Não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”

Não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”

Imagem de capa: Tanja Nikolaenko, Shutterstock

Quem quer estar junto, demonstra interesse. E mais do que interesse, mostra atitude. Não é decidir tudo a cada 5 minutos, mas também não é deixar a vontade de ver alguém jogada no vento, como naquela traiçoeira fala do “você que sabe”.

Tem gente que é mestre em confundir desinteresse com indecisão. No primeiro caso, a outra pessoa simplesmente está pouco se lixando para o fato de você querer a companhia dela. Já no segundo caso, a outra metade é bem confusa para saber o que quer. Mas em ambas as situações, não podemos negar, falta vergonha na cara de quem corre atrás. É claro que não dá para generalizar. Muitas vezes, com muitas pessoas, você apenas está disposto para mais de uma escolha. O problema é quando isso se torna uma constante no relacionamento. “Você que sabe” não é resposta para tudo. No fundo, você sabe disso. Mas por alguma razão desconhecida, treme na base para dizer, para expressar-se.

Infelizmente, vivemos num tempo onde as opções são tantas que, até sem querer, acabamos fazendo um jogo duro desnecessário. Falta mais sinceridade em olhar nos olhos da pessoa que está junto de você e conversar sobre si. Expor pensamentos, sentimentos e gostos. Além de ser completamente válido, ainda evita desconfortos e caretas por possíveis negativas e dúvidas no relacionamento.

Cada instante é precioso demais para cair no limbo do tanto faz. Saudade alguma merece tanto descaso. A maior prova de respeito que você pode entregar para alguém, é deixar de lado esses vícios emocionais que carrega de decepções passadas. Porque não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”.

Com o tempo a gente aprende quais brigas comprar

Com o tempo a gente aprende quais brigas comprar

É no tempo que as verdades se revelam. Que a vida acontece e floresce como tem que ser. O tempo é um bálsamo e um ótimo antídoto contra os impulsos que com certeza, em algum momento da vida, já nos jogaram em meio a um turbilhão de situações delicadas.

Quantas brigas de outros compramos para nós sem nos darmos conta das consequências? Quantas vezes falamos ou agimos sem analisar se nossas palavras ou atos trariam mais benefícios que estragos?

Pois é, foi preciso que passássemos por algumas situações para aprendermos a pensar antes de agir, a olhar bem para os lados antes de atravessar, a buscar todas as motivações antes de tomarmos alguma posição.

Entre o preto e o branco existe uma infinidade de matizes e esses matizes a gente só enxerga depois de certas experiências. Eles só aparecem depois que aprendemos caindo e ralando os joelhos ou depois que descobrimos como analisar as coisas de forma mais desprendida.

A vivência faz com que tenhamos confiança e amor-próprio suficientes para adiar respostas rápidas diante de situações que nos aparecem de supetão. A vida nos faz entender que existem outros personagens além do lobo e da chapeuzinho. Que há muito mais que merece ser visto e ouvido antes de efetivamente entrarmos de cabeça em alguma coisa.

Certas pessoas têm mais facilidade para controlar a impulsividade e acessar suas vozes interiores, independente da vida e ensinamentos que tiveram. Isso é ótimo, pois nossa voz interior é o resultado de nossas percepções mais profundas. Já outras pessoas têm um pouco mais de dificuldade para se aquietar. A boa notícia é que o tempo é um professor paciente, que ensina a todos, mais cedo ou mais tarde.

De acordo com a ciência quem sabe esperar e refletir tem melhores resultados acadêmicos e sociais a longo prazo, em suma, tem uma qualidade de vida melhor. Mas se você ainda não conseguiu controlar seus impulsos de forma satisfatória, um exercício simples pode ajudar a aquietar pensamentos e sentimentos acelerados, sem que seja preciso muitos tapas na cara para isso: deixe para agir amanhã.

Você vai perceber que algumas resoluções que você julgava urgentes não eram tão urgentes assim. Que algumas coisas se encaixam sozinhas e que outras só podem ser ajeitadas com carinho, paciência e dedicação.

Quando aprendemos a controlar nossos ímpetos, a vida, indiscutivelmente, se apresenta mais suave para nós.

Ser paciente. Refletir. Saber quais brigas comprar, ciente das consequências, e quais ignorar, certamente nos livra de muitos aborrecimentos e denota que hoje estamos mais amadurecidos.

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Atribuição da imagem: pixabay.com – CC0 Public Domain

Um brinde a todos os foras que levamos até hoje!

Um brinde a todos os foras que levamos até hoje!

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

Sejamos sinceros: ninguém aprende nada sobre a vida estando em férias, em uma praia paradisíaca, tomando água de coco. Aprendemos na dor, levando alguns socos da vida e indo à nocaute algumas vezes. Aprendemos quando o sofrimento arrebenta a alma e quando, mesmo assim, temos que seguir em frente.

Ninguém é curado se antes não houver dor. Ninguém levanta sem antes cair. Ninguém aprende o que é correto sem antes errar. Às vezes é preciso chorar muito para aprender uma lição mesmo. E, quer saber? Um brinde a isso! Um brinde a todos os foras, às porradas da vida e aos “nãos” que levamos. Eles nos fizeram crescer e chegarmos maduros até aqui.

Não dá para ficar preso à ideia de que fracassamos na vida só porque as coisas não saíram como planejamos. Entenda há uma grande diferença entre “algo dar certo” de “dar como gostaríamos”. Quando nos envolvemos com alguém estamos arriscando a sofrer ou não.

Em “Os quatro amores”, C.S. Lewis dizia que “amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo”.
Amar significa correr riscos, mas claro, de forma madura. Algumas relações dão certo, outras acabam sem explicação. Assim é a vida!

Desculpe decepcionar, mas o “fora” não é uma exclusividade sua. Caso você tenha mais de 20 anos e nunca tenha levado um, sugiro que sua vida seja estudada pela ciência. Caso você tenha levado vários e sobrevivido, saiba que isso é uma das coisas mais normais do mundo.

Você pode ser incrível, ser independente e saber falar cinco línguas diferentes, mas se o sentimento não for recíproco nunca dará certo. Esqueça a auto condenação de “se eu fosse mais magra”, “se eu fosse mais bonito” ou “se eu morasse na mesma cidade”, porque isso só tem peso para quem não ama.

É necessário parar de associar o “fora” à rejeição. As pessoas sofrem porque acreditam que estão sendo rejeitadas por quem amam. Mas, na verdade, não é nada disso. Ninguém leva um fora pela aparência, pela cor do cabelo ou pelos quilos que tem. Levamos (e damos) foras porque não houve sentimento em relação ao outro. Só isso! Não há (ainda bem) como obrigar as pessoas a nos amarem só porque nos apaixonamos por elas. Somos livres!

Essa (péssima) mania que temos de falar que fomos iludidos e que a pessoa não presta é só uma forma de justificar o fora que levamos e de esconder nosso ego ferido.

Ainda temos muito o que aprender sobre relacionamentos que terminam e sobre aquelas que nem chegam a começar. Precisamos entender que levaremos muitos foras na caminhada da vida. Alguns serão sutis, outros serão em formas de desaparecimentos no estilo Copperfield e outros doerão como um soco na boca do estômago. Mas, brindemos a todos eles! Um fora é a forma que o destino encontrou de nos defender de uma dor futura.

Não se despedace para manter os outros inteiros

Não se despedace para manter os outros inteiros

Imagem de capa: karelnoppe/shutterstock

Esquecemos de cuidar de nós, na medida em que cuidamos em demasia dos outros, até que chegamos a um ponto de sonegação que já não somos capazes de oferecer nada a ninguém.

Vivemos em tempos de pleno egoísmo, em que pensar e se colocar no lugar do outro é algo extremamente raro. A tal da empatia é imprescindível para iluminar tempos escuros. Entretanto, como nada na vida é simples, é necessário que prestemos atenção no modo como nos doamos às outras pessoas, pois ainda que isso seja importante, por vezes, esquecemos que também precisamos nos amar.

Vejo muita gente falando sobre isso e, de fato, é algo que precisa ser dito. Todavia, não quero chegar no fim das contas ao lugar comum de um egoísmo mascarado de amor próprio ou a uma autoproteção exacerbada. Digo isso, porque se relacionar é quebrar a cara, não tem jeito. Uma hora ou outra, alguém vai te decepcionar, não vai corresponder às suas expectativas, nem ao afeto e ao cuidado que você proporciona.

E isso faz parte da vida em comunidade, composta por um emaranhado de relações sociais das quais fazemos parte. Para criar bons relacionamentos é preciso criar expectativas e investir do que você possui de melhor na pessoa, mesmo sabendo que sempre há o risco de se decepcionar e se machucar.

O ponto que quero levantar nesse texto é que mesmo estando aberto aos outros, é preciso que haja também um olhar e cuidado com si próprio, afinal, se você não estiver bem, como poderá oferecer algo de bom aos outros? No entanto, a verdade é que muitas vezes imergimos em relações e situações que retiram de tal modo o nosso ar, que paramos de respirar.

Esquecemos de cuidar de nós, na medida em que cuidamos em demasia dos outros, até que chegamos a um ponto de sonegação que já não somos capazes de oferecer nada a ninguém.

É claro que devemos ter carinho pelas pessoas, tratá-las bem, agir com humanidade, contudo, há certos momentos em que devemos parar, olhar-nos no espelho e ver se estamos de agrado com o que está sendo refletido. Ou seja, precisamos de um tempo só para nós, em que possamos refletir sobre como estamos, inclusive, nos nossos relacionamentos, a fim de que não nos suprimamos de tal modo que acabemos nos despedaçando por tamanha falta de cuidado com alguém que também devemos amar.

Outra coisa importante de ser dita é que nem sempre precisamos tirar de nós para dar a alguém. Isto é, em alguns momentos é necessário deixar que a pessoa ande com as próprias pernas, conte consigo mesma, experimente o mundo sem travas de proteção, quebre a cara; pois isso faz parte do processo de amadurecimento, tão importante para o crescimento de todos nós.

Mais uma vez, isso não significa que só devamos olhar para o nosso próprio umbigo, mas mesmo as pessoas que amamos e por isso estamos sempre querendo fazer de tudo para ajudar, proteger, cuidar; necessitam experimentar o mundo e certas vivências sozinhas, já que sem isso, estaremos nos esquecendo de nós para nos doar ininterruptamente a alguém, ao mesmo tempo em que deixaremos que o outro possa crescer e aprender que além de um receptor, também deve ser um vetor de afeto.

Buscar o equilíbrio na linha tênue entre o amor próprio e o egoísmo é realmente muito difícil, mas é essencial para que não nos tornemos pessoas fechadas em si mesmas, tampouco pessoas esvaziadas completamente do nosso eu. O que significa dizer em outras palavras, que toda relação é uma via de mão dupla, de maneira que precisamos ser retribuídos no afeto que doamos, bem como, de um tempo interior para que mantenhamos a nossa alma nutrida pelas nossas mãos, já que isso é vital para que estejamos completos nas nossas relações, sem que nos despedacemos para manter os outros inteiros.

Decidi que não colo mais nada que estiver aos pedaços

Decidi que não colo mais nada que estiver aos pedaços

Imagem de capa: Adrian_am13/shutterstock

Um vasinho que minha filha pintou quando era pequena… quebrou. Colei uma vez, segurou um pouco, meio falhado, faltando pedaços. Quebrou de novo, meu coração apertou novamente. Não colou mais. Foram duas agonias que poderiam ter sido evitadas. A fragilidade da primeira cola e a frustração da segunda.

Assim é também na vida, nas relações, no que se constrói e destrói. Se quebrou, escangalhou, rompeu, se partiu, é momento de se despedir e descartar. Abrir espaço para o novo, o inteiro.

O apego faz a gente tentar reverter os danos, fazer voltar ao normal, fingir que nada aconteceu e tocar para frente. Mas, e não vale para tudo, mas vale para muita coisa, às vezes não tem jeito. O conserto fica pior do que o original, a ilusão do refazimento cria sombras e sustos a cada movimento. Uma fragilidade insuportável!

Por outro lado, estranhamente sofremos pelos rompimentos, pelos cacos espalhados, por comunicações cortadas, mas diariamente descartamos um monte de aquisições e possibilidades, concentrados que estamos em colar pedaços do que não irá funcionar mais.

Um tecido rasgado não volta ao normal, ainda que a costureira seja fantástica. Uma relação esgarçada, também não. Mesmo que se faça um esforço supremo para juntá-la novamente. E constatar que não foi possível, é a segunda dose do sofrimento.

Eu gostava demais do vasinho pintado. Mas eu também gostava demais de um telefone que quebrou, de um amor que me deixou, de uma amizade que não rolou. É assim mesmo, a gente gosta demais, se dedica enquanto a coisa tem vida, cuida e tenta conservar.

Mas, se vier a quebrar, é importante discernir se vale à pena tentar colar. Muitas vezes é melhor se concentrar na despedida, no processo de luto e desapego, do que na fragilidade de uma cola que nem quer essa responsabilidade toda para si.

Deixar sair da vida, da posse e do campo de visão é tão importante quanto observar o que diariamente se apresenta por inteiro para nós.

Muitas vezes, é preciso passar pelo pior para conseguir o melhor

Muitas vezes, é preciso passar pelo pior para conseguir o melhor

Uma certeza dessa vida é que nada é fácil, quase nada se obtém sem luta, dedicação, perseverança e atitude. E, ainda assim, manter o que se conseguiu também requer dedicação e entrega, ou tudo se vai. Nada se mantém onde não exista terreno regado, adubado, pois onde ninguém se importa, nada permanece.

A vida aperta e atarracha, acua, recua, puxa e solta, a todo momento, colocando-nos à prova, testando nossa capacidade de levantar de novo, de recomeçar. É assim que vamos ficando mais fortes, mais seguros, valorizando o que e quem realmente importam, deixando de perder tempo com o que não acrescenta, não soma, não enriquece os sentidos.

Muito do que queremos não conseguiremos alcançar, o que nos deixará alquebrados e tristes. Muitas pessoas não nos amarão de volta, o que machucará nossos corações. Muitas pessoas nos decepcionarão, o que nos levará a desistir delas. Com o tempo, porém, retomaremos o querer, o amar, o confiar, pois é tudo isso que nos habilita ao viver.

Ao contrário da escola, na vida as provas ocorrem antes das lições, porque é a experiência que nos ensina, é a dor que nos fortalece, são as perdas que nos direcionam aos objetivos a serem priorizados. Após ter atravessado as escuridões dos erros e das tempestades emocionais, tornamo-nos mais desejosos de alcançar a felicidade que, quando sentida, então nos preenche em toda sua inteireza.

Não existe outra maneira de aprender que não seja atravessando os caminhos que se pretendem, sentindo em si mesmo a dor, o suor e o prazer que toda travessia contém. Não podemos entender o outro, a não ser nos colocando em seu lugar, compreendendo que cada pessoa é única e especial, pois sente de forma peculiar, de acordo com o que vivenciou e possui dentro de si.

Algumas coisas entrarão em nossas vidas tranquilamente, como um amor verdadeiro, um sorriso amigo, olhos que se encontram, pessoas aconchegantes. Outras vezes, sofreremos, cairemos, choraremos sozinhos, agarrando-nos a um tênue fio de esperança, antes de poder sorver com serenidade aquilo que então fará parte de nossas vidas.

Por isso é que não podemos desistir de sonhar, de amar, de sorrir, nem de chorar, porque isso tudo é vida. Isso tudo é prova inconteste de que fomos feitos para durar.

Imagem de capa: Dennis van de Water/shutterstock

Sobre pertencimento

Sobre pertencimento

Imagem de capa: folami, Shutterstock

Algum dia desses, talvez não amanhã ou depois, você finalmente descubra o seu lugar no mundo. Descobertas assim levam tempo, é verdade. Mas quando você resolve abraçar dúvidas e certezas em busca de uma sensação maior, pode ser que não demore para entender o que significa pertencer.

Todos somos instantes no universo. A ideia da existência do infinito não serve para aquecer o espírito. Sempre é um conceito irreal, para não dizer efêmero. Nascemos, crescemos e partimos. É um ciclo. O que torna tudo isso diferente e sentimental é a forma como lidamos diante de tantas experiências. Não há porquê temermos o pior. Não há, também, razões para não esperarmos o melhor. A nossa visão sobre a vida é que conduz o ritmo de cada ação partilhada. Quem deposita generosidade, recebe liberdade. Participar de algo além do comum e do ordinário é o início do pertencimento.

Conforme os dias passem, você perceberá a intensidade dos gestos. Nada é vazio. Tudo é preenchido. E se faltar atitude, lide. Se faltar proximidade, chegue perto. Escolhas estão disponíveis a todo momento para que, sem qualquer atrevimento, saibamos trilhar bons caminhos em direção ao novo. Inclua o amor na conta. Não desperdice presença com quem sabota querer.

Às vezes, não dá para dimensionarmos o futuro. Tudo o que podemos fazer é fincar pés e mãos no presente. Mantê-lo regado, receptivo e resiliente. Você não pode viver de sobras. Nós não podemos viver de migalhas. Atração demanda entrega. É necessário compreender defeitos e qualidades como partes de um todo, como partes de você. Mas, e desculpem a franqueza, não quer dizer que mudar está fora de cogitação. Evoluir deve ser a única constante no coração de alguém.

Ainda, em tempo, pertencimento é sobre estar em contato com o melhor que você tem a oferecer. Porque só quando você se desfaz de fragilidades e silêncios anteriores, é que finalmente descobre – pertencer justifica viver. Viver por você, por nós e por todos.

Quem acha que tudo é indireta tem a consciência pesada

Quem acha que tudo é indireta tem a consciência pesada

Em tempos de redes sociais em alta, espalham-se, a torto e a direito, mensagens com dizeres escritos no sentido de atacar o que de pior os seres humanos possuem: falsidade, egoísmo, deslealdade, traição. Basta lermos os murais do face ou do twitter e perceberemos que a maioria das postagens acaba por tentar mandar uma lição de moral, sem endereço explícito.

São memes, citações, fragmentos de livros, frases de caminhão, todo tipo de material pelo qual, bem ou mal escritas, disseminam-se mensagens generalizadas que versam sobre comportamentos indesejáveis e vícios morais que se quer combater. Neste contexto, a inveja, a ganância, a falsidade, o preconceito, entre outros, encontram terreno fértil nos posts que se generalizam pelas redes sociais.

Interessante observar que não poucos internautas bradam majoritariamente sua indignação em relação a quem se mete na vida dos outros, a quem cobiça o que não é seu. Parece, muitas vezes, que o mundo inveja aquela pessoa e tenta se intrometer na sua vida, ou seja, haja narcisismo para se achar deveras importante assim. Não pode ser normal alguém se ver como uma pessoa tão invejada e por tanta gente. Há que se ter cautela com quem se vê insubstituível dessa maneira.

Da mesma forma, há quem se ofenda com qualquer linha que lê, pois toma para si todas as indiretas virtuais, achando que o todo mundo manda recados para a sua pessoa. Mesmo que se trate da postagem de um mero conhecido, tem a certeza de que aquilo lhe foi endereçado. Na mente deste tipo de pessoa, a sociedade presta atenção em tudo o que ela faz, condenando, difamando, invejando cada um de seus passos. Autoestima é bom, mas egocentrismo a esse ponto é doentio.

A verdade é que o tempo anda por demais corrido e as responsabilidades crescem a cada dia, ou seja, mal temos tempo de cuidar de nossas vidas, que dirá prestar atenção na vida dos outros. Sempre existirão os enxeridos de plantão, prontos para detonar qualquer pessoa, sem motivo racional, mas a grande maioria estará ocupada com as próprias tarefas, que não são poucas. Caso comecemos a enxergar indiretas em muito do que postam nas redes sociais, é claro sinal de que temos algo incomodando aqui dentro de nós. Como dizem, quem não deve não teme. Simples assim.

Imagem de capa: George Rudy/shutterstock

A simplificação do amor em tempos de bytes

A simplificação do amor em tempos de bytes

Imagem de capa: FCSCAFEINE/shutterstock

Os tempos não são apenas líquidos, são também mais simples, mais fluídos, mais livres de formalidades, e nessa aparente liberdade muito sentimento se perdeu.

Não há muito tempo, ao final de cada ano, recebíamos algumas dezenas de cartões de Natal aos quais se presumia que haviam de merecer idêntica retribuição, pelos mesmos meios, e esse era sempre o bom e velho correio. Todo mundo recebia e todo mundo retribuía.

O carteiro vinha quase todos os dias de dezembro à minha casa e eu me desesperava vendo a pilha de cartões crescendo, alguns abertos, outros sem abrir porque não dava tempo, e porque abrindo um já se conhecia todo o conteúdo dos demais. Bastava ler o nome do remetente e, dali mesmo, despachar a resposta protocolar.

Era trabalhoso, mas era preciso providenciar cartões de resposta para todos que gastavam o seu tempo indo até à livraria, escrevendo algumas poucas palavras, endereçando o envelope, enfrentando filas de fim de ano para a postagem no correio, afim de que seus votos de boas festas pudessem chegar às nossas mãos.

Era a hora do caminho inverso, todos tínhamos que fazer o mesmo. Era impensável não retribuir. Alguns de nós o fazíamos na última das últimas horas, apenas para nos desvencilharmos da obrigação.

Havia ainda aqueles que enviavam algum presente junto com o cartão, um panetone, um vinho, uma compota, algumas bolachas feita em casa embrulhadas em saquinhos de pano xadrez, e também tínhamos que retribuir a esses e aqueles que, por conta da gentileza mereciam idêntico tratamento.

Verdade seja dita: só me lembro de ter feito retribuições. Nunca foi minha intenção estimular o comportamento pré natalino que sempre me pareceu muito formal e rígido, mas por força das convenções, era assim que tinha que ser.

O tempo passou e hoje, com o advento das relações virtuais, todos os votos feitos em papel foram transferidos para o mundo dos bytes. Todos os cartões que entulhavam as nossas mesas, foram parar em nossa caixa de e-mails, em nosso perfil na rede social. As lembrancinhas cheirosas, coloridas, saborosas, foram substituídas pelas representações gráficas de seu conteúdo.

Já não se faz um pré Natal como antigamente. Desde o advento da internet não me lembro de receber nenhum cartão, nenhum presente, nenhuma coisa feita pelas mãos do doador, e por conta disso o mês de dezembro ficou mais vazio e sem muito significado. E não só dezembro, mas todos os meses do ano.

Os ramalhetes de flores que chegavam nas datas do nosso aniversário já não chegam mais. As entregas tornaram-se raras. As visitas também. Tudo agora é instantâneo e distante, tudo é apenas representativo, e ainda assim recebemos cumprimentos em tempo real, e em número muito maior.

Se alguém tinha 50 amigos, hoje pode facilmente ter 5.000. E ainda que a maioria não se lembre, os poucos que se lembram inundam a nossa caixa de emails, e os nossos perfis nas redes sociais, com desejos de felicidade, nos fazendo acreditar que somos amados e lembrados. Parece tudo muito bem resolvido. Só que não. Falta alguma coisa.

Não há mais marcos de celebração envolvendo as nossas vidas, não há mais caixinhas para guardar os cartões inúteis que somados, simbolizavam o nosso histórico de relacionamentos e de sentimentos, a prova viva e concreta dos nossos tratados individuais de amor e de paz.

Não há mais lugar para a materialização do amor abstrato. O amor que sempre necessitou de substantificação, tornou-se mais abstrato do que nunca porque não custa quase nada do muito pouco que custava antes. Era pouco, mas aquele pouco se apresentava e nos acompanhava durante toda a vida, como marcos de celebração.

Tenho até hoje muitos cartões guardados. Tenho os cartões do meu casamento, de Natais, e de aniversários. Amarelados, eles representam uma lembrança concreta de um amor eficaz. São símbolos de amizades que fiz, de relações que estabeleci, e alguns desses me recordam pessoas que não estão mais entre nós. Ficaram as suas mensagens com letras escritas a mão, última lembrança irrefutável de que se importaram conosco, enquanto viveram. E de que viveram.

Não tenho coragem de me desfazer desse acervo. Minhas filhas terão que faze-lo por mim.

Vivemos tempos simplificados. Cada vez se simplifica mais a vida e seus elementos protocolares. Quantas coisas mudaram, quantos costumes foram descartados, quanto se perdeu, e quanto se deixou de ganhar! Eu que sempre relutei em cumprir protocolos me vejo agora um pouco nostálgica.

Abri os meus cartões de dez Natais passados,na terça feira de carnaval, em pleno mês de fevereiro, e me descobri saudosa da exatidão fraternal cronometrada. Quem era meu amigo no Natal era amigo na data do meu aniversário. Era amigo de dezembro a dezembro. Mais que uma sequência havia uma consequência. Havia correspondência verdadeira. Havia continuidade. Havia reciprocidade. Havia lógica. Havia o conteúdo simbólico tão necessário para nos fazer sentir que pertencíamos uns aos outros.

Eu não sei onde essa simplificação nos levará. Eu só sei que sinto saudades dos cartões de linho, materializando a boa vontade dos homens na terra. Era apenas papel, mas era também Papai Noel com seu trenó, galhinhos verdes, guirlandas de flores, renas, a imagem de Jesus na manjedoura, a mãe de Jesus, os animais, os reis magos, o amor, a alegria, a fé, a esperança da vida eterna, e a certeza de que tudo era parte de um grande propósito universal que dava sentido à existência.

Hoje temos bytes. Temos imagens. Temos muito material áudio-visual. Não é preciso um grande esforço para resgatar a memória. Mas ainda assim falta passado nesse presente imperfeito, falta o rastro da palavra escrita, falta um roteiro sentimental que possamos segurar nas mãos como arquivo seguro.

Se você não puder ser a sua melhor versão com ela, então deixe-a ir

Se você não puder ser a sua melhor versão com ela, então deixe-a ir

Ela não está interessada em quantos momentos extravagantes você pode proporcionar ou em qualquer outra coisa que o dinheiro possa comprar. Ela não liga para isso. Ela quer que você seja verdadeiro, honesto e empático sobre os seus sentimentos. Se você não puder ser a sua melhor versão com ela, então deixe-a ir.

Ela não quer um amor construído com ingredientes de um supermercado. Não é a receita perfeita que a interessa, mas o cuidado no qual cada gesto é igualmente distribuído. Um pouco de gentilezas, algumas pitadas de paixão, duas colheres de respeito e um copo cheio de reciprocidade. Para temperar, liberdade, tesão e igualdade. Nada do que você já imaginou ter algum dia, enche os seus olhos. O comum é chato demais. O passado, também. Ela quer simplesmente que você esteja disposto a se perder com ela. Sem razões únicas. Sem motivos egoístas. Tudo o que importa é a sinceridade de um abraço que há muito tempo não vinha.

Ela não está nem aí para essa sua prepotência de achar que ela te pertence. Não é você quem escolhe. Ela é quem decide, quando e como será de vocês. Nada de posses. Ela chega e parte do jeito que bem entender. Porque não existe isso de rédea curta com ela, não. Ela nasceu livre e apenas concede o passaporte para vocês estarem juntos.

Ela não quer proteção. Ela sabe se cuidar. O que enche o seu peito de tranquilidade e faz a sua alma sorrir de bom grado, é saber que está com alguém que escuta e reconhece os seus desejos. Ela quer conversar de coração para coração, de amor para amor. Antes que seja tarde, trate-a com o mesmo querer que te moveu até aqui. Se você não puder ser a sua melhor versão com ela, então deixe-a ir. A solidão nunca foi um problema para ela.

Imagem de capa: Viver Por Viver (1967) – Dir. Claude Lelouch

Que a nossa fera sempre nos liberte!… e apareça nos rasos das horas mansas…

Que a nossa fera sempre nos liberte!…  e apareça nos rasos das horas mansas…

A Bela e a Fera foi desde sempre o meu conto favorito. De fadas ou do vigário. Muito mais pelas angústias da fera, que pelos dotes da bela.

Loucuras amorosas e almas tortuosas, raspas, restos e um copo de cólera me interessam. E muito. Escrevi há um tempo sobre a vontade que as pessoas tem do lado sombrio. O fascínio arrebatado pelo beijo do vampiro ou a cilada do lobo mau. A ópera com seu fantasma e a fera a dominar… em qualquer instância de domínio.

Mesmo que só no campo da fantasia, o medo e o frio na barriga tem lá o seu potencial de feitiço. E como. Não ter a segurança do terreno em que se pisa pode ser, em tempos gelatinosos de realidade crua e muito caso pré-cozido, só um teste de sobrevivência… Mas pode também virar um vício a ponto de boicote. Muitas vezes, relações maduras e equilibradas, serenas e bem pautadas, podem ser tudo o que a gente precisa para alcançar o nirvana ou só um bom sono de saúde. Mas ao mesmo tempo podem vir com o pote de tédio no final infeliz do nosso arco-íris.

Existe uma corrente arquitetônica que preza o desapego de ornamentos, com um mantra bem ecoado e cunhado pelo arquiteto Mies van der Rohe que diz que ‘menos é mais’ (less is more). Como tudo tem o seu ponto crítico e o lado avesso, há quem conteste, em tom de travessura mas também alerta, e emende com um ‘menos é chato’ (less is a bore).

Sempre pensei que isso talvez se aplicasse às coisas da vida e aos dilemas do amor. Porque mesmo que a gente saiba, ou tenha certeza, de que menos confusão na vida, é mais garantia de felicidade no caminho, tem algo que empurra para mais adrenalina, muito risco e pouco juízo. Pro desatino e pro descalabro. Pro abismo… da gente mesmo.

Porque no fundo do peito, do poço, do posso, ou mesmo no raso das pessoas, o que todo mundo um dia vai querer é emoção. Ah, e esse coração quando se agita, “ou palpita mais ligeiro”, dispara… tem jeito não. Vale a sofrência de antes e a moda de depois, dando ou não os 10% pro garçon.

Bom mesmo era se a gente soubesse que tem e sempre que teve o controle do final feliz da nossa história. E que é ao mesmo tempo a bela que salva e a fera que prende… Aí eu me lembro do Pessoa na pessoa dele mesmo, onde em um poema lindíssimo chamado Eros e Psique, conta sobre uma princesa que dorme encantada à espera do beijo do príncipe: Ele, valente, desbrava dilemas e perigos para ir ao socorro da amada que nem sabe existir. Depois de luta e vitória, chega onde em sono ela espera, para descobrir que, sob uma grinalda de hera, era ele mesmo quem dormia encantado.

Compreender que a gente pode ser ao mesmo tempo a presa e o carrasco, o refém e o salvador, é mágica pra todo canto e encanto que dá o tom e o brilho no olho. Traz alento para na mesmice e salvaguarda na aventura. Saber que a bela te olha do espelho mas é a fera que dá forma à sua sombra, ou vice e verso!, traz a liberdade de ser, estar, sentir, brigar e brincar com qualquer outra fera, ou bela, no conto de fadas que a gente bem entender…

Sou jardineira imperfeita,
que nem faz nascer saudade.
Pequenina, da perna grossa.
E juízo curto,
que demais não gosta.
E gosta.

Deixo a trama da prenda minha,
espalhada pelo chão.
Mariazinha que quando dorme,
põe ao largo o coração…
E a mão onde tem que botar.

Sete e sete são meus vícios.
Com mais sete, eu tiro um par.
E saio jururu, da beira do cio.

Pois há muito não faço rendinhas,
nem sonho com o casamento.
Me atirei na contra dança!
Mas ainda não sei dançar…

Cadê João, José, Romeu?
Meu meio, sou eu.

::: Claro que esse texto foi motivado pelo novo e já clássico da Disney, A Bela e a Fera, live action de 2017. Totalmente baseado na animação de 1991, tenta a todo custo puxar pela memória afetiva dos fãs. Consegue o intento ao reproduzir fielmente músicas, valsas ou o vestido amarelo, assumindo-se, aliás, até mais como um musical autêntico…

Contudo, a mão pesada do diretor Bill Condon, tira muito da delicadeza do original, ficando a boa sacada para a escolha certeira do elenco. Emma Watson imprime dignidade à Bela, Luke Evans aparece perfeito como Gaston e os dubladores – Emma Thompson (Mrs. Potts ou Madame Samovar), Ewan McGregor (Lumière) e Ian McKellen (Cogsworth ou Horloge) – dão muita personalidade aos ‘objetos’ do castelo.

Já Dan Stevens fica totalmente anulado sob a carcaça dos efeitos visuais da Fera. O tão falado personagem LeFou, cuja cena abertamente gay fez o filme ser vetado em vários países, é feito com maestria pelo timing cômico de Josh Gad, e pelo papel que presta à desconstrução de preconceitos, já tem lugar de respeito. No todo o filme é amor, diversão e a moral da história é que toda forma de A Bela e a Fera sempre vai valer a pena! :::

Imagem de capa: cena do filme: “A Bela e a Fera”, 2017.

Amor Ágape: amor que se doa, amor que se entrega, amor incondicional

Amor Ágape: amor que se doa, amor que se entrega, amor incondicional

Não é fácil nos relacionarmos com o outro, seja em termos de amizade, de trabalho, seja em termos de amor. Parece que procuramos sempre um equilíbrio, uma troca justa, a igualdade entre o que vai e o que volta, e isso é muito relativo. Da mesma forma que podemos pensar que estamos sobrecarregados em relação ao parceiro, ele também pode muito bem achar o mesmo, ou seja, qual dos dois estará certo?

Na verdade, fato é que cada um sente o mundo de uma forma muito peculiar, de acordo com tudo o que já acumulou até aqui, dependendo da forma como digeriu ou não o que lhe ocorreu durante seu caminhar. E mais, as pessoas reagem de uma forma diferente umas das outras, isto é, um mesmo acontecimento influencia várias pessoas de maneiras diferentes – uns poderão demorar-se mais do que outros no processo de luto, por exemplo. Em termos de amor, é tudo ainda mais intenso e imprevisível.

Amor é sentimento, é alma, portanto, independe de razão, como se nos tomássemos por algo inexplicável, algo sobre o qual não temos nenhum controle. Embora se inicie com a paixão que cega e seleciona no outro somente o que ele traz de bom, com o tempo amadurece, aperfeiçoa-se, refina-se, para que possamos ter a capacidade de não nos afundar no que machuca e fere. Mesmo assim, como é penoso nos libertarmos do que amamos, mesmo que nem mais de amor se trate.

Amor gostoso e ideal é o recíproco, o correspondido, aquele que vai e volta na mesma medida, de igual para igual, somando completudes e fundindo inteirezas complementares, sem pendências, sem unilateralidade. Esse, sim, é o tipo de relacionamento desejável, em se tratando de duas pessoas que se amam como casal, como amigos, como parceiros de fato. Infelizmente, quase nunca é assim que se dá.

Entretanto, em certos momentos, será o amor incondicional – ágape, como dizem, uma das diversas palavras gregas para o amor – que nos salvará e nos bastará, quando pudermos doar o nosso melhor, quando pudermos ajudar pessoas, curar almas, solidarizar, compadecer e levar luz, sem pensar em retorno, sem titubear, com vontade e com verdade. Fazer o bem a quem quer que seja, de forma despretensiosa, leva-nos ao mergulho em dores que não são nossas, tornando-nos gratos pelo que somos e temos.

Passar os dias, sob o mesmo teto, com uma pessoa que só recebe, sem se doar de volta um mínimo que seja, acabará por nos adoecer, esgotando nossa essência. Já o amor que direcionamos para ajudar quem necessita, sem que precisemos de retorno algum, visto se tratar de solidariedade humana, sempre se nos retornará através dos sorrisos e bênçãos com que a vida beneficia quem não se fecha, quem enxerga o mundo além de si, fazendo a diferença por onde passar.

Imagem de capa: wavebreakmedia/shutterstock

Porque a adequação me doía, eu me reinventei

Porque a adequação me doía, eu me reinventei

Imagem de capa: Ben Giles

Por que eu não pude ser mais do que era a minha essência, porque eu não pude dar mais peso à persona do que à alma, porque eu também não pude mais viver nos cantos de mim mesma, e meus olhos vivos teimavam em quebrar as cascas que eu mesma moldava em mim, porque a adequação me doía, eu me reinventei.

Daí ouvi os ensinamentos do vento. Um deles dizia que o amor pode ser como um canteiro de flores, ou uma horta, não adianta plantar as sementes sem preparar a terra, não adianta plantar as sementes e todas as manhãs abrir a janela cheia de expectativas no coração, a espera de que as cores e aromas brotem do chão. Não adianta colocar fertilizante, se o coração quer o que é saudável e espontâneo.

Não adianta esperar belezas de fora sem doação, sem colocar as próprias mãos, sem amor, sem empatia com o solo, com o outro, com o tempo e com o que o mundo quer de nós naquele momento. Se a terra e o coração estiverem em tempos de seca, é melhor respeitar, se a terra e o coração estiverem férteis, é bom plantar e cuidar e deixar que surja o que vier. Pode ser que o manjericão cresça lindo, mas a lavanda morra. O amor é no seu tempo, e do seu jeito, é presente, é presença, é surpresa. Se vier, que lindo, deixa ser o que vier, se não vier, tudo bem, é assim que agora deve ser. Confia e acalma o peito.

Daí o vento me disse que não importa a hora, o dia, o ano, não importa o que passou e eu não cumpri, não importa o que eu não pude ser para conquistar as coisas. Há uma maré mansa no meu peito, onde meu barco sem vela aporta. Naturalmente. E o meu roteiro de vida segue esse caminho, pode ser que seja tão diferente dos barcos que se auto-guiam, que voam com seus motores potentes, que erguem seus mastros onipotentes. E o meu segue esse vento leve de dentro. Só sei que ele sobrevive e ama, no seu tempo, na sua dança. E vai desenfreado e leve por paraísos desconhecidos.

Há uma doçura intrínseca em encontrar essa selvageria de dentro. E a gente que se deixa ser assim, inventa espaços para caber neste mundo.

Meu coração cabe num poema, pois nele pode transbordar. Meu coração cabe numa árvore, numa canção, num olhar. Meu coração cabe nessa semente que plantei e eu nem mesmo sei se vai brotar. Ele cabe apenas no que a vida quer me dar.

Coração que nasceu livre não se pode acorrentar

Coração que nasceu livre não se pode acorrentar

Imagem de capa: Tanja Nikolaenko, Shutterstock

Tenho pressa, sim. Tenho pressa por viver tudo o que pode me ser destinado. Sejam amores, encontros ou sonhos que trago no peito, quero desfrutá-los ao mesmo tempo agora. Mas não crie barreiras. Não freie essa vontade de sentir o abraço das coisas boas. O meu coração nasceu livre. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho sede, sim. Tenho sede por beber tudo o que pode me ser oferecido. Sejam novos gostos, sentimentos ou instantes que trago no peito, quero ficar embrigado sem hora para terminar. Mas não crie contraindicações. Não estipule o que pode ser ou não prejudicial para o gosto dos bons goles que pretendo dar. O meu coração nasceu livre, já disse. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho fome, sim. Tenho fome por consumir tudo o que pode me ser indicado. Sejam beijos, carinhos ou excitações que trago no peito, quero gozá-los sem qualquer julgamento. Mas não crie preconceitos. Não meça numa régua, o certo e o errado para os desejos que preciso saciar. O meu coração nasceu livre, aceite. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho amor, sim. Tenho amor por compartilhar tudo o que pode me ser permitido. Sejam afetos, gentilezas ou experiências que trago no peito, quero transbordá-los ao mesmo tempo agora. Mas não partidas. Não confunda o que quero com egoísmo. Porque se você não reconheceu até agora aonde quero chegar, talvez ainda lhe falte um bocado para somar. Coração que nasceu livre não se pode acorrentar. E é assim que nasce o amor que a gente tanto quer provar.

Título inspirado na canção “Meu amor é Marineiro”, de Manuel Alegre

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