um fantasma em constante recuo e, quanto mais rápido você o persegue, mais rápido ele corre à frente. É por isso que todos os assuntos da civilização são apressados, porque dificilmente alguém gosta do que tem, e está sempre buscando cada vez mais. A felicidade, então, consistirá não em realidades sólidas e substanciais, mas em coisas tão abstratas e superficiais como promessas, esperanças e garantias.”

Se para desfrutar o presente as pessoas precisam ter garantia de um futuro feliz, o máximo que elas têm é uma expectativa otimista, pois se trata de uma questão de probabilidade e não de certeza. Embora certos sofrimentos sejam necessários para a construção de uma felicidade futura, a ansiedade exagerada agride a esperança.

Pessoas cronicamente ansiosas podem cair no erro de achar que a ruminação – repetir os mesmos padrões de pensamento – é uma boa técnica para resolver suas demandas. Mas isso só agrava a ansiedade. Em geral, a interrupção de pensamentos ruminantes acontece quando a pessoa não está focada em fugir deles, e sim distraída com outras atividades.

Ansiedade tem uma forte ligação com a depressão. É bem conhecido que os transtornos ansiosos e depressivos têm uma alta comorbidade. A ansiedade não necessariamente faz com que uma pessoa fique deprimida, nem a depressão ocasiona sempre um estado ansioso, mas uma coisa pode levar à outra, o que na realidade é muitíssimo comum. Em certo sentido, a ansiedade é uma depressão esperando para acontecer, e a depressão é uma anulação da vitalidade existencial. Porque o ser ansioso cria possibilidades de que a vida seja pobre em significado, e a visão pobre da vida caracteriza um ser depressivo, o casamento entre ansiedade e depressão é bastante prolífico.

Apesar das coisas ruins no mundo, isso não significa que o mundo seja propriamente ruim. Uma pessoa segura de sua ansiedade compreende que a ausência de certezas pode ser benéfica: uma vida sem riscos impossibilitaria a existência de virtudes. As oportunidades de cultivar o caráter só são possíveis mediante desafios que testem esse caráter. Uma pessoa não pode ser boa sem conhecer a maldade, nem humilde sem lidar com a arrogância, nem generosa sem evitar a avareza, e por aí vai. Uma pessoa segura de sua ansiedade consegue – não sem algum esforço – transformar fatos e crenças ruins sobre a vida em oportunidades de aperfeiçoamento de caráter e mudança construtiva. Afinal, sem uma perspectiva de imperfeição pessoal, não haveria incentivos para se contribuir com o mundo e ser uma pessoa melhor. Quem acredita já ser bom o bastante não é capaz de evoluir.

Os pensamentos que causam a ansiedade podem não ser tão perigosos quanto os ansiosos julgam. A primeira coisa a se fazer é não inflamar a gravidade dos eventos e, quando a ansiedade vier, apenas deixá-la fluir até que se dissipe, sem dar espaço para ações impensadas. Se há uma justificativa racional para esses pensamentos angustiantes, cabe lembrar que, se nenhum comportamento impulsivo for tomado, uma crise ansiosa tenderá a ser resolvida sem maiores danos. A pessoa pode se sentir cansada de batalhar tanto contra sua ansiedade, mas esse cansaço tem sua recompensa: uma melhor compreensão das causas dos sintomas, o que aumenta as chances de superá-los sempre que ocorrem.

Não há nada que estimule mais a ansiedade do que o desejo de controle absoluto sobre ela. Embora seja complicado e quase impossível não tentar controlá-la, é de fato aceitando-a como parte de si que se começa a sentir uma força positivamente transformadora. Esse problema limita o potencial individual e para conviver socialmente, mas não interfere na liberdade que todos têm para aprender com ele e prosseguir em seu rumo da melhor maneira possível.

Muitos são capazes de lidar com o desconforto da ansiedade por conta própria, e outros acabam pedindo ajuda a amigos, familiares, médicos, psicólogos, etc. Sozinha ou sob orientação externa, é fundamental que a pessoa tenha discernimento de suas habilidades de enfrentamento do problema.

O ansioso não tem culpa por se sentir assim, apesar de muitos se comportarem como se esse problema fosse causado por uma escolha consciente. Frases como “Não seja ansioso”, ou “Você é muito negativo”, ou “Pare de perder seu tempo com besteiras”, ou “Esqueça essas paranoias” são muito ouvidas por ansiosos. Ninguém, em sã consciência, escolhe ter ansiedade; ela tem vida própria, se manifesta por si mesma.

Se a eliminação da ansiedade estivesse dentro do âmbito de poder das pessoas, ela obviamente não existiria. Como existe, e faz parte da natureza humana, é preciso se adaptar a ela de um modo construtivo, utilizando-se de inteligência emocional e resiliência.

Você não precisa sacrificar nada de si para ter o amor de alguém.

Você não precisa sacrificar nada de si para ter o amor de alguém.

Essa ideia de que um relacionamento só dá certo se uma das partes apagar certos sentimentos e comportamentos, tudo com o intuito de conseguir o carinho da outra pessoa entenda, não funciona. Não é assim que o amor cabe. Não é saudável que ele precise ser manipulado ou forçado a entrar nos eixos para agradar a experiência de amar de quem quer que seja.

Nunca troque a sua índole por alguém. Você pode e deve amadurecer a sua personalidade, é importante que cresça. Mas que seja no seu tempo, no seu carinho e, principalmente, porque você acredita ser necessário. Ninguém muda por causa de alguém. Um amor que é levado no sentido contrário disso, mais cedo ou mais tarde perde o rumo.

Banque a sua paz de espírito em qualquer relação. Que você permita o amor apenas para quem vier somar sorrisos e sinceridades. Que você nunca mais tenha de sacrificar nada porque só assim alguém irá te aceitar.

O amor é genuíno quando livre e construído através de escolhas que não maltratam a sua intensidade.

Antes de entrar na vida de alguém, verifique se ali terá espaço para você.

Antes de entrar na vida de alguém, verifique se ali terá espaço para você.

Ninguém consegue mandar no coração, principalmente quando se trata de paixão, de amor. De repente, sem mais nem por quê, a gente é arrebatada por um sentimento que invade e toma conta de nossos pensamentos dia e noite, noite e dia. E então aquela pessoa se torna nosso objeto de desejo, nossa razão primeira na vida.

Infelizmente, todos sabemos, nem sempre o amor será correspondido, nem sempre teremos retorno na mesma medida, seja de amizades, seja de amores. E como dói quando não há reciprocidade, quando não há correspondência afetiva, quando nada do que plantamos floresce, quando não há espaço para nós no coração que queremos adentrar.

Não será fácil, mas teremos que tentar ponderar e pensar com sobriedade, mesmo em meio à carga afetiva que parece nos tirar qualquer resquício de razão. Será preciso colocar a nós mesmos em primeiro lugar, entendendo quais as possíveis consequências danosas que poderemos ter de encarar, caso nos lancemos fundo àquele desejo feroz.

Algumas precauções sempre serão prudentes, como perceber se o coração que queremos ainda possui pendências com outra pessoa, se há realmente disponibilidade nos terrenos afetivos do nosso pretendente, se as intenções são as mesmas que as nossas. Ir ao encontro de corações ainda machucados, ou de interesses contrários aos de nossos sentimentos, possivelmente trará decepção e dor. Tem gente que ainda não está preparada para amar, ou para amar de novo.

Seremos mais felizes quando soubermos a hora de entrar e de sair da vida de alguém. Alguns amores não valerão a pena serem regados, algumas pessoas não terão lugar para tudo o que queremos ser ali juntinho, certos espaços não comportarão o que somos e temos. Será doloroso desistir, mas é assim que ficamos cada vez mais aptos a preencher com reciprocidade a vida de quem nos amará de igual para igual, nada menos do que isso.

Se alguém tem sede, venha a mim e beba

Se alguém tem sede, venha a mim e beba

Sempre gosto de brincar com os meus amigos que teoricamente existe mais de 1 bilhão de cristãos no mundo, mas destes, talvez menos de 1% segue o ser humano Jesus Cristo e a maioria segue uma máscara que foi criada para ele a partir das religiões.

Passei muitos anos da minha vida estudando a personalidade deste imenso avatar da humanidade, talvez o maior que já encarnou nesse planeta e sua mensagem é bem mais profunda do que se pode imaginar. Enfim, sem mais delongas! A passagem que vou me aprofundar é essa aqui:

“Se alguém tem sede, venha a mim e beba” – Jo. 7 – 37.

As religiões cristãs de um modo geral dizem que nessa passagem Jesus está se autoproclamando o Messias, o nosso “salvador”, a “água da vida”. E não é não Isaias?

NÃO. ABSOLUTAMENTE NÃO.

Ficou chocado? Vai fechar essa aba agora? Não tenha medo! Leia mais um pouquinho!

Jesus nunca, em hipótese alguma, se autoproclamou salvador do mundo! Se ele tivesse realmente sido o salvador, todos no seu tempo teriam se salvado, concorda comigo?

E outra coisa interessante é que Jesus era tão simples, mas tão simples, que milhares, milhares e milhares de pessoas passavam do lado dele e não percebiam que se tratava do mestre dos mestres!

Sim! Eram pessoas completamente ignorantes e distraídas!

O que ele realmente quis dizer ao pronunciar essas palavras é sobre como ser um verdadeiro mestre.

Ele disse: Se alguém tem sede, venha a mim e beba.

O que é essa sede? Beber o quê? Será que é água?

Essa frase é simbólica meus amigos! Essa sede é a SEDE PELA PLENITUDE DO SER, SEDE POR FELICIDADE GENUÍNA.

Jesus era um homem tão pleno de si mesmo, tão sábio, tão sereno, tão iluminado, que todos que dele se aproximavam queriam saber: “Mas como esse homem consegue ser assim? Como? Ele deve ter algo a nos ensinar…”.

Sim! Era dessa maneira que ele atraia para si multidões de seguidores.

Ele fazia alguma coisa? Você acha que ele fazia? Não! Ele não fazia absolutamente nada. A única coisa que ele fazia era viver a vida dele, em paz, em consciência, com um amor infinito que acredito, com toda sinceridade, que precisarei ainda viver muitas vidas para conseguir.

Eu me olho no espelho e vejo o quanto ainda tenho uma série de defeitos, de julgamentos, de desconfianças, de preguiças, de preconceitos e por aí vai!

Ele não! Ele era perfeito como ser humano, e por causa dessa perfeição, depois que ele morreu, ou mesmo antes de sua partida, as pessoas o chamavam de “Deus”. Já pensou?

Sempre que ele ouvia isso, posso estar julgando, mas acho que ele se estremecia por dentro e corria dessas pessoas! Rsrsrs

Você acha que Jesus se achava mesmo um “Deus”? Talvez você já tenha lido essa passagem na qual ele disse assim: “Vós fareis as obras que eu faço e as farão ainda maiores”.

Ele era tão humilde, mas tão humilde, que queria levar todas as pessoas a descobrirem e revelarem o “Deus” existente dentro delas. Ele veio nos ensinar a AUTOSALVAÇÃO

Sim! Existe um Deus dentro de você! O problema é que você não acredita nisso! Na realidade não se trata de acreditar. Você não tem fé suficiente para isso.

“A tua fé te curou”. “A tua fé te salvou”…

Lembra? “A fé remove montanhas”. Que montanhas? As montanhas de medo, de raivas, de mágoas, de ciúmes, de condicionamentos, de ignorância, de prepotência… todas essas armadilhas do EGO.

Acredite! Quando você conseguir retirar de dentro de você todas essas camadas e couraças que formam sua montanha de sombras. O seu ser verdadeiro vai começar a despertar! Você começará a ser você mesmo!

Jesus sabia quem ele era, e você também pode descobrir. Isso leva uma vida inteira, mas quanto mais cedo você começar, melhor, não acha?

E ele diz nesta frase. VENHA ATÉ MIM.

Essas palavras são riquíssimas e mostram o seu infinito poder.

Diferente de muitas igrejas que aparecem nas esquinas das cidades, que dizem: “Venha até nossa igreja! Aqui você vai se curar! Aqui você vai encontrar a salvação…”.

Ele dizia: VENHA ATÉ MIM.

E dizia mais: “Pegue a sua cruz e me siga”. Está com vontade de levar a cruz do esposo, da esposa, do filho, do sobrinho, da tia. Sinto dizer, mas desse jeito vai ser difícil você se tornar seguidor de Jesus. Já pensou nisso também?

Sua cruz já é bem pesada! Para que querer levar a cruz das outras pessoas? Sabe qual é no nome disso? EGOÍSMO e VAIDADE. Você vai querer ser egoísta e vaidoso o resto da sua vida? Vai esperar pela próxima encarnação para seguir Jesus? Eu não! Procurei ser mais inteligente! Estou seguindo Jesus agora mesmo! Vamos? Estou contigo Jesus! Para sempre e sempre…

Quer entender melhor o que é o egoísmo? Compartilho abaixo um vídeo maravilhoso do terapeuta Marcello Cotrim que explica isso com uma simplicidade imensa. Além de dois textos que escrevi inspirados no grande Raul Seixas. Vale a pena conferir!

Quando alguém começa a entender de fato quem foi Jesus, é impossível continuar sendo a mesma pessoa. Passa a si amar mais, passa a perceber que possui uma luz própria, que possui dentro de si a mesma potencialidade do Cristo, a única e crucial diferença é que essa luz está obscurecida pelos milhares, milhões de medos artificiais.

Ele já disso tudo que precisávamos meus amigos!

“O amor venceu todo medo”.

Quem vence seus medos, inevitavelmente se torna um ser amoroso, passa a exalar amor em cada gesto, em cada palavra, em cada sorriso!

E para concluir essa reflexão. Uma frase que você já está cansado de ouvir e apenas com ela, não precisaria ter escrito nenhuma das palavras anteriores.

“Amai ao próximo como a ti mesmo”.

Se você aprender a amar ao próximo como a si mesmo, aí você também terá o potencial de ser uma luz e matar a sede de muitas pessoas que se aproximarem de você…

Paz e luz…

Por que devemos respeitar a religião alheia?

Por que devemos respeitar a religião alheia?

Tinha um centro de macumba perto de casa. Havia sessões às sextas-feiras, e aquela batucada dos ritos naturalmente chamava a atenção de uma criançada que ficava solta e desocupada na rua. Eu estava nesse meio. Cheios de energia (e de ruindade, obviamente, Kkk), estávamos nós, eu e meus amigos, toda semana indo lá atrapalhar o ritual dos pobres praticantes. Ficávamos longos minutos olhando no buraco da fechadura. Quando os pais e as mães de santo começavam a cantar ou a rezar, nós começávamos a gritar ensandecidos, até que vinha alguém enfurecido nos enxotar. Era a hora de esticar as canelas e correr, mas tínhamos muita energia e voltávamos. Repetíamos tudo, de novo, e de novo. Essa fase durou um considerável tempo. Imaginem como aqueles ritualistas nos amavam?

A repressão pura não faz verão. Era advertida a não importunar os pais de santo, mas não era educada conscientemente em casa a respeitar a individualidade alheia, quiçá de um grupo ou de uma cultura, quiçá de um rito religioso em um país legalmente laico. Essa é uma realidade presente em muitas famílias brasileiras, infelizmente. No meu caso, compreendo que meus pais deram-me seguramente aquilo que puderam em suas condições. Eles simplesmente não podiam mais. Com baixa escolaridade e sobreviventes de uma vida precária, não havia muito o que fazer.

Quando a educação formal de um lugar falha – e falo dos sistemas educacionais governamentais regulares, geralmente organizados em escolas e faculdades, há as outras “educações” que podem agregar e transmitir os valores que faltam. Exemplos disso são a família e a igreja. Até mesmo as educações mais informais contam, como o que assimilamos pelo contato com os amigos, pelas leituras que fazemos ou pelo que assistimos na televisão.

Hoje compreendo que durante a infância eu era um ser para dentro. Religiosa. Rezava terços. Adorava uma procissão e quis ser noviça, entretanto não sabia como lidar com o diferente. É fácil e triste perceber que tudo que não emula o Deus cristão, as imagens dos santos ou a “Pietà” de Michelangelo – com o cristo morto e nu nos braços, é renegado sumariamente por parte considerável dos cristãos. Vira ocultismo.

Estava longe de saber que aquilo que vivia e sentia quando criança era, na verdade, uma semente de intolerância religiosa. E mais profundo ainda, que levado a outras consequências indignas isso é crime de ódio, fere a liberdade e a dignidade humanas. Como as explicações sobre o diferente não me vieram a tempo, eu perturbei, e muito! Minha mãe hoje é amiga da dona do tal centro e, mesmo quase trinta anos depois, sinto vergonha de abordar aquela boa senhora e dizer que sou uma das tais maritacas do passado. Felizmente isso mudou e ficou no passado. O conhecimento pode ser libertador. A educação estreita a ignorância.

É necessário no mínimo saber que a liberdade de culto no Brasil é assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal, no seu Art. 5, inc. VI – “ É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Além disso, por força desse dispositivo constitucional, diz-se que o Brasil é um Estado laico, ou seja, o país é legalmente obrigado a permitir a liberdade religiosa.

A pergunta que intitula o presente texto encontra resposta nisso. Intolerância religiosa é crime. Não devemos desrespeitar ao ponto de discriminar alguém por sua religião, caso contrário isso é configurado crime. A Lei 9.459, de 1997, considera crime a discriminação ou o preconceito contra religiões. Ninguém pode ser discriminado por seu credo religioso. O crime de discriminação religiosa é inafiançável, ou seja, não é possível pagar fiança para responder em liberdade. Além disso, é um crime imprescritível, ou seja, o crime não deixa de sê-lo com o decorrer do tempo, podendo o acusado ser punido a qualquer momento que a culpa for provada. A pena prevista para este crime é de reclusão por um a três anos e multa.

Respeitar o credo religioso alheio significa preservar a dignidade da pessoa humana. É saudável a existência dos diversos credos, bem como a falta deles também. Contudo, há pessoas de personalidades autoritárias, que parecem querer “obrigar” os outros a seguirem suas doutrinas de forma impositiva e inconveniente. Certamente não compreendem que religião não mede ninguém, absolutamente. No julgamento delas, querem convencer de que sua religião é a “certa” – seja lá o que isso for. Ocorre que escolher a fé como elemento de vida é uma decisão estritamente pessoal. O sentido da fé é interpretado por cada um de maneira diferente. Há até quem não sinta essa necessidade. O que não pode é ignorar a individualidade das pessoas e considerar-se superior pela própria escolha. Também não pode se achar no “direito” de desmoralizar alguém ou símbolos religiosos de outras denominações, de agredir física e moralmente, de perseguir e apelar para outros fanatismos. Sobretudo em uma sociedade que busca a igualdade de direitos e a evolução isso não pode ser aceito.

Em nosso caso, entretanto, é cotidianamente difícil fazer valer a lei nesse aspecto. Percebe-se que parcela da população tem sofrido drasticamente com a intolerância, principalmente seguidores das religiões oriundas da África, como candomblé e umbanda. Infelizmente algumas instituições religiosas protestantes aqui no Brasil elegeram os credos africanos para demonizar. Denominam os cultuados deuses africanos de demônios, fermentando cada vez mais discórdias e preconceitos desnecessários.

Queremos uma sociedade mais pacífica ou bélica? A palavra religião veio do latim religare ( atar ou ligar com firmeza ). Quando desrespeitamos, discriminamos ou matamos alguém por ele não estar em concórdia conosco, não é religião o que estamos praticando – e isso serve em qualquer contexto do mundo. Não era apenas de mim, quando criança, que religiões e ritos como a macumba sofriam rejeição, o que leva a pensar que o Estado precisa agir educativamente para reforçar desde cedo esses valores de respeito.

Ministério da Educação e governos estaduais e municipais podem e devem investir numa educação religiosa transversal, que abranja o ensino de diferentes religiões e práticas espirituais, bem como a livre opção pela não crença, a fim de formar crianças e adolescentes mais respeitosos e conscientes. Estudar religião e espiritualidade não é secundário. A partir do conhecimento das possibilidades de fés transcendentais é possível criar uma cultura de respeito mútuo. Uma sociedade com mais respeito e civilidade, por sua vez, tende a desenvolver-se melhor humana e economicamente.

“Somente aquilo que é experimentado passa realmente a ser incorporado como conhecimento.”

“Somente aquilo que é experimentado passa realmente a ser incorporado como conhecimento.”

Diálogo entre o escritor Flávio Paiva e a Peo.

Diálogo. Em uma sociedade na qual pais e mães normalmente trabalham, há uma tendência de burocratização do cotidiano infantil por meio da montagem de agendas de atividades que preenchem todos os horários da criança. Como conciliar essa situação de terceirização da infância com a abertura de mais espaço e tempo para a brincadeira espontânea?

Peo. Essa infância, a meu ver, está hoje exposta a uma ruptura entre o seu espaço natural, onde o tempo e espaço do seu mundo têm conotações profundamente diferentes do tempo e espaço do mundo adulto. Esta burocratização e terceirização, como você coloca, são palavras do universo do mundo adulto que retratam um sistema sócio-econômico que vem corrompendo uma cultura que possui seu modo próprio de ser e de estar no mundo, que é a cultura da criança. Ao longo do processo de urbanização das grandes cidades, a infância veio perdendo seu espaço, onde acontecia o encontro de crianças com outras crianças de diferentes idades para brincar. Nesses espaços, acontecia a vida vivida. A supressão da vivência comunitária das crianças nos parques, nos quintais, na rua, nos espaços de natureza presentes dentro do recreio das escolas, juntamente com a saída da mulher para o trabalho fora de casa, vêm criando uma alteração substancial na vida das crianças, cujos resultados estamos todos assistindo, nos diferentes diagnósticos que vão sendo apontados. Isso compromete a saúde física, emocional e mental das crianças. Por outro lado, pais e mães sentem-se sobrecarregados, reduzindo assustadoramente os momentos em que a família pode relacionar-se de uma forma tranquila. Os vínculos afetivos que se estabelecem, em geral, nesse estado da brincadeira são substituídos por formas afetivas compensatórias, que buscam equilibrar as relações, mas estão na maioria das vezes revestidos do sentimento de culpa pela ausência. Na verdade, o que a criança solicita do adulto é apenas um olhar e uma escuta sensível, onde ela possa ser afirmada em sua essência, que não é outra, senão a sua natureza de brincante, que quer relacionar-se consigo própria, com o outro e com o mundo através do aqui e agora de suas brincadeiras.

“SE QUEREMOS CONSTRUIR UMA HUMANIDADE CONSCIENTE E SENSÍVEL, TEMOS QUE COMEÇAR A OBSERVAR A NÓS MESMOS, ADULTOS.”

Diálogo. Ao brincar, a criança processa pela imaginação a criação do seu elo interno com o mundo externo. O que acontece quando isso não é possível?

Peo. Acontece o comprometimento do ser humano adulto que ela vai se tornar. Acho que o aumento da violência, assim como o aumento do uso de drogas, são substratos de uma infância reprimida, uma infância que vem sendo privada de estar no mundo dentro de um tempo e de um espaço que seja seu. A criança, quando brinca, transcende o que chamamos de realidade para, assim, recriar o cotidiano. É nessa outra esfera que ela prepara a fonte da criatividade do adulto. Mas uma sociedade adoecida adoece o homem e pressiona a infância. Há um grande número de crianças, hoje, apresentando sintomas de doenças que eram registradas apenas em adultos. Muitas crianças estão sendo medicadas com tranquilizantes. Muitas delas estão sendo diagnosticadas como hiperativas ou com distúrbio de atenção e isso não faz parte do universo da criança, porque criança é movimento e, ao brincar, ela desenvolve um processo de concentração que está ligado à necessidade de seu próprio desenvolvimento. Brincar é um ato de vontade e de liberdade.

Diálogo. Os brinquedos-produto e os jogos eletrônicos trazem em si uma descrição prévia da brincadeira, o que aumenta a comodidade do brincar e reduz o espaço potencial da criatividade. Diante dessa realidade contemporânea, que tem ainda a atração das telas dos celulares, dos computadores e da televisão, o que é possível fazer para motivar as crianças a se interessarem pelo brincar criativo?

Peo. A tecnologia está aí, as crianças são bombardeadas pelas mídias e pela sociedade de consumo. Não vejo como reverter esse tipo de influência sem o desenvolvimento, no adulto, de uma consciência que entenda a cultura da infância como uma etapa particular do processo de iniciação do humano. Não há dúvida de que os meios de comunicação de massa são instrumentos importantes do nosso tempo, criados pela inteligência humana, mas é preciso que eles sejam usados de uma forma inteligente a serviço do homem, e não como armas manipuladoras, que tornam o homem seu objeto e não sujeito. Há uma ilusão de que a criança apreenda o conhecimento através de equipamentos dotados de informações lineares e discursivas. Por exemplo, se queremos realmente que a criança venha a ser um adulto consciente sobre a questão ambiental do nosso tempo, ela tem que ter experimentado corporalmente o contato com a terra, com a água, com o fogo, com a natureza. A criança não prescinde da experiência. Ela processa o conhecimento através da exploração concreta dos elementos que chegam até ela. A apreensão efetiva da educação ambiental precisa ir além do discurso. Assim como os demais tipos de conhecimento. Penso que está na hora de reprogramarmos também o anacronismo educacional, que segrega as crianças por idade. Isso destrói a riqueza do processo de troca de experiências vivas e de aprendizagens reais, porque elas são significativas enquanto contato humano. A brincadeira envolvendo diferentes idades realiza aprendizagens que compõem um acervo significativo de conhecimentos, que ultrapassam muitas vezes em qualidade o currículo desenvolvido por nossas escolas de educação infantil. A linguagem da infância é a experiência e isto exige um tempo próprio.

Diálogo. De que maneira a desconsideração desse tempo repercute na educação?

Peo. Estamos assistindo ao equívoco de pais e educadores no entendimento de que informação é conhecimento. Esta falsa impressão tem levado muitas famílias e escolas a pensarem que botando um computador na mão de uma criança, garantem seu desenvolvimento intelectual. Isso não é bem assim, porque o excesso dessas vivências diante da tela, além de aprisionar o corpo da criança, que essencialmente prima pelo movimento para ter saúde física, priva-a do contato com parceiros em brincadeiras que dinamizam vivências com conteúdos a serem incorporados de forma pertinente à sua fase de desenvolvimento. Além do que, há programas que lidam com questões que ultrapassam a capacidade da criança de elaborá-las com equilíbrio, produzindo, assim, intoxicações tanto emocionais como mentais, que alteram comportamentos em seu processo de aprendizagem. Uma tela de televisão atrai bastante qualquer criança. Ela emite a luz e o movimento, que são dois aspectos que geram fascínio. Agora, o que está por trás daquela luz é uma outra questão. Na minha experiência de quase 25 anos com crianças entre 2 a 7 anos que têm contato com esses equipamentos, mas têm também a oportunidade de frequentar um espaço de educação onde a natureza está muito presente, é um fato a preferência pela natureza e pelos companheiros para brincar, em detrimento do uso de televisão ou computador. Então, devolver à criança a natureza, que é sua casa, é fundamental. Inclusive porque ela precisa utilizar um corpo no qual estão presentes todos os verbos a serem experimentados: braços e pernas precisam se articular enquanto sobem e descem das árvores, fortalecendo a musculatura em tempo de crescimento dos ossos. Além disso, nas vivências significativas de vínculos afetivos, que vão sendo construídos através das brincadeiras, a oralidade prima pela sua presença importante para o posterior processo de aprendizagem da leitura e da escrita em seu devido tempo. A criança que não tem espaço nem tempo para brincar está sendo privada da criação de vínculos significativos em relação à vida, porque somente aquilo que é experimentado passa realmente a ser incorporado como conhecimento.

Diálogo. E o que nós adultos temos a aprender com isso?

Peo. A criança traz para nós adultos o sentido da essencialidade do ato, sem qualquer complicador intelectual. Uma criança vê e escuta literalmente aquilo que está vendo e ouvindo. Por isso, o cuidado sensível e atento que o adulto deve ter em relação ao que expõe para a criança ver e ouvir. Se queremos construir uma humanidade consciente e sensível, temos que começar a observar a nós mesmos, adultos, porque as crianças seguem o exemplo com o qual estão em contato. Esta é a nossa responsabilidade como adultos em relação às crianças. Sejamos, antes de tudo, nós mesmos. É isso que elas esperam de nós. A nossa verdade, seja ela qual for. Porque a dualidade do discurso e da vida emite uma mensagem que desequilibra a criança. Certa vez, uma criança, observando um adulto andando sobre uma esteira de ginástica, perguntou: “por que você está andando sem andar?” A criança é assim, ela vê a cena e conclui em palavras o movimento que ela percebe. Acho fantástica a capacidade que a criança tem de expressar corretamente aquilo que ela vê, que transcende muitas vezes o que nós adultos estamos vendo. A criança pensa por analogia, ela reconhece pelas semelhanças, que é o primeiro passo para um conhecimento científico. Por isso, dizia Albert Einstein, “brincar é a mais elevada forma de pesquisa”. Pois bem, é esta a leitura que nós adultos estamos convidados a fazer neste século XXI, sobre a cultura da infância. A criança aponta para um repensar de nossa humanidade. É um embrião humano que nela se expressa. Daí sua importância vital.

Fonte indicada: A Casa Redonda

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