“Torna-te quem tu és”

Imagem de capa: sutham/shutterstock

 “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
– Friedrich Nietzsche.

Galeano, com a sua incrível arte de “galeanear”, diz que mais do que feitos de átomos, nós somos feitos de histórias. Não à toa, Drummond em um dos seus versos disse que “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”.

Sendo assim, não existem pessoas iguais, tampouco há como colocar todos em uma mesma forma e tentar estabelecer uma padronização de comportamento, gostos, sonhos e histórias.

Todavia, tenho a impressão de que há uma tentativa muito forte e eficiente de estabelecer uma certa “ordem” entre as histórias perambulantes que formam o ser presente no homem.
Não é raro ver pessoas tristes, desestimuladas, desanimadas, cansadas da vida; o que se reverbera nos índices cada vez mais altos de pessoas com depressão, ansiedade, síndrome do pânico e tantos outros transtornos psicológicos.

Essa conjuntura é um contrassenso ao alto grau de desenvolvimento tecnológico que a sociedade alcançou, afinal, o jargão diz que somos melhores que ontem, pois somos a geração do progresso, do mundo na palma da mão. E diante desse paradoxo fica a questão: será que precisamos disso tudo para sermos felizes? Ou melhor, essa estrutura em que o mundo se organiza permite que as pessoas sejam quem elas são?

Apesar de ser fundada sobre a liberdade, a sociedade contemporânea, em verdade, criou algo muito mais próximo de um mito do que da realidade. A liberdade que é colocada para que possamos usufruir é uma “liberdade” extremamente limitadora e direcional. Devemos seguir padrões rígidos de comportamento e se por ventura tentamos nos desviar, somos punidos e cobrados a retornar. Se livrar dessas amarras, então, é algo que cobra um alto preço psicológico, pois uma vez sendo seres sociais, é extremamente difícil nadar no sentido contrário ao que aponta a correnteza.

Dessa maneira, como é possível que os indivíduos possam ser de fato felizes se não são sujeitos? Isto é, não possuem autonomia sobre as suas próprias vidas. Não há possibilidade de vida feliz sem liberdade, ainda que esta diante da nossa precariedade não possa ser atingida em sua totalidade, o que também não significa que não possamos e devamos ter autonomia sobre as nossas próprias vidas, cabendo a cada indivíduo, assim, seguir o caminho que melhor apraz o seu espírito e traz vigor a sua alma.

Em outras palavras, é preciso que o indivíduo tenha autonomia suficiente para buscar a si mesmo, conhecendo as suas interioridades a fim de encontrar ou construir no mundo exterior pontes que se liguem a sua humanidade. Dessa forma, é insignificante termos diminuído as distâncias geográficas, se aumentamos a distância de nós mesmos, pois a viagem mais importante que ainda temos que fazer é o mergulho nas profundezas do nosso ser.

Assim sendo, não adianta estar de acordo com as normas, com os padrões ou caminhar pelas estradas mais “perfeitas” se ao longo dessa estrada enxergamos tão somente a sombra da nossa existência. Precisamos compreender que se somos feitos de histórias, então, cada um é uma história diferente, em que algumas se dão em poesia, outras se dão em prosa, mas cada um tem a necessidade de contar a sua própria história e, consequentemente, viver enxergando o que somos no que fazemos e o que fazemos no que somos, pois, lembrando mais uma vez Galeano, somos todos foguinhos, com vontade de por meio do nosso fogo iluminar noites escuras, aquecer corpos gelados e incendiar almas dormentes.







"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: [email protected]