A doçura do mel não vale a picada da abelha

A doçura do mel não vale a picada da abelha

Me dá até um arrepio na nuca essa gente que fala manso demais, olha manso demais, parece mansa demais. Fico sempre com impressão que de uma hora para outra, a tal doçura em forma de gente vai começar a revirar os olhos e sofrer uma metamorfose bem ali na minha frente.

Esse tom de voz monocórdio é estratégia de marketing para pegar trouxa, isso sim! Eu, para ser bem honesta, reconheço a espécie só pelo faro. Deve ser por causa das incontáveis vezes em que tomei rasteira de “excelentes pessoas” e ouvi palavras destruidoras em voz de veludo.

E cá entre nós, há uma coisinha que eu mesma preciso confessar: sei lá por que cargas d’água, mas… quanto mais brava eu estiver, mais baixo eu falo. Pois é… esse fenômeno, em verdade, tem uma explicação bastante razoável: o timbre da minha voz é um pouco infantil; então, se eu aumentar o tom, fica parecendo criança fazendo birra, sabe como é? Melhor evitar.

Por outro lado, é bem verdade que eu devo ter entrado na fila da paciência umas vinte e cinco mil vezes. Sou dotada de uma paciência que beira o infinito. E isso vale tanto para experiências de vida, quanto para pessoas que cruzem o meu caminho.

Talvez tenha sido por isso a minha escolha profissional. Me encantam as pessoas com jeitos peculiares de ver e interpretar o mundo. Sobretudo, as crianças especiais me fascinam. E neste caso, no trato com os pequenos e também com os adolescentes, eu diria que não se trata de ter paciência, eu curto mesmo. Sou apaixonada pelo universo intrincado das mentes que subvertem a lógica, que não cabem nos espaços escolares, que extrapolam a capacidade de compreensão da educação formal.

No entanto, além da paixão pelo diferente, é preciso que eu reconheça que há habilidades correlatas à paciência que se fazem indispensáveis ao processo de aproximação desses indivíduos às esferas da aprendizagem. A tolerância é filha da paciência. A flexibilidade é filha da paciência. As mentes abertas são irmãs da paciência. O desejo de acolher e compreender a dor do outro é a alma gêmea da paciência.

E a doçura, quando genuína, é dessas coisas raras que só as pessoas raras são capazes de enxergar e oferecer. A doçura verdadeira é dessas coisas que a gente não aprende, nem ensina de propósito. Ela é da esfera das aprendizagens espontâneas, aquelas que moldam a gente de um jeito bonito; de um jeito que nos torna aptos para absorver o amor em sua essência pura.

A doçura do mel, no entanto, não vale a picada da abelha. E essa é uma reflexão extremamente poderosa e transformadora, porque nos convida a estar dos dois lados de um impasse simbólico tão antigo quanto a nossa existência nesse planeta. Tirar o mel, pode significar invadir o espaço alheio, naquilo que ele tem de mais íntimo e indevassável, subtrair do outro algo que foi construído à custa de muito esforço. E na face reversa, a picada da abelha nos remete à incapacidade de compartilhar afeto, a rejeição inesperada que ferroa o peito numa dor que nos pega de surpresa, e pode persistir para todo o sempre, caso a gente se apegue ao ferrão.

Então, que sejamos capazes de oferecer e receber doçura, apenas e unicamente quando ela vier daquele lugar lá dentro da gente, onde nascem os sentimentos puros e incorruptíveis. Caso contrário, o que sobrará do encontro com o falso doce será apenas a dor da picada, e nada mais.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “A vida secreta das abelhas

Sente-se e pegue um café. Precisamos conversar sobre pistantrofobia

Sente-se e pegue um café. Precisamos conversar sobre pistantrofobia

Imagem de capa:  pathdoc/shutterstock

Por definição, pistantrofobia consiste no medo exagerado de confiar nas pessoas, devido a experiências negativas do passado. Na prática é a atitude responsável por acabar com qualquer possibilidade de relacionamento.

Pistantrofobia é assunto sério, já que corresponda a um medo exagerado de tentar novos relacionamentos e não um medo sutil de envolver-se. Porém, há cura e é sobre isso que precisamos conversar.

Todos nós já fizemos escolhas erradas na vida, principalmente na vida sentimental. Convivemos com pessoas más o tempo todo: na academia, na fila do banco, na padaria, na família, no trabalho, no namoro e, muitas vezes, não nos damos conta do tamanho da maldade alheia. E por quê? Simplesmente porque as pessoas não trazem na testa uma placa dizendo “sou má, afaste-se!”.

Pessoas maldosas são tóxicas, pesadas e venenosas. Como não conseguem alcançar o próprio sucesso e serem felizes no amor, encaram a felicidade alheia como uma afronta ao seu fracasso e, muitas vezes, utilizam-se da frase “a maldade está nos olhos de quem vê”, para jogar no outro a maldade que fazem.

Somos humanos e, como tal, nossa natureza não é de toda boa. O bem incondicional, idealizado, sacro e perfeito que as religiões pregam é muito difícil de ser alcançado, mas não impossível. Chegar o mais perto que podemos da integridade, da bondade e do amor ao próximo é atitude de pessoas boas e racionais.

O problema é que há pessoas que alimentam suas almas com o fracasso e com a dor alheia. O relacionamento não deu certo, deseja que o outro sofra. Foi despedido do trabalho, deseja que a empresa entre em falência. Engordou, começa a denegrir a imagem dos outros para se sentir melhor. A verdade é uma só: as pessoas más precisam de tratamento psicológico e não de um romance.

O lado bom da vida é que para cada pessoa má, existem milhões de pessoas boas e, são nelas, que devemos focar. Ninguém é igual a ninguém e seu amor atual não tem culpa do que os anteriores fizeram. Acredite que dessa vez valerá a pena, que será diferente e que você será feliz. Entenda que para começar uma nova história é necessário deixar o passado para trás.

Nietzche dizia que “não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento”.

Diante de uma decepção amorosa, é normal que se cultive a dor por um tempo e que se continue a evitar novas histórias. Até aí, tudo bem. O problema está no fato de assimilarem o término com o fim de todas as outras coisas: fim dos sonhos, das expectativas e do casamento feliz.

Esqueça a traição que marcou sua vida, as palavras mentirosas que disseram sobre seu corpo e a rejeição que te fez recuar para um novo relacionamento. Pare de aceitar o que vier, selecione seus amores, suas amizades, seus afetos e entenda que querer viver um grande amor é uma coisa. Amar qualquer pessoa é outra bem diferente.

A sua felicidade nunca estará no passado, nem nas mãos de ninguém. Como dizia C.S Lewis: “existem coisas melhores adiante do que qualquer outra que deixamos para trás.”

10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

A Itália é um país fascinante por suas belezas naturais, história, culinária e forma apaixonada de tocar a vida . Existe uma aura especial que cerca as terras italianas, como se nelas fosse mais fácil descobrir quem realmente somos. Os filmes selecionados a seguir falam, de uma forma geral, de amores e descobertas. Muitos dizem de mudanças que subvertem a forma de ver e viver a vida. Assistindo-os fica claro que quando nos encontramos, quando nos deixamos inundar pelo amor-próprio, fica muito mais fácil deixar-se envolver pela beleza da vida. Espero que gostem da lista! Alguns filmes estão disponíveis na Netflix e outros na internet.

1- Beleza Roubada / De: Bernardo Bertolucci, Reino Unido, França e Itália, 1996

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

O filme Beleza Roubada do diretor Bernardo Bertolucci é uma obra belíssima e cativante, seja por seu cenário magnífico, a Toscana na Itália, que serve de inspiração para qualquer um, quanto por seus personagens marcantes. Após o suicídio de sua mãe, uma jovem de 19 anos (Liv Tyler) viaja para a Itália com o propósito aparente de reencontrar alguns amigos e ter o seu retrato pintado, mas na verdade ela quer rever o jovem em quem ela dera o seu primeiro beijo, quatro anos antes. Simultaneamente, ela pretende decifrar um enigma encontrado no diário da sua mãe. Um filme que fala de forma bonita sobre a perda da virgindade, assim como da juventude e sua delicada forma de enxergar a vida

2- Pão e Tulipas / De: Silvio Soldini, Itália – França, 2000

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Rosalba, uma dona de casa de Pescara na Itália, viaja numa excursão de ônibus com sua família. Ao parar em um restaurante de beira de estrada, ela é esquecida pelo marido e pelos filhos. Uma situação propícia para ela fazer o que sempre quis: conhecer Veneza, a cidade dos seus sonhos. Promovendo diversas reflexões, a trama nos convida a pensar sobre como interagimos com o mundo, em como por vezes nos acomodamos, em nossos sonhos esquecidos, em nossa necessidade ambígua de “voar em segurança”. O filme fala, de uma forma delicada, daquela necessidade de mudança que nos causa medo. Eu diria que a autodescoberta é o ponto forte do filme. Nele até mesmo Veneza é retratada bem diferente do que vemos nos cartões postais.

3 – Malena / De: Giuseppe Tornatore, Itália – EUA, 2001

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, nada acontece na sonolenta Castelcuto, um vilarejo da costa siciliana. Ali vive Renato (Giuseppe Sulfaro), um garoto de 13 anos que de repente tem sua vida transformada radicalmente por uma descoberta que irá marcá-lo para sempre: uma avassaladora paixão por Malena (Monica Bellucci). Recém chegada no local e sem o marido, supostamente morto na guerra, cada passeio seu se transforma num espetáculo à parte. Um filme inesquecível que conta com a guerra como plano de fundo para um primeiro amor.

4 – Sob o Sol da Toscana / De: Audrey Wells, EUA – Itália, 2004

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Frances Mayes, interpretada por Diane Lane, é uma escritora que vive em São Francisco até se divorciar. Ela recebe como presente de amigas um pacote turístico para a Itália. Durante a excursão, Frances passa pela Toscana e num momento mágico resolve comprar uma casa com mais de 300 anos. Enquanto ela cuida de sua nova casa acaba conhecendo muitas pessoas, aprende a viver à moda italiana e se apaixona pela vida. O filme foi inspirado no livro “Sob o Sol da Toscana – Em casa na Itália” escrito por Frances.

5 – De encontro com o amor / De: Brad Mirman, França, Reino Unido, Itália, 2005

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Um aspirante a escritor decide trilhar um caminho em busca de seu ídolo e inspiração. Para tanto, Jeremy (Joshua Jackson) vai parar na Itália, em um refúgio rural onde vive o escritor Weldon Parish (Harvey Keitel) e suas filhas. No local, o jovem começa a ver que nem tudo que o escritor faz está de acordo com o que ele diz, e passa a conhecer um outro lado do seu ídolo. De quebra, Jeremy se apaixona por Isabella (Claire Forlani), filha de seu mestre. Um filme delicado, com muito romance e paisagens lindíssimas principalmente da pequena cidade de Chiusi, na província de Siena, na Toscana italiana.

6- O Turista / De: Florian Henckel von Donnersmarck, EUA – França, 2010

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Com dois nomes de peso no elenco (Angelina Jolie e Johnny Depp) esse filme tem sua segunda parte rodada completamente em Veneza, apresentando ângulos que, além de engrandecerem as cores da cidade, transportam o espectador para dentro dela. Na trama, Jolie faz uma criminosa perseguida pela polícia francesa que acaba usando um professor universitário, vivido por Deep, como disfarce para sua fuga até Veneza. Filme disponível na Netflix.

7- Comer, Rezar, Amar / De: Ryan Murphy, EUA, 2010

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Julia Roberts está espetacular nesse filme interpretando a escritora norte-americana Elisabeth Gilbert que resolve se divorciar e largar tudo, seguindo para a Itália, Índia e Bali. Em sua última parada conhece um brasileiro que faz seu coração bater mais forte. O filme é uma biografia encantadora da escritora e dentre outras locações mostra a Itália de um jeito carinhoso, como uma mãe que recebe a todos com muita espontaneidade e boa comida. É em Roma que Elisabeth aprende o “dolce far niente”, ou “o prazer de não fazer nada”. Esse filme foi inspirado no livro de mesmo título escrito por Elizabeth.

8 – Cartas para Julieta / De: Gary Winick, EUA, 2010

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Sophie (Amanda Seyfried) é uma aspirante a escritora que viaja para a Itália ao lado do noivo, Victor, (Gael García Bernal), que sonha em ter seu próprio restaurante. Em Verona, onde se passou a história de Romeu e Julieta, Sophie descobre uma antiga carta de amor e junta-se a um grupo de voluntárias que responde estas missivas amorosas. Uma comédia romântica que conquista também pelas belas paisagens da Província de Verona e da cidade de Siena. E, incrivelmente, existe na Itália um grupo que responde voluntariamente cartas endereçadas à Julieta. Quem quiser conselhos pode escrever uma carta ou um e-mail endereçado às ajudantes de Julieta. Veja como aqui. Os voluntários encaminham a resposta na língua natal do remetente. O livro de mesmo título do filme, escrito por Lise Friedman e Ceil Friedman conta tudo sobre as cartas e vale muito a pena também. Filme disponível na Netflix.

9 – Cópia Fiel / De: Abbas Kiarostami, Bélgica – Itália – França, 2011

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

James Miller é um filósofo inglês que vai a uma pequena cidade da Toscana apresentar seu livro sobre o valor da cópia na arte. Chegando lá, encontra Elle, uma francesa que é dona de uma galeria de arte. Entre as paisagens românticas, o verde particular e as cidadelas medievais, os atores William Shimell e Juliette Binoche, que formam um casal bastante incomum, propõem o repensar do amor, das relações e de como desejamos realmente que as nossas vidas sejam (originais ou cópias). Um filme o qual podemos ver várias vezes, acumulando em cada uma delas mais perguntas do que respostas. Direção impecável do iraniano Abbas Kiarostami.

10 – Um Sonho de Amor / De: Luca Guadagnino, Itália, 2011

contioutra.com - 10 filmes absurdamente apaixonantes gravados na Itália

Emma Recchi (Tilda Swinton) deixou a Rússia para seguir Tancredi (Pippo Delbono), que a pediu em casamento. Com o passar dos anos ela se torna mãe de três filhos e se acostuma à vida repleta de luxo, mas com pouca paixão. Um dia, em meio a uma festa, ela conhece Antônio, com quem posteriormente inicia um romance. Um Sonho de Amor tem a Itália atual como ambiente, mas o cenário é o de uma aldeia global. O filme trata de um tema universal, a libertação feminina. Fala da sexualidade da mulher e do domínio dela sobre seu corpo e mente. Fala da possibilidade de seguir por caminhos que levem à felicidade. Disponível na Netflix.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Querida mãe,

Querida mãe,

Imagem de capa:  Brainsil/shutterstock

Amanhã é seu aniversário e meu presente será a saudade.
A mágica do tempo leva embora o luto e deixa as lembranças que identificam nossos papéis na vida.

Não foi fácil a nossa vida, não é mesmo? Você, de tudo o que passou, pouco ainda acreditava na felicidade. Eu, cheia de vontade de ser feliz, por muito tempo não tive capacidade de entender como doíam suas cicatrizes e o quanto você foi cortada e intimidada.

Você me deu o seu melhor, ainda que acompanhado de uma enorme rudeza, na estratégia de me preparar para as decepções da vida.

Tivemos momentos felizes. Breves. Eternos.
Sofremos de uma constante incompatibilidade de visões. Nadamos juntas no oceano da vida, ainda que jogando água no rosto uma da outra.

Uma mulher de um metro e meio, uma enorme e corajosa mulher. Enfrentou tudo o que se pôs no caminho, até mesmo os inimigos imaginários, frutos da história de dor e abandono.
Confiança era uma palavra difícil de assimilar. Ninguém é de confiança, você dizia.

Que mundo amargo e inimigo que você teve que desbravar! E me proteger, como sua missão.
Chegamos ao ponto de romper mil vezes, mas nunca o fizemos. Ainda bem.

Na doença, a vida nos deu a chance de nos perdoar mutuamente. A mim, me deu o tempo que eu precisava para te reconhecer, entender sua fragilidade e seu enorme medo de enfrentar as próprias emoções.

Sinto saudades de você. Sinto alívio por agora sermos mãe e filha que não se estranham mais. Sinto alegria por ter lembranças de todos os tipos. Sinto orgulho por ser quem sou e saber de onde venho. Sinto que tudo foi exatamente como deveria ter sido.

Somos uma família de mulheres que buscaram caminhos diferentes para desbravar a vida. Você, na força. Eu, na palavra. Sua neta, essa se parece bem com você, mas com o mágico toque da evolução da espécie.

Hoje, meu sentimento é de missões cumpridas. Ambas.
Comemorarei seu aniversário te contrariando, com muita alegria e nenhuma desconfiança por me sentir bem.

Te amo, mãe.

O maior presente que um pai pode dar a seu filho é amar a sua mãe

O maior presente que um pai pode dar a seu filho é amar a sua mãe

Ninguém é obrigado a ficar junto de quem não ama mais, nem ninguém merece manter um relacionamento fracassado por conta de aparências e por ter de prestar contas à sociedade. É impossível ser e fazer alguém feliz quando se permanece onde amor não há. Sendo assim, quando se opta por ficar e permanecer junto, há necessidade de amar em palavras, atitudes, olhares e gestos. Amar com verdade e reciprocidade, que torna tudo ainda mais gostoso e bonito.

Infelizmente, muitas vezes, em nome dos filhos, certas pessoas continuam arrastando um casamento que já terminou, supondo que a separação iria trazer muitos danos a quem ali está envolvido diretamente. Não raro, por medo de que os filhos sofram muito, por exemplo, há pessoas que não conseguem se libertar de um relacionamento que nada lhes provoca além de dor, tristeza e desesperança. Escolhem não viver, porque assim acalmam seu sentimento de culpa por terem fracassado no amor.

No entanto, caso mantenhamos um casamento falido, às custas de nossos sorrisos e brilho no olhar, será impossível conseguirmos disfarçar nossa infelicidade a quem quer que seja, principalmente aos filhos. Achar que eles não perceberão a realidade do que se passa com os pais significa lhes subestimar o mínimo de bom senso e inteligência. Filhos são fortes e capazes de entender nossas escolhas, por mais que demore, pois querem também a felicidade dos pais.

Sim, é inegável que preferimos ver nossos pais juntos, mas juntos e felizes. O lar é onde repousamos nossos medos, onde descansamos nossas tempestades, onde repomos nossas energias. Nada melhor do que ter um lar para voltar ao fim do dia, onde o amor se instale de maneira natural e verdadeira. Nossos pais são exemplos para nós e vê-los juntos de fato nos faz acreditar na mágica do amor, na cura e no alívio que esse sentimento carrega em seus domínios.

Porém, esse exemplo também pode ser dado quando os pais se mostram corajosos o bastante para perceberem que não mais poderão viver juntos e que terão de se separar. Um rompimento maduro e consciente, afinal, transmite aos filhos lições importantes, como a necessidade de se buscar incansavelmente a própria felicidade, porque, sem ela, ninguém conseguirá se manter inteiro e a capacidade de o ser humano recomeçar, enquanto houver um amanhã. Porque amar também pode significar deixar o outro ir, para ser feliz, mesmo que lá longe. Isso envolve amor, sim, principalmente o próprio.

Da mesma forma que o amor dos pais juntos é benéfico, tudo o que esse amor construiu e o respeito entre pai e mãe, ainda que se separem, sempre será um exemplo de vida aos filhos. O amor é o exemplo, mas amor com verdade e respeito, amor que respeita o espaço do outro, amor que se importa, amor que dá frutos. Até mesmo o carinho que fica quando o amor acaba, mas permanece dentro de cada um, como lembrança de que jamais deveremos desistir de amar.

***

*O título deste artigo é uma citação atribuída a J. Kemp.

***

Imagem de capa: Monkey Business Images/shutterstock

Para o outro lado do abismo

Para o outro lado do abismo

Imagem de capa: lassedesignen/shutterstock

Eu sei, tanto quanto não gostaria de saber e imagino que você também já saiba, dessa forma insuportavelmente consciente, que todos nós temos os nossos abismos.

Caminhamos entre eles vendo os outros de longe, carregando o inevitável paradoxo de não podermos simplesmente ignorar, que temos um abismo só nosso que é também um abismo de um outro, que é um abismo só dele e, assim, tentamos nos comunicar. Há modos infinitos dentro de um limite restrito, multiplicado por peculiaridades muito sutis.

Eu tenho observado, dessa forma insuportavelmente consciente, como imagino que você também faça já há algum tempo. Depois de encarar o abismo, não há raciocínio que resista a uma profundidade imensurável para chegar ao outro lado. Desistir é sensato. Buscamos outras saídas. Aqueles modos infinitos dentro de um limite restrito, multiplicado por peculiaridades sutis.

Muitos gritam tentando se comunicar e se alegram ao serem ouvidos, mas não escutam bem e não sabem, também, o quanto, do outro lado, podem lhe escutar. Continuam, ainda assim, berrando entre si, encomendando atenção para não sucumbir ao desespero de mergulhar, novamente, na profundidade densa, entre um e outro, abismo.

Existem os que dispõem também de gestos dramáticos, cômicos ou metódicos. É verdade, desenvolvem seus métodos mímicos para se fazerem entender, mas não enxergam bem e não sabem, também, o quanto, do outro lado, podem lhe enxergar. Continuam, contudo, convictos a se gesticularem, alimentando com a sua dança solitária a fantasia de conexão, para não sucumbir à solidão sóbria de assumir a profundidade densa, entre um e outro, abismo.

Há os que constroem castelos, montam bancas, ornamentam o corpo com ideais imaginários para se fazerem distinguir, mas não distinguem muito bem e não sabem, também, o quanto, do outro lado, são distintos. Acumulam, de qualquer forma, infantarias estéticas para prevenir o vazio profundamente denso, entre um e outro, abismo.

Inúmeros levantam bandeiras, marcam territórios ideológicos, atacam, revidam e se fazem, a seu ver, referência .Mas não assumem outros limites que não sejam os seus e não sabem, também, o quanto são, do outro lado, limitados. Persistem, todavia, em seus duros enquadramentos, cultivando a ingenuidade para atenuar a fatalidade da profundidade densa, entre um e outro, abismo.

Como antes eu disse, mas imagino que você já sabia, dentro de um limite restrito, há modos infinitos. O paradoxo é inevitável. O corpo contornando uma individualidade irremissível, que só se delineia única porque outros corpos se contornam distintos, do outro lado daqueles abismos que compartilhamos, mas que é só nosso.

Desprovidos de utopias, como suportaríamos? Há vários, de tão frágeis quase invisíveis, que se jogam no vão, entre um abismo e outro, confrontando a profundidade densa com um mergulho de cabeça. Um mergulho infinito. Desses, os olhos embaçados já não permitiam ver o outro lado, nada que não fosse, abismo.

Acidentados, existem, ainda, aqueles que tentaram fazer ponte e, tornaram-se ponte, pois não tiveram quem os levasse para o outro lado. Se cansam cedo, esticados, esgotados, pisoteados diariamente entre um abismo e outro, com vista privilegiada para a profundidade densa, abismo.

Eu sempre soube, como imagino que você também sabia desde o início, que ignorar é a salvação. Só o que não consegui descobrir é salvação de quê. Poderíamos viver de tentar encontrar uma saída – uma forma de alcançar o outro lado, de tocar com os sentidos, de falar sem ser no grito, de ouvir no pé do ouvido –, sem corrermos o risco de escorregar e desabar na profundidade densa do abismo, exatamente como vivemos no esforço ignorá-lo.

Poderíamos, como fazem os raros, melhor diria, lendários, nos isolarmos em nossa própria profundidade densa e nos descobrirmos abismo em harmonia com todos os outros abismos. Poderíamos muito, podendo tão pouco, como podemos agora. Mas eu ando em tormento com essa consciência insuportável, sem querer ignorar, sucumbir, me isolar ou me perder nos labirintos da razão.

Não tenho respostas nem objetivo. Diante de mim é lúcido, esse cenário quase onírico de que,semelhante ao que acontece com todos os outros, há um abismo entre eu e você. Não encontrei meios de contorná-lo, pois eu sei, como imagino que você também já saiba, que desses meios não dispomos de verdade.

No tormento dessa consciência insuportável, ao contrário do que imaginam os que me veem de longe, mas não enxergam muito bem, não sofro de desespero e, por isso, não me saem os gritos dessa tempestade tranquila, eles não nasceram. Você não escutaria bem. No fértil paradoxo inevitável cresce o silêncio que pode ser ouvido inteiro.

Dos gestos, disponho do necessário, deixando-os para a dança do encontro – essa utopia de sustentação que me mantém aqui, de pés firmes, desse meu lado do abismo. De qualquer forma, você não enxergaria bem. Abro espaços à contemplação que melhor se demora na suavidade espontânea do que nos dramas forjados.

Deixei, também, as bandeiras de lado, arruinei castelos e ornamentos, para não me cegar com distrações e, quem sabe, seguir de um abismo a outro, sempre que tiver a chance. Pois eu sei, como imagino que você também já saiba, que entre os tremores e imprevistos, passagens fugazes se revelam entre os limites profundos e densos dos abismos.

Mas eu não tenho respostas, objetivo ou salvação. É que eu descobri mais cedo, como imagino que você também já tenha descoberto antes, que existir é mesmo meio sem sentido. Então, fiquei em paz ao te ver do outro lado, tão distinto em toda a sua ausência.

Pensei: pode ser, quando vierem os tremores e acidentes… Foi quando uma folha pródiga me tocou na lembrança da leveza e da intenção transformada em carta avião ou pássaro. E não há abismo que resista à profundidade densa dos espaços, entre uma palavra e outra, escrita.

Apetite não é paladar. Apego não é amor.

Apetite não é paladar. Apego não é amor.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

O tempero da comida é a fome…

Não será que a privação, o desespero pela saciedade possa mascarar inclusive o gosto da conquista?
Matar a fome é imperativo. Sentir prazer, apreciar a comida, escolher o que mais agrada, aí já outra experiência.

Na urgência de nos apegarmos a alguém, confundimos apetite com paladar. Queremos rápido, correndo, para ontem. E, nessa urgência, achamos que o que estiver disponível servirá. Já com as necessidades imediatas garantidas, então queremos qualidade, personalidade, exclusividade. E não será na bandeja rápida do lanche da esquina que teremos tudo isso.

A fome é urgente. O paladar, escolhe e espera para ter o que deseja. No apego, a carência morre de fome. No amor, a liberdade é o tempero mais forte.

Quanto mais tempo passa, mais a fome aumenta. Mas não é porque ela aumenta, que qualquer coisa vai servir, ou, que se deve comer mais do que a conta. Como nas relações, o apego não pode abocanhar nenhuma individualidade. Mesmo que a fome seja intensa.

Querer tudo e querer depressa já demonstra uma desorganização que certamente irá comprometer qualquer equilíbrio que queira se instalar. Apego que se fantasia de amor é sentimento faminto louco para devorar o outro. E sem restrições, critérios ou culpa.

Se conhecer, entender e aprimorar as preferências. Ir mais fundo no que se aprecia, buscar pares e simpatias. Isso é conhecer o paladar. Para comer e para amar.

Lembre-se de quando estiver com muita fome e acreditar que qualquer coisa será um alívio.

É possível que depois da saciedade, venha uma tremenda indigestão.

Nos encontros da vida, também.

Sou apaixonado por pessoas interessantes

Sou apaixonado por pessoas interessantes

Imagem de capa: Rawpixel.com/shutterstock

A vida costuma nos presentear com pessoas especiais, aquelas que nos mostram que sinceridade e sentimentos verdadeiros são o maior tesouro que podemos possuir. Pessoas interessantes são exemplos de doação, de empatia, de amor descompromissado e de amor-próprio, regados na medida certa.

Em meio a tanta gente fútil e vazia de conteúdo, a vida costuma nos presentear com pessoas especiais, que trazem luz e alegria para nossas vidas, tornando-nos melhores, fazendo-nos acreditar na esperança de um mundo melhor. Olhar à nossa volta muitas vezes desanima, pois veem-se quadros pouco inspiradores, recheados de violência e miséria; porém, ainda existe, sim, gente que faz a diferença.

Não é fácil manter o bom humor e o otimismo no dia-a-dia a que nos misturamos mecanicamente, repetindo ações, forçando sorrisos e correndo contra o tempo. Somos bombardeados por imagens em que a felicidade se atrela a corpos perfeitos, dentes brancos, cabelos impecáveis e consumo desenfreado. Nesse contexto, é quase impossível ser feliz com o pouco que se tem, comparado às ostentações que abundam pelos veículos midiáticos.

Muitos de nós, por isso mesmo, acabamos nos perdendo de nossa essência mais humana, achatando nossa carga afetiva, robotizando-nos junto aos objetivos de vida que tão somente visam à aquisição de bens materiais. É como se a perfumaria francesa fosse capaz de camuflar a ausência de odores da alma; como se uma casa de vinte cômodos fosse suficiente para aninhar um lar de amor e cumplicidade. Esquece-se de que amor vem de dentro, ou seja, não dá para encontrá-lo nas vitrines das grandes magazines.

Então, como que para nos resgatar desse abismo vazio e fútil, somos surpreendidos pelos encontros com as pessoas interessantes, que nada mais têm a oferecer do que aquilo que carregam dentro de si. Elas nos mostram que sinceridade e sentimentos verdadeiros são o maior tesouro que podemos possuir. São exemplos de doação, de empatia, de amor descompromissado e de amor-próprio, regados na medida certa.

Pessoas interessantes são também apaixonantes, porque conseguem irradiar luz e esperança em meio a tempestades e vendavais, sorrindo, acolhendo, motivando e mostrando sempre que o mundo e a vida têm jeito, para muito além da desesperança. Não são, ao contrário do que se possa pensar, utópicos lunáticos, porque agem e se comportam de forma a espantar a tristeza onde e com quem estiverem.

Não conseguiremos manter a alegria e o bom humor o tempo todo, mas saber que existe alguém que está pronto a nos receber com disposição e afetividade sincera fará toda a diferença em nossas vidas, sempre que precisarmos de um ombro amigo. Por isso é que sou apaixonado por pessoas interessantes. Elas merecem.

Dica: A vida jamais corresponderá às nossas expectativas, mas sempre às nossas necessidades.

Dica: A vida jamais corresponderá às nossas expectativas, mas sempre às nossas necessidades.

Imagem de capa: dramalens/shutterstock

Crie dinossauros, mas não crie expectativas. Com muitas variações, a frase volta e meia aparece na nossa vida como uma grande verdade.

Não sei se concordo plenamente, já que expectativas me parecem pontos de luz no céu nublado e já conhecido. Desejos, ensejos, esperanças. Todos parentes próximos das expectativas.

A gente se antecipa, quer adivinhar, e, se possível, ajeitar, manipular. Um movimento saudável, assertivo, vivo. Que mal há nisso?
Mal não há, definitivamente.

Ruim é se recusar a entender que a vida não dá muita bola para nossas expectativas, mas sim para nossas necessidades. E ainda bem que é assim. É uma puxada na corda para nos fazer voltar ao que é possível, cabível, aceitável.

Porque nós voamos. Voamos nos sonhos, nos ensaios, nas antecipações e simulações. E tendemos a exagerar. Piramos, achamos que tudo merecemos, que não podemos ser contrariados. E a vida dá corda até um certo limite. Se ultrapassado, vem o tranco da corda puxada de volta.

Como é importante ponderar! Como é saudável deixar de lado planos e expectativas megalômanas e alimentar somente a certeza de que a vida é justa no que precisamos e, com o que precisamos, podemos transformar tudo o que desejamos.

Não é preciso abandonar as expectativas. Somente reconfigurá-las. Entender que a realidade é tão maior e mais abrangente que nossos sonhos pessoais, que envolve tantos outros personagens e situações, que seria de fato impossível nos atender por completo sempre que um novo desejo surgisse.

Quanto às expectativas em relação ao outro, fica a pergunta para respostas anônimas e pessoais: Quem sou eu para pretender que o outro me corresponda apenas baseado nas minhas expectativas? Forte né? Pois é.

Ainda bem que a vida dá corda e puxa. Um dia a gente aprende.

Quando a gente tem medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.

Quando a gente tem medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.

Imagem de capa: paultarasenko/shutterstock

Minha pele é fina, tanta coisa me passa, transpassa, entra, atravessa!
É fácil que o mundo externo encontre contexto nesse meu caos sensível de dentro.

Não é à toa que sou a primeira pessoa a dar um grito no cinema num daqueles filmes de suspense. Às vezes, as dores do mundo parecem passar diretamente dos olhos para o meu coração. Tem dias que as notícias do mundo me atingem como uma punhalada no peito: quanta crueldade, quanta competição, quanta coisa ruim acontecendo. Ai meu Deus, eu não aguento!

Minha pele é fina, me arrepia a energia que chega, mesmo antes de virar pensamento concreto. Será isso sexto sentido? Será essa pele invisível que vive acima da nossa epiderme? Essa coisa de perceber coisas antes de cheirar, de olhar, de escutar… de tocar. Deve ser bruxaria…

Essa pele fina que eu não sabia lidar, palavras facilmente podiam me machucar, assim como um olhar punitivo, um sorriso indefinido, antes de eu entender o porquê, antes de eu saber me proteger, eu me inundava de emoções.

Eu tinha medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.

Eu temia criar em mim uma capa protetora e viver anestesiada.

Eu tinha medo de que não estar exposta me faria estar fria, cega, caminhando na superfície das experiências.

Eu tinha medo de me prevenir de tudo e assim, esquecer como sentir a vida in natura.

Mas hoje, mesmo com essa pele ainda fina, eu penso diferente. Tento não ser nem 8 nem 80. Eu ando aprendendo:

Posso ser a sensibilidade com a aura intacta. Posso ser a flexibilidade sem perder a estrutura. Posso entender sentimentos e compartilhar deles sem ter que ficar aos cacos.

Eu posso observar as minhas emoções e as dos outros sem imediatamente me confundir com elas. Do baile de carnaval, eu posso sair um pouco da dança e assistir da arquibancada, a escolha de entrar ou não na avenida tem que ser minha.

Às vezes eu danço uma marchinha, aprendendo, passando bem. Às vezes eu entro debaixo de uma chuva para ver o que é que vem.

O que sempre fica de tudo – rasteiras, ou leves brisas – sou eu sem tantos pesos. O que fica sou eu prestando atenção nos ensinamentos de um evento que foi denso para não ter que fazer aula de recuperação depois. Sou eu observando, equilibrando razão e emoções.

Demorou, mas tenho aprendido que é melhor colocar energia e me dedicar de início, investigar as razões do que sinto, me preservar do que não é parte de mim.

Já que é na pele que eu aprendo e apreendo a vida, já que eu só sei evoluir se eu entender e absorver o entorno, já que eu sou, ao mesmo tempo, a cobaia e o cientista na minha vida, que eu preste muita atenção em tudo, que eu pare para processar momentos e acontecimentos, que eu seja uma aluna atenta.

Há quem fica decorando as lições dos livros antigos e dos manuais de instruções, há quem passe de fase assim, por decoreba ou por confiança no que já existia antes.

Eu não, só acredito no que me entra, no que me fica, na experiência da minha pele. Ou eu sinto ou eu não sinto.

Se está certo ou errado esse meu mecanismo, quem é que pode dizer?

Pelo menos (e pelo mais também!) essa minha pele fina já não é esponja, aprendeu a ser filtro!

A vida se encarregará de explicar as coisas que não fazem sentido agora

A vida se encarregará de explicar as coisas que não fazem sentido agora

Quantas e quantas vezes achamos que perdemos o que era o mais importante em nossas vidas e, passado um tempo, percebemos que vivemos bem, muito melhor até, sem aquilo? O hoje nos ilude, pois o que é imediato muitas vezes nos impede de pensar no longo prazo, no futuro, fazendo-nos acreditar que temos tudo o que está aqui e agora. Pura ilusão.

Sim, teremos que continuar, muitas vezes, sem algo que nos era essencial, longe de lugares e de pessoas que fazem muita diferença em nossa jornada, porque tudo pode mudar em um piscar de olhos. A vida nunca será uma constante, nada permanecerá imutável, nem lá fora e nem aqui dentro de cada um – e isso é bom. A cada abalo, a cada tombo, somos levados a refletir e a pensar em novas formas de sobrevivência, tornando-nos mais fortes, mais gente, mais humanos.

E, em meio a tantas mudanças, a tantos abalos e desconstruções de certezas, nosso dever será sempre tentar nos acalmar por dentro, à força, obrigados, para além da dor e da desesperança que essas tempestades carregam em suas nuvens de decepções. Quando estivermos bem no meio das ventanias, nada parecerá ter solução, nenhum raio de esperança parecerá permanecer em nossos corações. Ainda assim, confiemos na passagem do tempo, que então demorará uma eternidade, mas nada como o tempo a que se agarrar, sem que paralisemos em desistências demoradas demais.

Porque é no correr dos dias que as nuvens se vão dissipando, que a neblina se vai abrandando, desanuviando nossos olhos, descarregando de nossos corações as dores pungentes e trazendo, aos poucos, leveza aos nossos passos. É com o tempo que a gente volta a respirar sem pressão, a sorrir sem dissimulação, a lembrar sem angústia, porque percebe que muito do que se foi só serviu para o nosso bem, para o nosso melhor. E a paz que então sentiremos será de um prazer inenarrável.

Embora não seja fácil, atravessarmos as escuridões e o deserto de nossas dores sempre nos levará à conscientização de que a gente perde muito nessa vida, mas também acumula ganhos inegáveis, justamente com as coisas e as pessoas que a vida se encarrega, ela própria, de tirar de nosso caminho, para que ele se torne mais limpo e feliz. Aguardar a passagem do tempo sempre será o melhor a se fazer quando o hoje estiver insuportável e angustiante. Porque tudo há de se resolver, mesmo que à nossa revelia, tudo há de melhorar e todos haveremos de voltar a sorrir.

Imagem de capa: NinaMalyna

Um dia assim, sem maiores pretensões, mudei!

Um dia assim, sem maiores pretensões, mudei!

Imagem de capa:  Africa Studio/shutterstock

Acordei assim, igual. E fui fazendo o de sempre, assim, igual.
Mas, num piscar de olhos, numa olhada rápida no espelho, mudei.

O que determina essas pequenas mudanças de ritmo, pensamento, disposição, ânimo? A gente percebe que mudou, que algo se alterou, uma sintonia nova conectou, mas não faz nenhuma associação.

Mudar é estado natural. Mudamos o tempo inteiro. Nem sempre para melhor, mas mudamos. Quando percebemos, então levamos o susto. Porque não gostamos muito de sair do lugar.

A gente muda sem querer, muda porque é preciso se adaptar. E quando a gente resiste e se recusa, a gente sofre. Sofre por não querer mudar e sofre ainda mais por estar no processo de mudança.

E sempre que a gente anuncia que vai mudar, pouco muda. Porque a exigência fica enorme e a resistência, maior ainda.

Mudar é se equilibrar. É viver num mundo por vezes maravilhoso, por outras, inóspito. Mudar é ter jogo de corpo, a mente aberta, sentimentos suaves e apegos saudáveis.

Sem pretensões, as mudanças chegam. E quando são boas, ainda nos colocam sorrisos no rosto, daqueles que a gente nem sabe o porquê.

Por isso é tão importante buscar conexão com o que nos faz bem. Companhia, palavras, histórias, parcerias. Os espelhos por onde apreciamos nossas melhores mudanças.

Todos os dias podem ser iguais, mas nós, os protagonistas dos dias, estamos em constante mudança.

Não nos esforcemos para continuar iguais. Não vale a pena todos os dias fazer uma combinação diferente de roupas, sapatos e acessórios, e continuar vestindo as mesmas ideias e inspirações do dia anterior.

Quanto mais a gente muda, mais a gente cresce, e menos assustadora será a imensidão do mundo que ainda não conhecemos.

Permita sempre que um dia assim, sem maiores pretensões, traga os ventos de mudança.

Perdoar não é esquecer

Perdoar não é esquecer

Imagem de capa: CHOATphotographer/shutterstock

Alguém que te é querido te magoou. Machucou. Doeu. Os olhos arderam, as lágrimas caíram e você sofreu. Pronto. Desde ponto em diante, a repetição é protagonista.

Tal situação vem repetidamente à sua cabeça. Sua mente lhe trai. Você rememora inúmeras vezes aquela mágoa causada por aquele alguém que você tanto ama. Revive a tristeza, revive a raiva, a irritação, a decepção que aquele episódio te traz. Isso te consome.

Normal. É esse o processo pelo qual todos nós passamos, quando magoados.

A memória, protagonista da vez, não precisa ser necessariamente a vilã nessa novela. Provavelmente será, se você se deixar consumir por ela. Por outro lado, se deixares apenas que ela exerça seu papel de mestre, a memória servirá como fonte de aprendizado. Só.

“Perdoar não é esquecer”. Esse é um trecho de uma das canções do álbum novo (Hard Times) do Paramore. A vocalista e compositora, Hayley Williams, que já passou por diversos desentendimentos com membros (e ex-membros) da banda, inevitavelmente fala sobre esses momentos, em suas letras.

Pois é, Hayley. Perdoar não é sinônimo de esquecimento. Perdoar, aliás, exige uma boa memória. Melhor: exige a capacidade de olharmos para trás sem desgosto nem amargura, capacidade esta que só adquirimos com o tempo, o terceiro protagonista dessa história.

“E você quer perdão, mas eu, eu não posso lhe dar isso ainda”, diz o eu-líricoda canção (Forgiveness), lembrando-nos de que cada um tem seu tempo e que não vale a pena fingir que perdoou. É esse tempo – o seu – que agirá na eliminação da mágoa, da dor, da raiva que nos consome. Se lhe for permitido, é claro.

Introduzo, agora, o último protagonista do enredo. O amor. O perdão pressupõe amor, para consigo mesmo, para com quem lhe magoou. Perdoamos porque amamos o suficiente para olhar para trás sem mágoas.

A jovem vocalista do Paramore fala em um fio invisível que a liga a quem a machucou. Arrisco dizer que essa linha, que não vemos, seja o amor.

Sei que soará totalmente clichê, mas é inevitável. É o amor que nos permite ver que não vale a pena se autodeteriorar por meio do passado. É o amor que nos livra do orgulho e nos faz perceber que, às vezes, um erro por parte de alguém que amamos não se sobrepõe à conexão que temos com a pessoa em questão.

Então, foi magoado? Reúna-se a esses quatro personagens. Monte seu roteiro. Perceba o nível de influência que cada um deles tem no enredo, de acordo com o contexto e suas próprias vivências. Veja o que lhe repete, qual a lição você pode tirar do que passou e, no tempo certo, o amor lhe dirá como e quando agir. Só não se deixe consumir.

Perdoar não é, afinal, esquecer, mas ser maduro o suficiente para saber lidar, porque, como diz a Hayley, em outra música (Grudges), “não podemos nos agarrar ao rancor!”.

Não se vender também tem seu preço

Não se vender também tem seu preço

Imagem de capa:  NinaMalyna/shutterstock

Há um alto preço a ser pago pela autenticidade, por amar sem medo, por se dizer o que se pensa, por ser quem você é de fato, por viver as próprias verdades. Mas é somente assim que nos fortalecemos junto a quem nos ama pelo que somos.

Talvez seja parte da natureza humana a necessidade de obter controle sobre o mundo à nossa volta, sobre as pessoas com quem convivemos, numa vã tentativa de equilibrar o tanto de incertezas que nos rodeiam, uma vez que, na verdade, não conseguimos controlar muita coisa. E é assim que muitos de nós acabamos extrapolando os limites do outro, querendo que ele aja, pense e fale exatamente o que quisermos. E haverá um preço para tudo nesta vida, que jamais deixará de nos trazer a fatura das consequências.

Há um preço alto a ser pago pela autenticidade. Viver as próprias verdades, de acordo com o que se possui dentro de si, mesmo que de maneira digna, sem interferir na vida de ninguém, custa caro. A sociedade dita padrões de comportamento que devem ser seguidos, ou sofreremos olhares de reprovação e seremos alvo de julgamentos e de incompreensão por parte, na maioria das vezes, de gente que nem nos conhece direito.

Paga-se caro por amar sem medo. Caso a forma com que nos lancemos ao encontro afetivo não se adeque aos padrões preconizados como morais ou corretos – até mesmo em nome de um Deus isento de amor -, enfrentaremos um caminho penoso de rejeição, de preconceito, pois ainda existem muitas pessoas intrometendo-se onde não são chamadas, confundindo sentimento com barganha e amor verdadeiro com sacanagem, paradas que se encontram no tempo e no espaço.

Dizer o que se pensa também custa caro. Em tempos de comunidades e redes sociais virtuais, estamos todos sendo vitrines de milhares de pessoas, ou seja, postar algum comentário não mais lembra a quando comentávamos algo numa roda de amigos. Porque, por mais que o mundo evolua, muitas pessoas ainda não aprenderam a ouvir o que não lhes agrada, nem toleram conviver com quem pensa diferente, sem ofender com violência e sarcasmo.

Também alto é o preço por sermos cá fora quem somos aqui dentro de fato. E, quanto mais coragem tivermos de buscar o que nos alimente a alma, quanto mais fortes formos e mais certos de nossas convicções, de nosso comportamento, de nossas atitudes, mais seres desgostosos encontraremos pelo caminho, prontos para nos atirar pedras. Sempre haverá quem não é feliz, não quer ser feliz, não suporta ver o outro feliz e teremos que aprender a lidar com isso.

Sim, seremos colocados de lado, criticados, perderemos oportunidades, perderemos pessoas, enquanto estivermos caminhando com o propósito de buscar a felicidade de uma forma que foge ao lugar comum dos manuais retrógrados das convenções sociais. No entanto, é assim – somente assim – que poderemos ter condições de nos manter em pé durante cada tombo, porque então teremos conosco quem nos ama com aceitação verdadeira.

INDICADOS