SOMOS ETERNOS RASCUNHOS
Young woman having fun and blowing bubbles outdoors

O que parecia ser um definitivo fim do caminho era um beco sinuoso e úmido. Sedutor. Iluminação difusa, aérea. Uma dessas esquinas caprichosamente desenhadas nas amplas, monótonas e previsíveis alamedas da vida. Parece, de fato, que nada é exatamente o que parece ser. Somos salvos de virar estátuas de sal graças à nossa maravilhosa transitoriedade.

Um alívio imenso poder respirar fundo, como se respira depois do gozo. Encher o peito de ares novos e bem-vindos. Deixar que o sangue renovado flua, escorra seus caminhos num caminho engenhoso e belo por dentro de nós.

Um presente inesperado poder dançar fora do ritmo, como deusas celtas a se confundir com a terra, numa noite de solstício de verão. Passos brincalhões a nos misturar com a música que vem de lembranças boas e escapa dos lábios em canções queridas, ungidas, murmuradas.

Uma inundação de sentimento de liberdade, compreender que absolutamente tudo é provisório, solto, imprevisível. Entregar-se ao balanço de um abraço de si mesmo. Encontrar-se. Perder-se. Reencontrar-se na descoberta de um amor que chegou de mansinho, foi tomando tudo de sua bondade e desencavando lá de dentro sonhos esquecidos, guardados, adormecidos.

Um banho de chuva depois de uma longa e intempestiva jornada no deserto. Deixar a água bendita, escorrer pelos cabelos, contornar o rosto, o colo. Absorver o sal dos lábios há muito calados, no resignado entendimento de que talvez as melhores coisas venham depois. Mais tarde.

Enfiar os dedos dos pés na areia e acolher o mar que se dissolve em espuma, ao desmaiar languidamente na praia. Deixar que o arrepio do encontro suba pelas pernas, encontre a espinha e inunde o coração. Entrega. Prazer. Rendição.

Sentir o abraço morno do sol que se despede no fim da tarde. Parte com a tranquilidade das almas solúveis que não temem o fim, porque compreenderam que o término de qualquer coisa não passa de uma ilusão, à qual nos apegamos apenas para poder acreditar que os pontos finais da vida moram na ponta dos nossos dedos.

Encontrar a noite, suas sombras e luzes a desenhar histórias que se perderam no tempo, que nos preenchem do agora e que nos despertam a excitação do que ainda está por vir. Dissolver-se na certeza de que as incertezas são tão bonitas quanto um floco de neve. Temporais. Frágeis. Fluidas.

Envolver-se no manto de estrelas dessa noite e adormecer na serenidade de ter finalmente compreendido que somos eternos rascunhos de nós mesmos. Amanhã, outra versão de nós virá nos despertar para outros sonhos, outros desejos, outros encontros. Uma vida novinha em folha caberá na palma da mão, na curva de um sorriso, no calor de um amor tranquilo. Paz. Acolhimento. Redenção.

 

 

 

 

 







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"