Crie dinossauros, mas não crie expectativas. Com muitas variações, a frase volta e meia aparece na nossa vida como uma grande verdade.
Não sei se concordo plenamente, já que expectativas me parecem pontos de luz no céu nublado e já conhecido. Desejos, ensejos, esperanças. Todos parentes próximos das expectativas.
A gente se antecipa, quer adivinhar, e, se possível, ajeitar, manipular. Um movimento saudável, assertivo, vivo. Que mal há nisso?
Mal não há, definitivamente.
Ruim é se recusar a entender que a vida não dá muita bola para nossas expectativas, mas sim para nossas necessidades. E ainda bem que é assim. É uma puxada na corda para nos fazer voltar ao que é possível, cabível, aceitável.
Porque nós voamos. Voamos nos sonhos, nos ensaios, nas antecipações e simulações. E tendemos a exagerar. Piramos, achamos que tudo merecemos, que não podemos ser contrariados. E a vida dá corda até um certo limite. Se ultrapassado, vem o tranco da corda puxada de volta.
Como é importante ponderar! Como é saudável deixar de lado planos e expectativas megalômanas e alimentar somente a certeza de que a vida é justa no que precisamos e, com o que precisamos, podemos transformar tudo o que desejamos.
Não é preciso abandonar as expectativas. Somente reconfigurá-las. Entender que a realidade é tão maior e mais abrangente que nossos sonhos pessoais, que envolve tantos outros personagens e situações, que seria de fato impossível nos atender por completo sempre que um novo desejo surgisse.
Quanto às expectativas em relação ao outro, fica a pergunta para respostas anônimas e pessoais: Quem sou eu para pretender que o outro me corresponda apenas baseado nas minhas expectativas? Forte né? Pois é.
Ainda bem que a vida dá corda e puxa. Um dia a gente aprende.
Minha pele é fina, tanta coisa me passa, transpassa, entra, atravessa!
É fácil que o mundo externo encontre contexto nesse meu caos sensível de dentro.
Não é à toa que sou a primeira pessoa a dar um grito no cinema num daqueles filmes de suspense. Às vezes, as dores do mundo parecem passar diretamente dos olhos para o meu coração. Tem dias que as notícias do mundo me atingem como uma punhalada no peito: quanta crueldade, quanta competição, quanta coisa ruim acontecendo. Ai meu Deus, eu não aguento!
Minha pele é fina, me arrepia a energia que chega, mesmo antes de virar pensamento concreto. Será isso sexto sentido? Será essa pele invisível que vive acima da nossa epiderme? Essa coisa de perceber coisas antes de cheirar, de olhar, de escutar… de tocar. Deve ser bruxaria…
Essa pele fina que eu não sabia lidar, palavras facilmente podiam me machucar, assim como um olhar punitivo, um sorriso indefinido, antes de eu entender o porquê, antes de eu saber me proteger, eu me inundava de emoções.
Eu tinha medo de engrossar o couro e perder a sensibilidade.
Eu temia criar em mim uma capa protetora e viver anestesiada.
Eu tinha medo de que não estar exposta me faria estar fria, cega, caminhando na superfície das experiências.
Eu tinha medo de me prevenir de tudo e assim, esquecer como sentir a vida in natura.
Mas hoje, mesmo com essa pele ainda fina, eu penso diferente. Tento não ser nem 8 nem 80. Eu ando aprendendo:
Posso ser a sensibilidade com a aura intacta. Posso ser a flexibilidade sem perder a estrutura. Posso entender sentimentos e compartilhar deles sem ter que ficar aos cacos.
Eu posso observar as minhas emoções e as dos outros sem imediatamente me confundir com elas. Do baile de carnaval, eu posso sair um pouco da dança e assistir da arquibancada, a escolha de entrar ou não na avenida tem que ser minha.
Às vezes eu danço uma marchinha, aprendendo, passando bem. Às vezes eu entro debaixo de uma chuva para ver o que é que vem.
O que sempre fica de tudo – rasteiras, ou leves brisas – sou eu sem tantos pesos. O que fica sou eu prestando atenção nos ensinamentos de um evento que foi denso para não ter que fazer aula de recuperação depois. Sou eu observando, equilibrando razão e emoções.
Demorou, mas tenho aprendido que é melhor colocar energia e me dedicar de início, investigar as razões do que sinto, me preservar do que não é parte de mim.
Já que é na pele que eu aprendo e apreendo a vida, já que eu só sei evoluir se eu entender e absorver o entorno, já que eu sou, ao mesmo tempo, a cobaia e o cientista na minha vida, que eu preste muita atenção em tudo, que eu pare para processar momentos e acontecimentos, que eu seja uma aluna atenta.
Há quem fica decorando as lições dos livros antigos e dos manuais de instruções, há quem passe de fase assim, por decoreba ou por confiança no que já existia antes.
Eu não, só acredito no que me entra, no que me fica, na experiência da minha pele. Ou eu sinto ou eu não sinto.
Se está certo ou errado esse meu mecanismo, quem é que pode dizer?
Pelo menos (e pelo mais também!) essa minha pele fina já não é esponja, aprendeu a ser filtro!
Quantas e quantas vezes achamos que perdemos o que era o mais importante em nossas vidas e, passado um tempo, percebemos que vivemos bem, muito melhor até, sem aquilo? O hoje nos ilude, pois o que é imediato muitas vezes nos impede de pensar no longo prazo, no futuro, fazendo-nos acreditar que temos tudo o que está aqui e agora. Pura ilusão.
Sim, teremos que continuar, muitas vezes, sem algo que nos era essencial, longe de lugares e de pessoas que fazem muita diferença em nossa jornada, porque tudo pode mudar em um piscar de olhos. A vida nunca será uma constante, nada permanecerá imutável, nem lá fora e nem aqui dentro de cada um – e isso é bom. A cada abalo, a cada tombo, somos levados a refletir e a pensar em novas formas de sobrevivência, tornando-nos mais fortes, mais gente, mais humanos.
E, em meio a tantas mudanças, a tantos abalos e desconstruções de certezas, nosso dever será sempre tentar nos acalmar por dentro, à força, obrigados, para além da dor e da desesperança que essas tempestades carregam em suas nuvens de decepções. Quando estivermos bem no meio das ventanias, nada parecerá ter solução, nenhum raio de esperança parecerá permanecer em nossos corações. Ainda assim, confiemos na passagem do tempo, que então demorará uma eternidade, mas nada como o tempo a que se agarrar, sem que paralisemos em desistências demoradas demais.
Porque é no correr dos dias que as nuvens se vão dissipando, que a neblina se vai abrandando, desanuviando nossos olhos, descarregando de nossos corações as dores pungentes e trazendo, aos poucos, leveza aos nossos passos. É com o tempo que a gente volta a respirar sem pressão, a sorrir sem dissimulação, a lembrar sem angústia, porque percebe que muito do que se foi só serviu para o nosso bem, para o nosso melhor. E a paz que então sentiremos será de um prazer inenarrável.
Embora não seja fácil, atravessarmos as escuridões e o deserto de nossas dores sempre nos levará à conscientização de que a gente perde muito nessa vida, mas também acumula ganhos inegáveis, justamente com as coisas e as pessoas que a vida se encarrega, ela própria, de tirar de nosso caminho, para que ele se torne mais limpo e feliz. Aguardar a passagem do tempo sempre será o melhor a se fazer quando o hoje estiver insuportável e angustiante. Porque tudo há de se resolver, mesmo que à nossa revelia, tudo há de melhorar e todos haveremos de voltar a sorrir.
Acordei assim, igual. E fui fazendo o de sempre, assim, igual.
Mas, num piscar de olhos, numa olhada rápida no espelho, mudei.
O que determina essas pequenas mudanças de ritmo, pensamento, disposição, ânimo? A gente percebe que mudou, que algo se alterou, uma sintonia nova conectou, mas não faz nenhuma associação.
Mudar é estado natural. Mudamos o tempo inteiro. Nem sempre para melhor, mas mudamos. Quando percebemos, então levamos o susto. Porque não gostamos muito de sair do lugar.
A gente muda sem querer, muda porque é preciso se adaptar. E quando a gente resiste e se recusa, a gente sofre. Sofre por não querer mudar e sofre ainda mais por estar no processo de mudança.
E sempre que a gente anuncia que vai mudar, pouco muda. Porque a exigência fica enorme e a resistência, maior ainda.
Mudar é se equilibrar. É viver num mundo por vezes maravilhoso, por outras, inóspito. Mudar é ter jogo de corpo, a mente aberta, sentimentos suaves e apegos saudáveis.
Sem pretensões, as mudanças chegam. E quando são boas, ainda nos colocam sorrisos no rosto, daqueles que a gente nem sabe o porquê.
Por isso é tão importante buscar conexão com o que nos faz bem. Companhia, palavras, histórias, parcerias. Os espelhos por onde apreciamos nossas melhores mudanças.
Todos os dias podem ser iguais, mas nós, os protagonistas dos dias, estamos em constante mudança.
Não nos esforcemos para continuar iguais. Não vale a pena todos os dias fazer uma combinação diferente de roupas, sapatos e acessórios, e continuar vestindo as mesmas ideias e inspirações do dia anterior.
Quanto mais a gente muda, mais a gente cresce, e menos assustadora será a imensidão do mundo que ainda não conhecemos.
Permita sempre que um dia assim, sem maiores pretensões, traga os ventos de mudança.
Alguém que te é querido te magoou. Machucou. Doeu. Os olhos arderam, as lágrimas caíram e você sofreu. Pronto. Desde ponto em diante, a repetição é protagonista.
Tal situação vem repetidamente à sua cabeça. Sua mente lhe trai. Você rememora inúmeras vezes aquela mágoa causada por aquele alguém que você tanto ama. Revive a tristeza, revive a raiva, a irritação, a decepção que aquele episódio te traz. Isso te consome.
Normal. É esse o processo pelo qual todos nós passamos, quando magoados.
A memória, protagonista da vez, não precisa ser necessariamente a vilã nessa novela. Provavelmente será, se você se deixar consumir por ela. Por outro lado, se deixares apenas que ela exerça seu papel de mestre, a memória servirá como fonte de aprendizado. Só.
“Perdoar não é esquecer”. Esse é um trecho de uma das canções do álbum novo (Hard Times) do Paramore. A vocalista e compositora, Hayley Williams, que já passou por diversos desentendimentos com membros (e ex-membros) da banda, inevitavelmente fala sobre esses momentos, em suas letras.
Pois é, Hayley. Perdoar não é sinônimo de esquecimento. Perdoar, aliás, exige uma boa memória. Melhor: exige a capacidade de olharmos para trás sem desgosto nem amargura, capacidade esta que só adquirimos com o tempo, o terceiro protagonista dessa história.
“E você quer perdão, mas eu, eu não posso lhe dar isso ainda”, diz o eu-líricoda canção (Forgiveness), lembrando-nos de que cada um tem seu tempo e que não vale a pena fingir que perdoou. É esse tempo – o seu – que agirá na eliminação da mágoa, da dor, da raiva que nos consome. Se lhe for permitido, é claro.
Introduzo, agora, o último protagonista do enredo. O amor. O perdão pressupõe amor, para consigo mesmo, para com quem lhe magoou. Perdoamos porque amamos o suficiente para olhar para trás sem mágoas.
A jovem vocalista do Paramore fala em um fio invisível que a liga a quem a machucou. Arrisco dizer que essa linha, que não vemos, seja o amor.
Sei que soará totalmente clichê, mas é inevitável. É o amor que nos permite ver que não vale a pena se autodeteriorar por meio do passado. É o amor que nos livra do orgulho e nos faz perceber que, às vezes, um erro por parte de alguém que amamos não se sobrepõe à conexão que temos com a pessoa em questão.
Então, foi magoado? Reúna-se a esses quatro personagens. Monte seu roteiro. Perceba o nível de influência que cada um deles tem no enredo, de acordo com o contexto e suas próprias vivências. Veja o que lhe repete, qual a lição você pode tirar do que passou e, no tempo certo, o amor lhe dirá como e quando agir. Só não se deixe consumir.
Perdoar não é, afinal, esquecer, mas ser maduro o suficiente para saber lidar, porque, como diz a Hayley, em outra música (Grudges), “não podemos nos agarrar ao rancor!”.
Há um alto preço a ser pago pela autenticidade, por amar sem medo, por se dizer o que se pensa, por ser quem você é de fato, por viver as próprias verdades. Mas é somente assim que nos fortalecemos junto a quem nos ama pelo que somos.
Talvez seja parte da natureza humana a necessidade de obter controle sobre o mundo à nossa volta, sobre as pessoas com quem convivemos, numa vã tentativa de equilibrar o tanto de incertezas que nos rodeiam, uma vez que, na verdade, não conseguimos controlar muita coisa. E é assim que muitos de nós acabamos extrapolando os limites do outro, querendo que ele aja, pense e fale exatamente o que quisermos. E haverá um preço para tudo nesta vida, que jamais deixará de nos trazer a fatura das consequências.
Há um preço alto a ser pago pela autenticidade. Viver as próprias verdades, de acordo com o que se possui dentro de si, mesmo que de maneira digna, sem interferir na vida de ninguém, custa caro. A sociedade dita padrões de comportamento que devem ser seguidos, ou sofreremos olhares de reprovação e seremos alvo de julgamentos e de incompreensão por parte, na maioria das vezes, de gente que nem nos conhece direito.
Paga-se caro por amar sem medo. Caso a forma com que nos lancemos ao encontro afetivo não se adeque aos padrões preconizados como morais ou corretos – até mesmo em nome de um Deus isento de amor -, enfrentaremos um caminho penoso de rejeição, de preconceito, pois ainda existem muitas pessoas intrometendo-se onde não são chamadas, confundindo sentimento com barganha e amor verdadeiro com sacanagem, paradas que se encontram no tempo e no espaço.
Dizer o que se pensa também custa caro. Em tempos de comunidades e redes sociais virtuais, estamos todos sendo vitrines de milhares de pessoas, ou seja, postar algum comentário não mais lembra a quando comentávamos algo numa roda de amigos. Porque, por mais que o mundo evolua, muitas pessoas ainda não aprenderam a ouvir o que não lhes agrada, nem toleram conviver com quem pensa diferente, sem ofender com violência e sarcasmo.
Também alto é o preço por sermos cá fora quem somos aqui dentro de fato. E, quanto mais coragem tivermos de buscar o que nos alimente a alma, quanto mais fortes formos e mais certos de nossas convicções, de nosso comportamento, de nossas atitudes, mais seres desgostosos encontraremos pelo caminho, prontos para nos atirar pedras. Sempre haverá quem não é feliz, não quer ser feliz, não suporta ver o outro feliz e teremos que aprender a lidar com isso.
Sim, seremos colocados de lado, criticados, perderemos oportunidades, perderemos pessoas, enquanto estivermos caminhando com o propósito de buscar a felicidade de uma forma que foge ao lugar comum dos manuais retrógrados das convenções sociais. No entanto, é assim – somente assim – que poderemos ter condições de nos manter em pé durante cada tombo, porque então teremos conosco quem nos ama com aceitação verdadeira.
Comer é um ato político. Revelamos muito sobre a relação que temos com o mundo, por meio das escolhas que fazemos acerca daquilo que colocamos voluntariamente na boca, ou descartamos, sem muita ou nenhuma reflexão. Comer é uma atitude que se toma para resolver questões relacionadas à fome e à necessidade de nutrir o corpo, também em outros âmbitos, que não apenas o orgânico.
Em nosso caso, particularmente, estamos inseridos em um país que produz uma quantidade de alimentos mais do que suficiente para alimentar toda a sua população. No entanto, o Brasil exibe sua incompetência socioeconômica e cultural, revelada por meio de um vergonhoso dado numérico: há mais de 7 milhões de brasileiros que passam fome.
E é claro que a origem de toda essa miséria é uma economia baseada apenas no lucro e no consumo, que repousa nos braços de uma classe política lamentavelmente corrompida, movida pelo desejo visceral de poder e benefícios econômicos pessoais.
Também é claro que a solução para a fome em nosso país, assim como em todo o resto do mundo, depende da implementação de políticas públicas voltadas para o benefício de todos e não apenas de alguns. Depende da conscientização a respeito da má utilização dos alimentos, desde o manejo nas áreas de produção agropecuária até o lixo riquíssimo que produzimos em nossas próprias casas.
O Brasil desperdiça em torno de 41 mil toneladas de alimentos ao ano. Sim, é um número absurdo! E alarmante, posto que grande parte desses alimentos, caso recebessem um destino diferente, poderia salvar a vida de crianças, jovens, adultos e idosos que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social.
Jogar comida boa fora chega a ser um ato criminoso. No entanto, precisamos parar de torcer o nariz apenas e assumir que essa é uma prática muito comum em nossas casas.
E, como todo hábito danoso e negativo, esse só será resolvido a partir de uma tomada de consciência seguida da firme intenção de buscar uma maneira mais ética e humana de agir a respeito.
Iniciativas de pessoas, que resolveram descruzar os braços e agir, podem servir como inspiração. É o caso de Luciana Chinaglia Quintão, fundadora da ONG Banco de alimentos. Essa Organização foi criada com o objetivo de acabar com o desperdício e, por conseguinte, com a fome. Para isso, realiza a chamada colheita urbana, por meio da qual alimentos em perfeito estado que seriam descartados como excedentes, em diversos estabelecimentos comerciais (restaurantes, padarias, sacolões, etc), são coletados e redistribuídos para diversas instituições. Também oferece palestras e oficinas que buscam conscientizar cidadãos e empresas sobre consumo sustentável.
Outro exemplo de atuação social muito bacana é a Gastromotiva, fundada pelo Chef David Hertz, uma instituição que trabalha a Gastronomia como forma de transformação social, e conta com uma rede de chefes de cozinha, empresários e até universidades engajadas com a proposta. Cria e oferece cursos de capacitação para jovens de baixa renda e pessoas em situação de vulnerabilidade social; programas de apoio para microempreendedores e formação de multiplicadores.
Sabe, em meio a esse mar de lama no qual nos vemos, rodeados por acontecimentos tenebrosos que nos roubam o sono e tiram da gente aquela paixão pelo nosso país, é uma injeção de ânimo saber que há gente que rema contra a maré e faz diferente, fazendo diferença na vida de tanta gente. Isso dá uma vontade danada de ir atrás de algum novo propósito, não é mesmo?
Afinal, você tem fome de quê? Estou certa de que não é apenas de coisas que enchem a barriga, sejam elas saudáveis ou gulodices. Porque é esse outro alimento que não se mastiga, mas se saboreia com a alma que é capaz de resgatar a nossa tão maltratada humanidade e nos abrir os olhos para as necessidades de outro alguém, além das nossas próprias.
Foi dia desses. Alguém me vociferou babando, os dentes arreganhados, a pelagem eriçada, o sangue explodindo nos olhos: “quem não quiser se prender a alguém, que fique solteiro”. Era uma dessas pessoas muito certas de que já viram de tudo e que o resto do mundo deve aceitar as suas regras e ponto final. Incapaz de ouvir, recusou-se a poderar o quanto as expressões “prender” e “amar” são antagônicas e inconciliáveis.
Nosso diálogo foi impossível. Virou conversa de surdos que desconhecem as línguas de sinais e nasceram em países diferentes. Fazer o quê? Eu disse que ninguém devia se acorrentar ao ser amado e jogar a chave fora para preservar a relação amorosa. A pessoa concluiu que eu pertenço à categoria dos desprovidos de vergonha na cara, um defensor descarado do “amor livre”.
Pobre alma. Ignora que amor livre é mera redundância, que todo amor é sinônimo de liberdade e que os que tentam prender o outro em sua companhia padecem de um caso de dependência e perversão que nada tem a ver com o sentimento amoroso.
Deixei pra lá. Fosse meu interlocutor uma alma mais fácil, considerava que quem precisa prender alguém a seu lado tem um prisioneiro. Não um amor. Quem ama fica com alguém porque quer, jamais porque foi obrigado a tal.
Meu antagonista que fique com suas certezas. E que Deus proteja os desavisados que ele tentar encarcerar pela vida.
Eu sigo daqui, às voltas com a minha impressão de que amando a gente aprende a cuidar bem do outro como bem cuidamos de nós mesmos. Não a prendê-lo em lugar seguro, ao alcance de nossas vistas e nossas garras. Longe do mundo que a todos cabe e onde todos somos livres para tudo. Até para escolher com quem queremos caminhar por aí.
É difícil não concordar com o escritor português, José Saramago, um dos maiores do seu tempo. O mundo anda capenga, cheio de ódio e dizeres inversos. Queremos o melhor, mas para quem?
Dia desses, revivi a experiência de “Ensaio sobre a Cegueira”, livro no qual Saramago fora agraciado com o Nobel de Literatura. Não pude deixar de ter, novamente, uma espécie de tristeza, de preocupação. Isso porque ainda parecemos caminhar a passos lentos para novas percepções e sentimentos. Sem entrar em assuntos políticos e históricos, mas por que não mudamos? Por que persistimos nessa cegueira social e emocional? A pluralidade do ser humano deveria ser motivo de orgulho e esperança, e não de repulsa e desunião.
O mundo está péssimo para o amor. Falamos muito sobre ele, mas pouco o entendemos. O amor é manipulado quando deveria ser liberto. Perdemos um tempo precioso analisando se é amor de verdade quando alguém vai embora. Classificamos o amor do jeito que melhor nos agrada e isso não configura algo real.
O mundo está péssimo para a empatia. Reclamamos muito dela, mas só a praticamos em momentos cômodos. A empatia é dosada quando deveria ser espontânea. Debatemos durante dias se é gentileza ou interesse por algo ou alguém. Separamos gestos como quem conta trocados para pagar um transporte.
O mundo está péssimo para o sincero. Pedimos muita sinceridade, mas ela é constantemente ignorada. Se não for o que nos cabe, o que nos chama a atenção, mentimos e maltratamos. É completamente diferente de dizer a verdade, porque tornar-se uma pessoa sincera demanda respeito, compaixão. Estamos economizando proximidades, vejam.
Então, como lutar contra esse pessimismo do mundo? Sendo completo. Ou, pelo menos, almejando uma certa plenitude. O problema é não é um processo imediato. Requer a desconstrução de valores reproduzidos ao longo da vida. É necessária a aceitação de quem você é e daquilo que pode vir a ser. Temos tantas ferramentas disponíveis para uma nova onda de atitudes. São músicas, filmes, livros e outras experiências que podem desencadear o melhor de nós.
Queria figurar na galeria dos pessimistas, mas não consigo. Abro mão de sabotar qualquer possibilidade de desamor e compreensão por um mundo mais otimista, sincero, empático e amoroso. E isso é só para começo de conversa.
Faz algum tempo que notícias com chamadas que destacam a descoberta da cura do vitiligo por médicos cubanos tomam de assalto a nossa atenção na internet. Nessas matérias, a eficácia do produto é largamente divulgada, mas nenhuma informação aprofundada ou fontes de confiança são apresentadas.
Pensando nisso, o CONTI outra resolveu ir atrás e investigar para saber um pouco mais sobre o controverso tratamento cubano e sua real eficácia.
ATO I: A DOENÇA
A estética tem grande peso na hora da decisão por tratamentos. Próteses, ajustes, retoques, esticadas. A autoestima ganhou terreno junto com o avanço clínico em relação ao corpo e nas intervenções que nele são feitas constantemente.
Clinicamente, o vitiligo não apresenta nenhum mal à saúde. O problema, ao que parece, está na forma como outras pessoas enxergam a doença, caracterizada por manchas claras em algumas partes do corpo
Imagem Designua/shutterstock
FORMAÇÃO
O mecanismo de formação da doença tem diversas teorias, mas nenhuma delas está inteiramente provada até hoje. As mais consistentes, conforme as últimas pesquisas, são as teorias autoimune e genética.
A pessoa com vitiligo sofre um ataque autoimune contra os melanócitos (células que produzem a melanina) e o afetado fica então com manchas em algumas áreas da pele – existem casos extremos, em que quase todo corpo é afetado.
Uma proporção pequena de pacientes ainda pode apresentar problemas com a audição e inflamações nos olhos. Aproximadamente 15% dos pacientes têm ou terão alguma doença da tireóide associada.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Associação Nacional de Vitiligo, cerca de 2% da população mundial tem ou terá a doença.
“A maioria dos pacientes com vitiligo não tem parentes de primeiro ou segundo grau afetados. Somente em 20 a 25% dos pacientes se encontra uma história familiar positiva para vitiligo. Estes casos são de herança genética dominante”, explicou o doutor Roberto Azambuja, ex-presidente da Seção do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Dermatologia e um dos autores do livro Vitiligo: manual explicativo para pacientes e familiares (2013).
“Os demais casos possuem genes predispostos ao desenvolvimento do vitiligo, entretanto inativos. Fatores externos ou internos exclusivos para cada pessoa podem ativar algum desses genes, dando início ao quadro do vitiligo. Entre os fatores desencadeantes são conhecidos, luz solar, queimaduras térmicas, traumatismos da pele, dermatoses inflamatórias e estresse emocional.”
DIAGNÓSTICO
Para um diagnóstico correto é preciso análise clínica, pois é importante observar o aspecto das lesões que possuem formas diversas e bordas bem definidas. Alguns locais muito característicos dessas lesões incluem pálpebras, axilas, comissuras labiais e dobras supra-ungueais (entre a pele e a cutícula).
Como complemento ao exame clínico, utiliza-se uma lâmpada de radiação ultravioleta de 351 nanômetros, conhecida como luz de Wood, que evidencia a ausência de melanócitos.
Raramente é preciso uma biópsia para o diagnóstico.
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FATORES DE RISCO
Para Roberto Azambuja, o fator de risco relevante é a ocorrência de parentes em primeiro ou segundo grau.
O médico aponta para fatores emocionais que podem agravar o vitiligo, como “um período de intenso estresse, por evento de impacto emocional muito forte ou por certos tipos de comportamento, como pessoa cronicamente ansiosa, por depressão, por pensamento preferencialmente negativo”.
Ele deixa claro que não há conclusão sobre a exata influência de nenhum desses elementos e que mais estudos são ainda necessários para melhor o entendimento da doença.
PRECONCEITO
Caio Castro é médico dermatologista da Santa Casa de Curitiba, professor do curso de Medicina da PUCPR e o segundo autor de Vitiligo: manual explicativo para pacientes e familiares, junto com Roberto. Tornou-se referência no assunto quando,durante o curso de Doutorado em Ciências da Saúde da PUCPR, desenvolveu uma pesquisa inédita que revelou um importante gene de predisposição ao vitiligo.
A tese conquistou prêmios importantes, como o Prêmio La Roche-Posay 2011 de “Melhor artigo científico da América Latina” e levou o 1º lugar na categoria Teses e Dissertações da Sociedade Brasileira de Dermatologia. A pesquisa foi também publicada no Journal of Investigative Dermatology, a mais importante publicação do mundo na especialidade.
Uma dos temas com os quais Caio precisa lidar em sua rotina profissional é o preconceito em relação a quem tem vitiligo.
“Não é uma doença contagiosa e meus pacientes relatam o absurdo de não quererem apertar a mão ou ter contato físico com eles”, revelou. “Leigamente falando os pacientes estão sem ‘tinta’ (melanina) na pele, somente isso, sem nenhum risco para as outras pessoas, mas causa um desgaste emocional muito grande e compreensível nos afetados”, disse.
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TRATAMENTOS
Embora existam diversas pesquisas relacionadas ao tratamento do vitiligo, não existe medicamento específico nem cura para o mesmo.
Os tratamentos disponíveis atualmente visam o bloqueio da comunicação celular autoimune e o estímulo à produção de melanina e sua distribuição pelas células da epiderme.
Os medicamentos utilizados visam corrigir o que foi gerado por uma reação partida de genes e levadas às células pigmentares por transmissão celular, não para uma cura.
“O vitiligo é uma doença órfã e não existe nenhum medicamento aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) para ajudar na repigmentação”, esclareceu Castro. “O tratamento indicado e aprovado é com as diversas modalidades de fototerapia.”
OFF LABEL
Os remédios usados no tratamento são normalmente desenvolvidos e empregados para outras doenças. A esse tipo de uso que não consta na bula dá-se o nome off label.
“O corticóide oral e tópico é utilizado off label para tratamento do vitiligo que está em progressão. Outra medicação tópica off label utilizada é dos inibidores de calcineurina , no qual existem diversos estudos pequenos mostrando sua efetividade”, exemplificou Caio Castro.
Foi o tipo de tratamento usado em uma paciente americana de 53 anos por cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em 2015. Os resultados repercutiram bem no meio científico.
O medicamento em questão foi o tofacitinibe, empregado contra artrite reumatóide, mas nada foi garantido e mais pesquisas continuam a ser feitas.
ATO II: O TRATAMENTO CUBANO
O produto que até hoje causa rebuliço na internet atende pelo nome de Melagenina Plus e é derivado da placenta humana. É fabricado e vendido pelo Centro de Histoterapia Placentária (CHP), em Havana, Cuba. A instituição tem quase 30 anos de história e pertence ao Grupo Empresarial BioCubaFarma.
“Recebemos pacientes de mais de 80 países em nosso Centro. Recebemos gente dos5 continentes,mas com certeza México, Venezuela, EEUU e Colômbia ocupam os primeiros lugares entre os visitantesem buscapelos produtos derivados da placenta”, respondeu orgulhoso por email o doutor Ernesto Miyares, atual diretor do CHP.
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AFINAL, O QUE É A MELAGENINA PLUS?
“O extrato hidroalcoólico de placenta humana, Melagenina Plus, foi desenvolvido pelo ginecologista e farmacologista cubano Carlos MiyaresCao a partir de 1972 e passou a ser aplicado no tratamento do vitiligo em 1978. No Brasil foi vendido, em algumas farmácias, importado pelo escritório da Cubanacan, de 1990 até 2009. De lá para cá, não é mais vendido por razão não divulgada”, detalhou o médico Roberto Azambuja.
PROIBIÇÃO NO BRASIL
Em decreto publicado no Diário do União, em 2009, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu a comercialização da Melagenina Plus em território brasileiro.
Procurada pela reportagem, a ANVISA informou que “o referido produto teve sua renovação de registro indeferida em 2009, devido ao não atendimento de requisitos regulatórios” e que “o produto não se encontra em situação regular e não pode ser comercializado no país”. No entanto, não especificou quais foram os critérios que levaram à proibição da comercialização por aqui.
O caso da proibição da venda de Melagenina Plus no Brasil parece ser um mistério até mesmo para Ernesto Miyares.
“A Melagenina e outros produtos eram comercializados em São Paulo, em uma clínica cubana que atendia pacientes e tinha autorização para vender os produtos cubanos. Recebemos a inspeção da ANVISA em nossa sede cubana. Não existia proibição de nenhum tipo”, contou.
QUAL A REAL EFICÀCIA DA MELAGENINA PLUS?
Ernesto defende a eficácia de 86%, em ensaios clínicos realizados por ele e sua equipe. Na opinião de Azambuja, que fez treinamento em Havana,no CHP em 1989 e trabalhou com Melagenina Plus durante 20 anos, enquanto esteve disponível no Brasil, o número apresentado por Miyares é um pouco exagerado.
“É um excelente tratamento, com efetivo potencial de repigmentação (restauração da cor natural da pele), sem efeito colateral. Não há garantia de que vai curar o vitiligo nem a percentagem de ação positiva se aproxima do que é a divulgada pelos cubanos”, comentou. “Entretanto, se funcionar bem, é o tratamento que dá o melhor resultado estético de todos os disponíveis, fazendo com que a pele readquira seu aspecto natural, sem resquício de manchas. É seguro para uso em crianças e em grávidas.”
RESULTADOS VARIÁVEIS
Roberto frisa que o tratamento com Melagenina Plus não é reconhecido fora de Cuba e que em nenhum país houve uma pesquisa séria e extensa sobre seus resultados.
“Os dermatologistas o condenavam dizendo que não tinha comprovação científica, o que é inverdade. O produto foi desenvolvido segundo os protocolos científicos”, defendeu.
“Por outro lado, todos os dermatologistas prescrevem cegamente as substâncias tacrolimo e pimecrolimo como se fossem a cura do vitiligo, embora o único emprego que elas têm, conforme o FDA, é no tratamento de dermatite atópica. Seu uso é baseado em poucos estudos com poucos pacientes e por pouco tempo, os quais indicariam que têm ação equivalente à dos corticoides, a qual atingiria 48% de repigmentação, sendo que efetivamente ela não é observada”, ponderou, antes de finalizar:
“Diante desses dois fatos, ouso dizer que a Melagenina Plus foi vítima de preconceito e, no caso do tacrolimo e do pimecrolimo, há fé cega. Em ambos os casos são atitudes não científicas […] É preciso entender que o extrato de placenta humana é mais um tratamento para vitiligo, não é a cura nem é superior aos outros, porque o que determina o efeito do tratamento é a reação do organismo de quem está sendo tratado. Afirmo, com minha experiência, que é um tratamento válido, sem nenhum risco e que dá a melhor repigmentação de quantos tratamentos existem.”
COMÉRCIO VIA IMPORTAÇÃO
Não existe nenhuma proibição para a aquisição de Melagenina Plus via importação e algumas agências de viagens ainda oferecem o pacote de tratamento na Clínica de Histoterapia Placentária.
O medicamento carro-chefe do CHP tem comercialização livres em países como Índia, México, Rússia, Ucrânia, Nicarágua, Salvador, Colômbia e Peru.
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ATO III: A EXPERIÊNCIA DE QUEM FEZ O TRATAMENTO
Clarisse desenvolveu o quadro quando tinha 14 anos, em uma fase que ela descreve como cheia de inseguranças e complexos, fruto de uma profunda depressão que teve na mesma época.
“Foi duro, principalmente porque eu era uma adolescente frágil e despreparada, como todo adolescente…Inicialmente não percebi que havia aparecido; foi uma amiga médica da minha mãe que observou que poderia ser vitiligo. Depois disso parece que a mancha tomou uma dimensão desproporcional, e só enxergava isso. Começou nas orelhas, topo da cabeça, queixo e pescoço frontal”, descreveu.
“Foi um drama. Inicialmente disfarçava com maquiagem, mas depois de anos usando, minha pele criou uma rejeição alérgica, e com o tempo acabei aceitando.”
Mas, antes da aceitação, Clarisse tentou outros tratamentos como radiações combinadas com remédios de uso interno.
“Como o tratamento convencional de radiação fez efeito logo nos primeiros momentos, restando apenas a mancha do pescoço que trago até hoje, fiquei durante anos batendo na tecla da radiação, mas de forma estacionária. Chegou um ponto que dado o custo-benefício, tais como: deslocamento, custo do tratamento, e principalmente: risco – pois essas radiações provocam queimaduras, e os medicamentos, aliados à exposição das lâmpadas, poderia acarretar um câncer, tanto é que à época tinha que assinar um termo de consentimento –, resolvi parar o tratamento, e, aceitar, por total falta de opção”, relembrou.
IDA A CUBA
Clarisse foiuma das pessoas que viu no tratamento cubano uma chance de se livrar dos sinais indesejáveis do vitiligo.Faz 17 anos que ela foi para Havana, em busca da possível cura.
Através de uma agente de turismo, comprou um pacote para o tratamento, que incluía vôo, traslados, hospedagem e o próprio tratamento. Mesmo não sabendo precisar o valor, conta que, na época em que viajou, todo o pacote saía mais barato que uma viagem ao Nordeste, por exemplo.
“No dia da consulta, fomos num traslado cheio de estrangeiros latinos para se tratar (muitos argentinos), e muitos relataram melhoras e ótimos resultados (os que voltavam).Fiquei bem impressionada, era uma clínica muito boa e organizada, fui atendida no horário que me haviam agendado, por um médico que me pareceu muito competente e experiente, e que de todos os que estive, foi aquele que fez o exame mais minucioso. Minha acompanhante (sua avó) entrou comigo na consulta . Ao final eles receitam o Melagenina Plus, vendido na clínica, e deixam você levar a quantidade que você quiser. Lembro que levei uns 10, que os dois últimos acabei até dando, pois fui parando de usar, já que não teve resultado comigo (usou por aproximadamente 3 anos)”.
Mesmo que o remédio não tenha surtido efeito, Clarisse diz que a viagem valeu a pena e que a recomenda.
Victor Maschek/shutterstock
POR FIM, ACEITAÇÃO
Clarisse tentou aromaterapia por algum tempo, mas igualmente sem efeitos visíveis.
Sobre os motivos que a levaram a procurar por diversas formas de tratamento, a jornalista é firme:
“Não tenho dúvida de que foi o preconceito que me fez buscar uma cura para me livrar da mancha, e me fez, inclusive, não gostar de mim e não me aceitar por um bom tempo.”
Depois de muitas tentativasde se livrar da mancha que possui no pescoço, aprendeu a olhar para si mesma de forma diferente.
“Confesso que sinceramente não me incomoda mais, e após muitas terapias, conquistei esse salto quântico de não me importar com o olhar e a opinião dos outros. Isso te traz uma grande liberdade”, avaliou.“Essa é uma conquista que a maturidade me trouxe, que me faz sentir em não querer trocar de jeito nenhum meus quarenta anos pelos vinte e poucos. Hoje em dia assumi a mancha como inerente à minha pessoa. É algo que me torna diferente.”
Além de não mais se sentir incomodada, Clarisse demonstra certo orgulho ao contar que sua filha diz poeticamente que a mãe tem uma nuvem no pescoço.
“Apesar de haver superado a depressão, parece que a mancha sobreviveu só para me lembrar de não esquecer de ser feliz.”
ATO IV: CONCLUSÃO
Como pudemos observar, não existe um consenso entre os profissionais sobre o uso do tratamento cubano e o mesmo não pode ser encarado como fórmula milagrosa para a cura do vitiligo. Enquanto isso, o órgão regulador (ANVISA) parece não ver problemas em nos deixar no escuro em relação aos motivos da proibição do mesmo.
É desse jeito que várias teorias conspiratórias vão se criando. Desde uma que envolve um grande complô da indústria farmacêutica, até outra sobre suposta propaganda da esquerda para enaltecer Cuba –que não leva em consideração o fato de que, à época da proibição, Luís Inácio Lula da Silva era Presidente da República e Dilma Rousseff atuava como Ministra de Estado e Chefe da Casa Civil.
É o mínimo, sabe? Porque apesar de todas as partidas, é importante não pensar que foi tudo em vão. Assim como cada relacionamento que tive deixou algo de bom em mim, espero ter deixado também.
A primeira coisa que fazemos, após o fim de uma relação, é culpabilizar algum lado. Parece que torna a dor do adeus mais verdadeira. E assim, podemos enfim, seguir nossas vidas, muitas vezes, como se nada tivesse acontecido. Descartamos momentos unicamente para nos sentirmos melhores. E isso não chega a ser um julgamento de valor, claro que não. Amores possuem o seu próprio ritmo, a sua específica música tema.
Mas, quando você para e faz um levantamento de cada amor que teve, o que ficou? E o mais importante, o que você deixou? Relacionamentos são trocas que nos definem. Em todos os instantes vividos com alguém, sentimentos foram doados, mas também ensinados. Perceber a essência dessas experiências não é prêmio de consolação. Aceitar que, um dia, vocês deram certo e viveram sinceras emoções, é muito mais do que outras pessoas puderam ter orgulho de abraçar.
Ninguém é perfeito e tampouco completo ao ponto de ignorar quem já esteve por perto. Quando assumimos um relacionamento, estamos abrindo a porta para acompanhar e enxergar lados bons e não tão bons daquela pessoa. É uma escolha ficar, é uma escolha partir. Independente disso, depois que alguém entra, algo sempre fica. E algo sempre vai.
Pode ser que nada disso tenha o devido reconhecimento, assim, logo de cara. Para algumas pessoas, o tempo é simplesmente esquecido e elas nem se dão conta de que algo mudou. Também não é motivo para um tribunal amoroso. Certas vivências, levam tempo mesmo. Perspectiva é uma escolha, amadurecimento é uma escolha.
No fundo, apenas agradeço. Os relacionamentos que tive não foram colocados em uma tabela do melhor para o pior. Todos eles tiveram os seus ímpares nos meus pares. Fui feliz. Aprendi e guardei os recibos dos sorrisos de todos, sem distinção.
Espero ter deixado algo de bom em relacionamentos passados. Aqui, incontáveis coisas boas ainda repousam. Gratidão por tudo.
Quanto mais espaços vazios houver, mais coisas inúteis a gente vai juntar! Isso vale tanto para casas, quanto para quartos, mentes e corações.
Basta parar um instante e trazer à lembrança exemplos de casas que têm “aquele quartinho que não é de ninguém”. Espere alguns dias, e poderá observar que o lugar começará rapidamente a ganhar ares de acumulação.
Vem um e larga lá aquele casaco de neve, que ninguém vai usar tão cedo, porque aqui não neva. E, para falar a verdade, viajar para lugares nevados anda meio fora das possibilidades orçamentárias. Vem outro e deposita num cantinho, um violão ou um teclado que comprou por impulso, acreditando que arranjaria tempo para aprender a tocar um instrumento. Vem mais um outro e abandona em outro lugarzinho aquela coleção de revistas, ou figurinhas, ou canecas, ou sabe-se lá que outro tipo de cacarecos que, em algum momento da vida fazia todo sentido. Mas agora não faz mais.
Mais algumas semanas e o lugar terá se transformado num depósito de coisas aleatórias e esquecidas. Mais alguns meses e a imagem será a de um caos, digno daqueles programas de TV a cabo, que mostram o triste destino de pessoas que não conseguem se desapegar de nenhum objeto que comprou, ganhou ou adquiriu sei lá de que jeito.
Pois com a vida em si, não é nada diferente. Mentes vazias são lugares absolutamente tentadores para ideias inúteis. Elas vão chegando de mansinho, ficam ali bem quietinhas num cantinho; com o tempo, penduram uma rede nas paredes da memória e vão se acomodando.
E, de repente, aproveitando-se de nossa distração, fazem morada dentro da gente, com direito a capacho na porta e tranca pelo lado de dentro. Instalam-se.
Tomam conta. Vão ocupando nossa cabecinha oca com pensamentos paralisantes e parasitas, que se alimentam vigorosamente de nossa criatividade, perseverança, esperança e amor próprio.
E, depois dessa apropriação indébita meu amigo, haja força de vontade e coragem para mover uma eficiente e definitiva ação de despejo.
E se mentes vazias são um perigo… Corações vazios são muito mais! Corações vazios são uma espécie de Resort com sistema “all Inclusive” para sentimentos corrosivos como a mágoa, a inveja, o ciúme e a ambição sem medida. Para cada uma dessas pragas emocionais são estendidos tapetes vermelhos, oferecidos drinks exóticos de boas-vindas e preparadas camas irresistíveis onde cada uma delas deita, rola e fica.
A vida é um eterno quarto de bagunças. Sempre haverá algo que a gente guarda, quando já deveria ter jogado fora. E é por isso que, vez em quando, não custa nada fazer uma visitinha àqueles cômodos mal iluminados e sombrios. Abrir janelas e cortinas. Deixar que o cheiro de coisa guardada seja levado com o vento. E permitir que novos ares sejam bem-vindos. Porque tudo aquilo que deixarmos ficar, nos definirá diante de nós mesmos e dos outros. E uma vida pendurada de sentimentos gastos e cobertos de poeira velha é uma vida pequena demais.
Imagem de capa meramente ilustrativa: “Os delírios de consumo de Becky Bloom”
Esse texto é uma catarse pessoal, um questionamento de quem vive a tal meia idade e ainda se contorce em dúvidas de principiante.
Essa exigência da dobradinha experiência e sapiência é um fardo pesado de ser arrastado. Na verdade, mesmo com uma lista recheada de vivências, creio que intuímos muito mais do que recorremos aos arquivos passados. A vida é dinâmica demais para usarmos sempre as mesmas fórmulas. E, o que eu era antes, já não sou mais hoje.
A vida sempre foi ensaio e erro. O que funcionou para um, pode ter sido um desastre para outro. O conselho dado valeu sempre mais pela boa vontade e acolhida, do que pela eficácia no resultado.
Meia idade é um bom tempo, mas não é passaporte carimbado para certezas e convicções imutáveis. Tenho dúvidas todos os dias. Mudo de ideia muitas vezes. Meu prato preferido muda o tempo todo.
Quando a gente cria filhos, aprende a dar respostas. Mas dúvida também é resposta, e nunca me obriguei a responder com certeza, o que ainda me era dúvida. E, surpresa! Muitas respostas chegam quando se compartilha uma dúvida!
Nasci na época do telefone com fio e disco, da TV de válvula, do toca discos com agulha.
Se tivesse a certeza de toda a evolução que presenciaria, talvez não tivesse tanta curiosidade e tanta sede de viver para ver o futuro. E, naquela época, só tinha a certeza de que os desenhos futuristas que assistia na TV de válvula, eram somente o fruto da imaginação de alguém. E hoje somos todos Jetsons.
Portanto, fica agora a conclusão de que, aos 50 anos – a dita meia idade – não sou obrigada a ter certeza de nada, embora guarde algumas com muito carinho. Estou na vida para fazer perguntas e interpretar as respostas que chegam, ainda que temporárias.
Certeza mesmo, só de que tenho muitas dúvidas sobre o final, e se ele existe mesmo.
Com o tempo, você se torna aquela pessoa que está sempre perguntando se tem algum lugar pra sentar. Com o passar dos anos, o melhor da festa passa a ser o after. Quando você vai comer em alguma lanchonete, ou chega em casa, toma um banho e se deita. Você passa a preferir café com biscoitos de padaria a Ruflles com refrigerante. Aquele chá já parece não ser tão ruim assim. Você deixa de se envolver em brigas infantis e para de usar o tempo que passa com uma pessoa como medidor de tamanho de amizade. Você começa a pagar contas, a resolver problemas em bancos, a preencher formulários vários, a fazer o pedido nos restaurantes da vida e a não se dar ao luxo de sair de casa sem carteira e documentos.
Paramos de fazer isso ou aquilo, deixamos de lado costumes, verdades e vários “para sempre” e “nunca” e, de repente, vemo-nos com uma lista de novos afazeres, uma nova rotina. Uma “rotina adulta”.
Vem a vida adulta e nos vemos “independentes”.
Ora, não temos mais dúvidas sobre o sabor do sorvete, mas a indecisão continua nos engolindo, por dentro, quando o assunto é nos demitir ou não daquele emprego que nos cansa.
Deixamos de fazer birra para ficar com os dois brinquedos (o nosso e o do colega), mas também não conseguimos abrir mão de um sonho para correr atrás de outro.
Não choramos mais escandalosamente por causa do “não” de nossos pais, porém, deixamos escaparem algumas lágrimas no travesseiro, por conta de uma rejeição por parte de alguém que amamos.
Não nos permitimos mais correr para os braços de nossa mãe quando o tiro sai pela culatra, todavia, estamos sempre à procura de alguém para nos consolar.
Deixamos de temer os monstros que vivem debaixo de nossas camas, entretanto, passamos a morrer de medo dos que vivem dentro de nós.
“Vou dizer uma coisa importante para você. Os adultos também não se parecem com adultos por dentro. Por fora, são grandes, desatenciosos e sempre sabem o que estão fazendo. Por dentro, eles se parecem com o que sempre foram. […] A verdade é que não existem adultos. Nenhum, no mundo inteirinho.”, diz uma personagem de “O oceano no fim do caminho”, livro de Neil Gaiman.
O fato é que, até certo ponto estamos, todos perdidos, desorientados, exatamente como crianças.
Muda a rotina, mudam os costumes, mudam as pessoas ao nosso redor, mas nossos medos, dúvidas, inseguranças, continuam lá. A diferença é que eles vão se repaginando ao longo dos anos.
Recorro, enfim, a David Gilmor e a Roger Waters, em um trecho de “Wish You Were Here”, para me explicar: No final das contas, somos todos almas perdidas nadando em aquários, ano após ano, correndo sobre o mesmo velho chão. E o que sempre encontramos? Nossos mesmos velhos medos.
O que nos resta é aceitar o desafio de continuar a enfrentar esses mesmos velhos medos. Talvez sejam eles que deem sentido à nossa caminhada aqui na Terra, não é?