Quando a gente tem medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.

Imagem de capa: paultarasenko/shutterstock

Minha pele é fina, tanta coisa me passa, transpassa, entra, atravessa!
É fácil que o mundo externo encontre contexto nesse meu caos sensível de dentro.

Não é à toa que sou a primeira pessoa a dar um grito no cinema num daqueles filmes de suspense. Às vezes, as dores do mundo parecem passar diretamente dos olhos para o meu coração. Tem dias que as notícias do mundo me atingem como uma punhalada no peito: quanta crueldade, quanta competição, quanta coisa ruim acontecendo. Ai meu Deus, eu não aguento!

Minha pele é fina, me arrepia a energia que chega, mesmo antes de virar pensamento concreto. Será isso sexto sentido? Será essa pele invisível que vive acima da nossa epiderme? Essa coisa de perceber coisas antes de cheirar, de olhar, de escutar… de tocar. Deve ser bruxaria…

Essa pele fina que eu não sabia lidar, palavras facilmente podiam me machucar, assim como um olhar punitivo, um sorriso indefinido, antes de eu entender o porquê, antes de eu saber me proteger, eu me inundava de emoções.

Eu tinha medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.

Eu temia criar em mim uma capa protetora e viver anestesiada.

Eu tinha medo de que não estar exposta me faria estar fria, cega, caminhando na superfície das experiências.

Eu tinha medo de me prevenir de tudo e assim, esquecer como sentir a vida in natura.

Mas hoje, mesmo com essa pele ainda fina, eu penso diferente. Tento não ser nem 8 nem 80. Eu ando aprendendo:

Posso ser a sensibilidade com a aura intacta. Posso ser a flexibilidade sem perder a estrutura. Posso entender sentimentos e compartilhar deles sem ter que ficar aos cacos.

Eu posso observar as minhas emoções e as dos outros sem imediatamente me confundir com elas. Do baile de carnaval, eu posso sair um pouco da dança e assistir da arquibancada, a escolha de entrar ou não na avenida tem que ser minha.

Às vezes eu danço uma marchinha, aprendendo, passando bem. Às vezes eu entro debaixo de uma chuva para ver o que é que vem.

O que sempre fica de tudo – rasteiras, ou leves brisas – sou eu sem tantos pesos. O que fica sou eu prestando atenção nos ensinamentos de um evento que foi denso para não ter que fazer aula de recuperação depois. Sou eu observando, equilibrando razão e emoções.

Demorou, mas tenho aprendido que é melhor colocar energia e me dedicar de início, investigar as razões do que sinto, me preservar do que não é parte de mim.

Já que é na pele que eu aprendo e apreendo a vida, já que eu só sei evoluir se eu entender e absorver o entorno, já que eu sou, ao mesmo tempo, a cobaia e o cientista na minha vida, que eu preste muita atenção em tudo, que eu pare para processar momentos e acontecimentos, que eu seja uma aluna atenta.

Há quem fica decorando as lições dos livros antigos e dos manuais de instruções, há quem passe de fase assim, por decoreba ou por confiança no que já existia antes.

Eu não, só acredito no que me entra, no que me fica, na experiência da minha pele. Ou eu sinto ou eu não sinto.

Se está certo ou errado esse meu mecanismo, quem é que pode dizer?

Pelo menos (e pelo mais também!) essa minha pele fina já não é esponja, aprendeu a ser filtro!







Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.