Ultimamente sou mais solidão do que companhia

Ultimamente sou mais solidão do que companhia

Gosto de ter gente ao meu redor. Gosto de estar em contato com diferentes pessoas e de passar um tempo aproveitando a vida. Gosto, inclusive, dos porres e interações com estranhos. Mas, de uns tempos pra cá, a solidão me cai bem. E acho importante assumir isso.

Não sei se é a época do ano ou os dias confusos em que vivemos, mas tenho optado pela solidão no lugar da companhia. É importante sentir-se só, algumas vezes. Ser silêncio dentro e fora. Não é que tenha decidido adotar uma postura solitária, mas não reclamo dos momentos reservados para um. Sabe a sensação de vazio que muitas pessoas sentem quando estão desacompanhadas? Não a tenho. Consigo respirar por mim. Ouço umas músicas, folheio livros, vejo filmes. Deitado, observo as paredes, toco o ar, planejo viagens, vislumbro paixões.

Coisas triviais que são almejadas, substituídas e concretizadas num único espaço, no meu. É aceitar o fato de que é preciso conhecer a si antes de colocar a cabeça em outro lugar. É também uma forma de massagear o coração. Solidão é terapia de amor próprio. Do tipo na qual você estabelece intimidade consigo, podendo ajeitar emoções e pensamentos do jeito que quiser. Não há impedimentos, prazos ou preocupações urgentes. No silêncio, você vive. Na solidão, você evolui.

Claro, aceito convites, abraços e histórias. Bons sentimentos compartilhados serão sempre benditos e bem-vindos. Mas também tenho paz na minha companhia. Também vejo graça nas conversas exclusivas dos meus eus. Interagir é importante.

Ultimamente sou mais uma nova fase. Ando redescobrindo o prazer da minha sanidade, da minha parceria. Gosto das companhias que me são oferecidas, mas nutro um amor incondicional pelo tempo cedido ao meu lado.

Imagem de capa: Eterno Amor (2004) – Dir. Jean-Pierre Jeunet

Visualizar a mensagem e não responder já é uma resposta

Visualizar a mensagem e não responder já é uma resposta

Imagem de capa:  Jacob Lund

Tudo bem que os dias estão por demais acelerados e corridos, deixando-nos sem tempo de fazer o que não estiver agendado, permitindo-nos poucos segundos de trégua, para nos dedicarmos ao lazer e ao nada fazer. Mesmo assim, há certas necessidades que não podemos deixar de lado, ainda que não se trate de compromisso de trabalho. Não somos reduzidos ao serviço, somos alguém que sonha além dos escritórios e dos compromissos sérios.

Estamos cansados de saber sobre a importância de regar os afetos que caminham conosco, sem perder tempo com os desafetos que nos rodeiam, mesmo à nossa revelia. É algo óbvio a necessidade de mantermos por perto quem se importa conosco, quem é sincero e nos espera ao final do dia, torcendo sempre por nossas conquistas, chorando junto, comemorando junto.

Da mesma forma, a importância das amizades certas não se contesta, uma vez que termos mãos amigas nos amparando e nos resgatando de nossos desvios, de nossas dores, fará toda a diferença em nossa jornada. Mesmo que seja um único amigo em quem possamos confiar, o retorno afetivo de quem gosta da gente com sinceridade fortalece e motiva, sendo um alento nas noites sem cor de nosso caminhar.

Querendo ou não, acabaremos nos esquecendo de gentilezas mínimas que deveríamos manter em nossas obrigações diárias, como um sorriso a quem acorda conosco, um elogio a quem nos faz bem, um carinho em quem faz parte de nossas vidas, uma resposta breve a quem nos manda mensagens, porque isso é importar-se, é mostrar que sabemos que o outro existe e é importante para nós. É fazer-se presente, mesmo quando há distâncias e obrigações ali no meio.

Não precisa responder às mensagens de imediato, não precisa ficar dizendo “eu te amo” o tempo todo, não precisa procurar sem parar, convidar para tudo, nem estar sempre presente. Mas precisa retornar no tempo certo e na medida exata das necessidades alheias, porque é bom e vital sabermos com quem podemos contar. Saber que o outro poderá vir, não a qualquer hora, mas bem quando precisarmos, tranquilizará tudo o que temos pela frente. É assim que as coisas duram.

Sabe aquela sensação de ter um buraco no peito?

Sabe aquela sensação de ter um buraco no peito?

Enquanto os ansiosos sofrem com a necessidade de viver alguns ou muitos passos à frente, e lutam com a aflição de não poder controlar tudo, sobretudo aquilo que ainda nem aconteceu, os angustiados penam com a sensação de estarem aprisionados em situações do presente, em função de estarem sempre às voltas com a impressão de não terem feito a escolha certa; ou ainda pior, com a pressão interna de não ser capaz de escolher.

A angústia pode produzir reações físicas palpáveis e absolutamente reais. Há pessoas que relatam dores de cabeça generalizadas do tipo que lateja, como se o coração estivesse pulsando dentro das orelhas. Outras vítimas desse mal, chegam ao pronto-socorro com dificuldades para respirar, como se estivessem sendo acometidas por uma crise de asma. Outros, ainda, referem dores agudas no peito que as fazem temer um ataque cardíaco.

Sentir-se angustiado pode parecer algo extremamente vago para quem nunca foi visitado por essa sensação de estar contido, de corpo e alma, em um lugar pequeno demais, apertado demais, estreito e sem saída. Muitas vezes, a angústia é interpretada como algo que possa ser resolvido com soluções prosaicas e conselhos do tipo “Tente pensar em outra coisa!”; “Tenha fé!”; “Tome um chá!”. Quem dera fosse tão simples… Quem dera!

O fato é que esse descompasso emocional que provoca a sensação de ter um buraco no peito, é confundido com frequência com o distúrbio de ansiedade e a síndrome do pânico, ou com frescura mesmo. Infelizmente, ainda é bastante comum haver convicções preconceituosas e reducionistas acerca dos transtornos afetivos. Não raras vezes, aqueles que sofrem com crises de angústia são estigmatizados como pessoas fracas, sensíveis demais ou incapazes de lidar com situações difíceis. E se sentir-se angustiado já não é nada fácil, imagine ter esse aperto na alma agravado pelo julgamento alheio.

É claro que todos nós estamos sujeitos a ter de lidar com algumas oscilações na forma como lidamos com as questões mais desafiadoras. Há dias em que situações que já foram enfrentadas antes com alguma habilidade, podem parecer demasiado custosas e dolorosas. No entanto, à media que essa inquietude e sofrimento passam a ser uma constante e começam a ocorrer sem uma razão suficiente, é preciso que se reflita e perceba a possibilidade de haver nesse comportamento um sinal de que algo não vai bem.

Angústia é doença e seu diagnóstico e tratamento precisa ser feito por um profissional especializado; no caso, um Psicólogo ou Psiquiatra. E a partir da detecção do quadro, proceder ao tratamento mais adequado para cada caso, que pode ser tanto medicamentoso quanto terapêutico.

Lamentavelmente, grande parte das pessoas que sofrem de angústia demoram bastante para procurar ajuda, principalmente pela variação de sintomas físicos e emocionais que esse distúrbio pode causar. Coloca-se a culpa na pressão que se está sofrendo no trabalho, na insegurança econômica e política do país, nos desafios advindos dos relacionamentos afetivos, na imensa carga de exigência social por exibir uma vida feliz e bem-sucedida.

O que não podemos perder de vista, nunca, é que todo e qualquer sentimento que tire da gente o prazer pela vida e que cause algum tipo de perda de mobilidade afetiva, precisa ser visto como um sinal de alerta. Esse buraco no peito, não é motivo de constrangimento, nem sinal de incompetência; é apenas o seu corpo pedindo de você alguma atenção, para que sua alma possa voltar a respirar. Pare. Escute-se. Acolha-se. Sua mente agradece.

Cena do filme “Apenas o fim do mundo

 

Na ânsia de esconder defeitos, acabamos omitindo também as virtudes

Na ânsia de esconder defeitos, acabamos omitindo também as virtudes

Imagem de capa: Jacob Lund/shutterstock

Primeira olhada no espelho de manhã e lá está aquela espinha gigantesca, pronta para destruir o look do dia. E dá-lhe creme, base, pó, argamassa, o que for para esconder a intrusa.

Um descosturado no casaco, a botão que caiu, a unha quebrada, a carteira pelada, tudo a gente faz para esconder, para evitar as situações de constrangimento que podem, e se Murphy colaborar, devem aparecer pela frente.

Válido, por que não? Tenho todo o direito de não publicar o que me envergonha, e de fato, nos dias de hoje, talvez esteja literalmente falando de publicações nas redes sociais, mais do que qualquer outra forma de exposição.

Tudo bem, se não está agradando, é melhor tirar da vitrine.

Mas, e se me equivoco e passo então a esconder e maquiar as minhas melhores virtudes? E se, para conseguir aceitação, admiração, pertencimento, viro as costas para minhas melhores qualidades e assumo um tipo, um personagem?

Sem nos dar conta, estamos ficando cada vez melhores nisso. Por conveniência, por indolência ou por simples incompetência, estamos escondendo o que nos identifica, não estamos conseguindo nos respeitar como somos e abafamos o que não gostamos e até o que gostamos, para caber nos cubículos de cada padrão.

Está na moda pedir mais amor por favor, Ouvir a opinião alheia com respeito e sem agressões, isso já saiu de moda faz tempo.

Deixamos de lado nossas qualidades únicas para repetir como papagaios os bordões do momento. Deixamos de jogar gamão para ter mais tempo para os joguinhos solitários do celular. Paramos de surpreender as pessoas queridas com uma ligação e enviamos uma mensagem com carinha feliz, sapinhos e corações.

Adoro as conquistas tecnológicas, já não vivo mais sem elas. Mas me assusta o tabuleiro em que a massa humana está mergulhando, para virar um bolo só, não assumindo suas espinhas e virtudes.

Afrodite e Perséfone – Caminhos para a iniciação feminina

Afrodite e Perséfone – Caminhos para a iniciação feminina

Imagem de capa: Fernando Cortes/shutterstock

Os Mistérios Elêusis, dos quais a deusa Perséfone e Demeter eram o foco central (e Afrodite indiretamente), era um culto que exaltava a figura da mulher em contraposição ao domínio do homem.

Os Mistérios abriam-se democraticamente a todos, até mesmo aos escravos, desde que falassem grego, pudessem entender e repetir as palavras sagradas e não estivessem condenados por homicídio. O Estado terminou por tolerar as práticas dos Mistérios, pois Deméter e Perséfone, afinal, eram responsáveis pelas sementes e pela fertilidade da terra, e destas dependiam os frutos e o bem-estar da coletividade (Brandão, 1986).

A arte do cultivo da terra, do conhecimento dos ciclos da natureza e a arte do amor, mitologicamente, são aspectos ligados ao feminino, por essa razão compreendo que Afrodite e Perséfone podem ser grandes aliadas na iniciação ao feminino mais profundo, em um mundo onde os valores masculinos são extremamente valorizados.

Afrodite é a deusa do amor, da fertilidade, das flores. Afrodite é a personificação do amor, da vida e mãe de Eros!
Perséfone é a rainha dos mortos, a soberana do mundo do inconsciente, a semente que morre para trazer nova vida. Como Coré, representa a primavera, sendo uma deusa associada aos ciclos da natureza.

Ambas são consideradas deusas da fertilidade. Afrodite é aquela que faz as flores e os frutos crescerem e Perséfone é a semente que morrer para semear a terra. Vida e morte!
Desde seu nascimento até suas características e mitos mais importantes, Afrodite nos aponta para a Ásia. Deusa tipicamente oriental, nunca se encaixou bem no mito grego (Brandão, 1986). Perséfone também é uma deusa complexa que também não se encaixa no mito grego.

Seu rapto e morte simbólicos possuem conotações profundas de uma iniciação feminina, e mostra aspectos de uma consciência feminina que se liga aos ciclos.

Brandão (1986) diz que o rapto de Perséfone trouxe benefícios incontáveis para a humanidade. Uma deusa olímpica, que passa a habitar apenas uma terça parte do ano o mundo dos mortos, encurta a distância entre os dois reinos: o Hades e o Olimpo. Como ponte entre os dois “mundos divinos”, podia intervir no destino dos homens mortais.

Esse mistério da vida e morte projetada na semente que morre e renasce é o ciclo feminino que a mulher passa todo mês em seu corpo.

O mito da descida cíclica de Perséfone ao Hades e seu retorno a superfície simbolizam as estações do ano e a fertilidade da terra, assim como os mistérios femininos, que inclui a espera pelo tempo certo para que algo amadureça.

Perséfone foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por dois mil anos antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos. Nos Mistérios de Elêusis os gregos experienciavam a volta ou renovação da vida depois da morte através da volta anual de Perséfone do Inferno (Bolen, 1990).

Ela era uma deusa tipicamente cretense, assim como Hera, ou seja, ela era uma transposição da Grande Mãe, que foi assimilada pelos gregos, mas mantendo seu aspecto de fecundidade. Por essa razão era chamada de Hera infernal.

Perséfone e Afrodite se ligam em sua rivalidade em beleza, formando um par de opostos divino: a deusa da morte dos grãos e a deusa da vida dos grãos. Ambas ainda se ligam no mito de Adônis, onde as duas deusas disputam o amor do jovem.
Mas como essas duas deusas podem representar a iniciação feminina mais profunda?

Afrodite e Perséfone foram as duas deusas mais perseguidas e reprimidas com o advento do patriarcado.

No período da Inquisição, que teve início na conversão do Império Romano ao Cristianismo e esse foi um movimento histórico dissociador e repressivo mais longo e terrível da humanidade. Durou do século IV ao século XVIII, cerca então de catorze séculos. Nesse período os componentes matriarcais mais reprimidos da consciência coletiva foram a sexualidade, o prazer, a vivência sensual, a vivência lúdica e a espontaneidade das emoções (principalmente a agressividade e inveja), o contato com o irracional e a vivência do campo intuitivo (mediunidade, premonição, magia, intuição e vivência oracular).

Componentes esses pertencentes a Afrodite e Perséfone. A repressão desses aspectos das duas deusas, mostram que elas são as duas mais propícias para a iniciação da mulher em um feminino mais profundo.

O patriarcado se agrada da mãe, representada por Deméter, pela cerebral Atena e pela esposa submissa Hera. Mas a sexualidade e os dons intuitivos e irracionais da mulher são perigosos para essa estrutura.

Atualmente nossa sociedade incentiva a mulher cada vez mais a ir ao mercado de trabalho. Cada vez mais Atenas são criadas de forma unilateral, em detrimento de outros aspectos importantes e iniciadores do feminino. Pois Atena nasceu da cabeça de seu pai Zeus, ou seja, ela nasce de um ideal paterno e se distancia dos aspectos maternos, sensuais e de fertilidade.

Além disso, Atena carrega em seu escudo a cabeça da Medusa, o que significa que a mulher fortemente identificada com os aspectos de Atena, sabe se articular bem no mundo patriarcal e se inserir no mercado de trabalho, mas acaba petrificando e matando a possibilidade de um encontro mais íntimo e profundo.

Com isso, as mulheres vêm se distanciando de sua capacidade de se tornar receptivas ao outro e ao irracional.

A iniciação com essas duas deusas pode ser vista no mito de Psique, onde a bela jovem precisa se submeter a Afrodite para reconquistar o filho dela, Eros. A deusa do amor então lhe impõe diversas provas, sendo a última o encontro com Perséfone no Inferno. A moça teria que pedir a Rainha do Hades seu creme de beleza e levar a Afrodite, mas ela foi avisada de que não poderia comer nada do banquete da Rainha e ser extremamente humilde diante dela.

Esse mito tem paralelos com o mito da descida da deusa suméria Inana – Ishtar, ao encontro de sua irmã infernal Ereshkigal.
Inana é – assim como Afrodite – a deusa da fertilidade, amor, do céu, das emoções. Ela e Afrodite se encontram no meio do caminho entre a maternidade e a virgindade. Mais a mescla de desejos assassinos, de fecundidade e animalidade. Ambas jamais se apresentam como a esposa e mãe estabilizada dentro do patriarcado. Ela é o magnetismo e tem a sua independência como amante (Perera, 1985).

Afrodite então traz para a mulher o senso de independência a mulher em relação ao seu desejo e a tira do papel de ser apenas esposa e mãe, e também dessa busca frenética de ser apenas profissional e de imitação do masculino, ou seja, do papel de “filhas do pai” e assim as levar ao encontro de sua verdadeira personalidade e com a sua alma.

Psique amadurece nesse confronto com Afrodite e também com Perséfone. Ela deixa de ser a “filha do pai” que se preocupa em transformá-la em esposa e assim servir ao patriarcado em um papel que lhe é agradável.

Ereshkigal, assim como Perséfone é a deusa do mundo dos mortos e do mundo subterrâneo.

Perséfone foi reprimida pois no patriarcado a morte é um tabu, é a violentação da vida. Mas esse é o lugar onde a vida jaz imóvel e aguardando o momento certo de nascer. É o lugar de transformação e de potencial de nova vida.

Psique nessa descida aprende sobre o ciclo morte – vida. A gestação e a decadência do corpo são um processo natural, incontrolável e lento.

Perséfone também é o irracional. Conhecida como Mãe das Fúrias, ela mostra os aspectos sombrios da personalidade e os traz para a consciência quando sobe a Terra. Ela é a depressão tão combatida em nossa sociedade, o recolhimento e o contato com o que é inferior em nós.

Ela também é o êxtase do orgasmo, que também como pequena morte, pois passou por essa iniciação com Hades, ao comer a romã (símbolo da sexualidade).

Ambas Afrodite e Perséfone representam aspectos da sexualidade feminina: o prazer sexual e o êxtase quase espiritual que leva a morte da personalidade na coniunctio alquímica.

No mito de Psique vemos que somente quando passamos pelo julgo de Afrodite, ou seja, de conhecer nossos desejos e sermos escravos de uma paixão por algo ou alguém, e quando somos reduzidas ás profundezas da dor e depressão e nos encontramos com o que é horrível e infantil em nós e deixamos morrer esses aspectos, aí nos defrontamos com uma personalidade mais profunda e um feminino seguro e profundo, que conhece a arte de esperar a semente germinar e que conhece o momento certo de deixar algo morrer.

Referências Bibliográficas:
BOLEN, J. S. – As Deusas e a Mulher. São Paulo: Paulus, 1990.
BRANDÃO, J. – Mitologia Grega Vol. 1, Petrópolis: Vozes, 1986
PERERA, S. B. Caminho para a iniciação feminina. São Paulo: Paulus, 1985.

“Capitão Fantástico”: quando o cinema nos convida a refletir

“Capitão Fantástico”: quando o cinema nos convida a refletir

Esses dias, Jout Jout (famosa Youtuber brasileira) publicou um vídeo contando sobre as reflexões que fez sobre “Capitão Fantástico”, o que despertou, em mim, a vontade de assistir novamente ao filme, que, entre os indicados ao Oscar do ano passado, tinha se tornado o meu preferido.

Para surpresa de todos, “Capitão Fantástico” não é um filme de super-herói. Todavia, inegavelmente, temos heróis nessa história: Ben e seus seis filhos – que vivem e são educados na floresta, por ele e sua esposa Leslie, que, por sua vez, devido a problemas de saúde, ausentou-se de seu lar.

Já de início, somos todos cativados pela família e seu modo de vida nada tradicional e entramos na trama, que, para começo de conversa, parece bem simples: a viagem que eles fazem à cidade grande para assistir ao enterro da mãe que se matou devido a complicações no seu estado mental.

Agora, é chegada a hora em que tento convencê-los a assistir ao filme, sem enchê-los de spoilers.

Começaria lhes dizendo “Capitão Fantástico” é um filme sobre união, sobre o trabalho em grupo, grupo este que, quando é uma família com membros com personalidades distintas, torna-se uma complexa rede de fios que, quando remexida, pode levar a alguns choques.

O longa-metragem, dirigido por Matt Ross, é uma crítica sutil (ou não) à educação tradicional. Aquela em que nos empurram conteúdo sem mais nem por quê. Aquela educação autoritária, que nos impõe regras e verdades. Aquela que não se interessa em despertar, no aluno, o olhar crítico, a consciência, a autonomia no pensar. Aquela educação que trata a criança como ser desprovido de pensamento e de conhecimento.

Essa é, portanto, também uma obra sobre as bolhas. A bolha em que Ben e sua esposa colocaram seus seis filhos. A bolha do capitalismo – fútil e superficial – em que estamos todos inseridos. As bolhas nas quais nos abrigamos para nos cegar àquilo que não queremos ver.

O filme é, ainda, um lembrete de que ninguém, NINGUÉM, é imune a erros e que, nessas horas, mais vale é ser humilde o suficiente para pedir perdão. Um lembrete de que o problema não é voltar atrás, é insistir no mesmo erro. De que o bom humor sempre ajuda.

De que o instinto de liberdade nos leva à esperança e a esperança, à possível mudança. Um lembrete de que extremos são perigosos e requerem renúncias, às vezes questionáveis, e de que o diálogo é um dos melhores meios para se resolver conflitos.

Ah! “Capitão Fantástico” também é um filme sobre amor (em todas as suas formas) e para aqueles que ainda acreditam e se encantam com ele. Finalizo o texto tentando lhes provar isso através de uma fala de Ben para Leslie (perdoem-me por esse spoiler, por favor): “Meu rosto é meu, minhas mãos são minhas, minha boca é minha, mas eu não. Eu sou seu”.

Então, o que você está esperando? Corre para assistir a essa maravilha!

“Torna-te quem tu és”

“Torna-te quem tu és”

Imagem de capa: sutham/shutterstock

 “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
– Friedrich Nietzsche.

Galeano, com a sua incrível arte de “galeanear”, diz que mais do que feitos de átomos, nós somos feitos de histórias. Não à toa, Drummond em um dos seus versos disse que “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”.

Sendo assim, não existem pessoas iguais, tampouco há como colocar todos em uma mesma forma e tentar estabelecer uma padronização de comportamento, gostos, sonhos e histórias.

Todavia, tenho a impressão de que há uma tentativa muito forte e eficiente de estabelecer uma certa “ordem” entre as histórias perambulantes que formam o ser presente no homem.
Não é raro ver pessoas tristes, desestimuladas, desanimadas, cansadas da vida; o que se reverbera nos índices cada vez mais altos de pessoas com depressão, ansiedade, síndrome do pânico e tantos outros transtornos psicológicos.

Essa conjuntura é um contrassenso ao alto grau de desenvolvimento tecnológico que a sociedade alcançou, afinal, o jargão diz que somos melhores que ontem, pois somos a geração do progresso, do mundo na palma da mão. E diante desse paradoxo fica a questão: será que precisamos disso tudo para sermos felizes? Ou melhor, essa estrutura em que o mundo se organiza permite que as pessoas sejam quem elas são?

Apesar de ser fundada sobre a liberdade, a sociedade contemporânea, em verdade, criou algo muito mais próximo de um mito do que da realidade. A liberdade que é colocada para que possamos usufruir é uma “liberdade” extremamente limitadora e direcional. Devemos seguir padrões rígidos de comportamento e se por ventura tentamos nos desviar, somos punidos e cobrados a retornar. Se livrar dessas amarras, então, é algo que cobra um alto preço psicológico, pois uma vez sendo seres sociais, é extremamente difícil nadar no sentido contrário ao que aponta a correnteza.

Dessa maneira, como é possível que os indivíduos possam ser de fato felizes se não são sujeitos? Isto é, não possuem autonomia sobre as suas próprias vidas. Não há possibilidade de vida feliz sem liberdade, ainda que esta diante da nossa precariedade não possa ser atingida em sua totalidade, o que também não significa que não possamos e devamos ter autonomia sobre as nossas próprias vidas, cabendo a cada indivíduo, assim, seguir o caminho que melhor apraz o seu espírito e traz vigor a sua alma.

Em outras palavras, é preciso que o indivíduo tenha autonomia suficiente para buscar a si mesmo, conhecendo as suas interioridades a fim de encontrar ou construir no mundo exterior pontes que se liguem a sua humanidade. Dessa forma, é insignificante termos diminuído as distâncias geográficas, se aumentamos a distância de nós mesmos, pois a viagem mais importante que ainda temos que fazer é o mergulho nas profundezas do nosso ser.

Assim sendo, não adianta estar de acordo com as normas, com os padrões ou caminhar pelas estradas mais “perfeitas” se ao longo dessa estrada enxergamos tão somente a sombra da nossa existência. Precisamos compreender que se somos feitos de histórias, então, cada um é uma história diferente, em que algumas se dão em poesia, outras se dão em prosa, mas cada um tem a necessidade de contar a sua própria história e, consequentemente, viver enxergando o que somos no que fazemos e o que fazemos no que somos, pois, lembrando mais uma vez Galeano, somos todos foguinhos, com vontade de por meio do nosso fogo iluminar noites escuras, aquecer corpos gelados e incendiar almas dormentes.

Eu já não miro as estrelas. Meu alvo na vida está ali na esquina.

Eu já não miro as estrelas. Meu alvo na vida está ali na esquina.

Tudo o que é grande já não me fascina, todo o esforço que me faz mudar toda o meu entorno e a minha rotina não me ativa por dentro.
Não sei se é velhice de alma, canseira dos passos, mas meus olhos já não se deslumbram com as conquistas homéricas, os amores arrebatadores, as histórias grandiloquentes.

Só de pensar em querer conquistar o que não está ao alcance fácil e genuíno das minhas mãos, dos meus pés e da minha alma simples, eu me canso, eu desisto mesmo antes do início. Porque eu quero o que me cabe e, mais importante, onde eu caibo sem ter que ser mais nem menos, sem ter que estufar esse meu peito franzino.

Só de pensar em me munir de ferramentas, atributos, armas de ataque pra sair à luta e conquistar recompensas grandiosas, corações dificílimos, amizades poderosas, posições profissionais-pessoais-sociais importantíssimas, já me canso e não me arrisco.

Ter um alvo lá nas nuvens, atirar nas estrelas para atingir o Monte Everest, não, isso já não me apetece. Meu alvo é aqui pertinho, está logo ali na esquina, deve se parecer comigo, é algo singelo e tranquilo.

Quero uma conversa boba, um ombro amigo, um amor pela vida mais do que pelos prêmios do mundo. Quero um pijama velho, uma janta simples, um pão com ovo bem feitinho, um chuveiro quente e um travesseiro com sonhos bonitos.

Glória pra mim é ver o manjericão virando arbusto no canteiro, é pagar as contas do mês, é ter tempo para escrever um poema inteiro.

Vida pra mim é a trégua, é o porto seguro onde minha alma pousa serena. Amor pra mim é o respiro de alívio, é uma companhia com menos exigências e mais carinho.

Eu já não me debato para conquistar algo mais alto, não quero nem o castelo nem o príncipe encantado. Eu já não me puno por sair de perto quando me sinto insegura, eu já não me saboto e me engano achando que eu tenho que cumprir tantos planos para me sentir mais satisfeita comigo mesma.

Está tão perto a minha riqueza. É o que cresce e se ajusta sem tanto esforço assim; tudo o que tem cheiro de lar, onde eu posso entrar e ficar à vontade. Onde eu não preciso mudar minha essência para poder me encaixar e merecer fazer parte. Porque o que eu sou já é o bastante.

E por isso eu posso ficar em paz e usar minhas energias para investir mais em crescer como ser humano.

Prometa-se o melhor

Prometa-se o melhor

Imagem de capa: videokvadrat/shutterstock

Declare-se apaixonadamente. Ame intensamente suas virtudes. Seja paciente com seus defeitos.

Quando feliz, irradie alegria, abra os braços, dê risadas sonoras, e, na tristeza, se cuide com carinho, um chocolatinho, um chá, um livro, bons amigos.

Prometa não se afastar da boa saúde, nem se entregar a qualquer doença sem lutar. Seja um sentinela a postos em favor do seu bem estar.

Desfrute das boas companhias até não poder mais. Delicie-se, aconchegue-se, peça colo, ofereça o seu também.

Não entregue suas fragilidades sob qualquer juramento ou promessas. Seja de confiança, confie nos seus julgamentos. Aposte nos seus palpites, defenda o seu bom senso.

Não permita que violem seu caráter nem seus critérios a não ser por sua vontade. Não se venda, não se liquide, não ponha preço, não pague qualquer preço para ser quem você não é. Ame-se de graça e com gosto!

Ignore julgamentos e críticas maliciosas. O mundo está cheio de juízes e conselheiros que não valem uma réplica. Devolva as ingratidões para o lugar de onde elas vieram, as espertezas, as vantagens aos que não vivem sem elas. Proteja-se das ilusões e principalmente dos ilusionistas.

Permita-se todos os dias um pequeno agrado. Uns minutos a mais no banho quente, uma mensagem para alguém bacana, um doce, uma passadinha na papelaria, um cinema no meio do dia.

Trabalhe de forma que o resultado seja admirável e o descanso, proveitoso.

Se convide para passear, para rodar o mundo, ainda que seja uma volta no quarteirão. Viva por inteiro, guarde o suficiente para realizar seus sonhos, não pague o preço do tédio nem da preguiça.

Não se afaste de si, jamais queira ser outra pessoa ou ter ao lado alguém para fazer as juras que você ainda não fez a si.

Não dispense afetos verdadeiros, mas não dê a eles a sua responsabilidade de ser feliz com o que tem no dia de hoje.

Faça juras de amor a si e torne legítima a sua relação de amor com a vida. A troca de alianças com o mundo lá fora será mais leve e fácil de escolher e entender.

Não fique contando com o que ainda nem aconteceu

Não fique contando com o que ainda nem aconteceu

Imagem de capa: pathdoc/shutterstock

Nem sempre o chefe poderá dar o aumento prometido. Nem sempre o parceiro conseguirá mudar de atitudes. Nem sempre o dinheiro guardado para aquela sonhada viagem estará disponível. Nem nós próprios, inclusive, seremos os mesmos ao longo do tempo, pois ninguém consegue prever os imprevistos que aparecem pelo caminho.

Que todos precisamos de esperança, de sonhos, mantendo uma mente positiva e uma atitude otimista, ninguém nega. No entanto, é preciso cautela ao depositarmos expectativas demasiadas no que ainda não aconteceu de fato, no que ainda se encontra no nível das ideias, das palavras, das promessas, ou estaremos sujeitos a consecutivas decepções e frustrações, uma vez que quase nada é certo nesta vida.

Se as coisas dependessem somente de nós mesmos, seria diferente, mas não é assim que o mundo gira. Dependemos, em muitos aspectos, de que outras pessoas também façam a sua parte, cumpram o prometido, honrem as próprias palavras. Infelizmente, muita gente costuma dizer o que lhes vem à cabeça, de forma descompromissada e sem analisar o impacto do que dizem na vida dos outros.

Nem sempre o chefe poderá dar o aumento prometido. Nem sempre o parceiro conseguirá mudar de atitudes. Nem sempre o dinheiro guardado para aquela sonhada viagem estará disponível. Nem nós próprios, inclusive, seremos os mesmos ao longo do tempo, pois ninguém consegue prever os imprevistos que aparecem pelo caminho. Há muitas surpresas boas na vida, entretanto, como tão bem disse Forrest Gump, merdas acontecem.

Gastos inesperados, crise econômica, problemas de saúde, mudança de mentalidade, enfim, muitas coisas podem se colocar entre nós e nossos planos, eis uma verdade sofrida. Por mais que soe a pessimismo, manter os sonhos acesos, de forma ponderada e realista, sem fantasiar um mundo reto e previsível, acabará nos poupando de frustrações excessivas. Não se trata de esperar pelo pior, mas tão somente de esperar pelo palpável, pelo mais próximo ao previsível – isso é maturidade.

Lutemos, haja o que houver, mesmo que tudo concorra contra a realização de nossos sonhos, pois teremos de mantê-los vivos dentro de nós, de forma realista, sem fantasias, mesmo que adormecidos pelo tempo que a vida pedir, enquanto buscamos novas formas de chegar até eles. A gente cai, leva porrada, chora, a gente se quebra, mas aquilo que tiver de ser, encontrará um jeito de chegar, de nos encontrar. Ainda que demore, que se alongue por uma vida, mesmo que tivermos de aparar a dimensão do que queremos, para tornar os planos mais palpáveis, seremos felizes de fato, pois então teremos conquistado exatamente o que era para ser nosso.

Perto é muito longe

Perto é muito longe

Imagem de capa: Poprotskiy Alexey/shutterstock

A primeira vez que viajei para a Europa, eu tinha 39 anos. Minha cabeça, como se dizia na época, estava feita. O que foi uma pena. Gostaria que a inspirada estética europeia – de seus parques, museus, casarios, histórias – tivesse influenciado meus anos de formação.

Mas outro pedaço do mundo cumpriu essa função. Foi na Colômbia, aos 20 e poucos anos, que inaugurei minha saída ao exterior. Logo depois, mochila nas costas, foi a vez da Bolívia, Equador e do maravilhoso Peru – com os encantadores Cusco e Machu Picchu.

Para todos esses lugares, retornei. Mas nunca senti o impacto da primeira visita. É claro, isso faz parte da natureza humana. Por isso a memória valoriza os primeiros: beijo, carro, palco, anestesia geral, passeata, sexo bom. O contrário sucede com o rotineiro.

Trilhar sempre o mesmo caminho pode nos dar conforto, segurança, mas também instaura o tédio. Daí a inquietante ambivalência em optar pelo sabido ou pelo desconhecido. Escolher entre o embarque doméstico e o internacional.

Para mim, o filé mignon de viajar para o exterior é a oportunidade de enxergar melhor como vivemos dentro. Por exemplo, descobrir o Brasil fora do Brasil. Parecido com a metáfora de deixar a casca do ovo para refletir com mais amplitude e perspectiva.

Foi num salão de salsa em Bogotá que descobri que dançar e festejar não eram talentos só dos brasileiros. Em Veneza, com seu caleidoscópio de canais e becos, tive a comprovação que mapas e guias nem sempre dizem a verdade.

É fato que viajar não é a única maneira de conhecer. Dizem que o carioca Machado de Assis (1839-1908) viajou, no máximo, para Niterói. Ou seja, apenas atravessou a baía de Guanabara. Mas ele percebeu o país de forma aguda e ímpar como demonstram seus vários livros.

Da mesma forma existem pessoas que nunca saíram de seus grotões, mas conhecem o regime das marés, as fases da lua e o que dizem nuvens e estrelas. Gente que viaja sem sair do lugar. Gente que pressente caminhos sem mover um dedo do pé.

O tempo, cicerone absoluto, vai nos mostrando a nascente e a foz dos rios de dentro, das paisagens da alma. Essas que dispensam filas de aeroporto, estações de trem, rodovias. Essas que ignoram fronteiras e viajam sem passaporte. Os rios interiores fazem, com os cinco sentidos, mares escancarados.

Toda vez que você insiste em quem não merece, desiste um pouco de si

Toda vez que você insiste em quem não merece, desiste um pouco de si

Imagem de capa: pathdoc/shutterstock

O relacionamento está insustentável, as brigas são constantes e vocês discutem mais do que candidatos à Presidência. Não são raras as vezes que você engoliu a seco as desculpinhas para justificar os atrasos, a falta de respeito e as agressões psicológicas, mas, como te ensinaram que o verdadeiro amor tudo suporta, você permanece firme, acreditando que é esse tipo de relação que merece.

Se essa história parece familiar você precisa rever sua teoria sobre relacionamento. É preciso entender que relacionamento não é sinônimo de prisão. Você não deveria achar normal ter que trocar a cor do batom, nem não ser “autorizada” a ter amizades masculinas, nem aprender a falar mais baixo. Da mesma forma que não deveria proibir o futebol de domingo, a cervejinha do final da tarde, nem ligar trinta vezes por dia para saber onde ele está. Onde não há confiança, não há amor.

Sabe, o amor não aprisiona, não aperta, não machuca. Simone de Beauvoir dizia que “quando se respeita alguém não queremos forçar a sua alma sem o seu consentimento” e isso inclui a própria. Se as brincadeiras das rodas de amigos não te servem, saia fora. Se as situações te constrangem, não admita. Se as palavras te ofendem, não as receba. Não aceite nada menor que suas expectativas. Essa história de que “o amor tudo suporta” é bonito na teoria e inadmissível na vida real.

Insistir em um relacionamento tóxico é o mesmo que mutilar a próprio coração.

Insista em ter um bom emprego, em aprender um novo idioma ou em cursar a faculdade dos seus sonhos, mas nunca em um relacionamento abusivo. Toda vez que você insiste em pessoas erradas, você está deixando um pedaço seu morrer, além de correr o risco de perder a própria identidade e destruir a própria vida.

Não importa o motivo que te acorrente a esse relacionamento, você precisa quebrar as algemas. Talvez por medo, insegurança ou dependência emocional, você tenha permitido que a dor se tornasse rotineira e se convenceu que esse é o amor que merece, mas amar é muito diferente disso. Lembre-se sempre que o verdadeiro amor começa pelo próprio, depois parte para o recíproco.

O grande psiquiatra Flávio Gikovate fez uma crítica sobre o sentimento que deveria virar mantra: “amor é palavra usada e abusada. É dita por quem tem alguma ideia acerca do seu significado e também por aqueles que a repetem apenas por imitação. Usa-se mais a palavra amor do que vive-se o sentimento. E quantas são as pessoas que se sentem felizes no amor? Pouquíssimas. E quem é capaz de definir o que seja o amor? Quase ninguém. E como podemos pretender nos dar bem nesse campo se não sabemos nem mesmo como conceituar o sentimento?”

Quando a pessoa que diz nos amar nos define como alguém incapacitado, insignificante e nos humilha frequentemente, mesmo que de forma “sutil”, é hora de partir.

Jogue a toalha, chute o balde, abandone o barco. Lembre-se que quem mendiga amor, recebe-o como esmola.

Quanto menos a gente se arma, mais a gente se ama.

Quanto menos a gente se arma, mais a gente se ama.

Imagem de capa:  Masson/shutterstock

Hoje eu acendi uma velinha pra você. Fechei os olhos, apertei as mãos, pedi a Deus pra soprar o calor dessa chama até onde vai meu pensamento. Sei que Ele há de levar meu recado até aí.

Por aqui vai tudo assim-assim. O asfalto ainda envelhece como quando você andava por estas ruas. Vira e mexe nasce uma plantinha na rachadura do chão e eu corro para perto da sua lembrança. Pudera. É que eu me acostumei a ver você como a natureza insistente, rompendo a dureza das coisas sólidas com a leveza dos anjos, como um quintal de jabuticabas, passarinhos, cachorros, um paraíso manso cravado entre os prédios sisudos de uma cidade grande. Como a esperança firme, o trabalho honesto, o jeito que a vida sempre dá.

Toda essa gente armada até os dentes, desconfiada da própria sombra, brigando com quem encontra, correndo atrás do próprio rabo, também me faz lembrar você, do seu jeito de sorrir bonito, como quem escancara a porta para uma visita esperada e merecida. Então eu sigo confirmando que quanto menos a gente se arma, mais a gente se ama.

A saudade de você resiste feito tudo que há de bom no mundo. Essas coisas que sobrevivem a qualquer maldade. Quanto mais as atacam, mais fortes se tornam. Não há bomba que derrube os sonhos nem barulho que emudeça a alegria cantando infinita no coração da gente.

Andei mudando uma coisa e outra aqui embaixo desde que você se foi. Troquei de emprego, cortei o cabelo, comprei um sofá azul. Mas é um azul chamativo, escandaloso. Quem sabe você o enxergue aí de cima qualquer dia desses. É daqui que eu tenho assistido à tardinha que me faz lembrar você. Tem coisa que nunca vai mudar mesmo.

João não para de crescer. É um menino lindo, esperto, feliz, cheio de amor. Ontem me pediu pra comprar um presente que ele vai entregar “à menina mais bonita da escola”. Coisa simples, um potinho cheio de chocolate. Dei a maior força. Disse a ele pra escrever uma cartinha também. Está ali agora, empenhado, o coração feliz, a alma leve, derramando ternura no papel sobre o nosso sofá azul.

Não sei o que o João está escrevendo. Ele não quer que eu leia e eu respeito. Mas eu imagino que a cartinha dele seja cheia de esperança. Como a minha segue cheia de saudade.

Sua velinha queima tranquila como a sua lembrança. Clara e honesta como a sua presença ausente. Quente e viva qual a sua alegria que me marcou para sempre.

Hoje eu acendi uma velinha pra você. Tomara que o calor de sua chama a encontre em paz, vestida de luz e de sol, sorrindo para sua gente aqui embaixo. Essa gente que a leva no coração para sempre.

Pessoas mais seletivas evitam aborrecimentos futuros

Pessoas mais seletivas evitam aborrecimentos futuros

Imagem de capa: Rawpixel.com/shutterstock

É preciso selecionar as amizades a serem mantidas, os sentimentos a serem guardados, os ambientes onde nos demorarmos, as lutas que valem a pena serem travadas, os amores que merecem ser nutridos. Selecione, porque ninguém poderá fazer isso por você.

Quanto mais o tempo passa, quanto mais maturidade tivermos, estaremos menos dispostos a deixar por perto pessoas e coisas inúteis. Temos mania de carregar conosco, por tempo demais, bagagens que não são nossas. Temos certa tendência a aturar, além da conta, gente que não soma em nada, não acrescenta, não gosta e nem ama. É preciso selecionar.

É preciso selecionar as amizades. Podemos até ser cordiais com as pessoas, mas isso não deve significar que todas elas poderão caminhar junto conosco. Tem gente que emperra, não avança, nem possui a mínima noção de coleguismo. Por que, afinal, manter por perto quem nem se lembra de que existimos, quem não é capaz de perceber quando estamos bem ou não, quem não olha além de si mesmo?

É preciso selecionar os sentimentos. Não poderemos nos furtar de vir a sentir tristeza, culpa, solidão, desânimo, uma vez que somos mesmo gangorras emocionais por natureza. Porém, será nosso dever lutar contra a demora exagerada em terrenos dolorosos, em que só se patina, sem avanço, sem aprendizado, sem força para mudar, para melhorar.

É preciso selecionar os ambientes. Embora não consigamos evitar de frequentar lugares chatos e sem vida, por conta de obrigações pessoais, sempre estaremos aptos a escolher onde repousaremos nossa lida e fortaleceremos o nosso amor, com gente verdadeira, com sorrisos sinceros, com sentimentos recíprocos. Ninguém é obrigado a permanecer onde o ar parece rarefeito, onde não se respira com tranquilidade, onde o coração se cala.

É preciso selecionar as lutas. Ao longo de nossa jornada, teremos de enfrentar várias batalhas, com familiares, com desafetos, com nós mesmos que seja. Por essa razão, deveremos saber quais os embates que valerão a pena serem travados, ou esgotaremos energia inutilmente, explicando-nos para quem não quer ouvir, doando-nos para quem não sabe o que é gratidão, procurando quem nunca nos procura, mesmo sabendo onde estamos.

É preciso selecionar o tipo de amor que nutrimos. Não podemos aceitar amores rasos, pela metade, que não nos procuram, não nos devolvem, não nos reciclam. Aceitarmos amor que fere, que dói, que faz chorar, que traz equívocos, angústia e solidão significa conformar-se com o incompleto, com o que nunca foi, nunca é, nem nunca será amor de verdade, aquele que todos merecemos viver em sua plenitude.

Não se trata de exigências exageradas, de frescura ou de utopia, mas sim de saber o devido valor que temos dentro de nós, o qual não deve jamais ser posto à prova, por conta de carência e autoestima em frangalhos. Amar-se sempre será nosso maior escudo contra tudo e todos que tentarem fazer com que nos sintamos diminuídos, com que desistamos da nossa felicidade. Selecione, porque ninguém poderá fazer isso por você.

INDICADOS