O poder das asas que nem sabíamos possuir

O poder das asas que nem sabíamos possuir

A maior parte do que realmente importa para nos manter conectados à essência de nós mesmos, do outro e do mundo, não tem lógica alguma e nenhuma garantia. É do caos que nascem as ideias geniais. É dos conflitos que brotam as intersecções e os questionamentos necessários para nos tirar da paralisia emocional. É da incoerência que nascem as inquietações exatas para nos fazer questionamentos precisos sobre nossas supostas verdades, crenças e certezas.

Um dia você se dá conta que fez algumas escolhas estranhas, outras previsíveis, outras excessivamente planejadas. Fica parado um instante para contemplar-se e permanece ali, matutando sobre quem é, o que é que tem feito de extraordinário ou de ordinário, no que é que acredita e o que refuta, no que te move ou te anestesia. E, a depender das respostas que for capaz de se devolver, ficará satisfeito, insatisfeito, orgulhoso ou envergonhado sobre sua própria trajetória.

O problema maior, nem é descobrir que essa vida que anda levando não é nada daquilo que você sonhou. O problema maior é descobrir que você se acostumou a abrir mão do sonho, que você virou uma pessoa para a qual “tanto faz”, que a rotina conseguiu matar dentro de você o desejo pelo desconhecido.

O desconhecido é aquele motivo além do óbvio que faz a gente ser curioso, atrevido e saudavelmente irresponsável. Triste de quem evita o amor por medo de um dia sofrer a perda. Triste daquele que abre mão da travessia por medo da instabilidade do barco. Triste daquele que se habitua à solidão por medo dos desafios do convívio.

O convívio é oportunidade de descobrir dentro de nós alguém que é capaz de ouvir, enfrentar a própria urgência em detrimento da urgência do outro, entregar em outras mãos o nosso fardo para que ele tenha um significado de aprendizagem, além do peso.

E, tudo bem se você for meio desastrado e tiver uma alma volúvel que se apaixona facilmente. As paixões são excelentes professoras da arte de se conhecer. É por meio delas que vamos nos reinventando a cada vez que uma fogueira se apaga e deixa uma brasa remanescente para fazer surgir uma nova chama.

Paixões são gatilhos de alegria; e devem morar nas pequenas e nas grandes coisas. Devem ser reveladas numa casquinha de sorvete partilhada no fim da tarde, num toque de mãos que se entrelaçam, na descoberta de um novo talento, numa excitação interior que brota por nada. Estar apaixonado, por algo ou por alguém, faz a gente compreender que absolutamente todas as nossas experiências nos constituem e transformam.

No fim das contas, o que nos interessa mesmo não é ter nenhum poder; é quantidade de vezes que perdemos o fôlego, seja pelo riso que afrouxa as cordas da tensão de existir, seja pelo arrebatamento de uma forma bonita de afeto que nunca se havia experimentado, seja pelo enfrentamento de algum risco que tenhamos passado a vida inteira a evitar.

É na hora do salto que perdemos o chão para descobrirmos que nossas asas não ficam nas costas. Elas ficam dentro de nós, guardadas em nossa infinita capacidade de voar além dos medos, das limitações e das ilusórias garantias de segurança.

 

 

Eu não vim nessa terra pra não morrer de amor

Eu não vim nessa terra pra não morrer de amor

Já falei de metades, bradei sobre instantes e saí nas ruas dançando amor. Mas esqueci de rabiscar no asfalto e pintar nos muros a indagação que deixa qualquer amante sedento de palavras; se não vim nessa terra pra não morrer de amor, por que vim? É tempo de colocar os pingos nos is e fazer valer o coração que nos comporta e nos move por dias a fio, cambaleante, mas afinco, disposto sempre ao impossível de formas possíveis.

“Enquanto me reconheço, quanto mais vivo, menos esqueço”. (Helio Flanders)

A mensagem é clara e nua: vamos abraçar os clichês. Vamos reconhecer as nossas próprias pernas e mãos desmedidamente compondo um afresco desse nosso amor que não é castrado e controlado pelos ditos ritos sociais. Vamos perder as estribeiras e mergulharmos fundo na poesia sufocante da ausência de métricas trajando versos aleatórios, mas munidos de tanta vontade que não existirá ar, somente uma enchente de sorrisos.

Não quero mais medir o tempo das coisas já vividas. Quero e, espero que também queira que criemos o nosso próprio espaço emocional e físico, onde possamos despejar litros e mais litros de admiração, confiança, respeito e companheirismo. Porque presos nas mazelas do egoísmo barato, o amor é o primeiro da fila no abismo.

Quero cantarolar na mesa de bar, bebendo descontraidamente, a felicidade carnavalesca do amar nós dois. Mas sem fazer qualquer tipo de pose ou discursos de inveja para ganhar público de amigos e desconhecidos, pois no nosso palco, o show é intimista e artístico num ponto que não cabe plateia.

Por que eu não vim nessa terra pra não morrer de amor? Porque é com o amor que me visto e saio porta afora. Sem ele, a vida seria um paraíso desnudo do qual não poderia fazer parte.

“E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou. E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como se não ouvia mais”. (Chico Buarque)

Paisagens deslumbrantes criadas com comida

Paisagens deslumbrantes criadas com comida

O fotógrafo inglês Carl Warner usa porções de comida como base para criar paisagens deslumbrantes (e deliciosas), que fazem parte de seu projeto chamado Foodscapes. Essas obras de arte engenhosas são criadas por ele a partir de alimentos frescos como pão, carnes, frutas, legumes e doces.

Há mais de 25 anos Warner trabalha como fotógrafo no setor de publicidade. Apesar de sua vasta experiência desenvolvendo fotos para anúncios, é seu projeto Foodscapes que chamou a atenção da mídia internacional.

A inspiração do projeto surgiu em 1999, mas a ideia só começou a ser executada bem mais tarde, em 2008. Em entrevista para o Huffington Post, Warner disse:

“Eu estava caminhando pelo supermercado em um dia qualquer, e vi uns cogumelos Portobello muito bonitos. Eles pareciam árvores exóticas, então eu pensei em levá-los de volta ao estúdio. Eu percebi que precisava de algum plano, então eu voltei ao mercado e comprei um pouco de arroz e feijão para construir um set de trabalho. Funcionou. Eu nunca havia visto nada parecido com isso.”

Desde então ele tem desenvolvido a ideia, usando seus conhecimentos de iluminação artificial e fotografia para criar novas paisagens. O segredo, Warner diz, é ludibriar as pessoas, fazendo-as acreditar que as cenas são reais, quando não passam de projeções artísticas fantásticas.

Ao planejar cada imagem, Warner decide quais ingredientes serão usados e, em seguida, um estilista alimentar e uma máquina de modelar ajudam-no na execução. Todo o processo pode durar semanas. Muitas vezes, as cenas são montadas em partes, de forma que os detalhes dos produtos sejam bem trabalhados.

As imagens criadas por Warner são realistas e surreais. Sua arte com alimentos inclui navios rumo ao horizonte, barcos que desafiam mares tempestuosos, florestas, pradarias, desertos, praias e montanhas, entre várias representações lúdicas.

Todos os alimentos foram ingeridos por Warner e seus assistentes, ou então doados para abrigos. Não houve desperdícios.

Veja então algumas das paisagens deliciosas criadas por Carl Warner:

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*Site do projeto

Os relacionamentos de hoje em dia

Os relacionamentos de hoje em dia

Paramos de nos esforçar. Afinal de contas, por que se esforçar pelo amor de apenas uma pessoa quando o que a sociedade quer que a gente pense é que o mar está cheio de peixes? Não vale a pena sofrer por apenas uma pessoa quando tantas outras estão a um simples passo: no celular, nas redes sociais, nos sites de relacionamento e em muitas outras alternativas. O difícil, hoje em dia, é escolher, entre tantas opções, a que julgamos melhor. Um celular dá muito menos trabalho do que uma pessoa. Temos a impressão de que um «Bom dia» pelo Whatsapp substitui o abraço da manhã. Dizemos para nós mesmos que o romance morreu, e talvez tenhamos razão, mas por que não redescobri-lo? Talvez o romance de hoje só comece quando deixarmos o celular na bolsa na hora do jantar. Talvez a única forma de viver um romance na sua plenitude seja olhando na cara da pessoa que está sentada na nossa frente.

Quando achamos uma pessoa legal, nosso olhar não para quieto, fica numa busca frenética por outras opções em volta, porque sempre existe a opção da escolha, e é essa escolha que nos anula. Sempre somos levados a pensar que quanto mais oportunidades, melhor. Mas nunca devemos esquecer o provérbio «quem muito abarca pouco aperta»; ou seja: nunca ficaremos satisfeitos. Sequer entendemos o que significa estar satisfeito, desconhecemos este conceito porque sempre estamos aqui e lá ao mesmo tempo, pensamos nas opções escondidas atrás da porta, sempre mais e mais e mais…

Sabemos ficar tranquilos e sabemos nos divertir, mas, se não temos coragem para encarar nossos demônios, como vamos amar outra pessoa? Sempre nos rendemos e abandonamos o barco. É possível que nenhuma geração anterior tenha visto o mundo de forma tão frívola. Podemos entrar na Internet, ver a foto de um lugar bacana, pegar o cartão de crédito e comprar o voo na hora. Podemos, mas não fazemos. Ou seja, ainda que tenhamos essa capacidade, preferimos ficar em casa acompanhando a vida dos outros no Instagram, talvez uma vida que também poderíamos ter. Vemos lugares onde nunca estivemos e gente que não conhecemos, nos deixamos bombardear por estímulos sensoriais e nos perguntamos «por que somos tão infelizes?». A resposta é simples: não temos ideia do que é a nossa vida, mas sabemos exatamente o que ela não é.

Se, finalmente, encontramos alguém que nos ame e que nós amamos, queremos rapidamente revelar a novidade publicamente, contamos para todo mundo que estamos em uma relação, mudamos o nosso status no Facebook e colocamos uma foto no Instragram. Deixamos de ser uma pessoa e passamos a ser ’nós dois’, e sempre devemos aparecer publicamente bem e sorridentes, felizes e em harmonia. Não falamos nada quando brigamos, nada de foto de olhos chorosos e lençóis encharcados de lágrimas. Tampouco escrevemos 140 símbolos no Twitter para avisar o mundo que a relação está a ponto de acabar. Não, essas coisas não são reveladas porque são pessoais. E os momentos de alegria a dois, não são? Sempre mostramos a relação como algo ideal e fugimos do que ela realmente é.

Até que vemos outros casais felizes e começamos a nos comparar com eles. Nos transformamos na geração da comparação, uma geração que funciona na base das curtidas«. Sempre queremos mais e mais. Bastam apenas algumas curtidas (ou a falta delas) para pensarmos que somos melhores ou piores que os outros. Nunca seremos suficientemente felizes porque os padrões de comparação não são reais. A vida que criamos é irreal, assim como as nossas relações. E, infelizmente, não podemos — ou melhor: não estamos prontos para — entender isso.

Finalmente, decidimos terminar as relações, porque não somos suficientemente bons e porque nossas relações não são como manda o ideal. Então, mais uma vez, decidimos mudar, entramos em vários perfis na Internet, pedimos — ou cutucamos — outra pessoa como se pede uma pizza e tudo começa de novo: emoticons, sexo, a mensagem de «bom dia», uma selfie, etc. Outro casal superficialmente feliz. Comparações, comparações, comparações. De repente, sem perceber, aparece uma onda de insatisfação, brigas, «há algo de errado conosco», «isso não está dando certo», «eu quero outra coisa», e terminamos de novo, outro amor que se desfaz sem nunca ter, verdadeiramente, acontecido.

A próxima vez, a mesma coisa, outro sucesso passageiro, outra tentativa de encaixar a complexidade de uma relação em 140 símbolos, em imagens estáticas e cheias de filtro, em 4 idas ao cinema. Nos preocupamos tanto em passar a impressão de felicidade que somos o oposto dela. Qual é o nosso ideal? Alguém sabe? Ninguém.

Acontece que esse ’algo a mais’ que sempre buscamos é sempre a mesma mentira. O que é natural, e o que realmente queremos é conversar um pouco, queremos ver a cara do nosso amor ao vivo e não em uma tela de celular, queremos que tudo aconteça progressivamente. Na verdade, a simplicidade é o caminho. Não precisamos de uma vida de ’curtidas’, seguidores e comentários. Infelizmente, ainda não percebemos isso. Queremos uma conexão profunda e verdadeira, um amor construído com verdades, queremos toque, queremos ter certeza de que aproveitamos a vida de forma inteira. É disso que precisamos, e é isso que não sabemos.

Até agora, não vivemos. Não amamos…

Autor: Jamie Varon
Tradução e Adaptação: Incrível.club
Foto da portada: Veronica Caycedo

Somos loucos, entendeu?

Somos loucos, entendeu?

Antes de prosseguirmos, algumas regras precisam ser informadas. São três. Ainda estamos em construção e toda sugestão é bem vinda, mas desses três princípios não abrimos mão; 1. Fale sobre suas loucuras. 2. Continue falando sobre suas loucuras. 3. Dê um abraço na pessoa mais próxima no momento. Completada todas as regras citadas, seja bem vindo (a) ao clube. Também somos conhecidos, carinhosamente, pelo nome Clube dos Loucos. O grupo não é grande, mas transborda amor com facilidade.

Em tempos de intolerâncias, preconceitos e uma espécie de sanidade orquestrada para o fechar do coração, convoco todos os espíritos deslocados para sonharmos juntos. Essa conversa de ingenuidade por acreditar num mundo melhor não passa de pessimismo daqueles que desistiram de acreditar. Realidade é perspectiva e não condição. Enquanto existir fôlego para pessoas como nós – que insistem, tudo será possível. Não ligue das suas manias serem estranhas ou engraçadas sob o olhar dos outros. Ignore se praticar o certo e o gentil fará de você um pobre coitado, ou, no discurso pejorativo – “bonzinho só se fode”. Nada disso. Tampouco pincele felicidade. Quem gosta de ser feliz em parcelas é o banco. Gargalhe como se não houvesse amanhã. Beije de língua, mas sem pensar no movimento seguinte. Faça sexo por tesão e não para trapacear o relógio. Cante alto sua música favorita, mesmo na rua. Sorria mesmo sem ter ouvido o possível aceno de alguém. Assista inúmeras vezes o filme que deixa o coração em êxtase. Pequenas loucuras despercebidas pela maioria, mas tão fundamentais quanto escolher levantar da cama dia após dia.

Somos loucos, entendeu? Aprendemos diariamente com essa sintonia que grita forte por esse amor sadio, cúmplice e que não nega mais. Por quê? Corações inteiros não precisam responder porquês.

Assim como Sherazade, guardamos mil histórias dentro de nós

Assim como Sherazade,  guardamos mil histórias dentro de nós

Começo este texto relembrando resumidamente a história da Sherazade e às mil e uma noites:

Conta a lenda que um Rei mergulhado no rancor e na amargura devido à traição de sua esposa, decidiu vingar-se contra o feminino, casando-se a cada noite com uma nova esposa, à qual ordenaria invariavelmente a sua morte. Mas eis que um dia chega a vez de Sherazade, que provida de um plano arriscado e engenhoso, muda o desenrolar da história.

A cada noite a nova rainha conta uma história encantadora ao Rei, deixando-a interminada ao raiar do dia. Ele, ávido em querer conhecer do desfecho, polpa a vida de Sherazade dia após dia. Passam-se mil e uma noites e Sherazade diz que não tem mais histórias para contar.

Apresenta ao Rei os filhos gerados nesse tempo, os quais ele não conhecia pois estava inebriado pelas histórias da rainha. Neste momento, o rei percebe que não há mais rancor ou desejo de vingança em seu coração e que não poderia mais viver sem Sherazade.

Assim, como o Rei desta história, muitos de nós passamos por momento difíceis de digerir. Traumas, traições, enganos, decepções, ilusões, lutos… uma enormidade de situações pode fazer com que, em algum ou em muitos momentos, nos sintamos dominados por fortes emoções e sentimentos que nos impedem a ação racional ou a elaboração de um sofrimento existencial.

No caso de Rei, a traição de sua mulher despertou nele uma força destrutiva generalizada em relação ao feminino, projetada não somente sobre as futuras esposas destinadas à morte, mas também direcionada aos aspectos femininos de sua própria personalidade inconsciente. A atitude agressiva do Rei impedia qualquer contato com sua própria sensibilidade e com suas emoções, as quais trariam os recursos curativos ao seu coração desapontado. Ao contrário, tal atitude o mantinha destinado a uma ação compulsiva e insaciável de vingança, destruindo também sua própria personalidade.

Mas, ei que surge Sherazade, personalizando as forças criativas do feminino e por esta via, torna-se capaz de transpor as defesas e a unilateralidade do Rei. Através das suas histórias, conduzidas de maneira tão extasiantes e atrativas,ela fazia com que o Rei esquecesse da sua intenção provisoriamente, passando a vivenciar novos interesses e sensações.

As histórias têm o poder de nos transformar. Despertam nossa atenção, nossa capacidade imaginativa, e através delas, nossa disposição para a elaboração simbólica. Elas nos atingem justamente no lugar onde moram nossos sentimentos e nos ajudam na abertura emocional para transpormos nossas dificuldades existenciais.

Se notarmos bem, toda história possui um início que se dirige para um conflito e para o potencial para resolução do mesmo. Geralmente há um clímax, que nos mostra a necessidade de um nível máximo de tensão para a transformação ocorra e o desfecho da história possa ser positivo. Não podemos ficar com histórias sem final, pois não há como deixar em aberto este espaço em nossas mentes. Além disso, toda história tem um herói ou um ato heroico essencial para a resolução do conflito inicial. Ele é o símbolo da nossa capacidade de superação e amadurecimento para lidar criativamente com os múltiplos aspectos da vida.

As mil e uma histórias e a força criativa de Sherazade transformam o Rei e com isso mudam o curso do destino de ambos. Não há mais desejo de vingança, não há mais a morte e a destruição. Há somente o casamento, símbolo da união dos opostos (feminino e masculino) e os frutos, representados pelos filhos.
Alimentados pela saga de Sherazade, nós também podemos encontrar um caminho criativo para lidarmos com nossa própria história, especialmente com nossos lados destrutivos, compulsivos e estagnados.

Toda vida tem uma história, uma bibliografia que lhe traduz os fatos vividos na direção de onde os sentimentos se impuseram na jornada existencial. Tendemos a acreditar que essa história, devido a realidade dos fatos torna-se única e imutável, pois afinal, o que passou já passou, já está escrito, não tem volta.

Mas, se começarmos a fazer o exercício de contarmos e recontarmos nossa história, permitindo que novos enredos (nossos e de outras pessoas) nos reguem a alma, é possível que em algum momento nossa própria história se transforme em outra, não somente com um novo desfecho, mas também com um novo olhar sobre toda a trajetória.

A verdade é que nossa história se modifica e se enriquece a cada dia. A cada fato novo, o passado também se reconstrói. A linha do tempo se alimenta para os dois lados, ligando o que passou ao que virá.

Toda história é uma jornada heroica. É um caminho humano em direção a toda nossa potência criativa e existencial. Ela se modifica a cada passo em direção a maturidade, a cada encontro que nos transforma, a cada ideia nova que confronta as anteriores.

Poder reconstruir e recontar nossa história a cada dia nos anima e nos consola. Nos mostra que as feridas que hoje ainda fazem sagrar e chorar, serão um dia cicatrizes que representarão a força e capacidade de se recuperar e seguir a diante.

Por isso, busquemos todos os dias a Sherazade que habita nosso ser. E se guardamos mil histórias dentro de nós, que elas nos levem a nossa versão final, aprimorada, amadurecida e feliz.

SOMOS ETERNOS RASCUNHOS

SOMOS ETERNOS RASCUNHOS
Young woman having fun and blowing bubbles outdoors

O que parecia ser um definitivo fim do caminho era um beco sinuoso e úmido. Sedutor. Iluminação difusa, aérea. Uma dessas esquinas caprichosamente desenhadas nas amplas, monótonas e previsíveis alamedas da vida. Parece, de fato, que nada é exatamente o que parece ser. Somos salvos de virar estátuas de sal graças à nossa maravilhosa transitoriedade.

Um alívio imenso poder respirar fundo, como se respira depois do gozo. Encher o peito de ares novos e bem-vindos. Deixar que o sangue renovado flua, escorra seus caminhos num caminho engenhoso e belo por dentro de nós.

Um presente inesperado poder dançar fora do ritmo, como deusas celtas a se confundir com a terra, numa noite de solstício de verão. Passos brincalhões a nos misturar com a música que vem de lembranças boas e escapa dos lábios em canções queridas, ungidas, murmuradas.

Uma inundação de sentimento de liberdade, compreender que absolutamente tudo é provisório, solto, imprevisível. Entregar-se ao balanço de um abraço de si mesmo. Encontrar-se. Perder-se. Reencontrar-se na descoberta de um amor que chegou de mansinho, foi tomando tudo de sua bondade e desencavando lá de dentro sonhos esquecidos, guardados, adormecidos.

Um banho de chuva depois de uma longa e intempestiva jornada no deserto. Deixar a água bendita, escorrer pelos cabelos, contornar o rosto, o colo. Absorver o sal dos lábios há muito calados, no resignado entendimento de que talvez as melhores coisas venham depois. Mais tarde.

Enfiar os dedos dos pés na areia e acolher o mar que se dissolve em espuma, ao desmaiar languidamente na praia. Deixar que o arrepio do encontro suba pelas pernas, encontre a espinha e inunde o coração. Entrega. Prazer. Rendição.

Sentir o abraço morno do sol que se despede no fim da tarde. Parte com a tranquilidade das almas solúveis que não temem o fim, porque compreenderam que o término de qualquer coisa não passa de uma ilusão, à qual nos apegamos apenas para poder acreditar que os pontos finais da vida moram na ponta dos nossos dedos.

Encontrar a noite, suas sombras e luzes a desenhar histórias que se perderam no tempo, que nos preenchem do agora e que nos despertam a excitação do que ainda está por vir. Dissolver-se na certeza de que as incertezas são tão bonitas quanto um floco de neve. Temporais. Frágeis. Fluidas.

Envolver-se no manto de estrelas dessa noite e adormecer na serenidade de ter finalmente compreendido que somos eternos rascunhos de nós mesmos. Amanhã, outra versão de nós virá nos despertar para outros sonhos, outros desejos, outros encontros. Uma vida novinha em folha caberá na palma da mão, na curva de um sorriso, no calor de um amor tranquilo. Paz. Acolhimento. Redenção.

 

 

 

 

 

A regra da reciprocidade

A regra da reciprocidade

Em psicologia, o princípio da reciprocidade é baseado em uma regra social que diz que devemos tratar os outros como nos tratam. Outra velha máxima similar é “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você”. São frases que dizem a mesma coisa: merecemos algo ou alguém quando fazemos por merecer.

Quando concedemos um favor a uma pessoa, ela sente a obrigação de retribui-lo, pois, normalmente, está motivada pelo dever. Essa pessoa pode até desconsiderar a retribuição, mas o débito não será esquecido, nem por quem fez o favor, nem por quem o recebeu.

Dennis Regan (1971) mostrou em seus estudos que uma compensação maior é oferecida às pessoas que receberam previamente um favor do que àquelas que não receberam nenhum.

Existe a reciprocidade positiva e a negativa. A primeira acontece quando um favor é retribuído da mesma forma que foi concedido. A segunda ocorre quando a reação de favorecimento é desproporcional à ação inicial. Enquanto a reciprocidade positiva alimenta as relações sociais com um misto de solenidade e gratidão, a reciprocidade negativa acarreta em uma situação social desconfortável e constrangedora.

A tendência de reciprocidade esteve presente ao longo de toda a história, isso tem um grande valor para a sobrevivência da espécie humana. O arqueólogo Richard Leakey descreve que o sistema de reciprocidade é uma “teia de endividamento”, e representa a essência do que nos torna humanos. Ele diz:

“Nós somos humanos porque nossos antepassados aprenderam a partilhar sua comida e suas habilidades em uma honrada rede de obrigação.”

A psicoterapeuta americana Linda Bloom afirma que “nós somos mais suscetíveis de ficar envergonhados pelo ostracismo se não integrarmos a regra da reciprocidade em nosso comportamento”.

De acordo com Robert Cialdini, professor de psicologia e marketing na Universidade do Arizona:

“Todas as pessoas, de todas as culturas, têm sido treinadas para respeitar a regra de que não se deve receber sem dar.”

Existem incontáveis exemplos de reciprocidade. Em cidades de Portugal, pessoas que não estão de fato trabalhando se oferecem para apontar lugares vagos no estacionamento onde as pessoas podem estacionar seus carros, e então elas pedem dinheiro em troca do favor, compelindo os motoristas a remunerá-las. No Brasil, essa prática é mais comum nas ruas, principalmente de grandes cidades.

Se uma pessoa comparece à festa de aniversário de um amigo e ainda o presenteia, é mais provável que o amigo também marque presença no dia do aniversário da pessoa (com um presente nas mãos).

Em 1974, o sociólogo Philip Kunz conduziu um experimento interessante. Ele enviou cartões de Natal escritos à mão, contendo uma nota e uma fotografia dele e de sua família, para 600 pessoas selecionadas aleatoriamente. Todos os destinatários lhe eram estranhos. Pouco tempo após o envio das cartas, Kunz recebeu 200 respostas. Por que tantas pessoas responderam intimamente a um estranho? Por causa da regra da reciprocidade.

A reciprocidade é mais do que uma questão de educação. Esse princípio costuma ser respeitado por outra razão aparente: as pessoas estão muito preocupadas com seus próprios interesses, entretanto, têm a consciência de que o egocentrismo exacerbado pode afastá-las das outras pessoas, situação que inviabiliza seu próprio bem-estar a longo prazo.

Reciprocidade no mundo do trabalho (doadores e receptores)

Muitos estudos sugerem que as pessoas têm maior probabilidade de ter sucesso na vida pessoal e profissional se tiverem o hábito enraizado de ajudar pessoas que necessitam (ou não) de apoio. Ou seja, elas têm mais chances de ser bem-sucedidas se fizerem concessões recíprocas.

No mundo empresarial, a ideia de reciprocidade está muito ligada à influência social. A fim de conquistar maior status e prevalência profissional, empresários costumam avaliar quais pessoas envolvidas em projetos de negócios são potenciais aliadas, de forma que sabem exatamente para quem oferecer algo, sabendo que, futuramente, provavelmente serão recompensados por essas pessoas com privilégios especiais. Muitas oportunidades – não apenas em negócios – são criadas e se tornam viáveis dessa forma: ajudando.

Profissionais de marketing utilizam estratégias de reciprocidade para convencer seus consumidores a comprar. Políticos concedem favores e oferecem dinheiro em troca de regalias para angariar fundos de campanha, receber votos e ganhar o apoio de uma massa a fim de promover um projeto ou uma causa.

Adam Grant, professor de psicologia e administração na Universidade da Pensilvânia, afirma:

“Todos os dias, as pessoas tomam decisões de agir como doadoras ou receptoras. Quando elas agem como doadoras, contribuem para os outros sem pedir nada em troca; elas podem oferecer assistência, compartilhar conhecimentos, ou fazer introduções valiosas. Quando as pessoas agem como receptoras, elas tentam obter outras pessoas para servir aos seus fins, enquanto, cuidadosamente, guardam para si mesmas suas experiências e seu tempo.”

Segundo Grant, as organizações em geral têm um forte interesse em manter funcionários que promovam o tipo de comportamento doador. Ele defende que a vontade de ajudar os outros a alcançar seus objetivos encontra-se no coração da colaboração eficaz, inovação, melhoria da qualidade e excelência no atendimento.

“Em locais de trabalho com muitos doadores, os benefícios são evidentes e se multiplicam rapidamente.”

É de se supor que, quando funcionários agem como doadores, eles facilitam a resolução de problemas gerais e constroem culturas colaborativas e coesas em suas empresas, o que reflete em produtividade não só para a organização em si, mas também para todos os stakeholders da rede de negócios.

No entanto, essa produtividade nem sempre é uma constante para doadores. Um estudo feito por Frank Flynn, professor de comportamento organizacional de Stanford, revelou duas coisas que acontecem com profissionais que ajudam seus colegas de trabalho. Primeiro, os doadores foram percebidos pelos seus colegas como extremamente valiosos. Segundo – e é aí que fica complicado –, os doadores tiveram menor produtividade em seus projetos pessoais, pois desviaram uma grande quantidade de tempo e energia para os problemas de seus colegas, esquecendo-se dos próprios. Nesse caso, a generosidade serviu para aumentar a percepção de valor dos doadores, em contrapartida, diminuiu seu rendimento particular.

Esse é um desafio para administradores, principalmente líderes e gestores de pessoas. Como eles podem promover a generosidade sem minar a produtividade? Como eles evitam criar situações em que as pessoas generosas dão muito de sua atenção, enquanto colegas de trabalho mais egoístas sentem que têm ainda mais licença para tomar? Como, enfim, eles podem proteger as pessoas generosas de ser tratadas como capachos?

De acordo com Grant:

“Parte da solução é orientar os doadores a criar um limite, de modo que possam recusar alguns favores. Ainda mais importante é ajudar os doadores a refrear seus impulsos generosos, mostrando que podem ser mais produtivos. Doadores estão melhor posicionados para o sucesso quando distinguem a generosidade de três outros atributos: timidez, disponibilidade e empatia.”

 

Para Grant, a timidez costuma afligir os doadores. O oposto de timidez, a assertividade, no entanto, pode ser a solução. Sendo assim, os gestores de pessoas podem ajudar seus funcionários mais generosos a ser mais assertivos, para que valorizem seus projetos pessoais tanto quanto os dos outros.

Sobre a questão da disponibilidade, Grant afirma que, à medida em que interagem com dezenas ou centenas de pessoas, inúmeros pedidos de ajuda chegam aos doadores, e estes tendem a acomodar todos, negligenciando as suas próprias responsabilidades, e deixando o tempo à mercê dos receptores. Em vez de acomodar todos os pedidos de ajuda, diz ele, os doadores precisam estabelecer limites para sua disponibilidade, para que o tempo produtivo seja maximizado.

Também faz sentido para os doadores ser seletivos quanto a quem eles ajudam. Quando receptores negam solicitações, eles parecem egoístas. Mas os doadores têm mais liberdade para recusar, sem perder o respeito de seus colegas. E é essa a razão da qual gestores de pessoas podem usar para convencer os doadores a construir barreiras efetivas contra o abuso de sua própria generosidade.

A terceira armadilha que os doadores devem evitar é a empatia. Embora seja uma característica humana admirável, e muito útil, ela pode dificultar ainda mais a vida dos doadores. De acordo com Grant, se uma pessoa generosa demais for facilmente movida pela empatia para fazer favores, ela corre um sério risco de ser manipulada pelos receptores perspicazes. Não só os doadores, mas a maioria das pessoas altamente empáticas tendem a colocar as necessidades dos outros à frente das próprias. E o que os gestores de pessoas podem fazer? Grant sugere que eles ensinem os doadores a assumir uma perspectiva de receptores, criando uma lista equilibrada com objetivos pessoais e pedidos de colegas. Dessa forma, os interesses de uma organização como um todo são melhor correspondidos, sem que haja prejuízos concretos de produtividade individual.

O professor Adam Grant é uma referência no ensino de como entender a regra da reciprocidade no mundo do trabalho. Suas considerações ajudam pessoas doadoras a controlar seus impulsos generosos, de modo que possam manter sua produtividade a níveis razoáveis, tanto pessoal quanto profissionalmente. As considerações dele também ajudam pessoas receptoras a transferir menos responsabilidades para os outros, de forma que possam ser, ao mesmo tempo, mais empáticas e autônomas; orientadas, enfim, para a participação ativa e colaborativa.

Como disse Bill Gates, “há duas grandes forças da natureza humana: os próprios interesses, e cuidar do próximo”. Em todas as organizações, essas forças se unem, muitas vezes com efeitos prejudiciais. Para Grant, líderes devem estimular a reciprocidade no ambiente de trabalho, mas também garantir que cuidar dos outros seja uma estratégia comum, inclusive aos mais ambiciosos.

“Doadores podem tornar-se confortáveis pedindo favores, bem como concedendo-lhes. O tempo pode ser poupado para os projetos dos outros, mas também protegido para os próprios. Generosidade e reciprocidade podem ser guiadas no sentido de maior impacto. E as organizações obtêm benefícios cada vez maiores a partir do princípio de dar e receber.”

Referências:

BLOOM, Linda. Honoring The Rule Of Reciprocation. Psychology Today (2015).

GRANT, Adam. In The Company Of Givers And Takers. Harvard Business Review (2013).

CIALDINI, Robert. Influence: How And Why People Agree To Things. Hardcover (1984).

Para você que enxerga o amor nas prateleiras de supermercado

Para você que enxerga o amor nas prateleiras de supermercado

“Quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar.” (Chico Buarque)

O amor não está à venda, mas o desejo está. Para alguns, a vontade de ter alguém é motivo suficiente para uma mudança no status de relacionamento. Trata-se de quando não é capaz de manter a própria solidão e precisa dividi-la com o outro. Mas a sensação momentânea do carinho passa e, com ela, surge uma nova necessidade. É quase um vício, mas longe de ser amor. Relacionamentos volúveis conduzidos por abstinência. Há quem jure de pé junto estar amando naquele momento. Que a vida sorriu e trouxe a sorte para o encontro. Semanas depois, a partida. Culpa o adeus sob a justificativa do amor ter trapaceado. Foi injusto. Não merecia.

O amor não está à venda, mas o ego está. Para outros, o querer alguém é tanto que nubla os próprios sentidos. Quando imerso numa relação, resolve que o amor só é amor quando os seus pressupostos são atendidos e o seu ego alvo de carícias. Mas nem sempre a sua vontade é lei e, com ela, surge o desrespeito. É mais um vício. Este, bem mais longe de ser amor. Relacionamentos nocivos compostos por desigualdades. Há quem jure de pé junto estar querendo o bem do amor. Porque quem ama quer o bem e não faz nada menos que o certo para esse amar. Meses depois, a partida. Culpa o adeus sob a justificativa do amor ter trapaceado. Era tudo mentira. Não merecia.

O amor não está à venda, mas a cumplicidade está. Para poucos, o amor nunca foi motivo, mas escolha. Não existe dúvida, quando, dividindo afeto com alguém, a única preocupação é sobre estar entregue, aberto e transparente. Mas nem sempre o amor deparado faz poesia. Algumas vezes, em linhas tortas, o medo acena para o fim. Há quem jure de pé junto não temer. Afinal, o amar fez morada e não pretende procurar um novo lar. Anos depois, a partida. Culpa o tempo sob a justificativa do amor ter trapaceado. Ingratidão. Não merecia.

O amor não está à venda. Não imagino o amar como um produto cuidadosamente embalado e exposto em diversos tamanhos e formas. Tampouco me interessa a busca a todo custo da sua sensação. Procuro o sorriso nos pensamentos, a coreografia ideal nas falas e um senso de equilíbrio nos gestos. Se, a partir disso, nascer algo parecido com o amor, seja bem vindo. Nem preciso jurar de pé junto. Passados alguns minutos, o silêncio. O amor é de graça. Eu mereço.

Você pode ser o antidepressivo de alguém.

Você pode ser o antidepressivo de alguém.

Não sei bem como são os medicamentos antidepressivos e aqui não estou falando contra, nem recomendando que alguém interrompa a medicação receitada pelo psiquiatra. Não é sobre usar ou não medicamentos, mas sobre lugares da vida em que substâncias químicas jamais serão suficientes.

Eu gostaria de algo pra tomar e pronto, todas as minhas questões fossem resolvidas. Gostaria muito de ser uma pessoa bem resolvida, eu sou como você. Cheio de problemas feito livro de aritmética e de dúvidas feito barrar de pesquisar do Google.

Você já leu a bula de um Prozac? Elas não ensinam nada sobre caso a gente ter alma sensível às coisas mais bobas da vida, desconsideram veementes o sentimento de quando surge a vontade de engolir as nuvens do céu. O Prozac não vai me dizer se devo insistir ou desistir de algumas amizades, nem me explicar qual é a relação amorosa mais apropriada.

Para viver além da medicação é preciso deitar no chão. Tirar os sapatos, cantar mesmo sem dom suas músicas favoritas, desenhar essa realidade paralela de quem não tem dom de representar fielmente os objetos. Fazer de conta ser qualquer coisa.

Você também necessitará ter dois dois olhos capazes de chorar com ou sem motivo. Tudo bem se borrar a maquiagem que acabara de preparar ou sua cara inchar como um panda alucinado. Tudo bem mesmo! Pandas são até desenhos animados que salvam seus amigos lutando karatê, parecer um panda é melhor que engolir o choro e viver entalado de tristeza.

Chame seus amigos e vá pra algum lugar. Se eles não quiserem ir, se você acha já ter irritado tanto o mundo que agora está sozinho, tudo bem, tudo bem também. Aproveite-se. Escolha o seu lugar. Talvez dê pra dançar. Talvez seja o momento de viajar. Com certeza há milhares de “talvez” para achar conversando consigo mesmo. Falar sozinho não existe se você está acompanhado de si.

Eu sei, você  esquecerá estas palavras nas horas de agonia, eu mesmo esqueço, tudo bem. Também, se precisar tomar algo além do receitado pelo médico , por favor, tome algumas horas deixando doer. Não há nada de errado em sentir um dia ficar mais pesado e entortar os ombros. Se é o fim? É sim. Mas também é sempre o recomeço, todo dia, passo a passo.

Para viver com menos comprimidos é preciso aceitar determinadas doses de loucura. Nem tudo em você é mesmo uma coisa normal, mas como ser normal é fruto de comparações com outras pessoas, mais uma vez, tudo okay. Você pode ser o louco delas assim como muitas vezes elas são as loucas para ti.

E se puder, quando puder, a hora que puder. Estenda as suas mãos, saia um pouco do seu mundo e suas estrelas, tente tocar em outra pessoa com suas galáxias todas. Os seus ouvidos podem ser o barquinho que ajudará um marinheiro que caiu do naufrágio a chegar em terra firme. O “tudo bem, eu te entendo” sincero e empático pode se transformar numa bússola a mostrar uma nova rota. É só se deixar ser.

Seus braços têm a capacidade de enrolar um corpo dando a poderosa substância mística e ao mesmo tempo científica, denominada aqui de abraçaço. Não é o abraço comum de dois empresários que fecharam um negócio lucrativo. Mas o abraçaço de uma criança que encontrou outra criança há dois minutos atrás, e já quer que ela seja uma criatura espalhafatosa de tão feliz.

Você pode achar e relutar que não, você não. Mas há alguém por aí com uma receita psiquiátrica imaginária com seu nome. Recomendando que sejam utilizadas várias doses da sua companhia e do seu afeto. Pode ser alguém de perto, de longe, de mais ou menos perto e longe. É alguém que mais cedo ou mais tarde aparece, muitas vezes sem saber o porquê, precisando de uma cápsula da sua presença.

Mesmo que nunca diga explicitamente, quem sabe um sorriso de alívio, um aperto no dedo mindinho, algo nele dirá; – Você é o antidepressivo que eu tomei sem receita.

A mágica é que nessa hora, essa pessoa será seu antidepressivo também, e vocês parecerão duas belas caixas sorridentes de medicação sem bula e sem contra-indicações.

Esqueça o que te disseram sobre o amor

Esqueça o que te disseram sobre o amor

“A força invencível que impulsiona o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados.” (Gabriel García Márquez)

Desde cedo você é convidado para conhecer as peripécias do amor. Começa com o riso frouxo na infância e nas inúmeras tentativas ingênuas de agradar quem se gosta. Emprestando um brinquedo você acaba entregando o coração. Inocente, vibra com a primeira vez que segura a mão em direção ao parquinho da praça. Depois o sorvete compartilhado, uma clara prova de respeito e admiração. O tempo é um detalhe chato, e quando a mãe grita que volte ao ninho, o bico chega a dar pena por tamanha separação precoce. Até que você esquece, porque nesse tempo, o coração é novo, jovial e vibrante. Ele transborda amores facilmente. Nem liga para os riscos, simplesmente vai e encara. Se não der, nada que novas e adoráveis distrações não resolvam. E assim você segue, acreditando em novos risos no dobrar da esquina.

O colorir sai de cena para a chegada do “é agora ou nunca”, afinal, na adolescência não pode existir margem de erro. É o tempo do amor certeiro, do amor pra vida inteira. O caderno rabiscado, as frases pulsantes para externar um sentimento infinito recheado de loucuras e sonhos a dois, onde o beijo torna-se urgente, o abraço uma contemplação da instigante felicidade. Um corpo inteiro falando pelos cotovelos e tudo aquilo que você quer em troca: – Eu te amo. E te amo. E te amo mais um pouquinho. Não! Eu te amo mais! Para sempre!

De forma irônica, a vida lhe mostra que não é bem assim que funciona. Porque o coração ainda é jovem, inquieto e confuso. Não sabe mensurar amores ou contenta-se em longo prazo. O tempo urge e novas distrações vão caindo de paraquedas, justo quando você achava ter encontrado o amor maior. Novamente, ingênuos. Daí o mundo desaba no primeiro término. Falta ar, falta tudo. Fala até que queria ter uma máquina que apagasse as memórias vividas do desamor, porque só de lembrar, impossível de viver.

Passado o período de caças às bruxas, com o coração já cambaleando e maltratado mediante tontos tombos e capotagens, você pensa ter aprendido a lidar. É adulto e responsável. Paga as suas contas, vive uma época de muitos amigos, experiências, novidades e prazeres. Prepotente, se coloca na crista da onda quando o assunto é falar de amor. Pitacos por todos os lados, mas de noite, tira o coração empoeirado da gaveta e pensa sobre quando conhecerá alguém capaz de cuidar da maior preciosidade da sua vida.

Um novo dia surge. Relacionamentos líquidos, relacionamentos duráveis. Você até deu alguma sorte durante um tempo. O amor sorriu pra você. Era carinhoso e cheio de afagos e cuidados. Compartilhar era fácil com. Não era necessário dizer muito, pois quando as mãos estavam dadas era verdadeiro. Mas desde cedo nos ensinaram errado sobre o amor. O romantismo que nos fora passado está muito distante da realidade. Porque a concepção de amor praticada com o passar dos anos fugiu do controle. Exacerbamos o mito de duas pessoas poderem ficar juntas só porque se amam. Esquecemos o cuidado com o outro. Jogamos fora a admiração do ontem para darmos lugar aos jogos irrefutáveis das convivências. Trocamos o respeito pelo querer estar certo. E em todo esse processo, incorporamos mazelas no riso que antes era genuíno.

No entanto, temos uma lição cabal a ser compreendida; é dos desamores que surgem os grandes amores. Ainda há esperança.

“Pode ser o que você nunca viu / Pode ser o que você tem na mão / Pode ser exatamente o que eu digo / E também pode não / Então esqueça seus sonhos / Esqueça as regras e a exceção / É mais real cru e fascinante / É mortal passível de ressurreição” (Herbert Vianna; João Barone)

Sim, somos cheios de defeitos, mas para que caprichar tanto?

Sim,  somos cheios de defeitos, mas para que caprichar tanto?

 

  • Só de raiva eu falei mais alto ainda!

Nesta frase o sujeito:

  1. a) Foi admirado por todos; b) Deu mais voz à sua razão; c) Fez papel de mandão; d) Permitiu que um defeito agisse por ele.

Há um infinito de outros exemplos – sempre mais nos outros do que em nós, como manda aquela insensata cegueira seletiva- de como é possível piorar ainda mais um feito mal feito, vulgarmente chamado defeito.

Defeito é um negócio que era para ir em uma direção e vai para outra, que provocaria risadas se não provocasse raiva ou repulsa, que geralmente invade o terreno alheio e provoca bagunça não desejada.

Defeito é um feito do qual seu dono algumas e equivocadas vezes se orgulha, crê que marca sua individualidade e personalidade, que o destaca na massa, a mesma massa que em geral se esforça para esconder e reprimir seus próprios defeitos.

Defeito não é de propósito, as mais das vezes, mas também não é trabalhado para se transformar em virtude. Defeito é cicatriz. A pessoa tem e carrega os seus como quem carrega a bolsa, sempre pesada e cheia de tralhas inúteis.

Não é difícil conviver com defeitos. Se olhar com simpatia, podem ser características.

Sofrível é viver com defeitos espaçosos, egóicos, inflacionados e supervalorizados. Aí sim, dá aquela vontade de correr para longe.

A pessoa que fala o que lhe vem à cabeça, sem o mínimo filtro de cortesia por exemplo, carrega um grande defeito. Isso não é sinceridade nem espontaneidade, é grosseria, e das grandes. É o defeito de se esvaziar e encher de lixo, o próximo.

Defeito todo mundo tem e muitos de nós compartilhamos os defeitos coletivos, mas, entre segurar a onda de estragos e caprichar para dar mais emoção, se você prefere a segunda opção, eu preciso te contar um segredo: Ninguém ama os seus defeitos! Se são tolerados, é por uma atitude miúda que ainda não passou pelos seus pensamentos: Educação, cortesia, bom senso.

Não valorize seus defeitos não, ao contrário, se possível, coloque as virtudes na mesa para a alegria de quem está por perto.

Eu sei que amanhã vai passar, mas hoje está doendo muito…

Eu sei que amanhã vai passar, mas hoje está doendo muito…

Muitas vezes, não queremos ouvir ninguém nos dizendo que aquilo vai passar, que amanhã será um novo dia, que temos de ser persistentes, pois sairemos mais fortes daquilo tudo. Queremos apenas que alguém entenda a nossa dor e nos deixe sentir todo o amargor daquele momento doído.

Nossa primeira reação ao ver uma pessoa querida sofrendo é tentar lhe transmitir esperança, no sentido de confortar a sua dor. Para isso, costumamos encorajá-la a olhar para o futuro, dizendo-lhe que aquilo tudo tem algum propósito e ela ainda haverá de entender, que tudo o que nos acontece é útil e necessário, entre outras palavras de conforto.

Muitas vezes, porém, não queremos ouvir ninguém nos dizendo que aquilo vai passar, que amanhã será um novo dia, que temos de ser persistentes, pois sairemos mais fortes daquilo tudo. Queremos apenas que alguém entenda a nossa dor e nos deixe sentir todo o amargor daquele momento doído, alguém que nos permita ser fracos e inseguros naquele instante, permanecendo ao nosso lado, se possível com um silêncio que acolha e transmita compreensão.

Todos sabemos que os tombos nos fortalecem e trazem aprendizados importantes ao nosso amadurecimento pessoal. Também sabemos que o tempo ameniza o sofrimento e traz novas esperanças, novos motivos para continuarmos sonhando nossos ideais de vida. Porém, no momento em que estivermos imersos na escuridão inconsolável, sentindo-nos a pior das pessoas, muito pouco nos adiantarão quaisquer palavras que tratem do futuro, porque o hoje estará nos aniquilando.

Isso não quer dizer que não precisaremos de gente ao nosso lado nos dando forças durante nossas misérias emocionais; isso quer dizer que precisaremos de alguém que, antes de tudo, demonstre entender o que estamos sentindo e nos permita passar por aquilo, até que o fundo do poço não mais nos caiba. Quem sofre precisa de consolo empático, precisa saber que o outro entende e vai deixá-lo sofrer o que tiver que ser seu até que consiga expulsar aquilo tudo de sua vida.

Então, quando as nuvens começarem a se dissipar, quando os raios de sol conseguirem alcançar o rosto de quem padecia na escuridão, aquele que esteve ali ao seu lado fará toda a diferença, ajudando-o a voltar ao caminho de ida, à jornada de busca da felicidade que com certeza ainda estará por vir. Caminhar junto é preciso, mas saber a quem dar as mãos enquanto se constroem os sonhos que sustentarão essa jornada determinará a qualidade de vida e de amor que levaremos em nossos corações.

Você já tocou sua alma com carinho hoje?

Você já tocou sua alma com carinho hoje?

“Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma.”  Cora Coralina

Nestes tempos acelerados, em que ansiedade virou epidemia e falta de tempo motivo de orgulho, quando foi a última vez que você tocou sua alma com carinho?

Fazer o melhor, ser o melhor, superar, produzir. E, de repente, nos esquecemos do que realmente importa, da essência e do que nos dá energia e alegria para prosseguir.

Tocar a própria alma é algo muito particular que envolve coisas singelas. A alma não faz questão de estardalhaços e somente atitudes delicadas, daquelas quase imperceptíveis a olho-nu, é que podem tocá-la.

Um chocolate quente, um cochilo breve mas revigorante, o cheiro de uma flor, café com biscoitinhos. O abraço de um amigo, um banho reconfortante, ligar para a família (aquela do seu coração). O calor do sol no inverno ou a sombra de uma árvore no verão. Sentir a brisa, o cheiro de chuva, ouvir ou tocar aquela música que te faz lembrar quem você é. Um livro, uma poesia, um filme. Tocar a grama, espreguiçar, colocar uma música no seu quarto e dançar até cansar. Cantar, meditar, respirar. Seu moletom velho e confortável. Cheiro de alho refogado. Aquele bolo que saiu do forno. Uma lambida do seu cachorro. Dar-se um abraço e dizer “Ei, você fez seu melhor! Estou orgulhoso de você.”.

Normalmente, o que toca nossa alma está muito ligado às nossas memórias de infância, quando ainda estávamos mais conectados com nossa essência. Infelizmente, nós crescemos e esquecemos o quão importante é manter esse contato. Sem ele, morremos aos poucos. A vida torna-se mecânica e sem sentido. A tristeza aparece.

O bom dessa coisa de tocar almas é que elas, por mais diferentes que sejam, podem comunicar-se umas com as outras. Mesmo que você esqueça de tocar a sua própria, cada vez que chega na de alguém, é instantaneamente tocado.

Mas, como foi dito, almas são feitas de material puro, tocadas apenas com delicadeza. Naquele sorriso sincero, naquele gesto de preocupação, naquela surpresa pequena, porém doce e cercada de carinho. Tudo que é genuíno chega até as almas. Toca fundo e ressoa para as outras, em diferentes cores e melodias suaves. Após tocar todas as almas existentes, dissipa-se pelo universo e fica na memória.

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