Será mesmo que o amor sumiu das grandes cidades?

Será mesmo que o amor sumiu das grandes cidades?

Sim, existe amor em SP! E em Paris, Piracicaba, Minas Gerais, Madri, Cruz das Almas. O amor não deu no pé. O que eclipsa sua presença são as expectativas, as convenções sociais, a necessidade de uma bússola ou de uma tábua de salvação.

O amor pode sobreviver ao mau humor matinal, à depilação por fazer, ao futebol de domingo, às cutucadas suspeitas no Facebook. Mas nenhum amor sobrevive ao peso da obrigação de ter que dar sentido à vida de alguém.

Porém o destino é um menino travesso que teima em nos enviar um par justamente quando estamos ao avesso.

Como ser par sem antes ter conseguido ser ímpar? Ignoramos esta pergunta. Quem precisa ser ímpar quando se pode ser par?

Afinal o amor dá jeito nas coisas, não dá? Não foi isso o que nos ensinaram? Que o amor supera tudo?! E se o amor supera tudo, claro que vai nos desvirar do avesso, nos botar no prumo e nos fazer sentir conforto em nossa própria pele. É questão de tempo.

O tempo! Ah, o tempo! Pobre rapaz… O tempo se zanga com a troça do destino e, para provar que nada tem a ver com isso, corta o mal pela raiz: provoca a ruptura.

Daí por diante começa o desatino: lágrimas, injúrias, fúria, raiva, melancolia, sentimento de menos valia, solidão.

De quem foi a culpa, afinal? Alguém precisa levar a culpa!

Sobra para quem? Para o amor. É tudo culpa do amor! Esse monstro que por puro egoísmo fugiu das grandes cidades e deixou as metades das laranjas partidas desencontradas e perdidas.

Coitado do amor! Ele tem implorado por atenção, mas ninguém o ouve. Quem consegue ouvir os apelos do amor estando anestesiado de medo? Amor, que amor? Estamos mais ocupados em saber se é por aqui que se vai para lá. Estamos mais preocupados em saber se seremos aceitos, bem sucedidos e bonitos na foto do que qualquer outra coisa.

Não conseguimos nos amar, nos aceitar, nos admirar, nos respeitar. Como é que conseguiremos amar, aceitar, admirar e respeitar o outro?

Se acaso precisamos que um amor ratifique que somos bons, capazes, especiais e únicos, ele simplesmente morre. O amor não tolera esse tipo de exigência. O amor não tolera expectativas desleais.

Nada nem ninguém, nem mesmo o amor, o sentimento mais poderoso e cobiçado da face da terra, poderá nos oferecer identidade, segurança e conforto. E nosso desconforto anda tão grande, tão imenso, que para não olharmos para os nossos abismos dizemos que “não existe amor em SP” ou em parte alguma. Pior, dizemos que os amores se tornaram líquidos – como se algum dia ele tivesse sido outra coisa que não fluidez.

Bobagem! Nós é que precisamos nos desfazer de certas bagagens inúteis e de um bocado de coragem para convidar um velho amigo para uma xícara de chá: o amor-próprio.

O amor não fugiu das grandes cidades. Ele não foi a lugar algum. Ele continua onde sempre esteve.  É que ele só visita quem convida seu irmão gêmeo para uma xícara de chá.

FALANDO NISSO

Escrevi o texto acima após assistir ao filme Amores Urbanos, de Vera Egito. O filme narra as desventuras amorosas e conflitos existências de três amigos de trinta e poucos anos na cidade de São Paulo. Vale a pena conferir.

Mudar é doer

Mudar é doer

Decisões importantes e grandes mudanças, aquelas que nos chutam para fora da zona de conforto e nos impulsionam em direção à vida plena que desejamos e merecemos, vêm, quase sempre, acompanhadas de dor.

Quando dobramos os joelhos pedindo aos céus que mexa com nossa estrutura, imaginamos que um poder superior vá chegar consertando as coisas quebradas e fechando feridas. Mas se você parar para pensar, quase toda grande mudança, aquela boa, vem acompanhada do oposto.

Sim, grandes mudanças abrem feridas e colocam tudo de pernas para o ar, promovendo, num primeiro momento, caos, desconforto e insegurança. Grandes mudanças vão abrir sua conchinha à força, arrancá-lo daquele espaço conhecido, onde vivia encolhido sem nunca notar o incômodo de não poder esticar as pernas e vão arremessá-lo na grandeza e frescor do mar da vida. E lá, naquele mar medonho e lindo, quantas serão as possibilidades…

Não, não há como evitar a dor. Quando se dá a luz a uma pessoa, antes de ver uma vida se materializar diante de si, sente-se dor. Quando se deseja um corpo sarado, encara-se a dor da acadêmia. Quando se deseja dinheiro, enfrenta-se a dor do trabalho duro ou o perigo de tirá-lo de alguém. Quando se deseja cessar um ciclo de abuso em casa, no trabalho ou na vida, encara-se a dor da ruptura e da incerteza.

Mudar é doer, mas encarar essa dor é ter a oportunidade de sorrir diante do resultado.

No primeiro momento, sente-se na boca aquele amargo-doce, aquela borboleta no estômago e a clara sensação de que parece que o mundo vai desabar sobre sua cabeça, lhe ordenam que faça o caminho de volta ao intolerável. Mas se tiver coragem de enfrentar esse estado de coisas; de dor insuportável, mas necessária, verá o incrível milagre da vida acontecer diante dos seus olhos. O milagre que você é e não sabia.

Toma, o amor é seu

Toma, o amor é seu

Não posso pegar na mão um coração machucado pelo meu não.

Toma, ele é todo seu, não fui eu quem inventou, quem bombeou, quem insistiu em sentir.

Não sou eu que vou te curar com a minha não vontade de amar, a compaixão que eu poderia ter só te faria ainda mais sofrer.

É seu esse coração machucado, esse amor órfão, solto, belo… É todo seu.

Aqui em mim ele é um assunto que não me toca os olhos, é um filme que não me interessa, é um livro que não me despertou os sentidos, eu nem abri, é uma estrela que não acendeu no meu céu.

Eu não quero receber, como poderia tratar, cuidar, ajudar? Eu, que se escrevo estas palavras, gastando linhas explicando o inexplicável. Dando atenção para alguém que quer toda a atenção do mundo.

Culpar o ser amado, encontrar uma razão para odiar, me fazer falar qualquer coisa para me incriminar nesse ato que não quero participar.

Aceite que em mim mora a indiferença, aceite que o que é enorme em você em mim não faz cócegas, aceite que eu não vou segurar com cuidado o seu coração, acalmá-lo e devolvê-lo renovado, embrulhada para presente. Eu lavo minhas mãos, não faço o bem nem o mal.

Eu sei sim o que é se sentir assim, mas vai por mim: você ficou na mão com seu coração.

Se deixá-lo aqui, ele vai ficar perdido em alguma das gavetas que eu não abro. Eu não criei nada, seu coração viu em mim estradas (que são belezas suas!) e o amor nasceu por partenogênese.

Não se desespere também, não precisa matar nada, ame o vento, o ar, a árvore, ame a vida!

Gaste seu amor, se apaixone pela própria beleza das ilusões erva daninhas, insistentes em crescer bonitas nos cantos mais absurdos. Deixe que cresça em você uma trepadeira, primavere-se desse amor.

É pra isso que ele veio acima de tudo, eu sou só o pretexto.

Toma, o amor é seu

Algumas despedidas devastam a gente

Algumas despedidas devastam a gente

Despedir-me de minha mãe foi a mais dura lição que a vida me deu até hoje. Ninguém está preparado para a morte, para viver de repente sem a presença de alguém que tanto amamos. Seja aos poucos, seja repentinamente, o adeus com gosto de demora sem fim antecipa toda a dor que esse enfrentamento carrega e nos coloca diante do imutável, do indelével, do que não se pode mais mudar. E como dói.

Minha mãe foi minha maior e mais bela referência de vida, de mundo, de ternura. Minhas primeiras lembranças já são comigo amando-a sem medida e foi assim até o dia em que ela partiu – é assim até hoje, aliás. Ela foi minha procura nas noites de pesadelo, meu consolo nos momentos de desespero, meu conforto sempre que a vida dizia não. Foi meu norte, meu sul, meu leste-oeste, lá fora e dentro de mim.

Eu adorava repousar minha cabeça em seu colo, em frente à TV, enquanto ela me contava dos atores de sua época. Eu ficava ao lado do fogão, enquanto ela cozinhava, ouvindo-a contar sobre os enredos dos romances que tinha lido, sobre as pessoas que tinha conhecido, sobre sua infância, seu namoro com meu pai, seu amor pelo meu avô. Ela amava a família, amava as festas, amava viver. Herdei dela – e por ela – meu gosto por filmes e livros, meus anos aprendendo piano, minha teimosia em sorrir, apesar de tudo e de todos.

Minha vida é rodeada por minha mãe, tudo a tem, seu cheiro, os sabores de seus cafés da tarde, as cores do Natal, a missa, o carnaval. Ela era minha mais fervorosa fã, acreditava em mim, torcia verdadeiramente por mim. E eu consegui voltar de meus descaminhos porque não me permitia magoá-la. Fazia por mim e por ela, éramos eu e ela sempre. Ah, e como aquela mulher também sabia ser ácida, com palavras que doíam fundo, quando necessário, porém, tudo era amor e saber isso me bastava.

Deixá-la ir foi a mais dolorida atitude que pude tomar. Nos seus últimos momentos de consciência, antes que a morfina lhe roubasse a lucidez, passei a noite junto com ela. Naquela madrugada sem fim, no hospital, ela apontava suas bochechas pálidas, pedindo-me que a beijasse várias vezes. Ela queria me dizer, com esse gesto, que me amava, que eu deveria ser forte, que eu nunca a decepcionara, que eu era e sempre tinha sido um filho querido. Ela se eternizava dentro de mim desde sempre e foi indo, enquanto eu abraçava aquela fortaleza que me sustentara até então, dizendo-lhe que ela já poderia descansar, que ela já tinha resistido muito além de suas forças, que criara seis filhos de forma exemplar, doando-se além de si mesma.

Creio que nenhum adeus é tranquilo, indolor, mesmo quando nos despedimos do que nem tanto bem nos faz. A saudade é muito peculiar, porque ela já se instala assim que o outro se vai, nem dá tempo de a gente pensar sobre a ausência – vem automaticamente. E a gente continua, porque é isso que quem partiu espera de nós, que prossigamos a nossa jornada sendo quem somos, junto a quem ainda caminha conosco, amando-nos e precisando de nós.

E, como a gente nunca sabe quando será a última vez, ainda que não tenhamos tempo de nos despedir de quem parte – algumas partidas são ainda mais injustas, visto que repentinas -, a força do amor faz com que somente fique tudo de bom em quem vai e em quem fica. O adeus está presente nos momentos mais especiais que passamos junto com as pessoas, vai sendo construído na forma do afeto que se vale dos gestos, olhares, palavras, no cotidiano do amor. E é o amor que se leva. E é o amor que nos mantém vivos na certeza do reencontro, na fé que sustenta essa distância forçada que a vida nos empurra.

Viver sem a presença de alguém que amamos é possível, sim, mas parece que nada mais fica igual, nada permanece o mesmo, lá fora e aqui dentro. O tempo diminui aos poucos a dor e a gente se reergue, mas fica lá no fundo da alma um pedacinho em aberto, um espaço vazio, porque as pessoas morrem, mas a saudade não. E as lembranças gostosas acalentam os nossos dias, consolam quando a tristeza quer crescer, ajudam quando a vida derruba, acalmam quando o sol se vai. Porque perder minha mãe sobretudo me tornou ainda mais convicto de que a força do amor é mais forte do que tudo, até mesmo do que a dor da morte. E, parafraseando Chico Xavier, não duvidemos: o reencontro com nossos amados arrebentará as portas do céu.

Não me leve a mal, mas eu preciso dizer o quanto você me faz bem.

Não me leve a mal, mas eu preciso dizer o quanto você me faz bem.

Eu sei. Há coisas mais profundas por discutir. Questões de primeira ordem, perguntas importantes, assuntos urgentes. Mas lá fora um ventinho manso me convida a olhar o céu e procurar você entre as Três Marias. Aí é covardia. Eu já escolhi.

Essa gente toda entrando em detalhes só me dá vontade de sair com você por aí. Deus me livre de precisar defender a teoria geral das coisas, pregar verdades definitivas, postular perfeição. Eu só preciso dizer o quanto você me faz feliz.

Que nos perdoem a crise, o dólar, a política, o êxodo rural, o caos nas cidades. Urgente agora é pegar sua mão e dar no pé. Bater perna, cair no mundo. Tem coisa que a gente precisa fazer agora. Antes que o meteoro venha, que o segundo passe, que o mundo acabe.

Olha só a cara desse povo, tão preocupado em durar para sempre, tão incapaz de ocupar seu instante. Aí vem o segundo seguinte, leva tudo e lá se foi a vida inteira. Eu, hein! Quero mais é nadar com você nessa água toda. A gente nunca sabe. Melhor viver logo e depois se vê o que faz.

Faz um segundo que você chegou e eu já conheço seu rosto há tanto tempo! Pareço com você. Vai explicar… não liga, não. Eu só preciso repetir o quanto você me faz feliz.

Tem coisa que a gente já nasce sabendo. Já vem ao mundo fazendo. Ninguém ensina. Lá pelas tantas esquece e só vai lembrar mais tarde. Estou me dando conta do que você me lembrou agorinha: que o amor já nasceu comigo. Estava aqui desde o seio materno, transpirando ternura por minha mãe. Hoje transpiro amor pelas palmas da mão, caminhando ao seu lado por aí.

Ando achando que o amor não chega para ninguém. Ele já está em todo mundo. Sempre esteve. Esquecido no fundo de uma gaveta, perdido no vão do sofá entre botões e moedas, guardado com velhos papéis em um envelope puído, dormindo em cavernas como um urso imenso, solitário, o amor está lá. À espera.

Então acontece de alguém chegar, alguém partir, e o amor desperta na gente. Em mim, acordou faminto como quem dormiu a vida inteira. Levantou, lavou-se com tempo, assaltou a geladeira, escovou os dentes e ganhou a rua.

Um ventinho manso o convidou a olhar o céu. E bem ali ele viu você, papeando com as Três Marias, sorrindo, sorrindo. Você não me leve a mal. Eu só preciso dizer o quanto você me faz feliz.

Quando não é recíproco, não vale o esforço

Quando não é recíproco, não vale o esforço

A não ser que você seja um grande fã de Platão e das obras de Shakespeare, as paixões platônicas não são uma boa opção de relacionamentos. Elas fogem da normalidade, machucam e tiram a paz de quem as sentem.

O conselho é clichê, mas é uma das maiores verdades que há: não existe amor sem reciprocidade. Você pode ler todos os artigos sobre “como conquistar alguém”, pode ser a pessoa mais encantadora do mundo e pode ter viajado o mundo todo, mas não serão essas as atitudes que farão alguém gostar de você. E o motivo é simples: as pessoas são livres para amarem quem quiserem.

Por comodismo ou medo, as pessoas permanecem em relacionamentos frios e predestinados a fracassar. Insistem até o último momento porque o rótulo de “relacionamento sério” é o que mais importa. A sociedade está acostumada a um amor de novelas, aos turbilhões de sentimentos e ao frio na barriga na escala fahrenheit. Dão mais valor ao “eu te amo” do que as atitudes que comprovem a frase.

A verdade é que as pessoas deixam se iludir por situações conveniente a elas. Acreditam no “não ligou porque perdeu meu telefone” ou “é só medo de se entregar”, porque acreditam ser menos doloroso do que enfrentar a realidade.

Algumas pessoas, simplesmente, não valem o esforço. Não valem as noites mal dormidas, os encontros cancelados, nem as indiretas no facebook. Quando há interesse é quase automático o ato de “fazer acontecer”. Quem quer, dá um jeito de ter. Quem se importa, volta para se desculpar. Quem ama demonstra.

Então, meça suas ações e verifique se a oferta não está maior que a procura. Não insista quando perceber que você não é prioridade, nem arrume desculpas para o desinteresse alheio. Há pessoas que simplesmente não valem a música que você dedicou a ela.

Dias atrás li um texto do Carpinejar que me fez refletir sobre isso: “A indiferença é uma doença muito mais grave. Alguém que não está aí para o que faz ou não faz, para onde vai e quando volta. De solidão, chega a do ventre que durou nove meses.”

Seja recíproco: dê o que você espera receber do outro, mas não insista no que não é dado de forma espontânea. Algumas coisas não valem o esforço que fazemos.

Loucos somos nós !

Loucos somos nós !

“Quero a certeza dos loucos que brilham. Pois se o louco persistir na sua loucura, acabará sábio.”
(Raul Seixas)

Quem já não ouviu a expressão “loucos não são eles, somos nós”, se referindo às pessoas que se encontravam nos (hoje extintos) manicômios, fazendo alusão ao fato de que qualquer pessoa “certa das ideias” não acharia normal viver na sociedade tal como ela se apresenta.

Referia-se que, em uma sociedade doente, permeada por desajustes de toda sorte, com injustiças para todos os lados, corrupção escancarada, falta do mínimo necessário à grande parte da população e escassez de controle emocional, os seres humanos não conseguiriam passar ilesos.

Seriam, de alguma forma, atingidos pelo descompasso generalizado e ficariam desajustados em algum grau. Concluía-se, então, que quem vivesse plenamente bem nesse mundo torto, não estava em seu juízo perfeito.

Na minha opinião, esse raciocínio tem um pouco de sentido.
Vejamos: muitos de nós vivem correndo atrás do tempo, sempre tendo mil coisas pendentes, não dando conta de todas as obrigações que acredita ter, sem tirar muito tempo para se preocupar com cuidar da sua saúde psíquica e emocional, reclamando, sem buscar crescimento (não estou falando em material/financeiro), não se indignando com a inflação, as propinas envolvendo os nossos representantes e a corrupção nos mais diversos escalões, compartilhando o consumismo desenfreado e insaciável, convivendo ao lado de crianças com fome de comida e de amor, com animais carentes de cuidados mínimos, com pessoas sem-teto e sem esperanças, enfim. E o pior: ACHANDO ISSO TUDO NORMAL.

Temos que estar um pouco loucos, não é possível!
Se pararmos para analisar, talvez veremos que nunca nos demos ao trabalho de questionar se todas essas atividades “pendentes” na nossa vida são realmente necessárias, a ponto de nos angustiar. Se as milhares de tarefas do nosso dia – que necessitaria ter muito mais de 24 horas – tem alguma utilidade efetiva. Por que razão reclamos tanto (do tempo feio, da vizinha barulhenta, do trabalho desmotivador, do filho complicado, da falta de perspectiva) se a reclamação – por si só – não altera nada, e pouco nos atemos a falar sobre coisas bacanas.

O que foi que incutiram na nossa mente sem percebermos que nos fez começar a pensar que roubalheira e politicagem são inerentes, que tudo bem a inflação estar só subindo, que “faz parte” do sistema a propina e que as leis – notadamente a Constituição Federal – existem para serem cumpridas apenas no mundo das ideias? Em que momento da escala evolutiva da humanidade se passou a entender que o certo é não nos afetarmos com os problemas alheios (inclusive os mais graves, aqueles que colocam em risco a saúde, a dignidade e o futuro dos nossos semelhantes)?

Aonde foi, pois, que perdemos parte da nossa razão? Por onde anda nossa sensibilidade?

É claro que resiliência, tolerância e compreensão grandes virtudes. Todavia, elas não podem ser deturpadas. Definitivamente, elas não devem traduzir conformismo, indiferença, mecanicidade, desencanto, desistência. Tudo tem um limite. Talvez não estejamos sendo razoáveis. Talvez não estejamos sendo humanos.

Quando foi a última vez que nos emocionamos com uma história inspiradora, que nos tocamos com uma música cheia de sentido, que nos extasiamos com um exemplo de superação, que nos deixamos deslumbrar por um final feliz de um desconhecido, que ficamos encantados com uma cena de amor, que tivemos esperança em um futuro melhor para a humanidade?

Quando foi a última vez que paramos para pensar na nossa saúde emocional, no nosso equilíbrio psíquico, na nossa evolução como pessoa, em “coisas da alma”? Com que frequência procuramos a leveza, não levamos a vida tão a sério, tentamos focar na alegria ou buscamos ser inspiração?

Afinal, ainda nos importamos em melhorar o mundo de alguma forma (nem que seja o nosso próprio mundinho interior)? Nos sentimos parte de uma grande família – a raça humana – na qual, como em todas as famílias, deve haver cooperação? Temos consciência do real potencial que possuímos, em todos os sentidos (de abrir a mente e o coração, dar uma “puxada no freio de mão” da rotina frenética, fazer a diferença de alguma forma)?

Passamos o tempo inteiro correndo atrás (do quê mesmo?), muitas vezes sem nem saber aonde queremos chegar. Andamos esgotados, e temos a impressão de que fazemos muito pouco do que gostaríamos. Nos acomodamos, muitas vezes, numa vida medíocre, sem grandes pretensões, sem muito entusiasmo, com muito cansaço.

Não podemos desistir do essencial. Não podemos viver num mundo à parte. Não podemos não nos importar. Não podemos, definitivamente, desencantar. Isso, sim, seria loucura…

Ninguém é obrigado a ficar

Ninguém é obrigado a ficar

Precisamos entender que os relacionamentos não podem ser encarados como prisões. Não existe isso de quem gosta ou ama de verdade, precisa, independentemente de qualquer coisa, ficar. O amor não é um contrato e somos os que mais sofremos quando encaramos essas expectativas e colocamos a culpa no outro.

As relações hoje são, de fato, muito mais abrangentes e tomadas por escolhas a todo o momento. Faz parte do mundo líquido descrito pelo sociólogo Zygmunt Bauman, onde sob o manto da liberdade, dispomos de um poder de escolha perante quem nos relacionamos. Mas ainda que isso desperte descontentamentos e poucos laços afetivos, por outro lado, devemos reconhecer que de nada adianta nutrir um elo com alguém que não quer ficar. Querer isso é um egoísmo sem sentido e, para quem imagina ser uma legitimação do amor, uma pergunta: quantas vezes você não foi partida logo depois da chegada? Será mesmo justo mensurar a validade dos amores pela perspectiva individual?

Não há nada mais recíproco do que um amor que goste de ficar. E por mais que saibamos de relações pautadas em medos e condições abusivas, criar um juízo de valor a partir disso pode soar complexo. Mas isso é uma outra discussão, para um outro texto. Aqui, linhas sobre essas pontes emocionais criadas, com o intuito de aproximação, mas que acabam afastando o outro. Tudo é uma escolha. Muitas vezes, uma escolha de amor-próprio. É diferente do egoísmo barato e raso. Porque, para saber reconhecer o outro, faz-se necessário atribuir a si uma responsabilidade igualmente proporcional dos relacionamentos.

A questão é, mesmo envoltos nessa chama desejosa de amores por todos os lados, estamos perdendo a capacidade de amar e, de compreender a serenidade que isso acarreta. Sentimentos sempre podem ser passíveis de interpretações, mas a vontade de estar com alguém é nua. Ela não precisa de endereço, mas voz. Ninguém é obrigado a ficar e ninguém é obrigado a chegar. Por um amar mais consciente e tranquilo, e menos autoritário e prepotente.

Covarde é quem usa o poder para diminuir o outro

Covarde é quem usa o poder para diminuir o outro

Patroas que destratam faxineiras, chefes que gritam com os subordinados, políticos que desrespeitam o cidadão comum, são inúmeros os exemplos de pessoas que se sentem acima do bem e do mal simplesmente porque subiram um mísero degrau social.

Todos conhecemos alguém que vive humilhando quem se encontra ao redor, especialmente quem se encontra em uma posição inferior, seja no trabalho, em casa, na escola, seja na rua. São pessoas que confundem hierarquia com autoritarismo, autoridade com subserviência, geralmente dando a si mesmo um importância muito maior do que a verdadeira.

Patroas que destratam faxineiras, chefes que gritam com os subordinados, políticos que desrespeitam o cidadão comum, são inúmeros os exemplos de pessoas que se sentem acima do bem e do mal simplesmente porque subiram um mísero degrau social. E, assim, usam do que acreditam ser um poder, para maltratar quem comandam e tiranizar o ambiente no qual se sentem o cabeça.

Na verdade, a hierarquia deve servir para que haja uma liderança, que comanda, ordena, distribui tarefas, no sentido de que o líder seja alguém respeitado pelas suas qualidades profissionais e humanas, alguém que caminha junto, pois faz parte do corpo coletivo. Infelizmente, há quem use a liderança como instrumento de autoridade tirana e antidemocrática, pisando aqueles que julga inferiores.

Nesse contexto, muitos de nós nos sentiremos rebaixados, humilhados e feridos por nossos superiores, em vários momentos de nossas vidas, porque sempre existirão pessoas covardes que, além de abusar do poder que tomam para si, descontam sua raiva justamente em quem não tem nada a ver com ela. Covardes, porque, em vez de enfrentarem a pessoa que lhes desagrada, engolem sapos e vêm estourar para cima de quem depende daquele emprego para sobreviver, de quem, muitas vezes, não teria como se defender.

Uma das regras básicas de convivência é o respeito com quem quer que seja, qualquer que seja sua posição, mesmo que o outro pense de forma diversa, ainda que a presença alheia seja insuportável. Todos temos a capacidade de nos posicionarmos e de nos fazermos respeitar, sem que precisemos humilhar e espalhar o temor ao nosso redor. Respeito é algo que se constrói ao longo da convivência, a partir da confiança mútua e não da tirania unilateral. A tirania é um ato covarde, simplesmente porque passa por cima de qualquer resquício de afetividade que sempre deverá permear os relacionamentos humanos. Sempre.

Em nossa própria companhia

Em nossa própria companhia

Uma das mais deliciosas e tardias descobertas dessa vida, talvez seja a de “descobrir-se”. Demoramos, às vezes, muitos anos até nos darmos conta de quem de fato é essa misteriosa pessoa que habita o nosso próprio corpo.

Imersos em experiências de convívio, vamos desempenhando incontáveis papéis, a depender de quem esteja à nossa volta, à nossa frente ou ao nosso lado. Vamos nos moldando aos outros, a fim de criar em nossa personalidade variados contornos. Somos uma pecinha curvilínea de quebra-cabeça. E cada uma de nossas curvas, pontas ou reentrâncias encontram contato nas curvas, pontas e reentrâncias de outros alguéns.

Inúmeras vezes acabamos por nos sentir como aquela pecinha que caiu da caixa e ficou perdida num canto qualquer. Perdemos o encontro com o resto da paisagem que nos completava e conferia a nós um sentido, uma utilidade, uma presença necessária.

E é nesses momentos de desencaixe que temos à nossa frente a possibilidade de parar de perseguir a caixa perdida. É essa a experiência maravilhosa que a vida nos oferece para que abandonemos esse lugar de “peça útil” para nos redescobrirmos em outras vivências.

Livres do entorno que nos submete, podemos experimentar uma vida literalmente fora da caixa. O curioso é que ficamos perdidos diante da liberdade. Aquela sensação de entrar num vagão do metrô e não ter nenhuma pessoa ali dentro. Onde sentar? Será que eu ficaria melhor ao lado da janela, de frente para o trajeto ou de costas? Diante da falta de outros que nos sirvam de referência, tendemos a um primeiro instante de desorientação.

Puxa vida, mas passados uns pouquíssimos minutos nos damos conta da sorte inesperada que tivemos. Ninguém no vagão do metrô! O vagão naquele momento é só nosso. Ninguém sentado de forma egoísta nos bancos preferenciais – sem ter nenhuma necessidade de estar sentado ali -, ninguém usando aquele perfume invasivo que dá dor de cabeça, ninguém falando ao celular “no viva voz” (ninguém merece!). Ninguém no vagão de metrô!

Assim acontece com os momentos de solitude que pontilham a nossa aventura nessa vida. A perplexidade da falta de contenção pode tirar de nós a riqueza da experiência. Esse momento, que era uma oportunidade rara de autocontemplação e autoconhecimento acaba sendo desperdiçada numa ansiedade quase automática por companhia.

Ainda há uma crença estúpida e limitante que julga aqueles, e principalmente aquelas, que sentam sozinhas numa mesa de restaurante ou no boteco da esquina para apreciar um vinho, ou uma prosaica cervejinha, ou ainda, um singelo suco de abacaxi com hortelã. Ainda há quem olhe penalizado para alguém que entra sozinho numa sala de cinema ou teatro. Ainda há, e sempre haverá uma falsa ideia de que estar a sós é sempre triste. Não é!

Estar em nossa própria companhia pode ser tão ou mais maravilhoso do que estar cercado de gente. Há beleza na solitude. Há uma escolha bonita e corajosa por trás das pessoas que viajam sozinhas por aí, por trás das pessoas que aprenderam a curtir o próprio silêncio numa tarde que se passa na companhia de lindos livros e filmes inesquecíveis, por trás das pessoas que caminham sozinhas num fim de tarde na praia. Sendo assim, não custa nada a gente, da próxima vez, aceitar a sorte do vagão vazio e mergulhar nessa instigante viagem para dentro de si.

E quando a “lei do retorno” falha?

E quando a “lei do retorno” falha?

E perto dos seus 40 anos você fez tudo o quê “deveria” ser feito. Constituiu uma carreira sólida com muito estudo, dedicação e afinco. Encontrou o amor da sua vida, construiu uma linda família, guardou um pouquinho de dinheiro, cultivou as velhas amizades e fez novos amigos, ajudou instituições filantrópicas, adotou cachorros e gatos das ruas.

Sim, você fez tudo como manda “o figurino”. Semeou o bem, o amor e cuidou dos seus próximos, mas, de repente, não mais do de repente, vem a vida e mostra que tudo pode ruir em questão horas, minutos ou segundos e você perde o chão, o norte e o rumo que vinha seguindo há algum tempo. A crença de que você estava seguro pelo universo por semear o bom e realizar o bem, despenca de uma hora para outra.

A vida está longe de ser uma ciência exata, um cálculo matemático que se soma, subtrai e divide-se e lá está a resposta exata do problema. Viver requer mais de nós, não há respostas prontas. Antes de escolher um caminho ou tomar uma decisão não sabemos o resultado dessa questão.

A vida requer mais de nós do que sermos bons e seguirmos o manual do politicamente correto. Viver muitas vezes foge ao controle, do programado e do esperado e sim, a lei do “retorno’’ falha, mas e daí?

Podemos estar vivos, mas cheios de frustrações. O dinheiro não atravessa o mês como deveria. O emprego finda. Os amigos se ausentam. O amor esperado não corresponde, familiares partem e a saúde pode faltar.

Viver é uma aventura todos os dias.
A plenitude que tanto buscamos durante a vida reside em momentos, num sorriso, num abraço, num desejo realizado.

Essa viagem chamada vida pode ter um brilho diferente se conseguirmos tocar as outras almas que nos acompanham nesta aventura, seja com palavras ou ações, pois precisamos de companheiros nessa difícil jornada para dividirmos experiências, dores e alegrias.

Possivelmente a lei “do retorno” falhe muitas e muitas vezes, mas podemos ir nos ajustando à vida e funcionando conforme as exigências desta, pois estamos só de passagem.

Desejo a todos que aqui estão, uma vida! A vida do jeito que ela é, cheia de desafios, de incertezas e de imprevistos.

A “lei do retorno” falha, mas que nunca deixemos de acreditar em nós mesmos, no amigo que está ao lado, na providência divina, num amanhã melhor, pois estamos só de passagem. Façamos o melhor que pudermos para que essa experiência que se chama vida não passe em branco, em bege ou em preto: a vida pede cores, criatividade e renovação constante.

6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

Há diversas maneiras de criar listas. Podemos buscar tópicos e preencher com conteúdo encontrado, revisões especializadas e que já foram pesquisados por outros, ou podemos priorizar uma abordagem pessoal e trazer uma perspectiva de indicação como a que fazemos para nossos colegas e amigos mais próximos. A lista abaixo traz 6 séries selecionadas por mim e baseadas em dois critérios únicos: eu as ter assistido e serem realmente indicáveis do ponto de vista qualitativo e psicológico.

O que eu quero dizer com isso é que os tópicos abaixo estão longe de completar todas as séries do gênero. São elas uma coletânea pessoal que deixo como quem empresta aquele livro adorado porque quer que as pessoas queridas passem pela mesma experiência de leitura. Espero que as dicas sejam úteis! 🙂

1- Six Feet Under

(essa é a única que não está no Netflix, mas vale a busca em outras redes)

Apesar de não estar no catálogo da Netflix, não há como falar em séries que abordam a complexidade do comportamento humano sem mencionar com louvores Six Feet Under  (A Sete Palmos ou Sete Palmos de Terra). A série, criada por Alan Ball e produzida pela HBO, certamente é uma das séries de maior aprofundamento psicológico dos personagens que já foi produzida. Ao longo de 5 temporadas, conflitos familiares, de orientação sexual, racismo, religião, escolhas de vida e, principalmente, a relação do homem com a sua própria morte são apresentados com excelência. Detalhe, a família que é o centro de toda a trama é dona de uma casa funerária.  Se você não tiver tempo de assistir mais nenhuma série e tiver que escolher entre todas, que seja essa!

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

2- Bates Motel

Psicólogos e amantes da psicologia ficarão com os queixos caídos ao acompanham  a relação entre mãe e filho nessa série que mostra a juventude de Norman Bates, o personagem principal do filme Psicose de Alfred Hitchcock. A relação simbiótica e sexualizada, a privação social…um verdadeiro tratado de psicanálise.

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

 

3- Lie to me

(Atualmente fora do catálogo Netflix)

“O personagem principal, Dr. Cal Lightman (interpretado pelo ator Tim Roth), é auxiliado por sua parceira Dr. Gillian Foster (Kelli Williams), que juntos detectam fraudes, observando a linguagem corporal e as Micro expressões faciais, e usam esse talento para assistenciar na obediência às leis com a ajuda do seu grupo de pesquisadores e psicólogos. O personagem Dr. Cal Lightman é baseado em Paul Ekman, notável psicólogo e expert em linguagem corporal e expressões faciais.”- Wikipédia

Não dá para negar que o trabalho do protagonista no reconhecimento  das linguagens corporais é exagerado para padrões hollywoodianos, entretanto a série nos faz pensar a cada minuto no quanto nós deixamos de observar como deveriamos todas as mensagens que são transmitidas por nossos interlocutores. Só isso já faz valer, mas para além disso, a trama é deliciosa. Infelizmente a série foi cancelada e parou na terceira temporada.

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

4- Dexter

(Atualmente fora do catálogo Netflix)

“Baseada na obra de Jeff Lindsay, “Darkly Dreaming Dexter”, a série tem como protagonista um especialista forense em amostras de sangue, que trabalha para o Departamento de Polícia de Miami.

Ele também é um assassino serial que mata as pessoas que a polícia não consegue prender. A dupla identidade tem de ser escondida de todos, incluindo sua irmã e companheiros de trabalho.” Minha Série

A série Dexter tem uma fórmula e os capitulos giram em torno dela. É necessário ter estômago para acompanhar o comportamento de assassinato e esquartejamento que ele realiza com as vítimas. Para o espectador a maior riqueza está em ver com clareza como o funcionamento cerebral e julgamento moral de um sociopata é diferente. A pegada hollywoodiana, muitas vezes, nos leva a sentir empatia com relação ao personagem- fato, porém, questionável.

Quem assiste tem seus valores morais colocados em cheque o tempo todo.

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)

5- Mad Man e

6- Breaking Bad

Categorizo as duas séries, com enredos distintos, mas com comportamentos que levam o espectador à aspectos comuns….

“Em ambas vemos um protagonista amoral que faz o que quer e sem peso na consciência para atingir os objetivos almejados.  Enquanto em Mad Man, o publicitário galã abandona a família, vive na riqueza, bebe, não vai ao trabalho e troca de mulheres (descartando as anteriores), sem nenhum escrúpulo; em Breaking Bad, Walter, o protagonista, cria um laboratório de metanfetamina para conseguir dinheiro rapidamente e prover a família antes que morra de uma doença grave que o aflige e que, teoricamente, justifica seus atos. Embora em ambos os casos haja algumas cenas de aparente consciência parcial, elas são sempre infinitamente menos relevantes que a busca do prazer imediato e realização dos desejos. Quem segue Breaking Bad, por exemplo, percebe o prazer que o professor sente ao assumir o poder, ao ter sua fórmula reconhecida pela qualidade e ao “dar as cartas” em tudo o que segue fazendo.

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)
Mad Man

 

contioutra.com - 6 séries para quem gosta de Psicologia e comportamento humano (5 você encontra na Netflix)
Breaking Bad

Ao assistir cenas de séries assim, o espectador projeta em seus personagens a possibilidade de fazer o que bem quer  e sair-se bem ao mesmo tempo em que não tem que lidar com a consciência de usar pessoas ou mesmo sentir culpa. Afinal, em algum momento vimos Walter sentir real remorso por fornecer drogas e destruir vidas com isso?

No fim, a projeção está relacionada com a não admissão ou aceitação de sentimentos  e comportamentos tidos como “menores” em si mesmo, sejam eles egoísmo, ciúme, traições, ambição, indiferença ao próximo. Sendo assim, ou eu culpabilizo ou admiro um outro pelos desejos que na verdade existem dentro de mim.”- Falo mais sobre isso aqui.

É isso, pessoal. Espero que alguma dessas indicações gere boas horas de entretenimento.

Nota final adicional: Existem outras dezenas de séries que poderiam ser mencionadas (Criminal Minds,The Mentalist , Hannibal, entre outras) mas há uma em especial que vem se revelando incrível no que se refere a crítica social e comportamento humano: é Black Mirror. No final de cada episódio, em frente a televisão, encontramos um telespectador embasbacado.

Prestem atenção, ainda, em títulos como 13 Reasons why, e Atypical, que foram adicionados posteriormente ao catálogo Netflix.

A Poesia é um lugar de encontros. Da mediação do impossível.

A Poesia é um lugar de encontros. Da mediação do impossível.

Há certamente em cada livro, em cada texto, uma ideia principal e outras adjacentes. Creio neste princípio. Que por vezes é um título, uma palavra, uma expressão, uma insignificância ou outra coisa qualquer.

A literatura é enquanto expressão humana da ideia de beleza e harmonia, um jogo no seu sentido etimológico, um jogo de signos, significados e referentes, um jogo de símbolos como o é a linguagem, portadora da esperança de comunicação entre os seres.

E todo o jogo (o ludo) é assim; a ilusão da verosimilhança, o escondermos algo enquanto agentes ativos (escritores) para que o leitor (agentes passivos) o descubra.

Com ativos e passivos apenas pretendo referir uma categoria que embora à primeira vista possa ser distinta, na verdade não o é, porque o leitor reescreve o livro que lê a partir da leitura pessoal e intransmissível que dele faz, a partir do seu grau de conhecimentos, a partir do seu afeto e emoção, a partir do seu distanciamento inicial, a partir do seu espanto de descobrir, página a página, o seu cerne, aquilo que os ingleses designam “core”.

Ora, para que a comunicação efetivamente resulte através dos textos entre o emissor e o receptor é necessário que o receptor entenda (e sinta), os códigos linguísticos emitidos. E é aqui que o crítico como agente mediador, conhecedor da técnica ou técnicas utilizadas bem como da história e da crítica, literárias, deve intervir no sentido de “iluminar” a substância do texto.

Que autores há no texto e de que forma são revelados explicitamente ou de forma implícita, através de epígrafes, indicações claras, modos obscuros, interrogações, é a matéria sob a qual gosto de questionar um texto poético. Compreender é apreender o movimento, caminhar lado a lado com o texto, de acordo com as suas dúvidas e propostas.

Por outro lado o texto é orgânico, vivo corpo violento de sede e fogo, mutável assim mesmo, e embora os seus limites se delimitem através do que diz e através da forma ou do gênero como o diz, essa sua marca de água, regenerativa, evanescente, revela-se a partir das leituras que dele fazemos, sempre outras, diversamente outras, no contexto tridimensional do registo humano no universo; tempo, espaço e perspectiva.

E é então este estar em perspectiva, dentro e fora do texto enquanto privilegiada testemunha, a escutar as ligações que no mesmo florescem, a tarefa atenta e impossível da mediação; um lugar de encontro(s), um lugar de amor.

Hirondina Joshua é uma autora moçambicana que tive o privilégio de “conhecer” através das plataformas digitais enquanto ainda preparava o lançamento do seu primeiro livro de poesia entretanto já lançado; “Os ângulos da casa”.
Aqui se falará brevemente desta obra.

Com prefácio de Mia Couto e patrocínio da Fundação Fernando Leite Couto, de apoio às primeiras obras de poetas moçambicanos, este livro é um excelente indício de uma autora com uma linguagem própria e inimitável como bem refere Mia Couto no seu sensível e emotivo prefácio, pois “a poesia já estava nela”.

Comecemos pois pela estrutura do livro uma vez que o mesmo poderá dividir-se em três partes, cada uma com uma singular epígrafe pelo que esta breve crítica seguirá o mesmo modelo, a partir de uma epígrafe geral de Fernando Pessoa, sustentada pela ideia de viagem com uma versão errática da autora.

Assim, a primeira parte do livro com a epígrafe de Eduardo White, não por acaso um excelente poeta moçambicano de referência, revela a casa (ou a alma) como território onde afluem as memórias e completam o círculo da existência; vida e morte.

Porém, esta casa é uma casa interna, a alma, um lugar edificado onde o corpo habita com os seus sentidos, daí os percebidos ângulos (através da visão), isto é, os espaços compreendidos entre a arquitetura dos materiais e das linhas que compõem a estrutura da mesma, sendo esta uma forma inteligente do sujeito poético se interrogar a si mesmo.

Este aspecto socrático de auto conhecimento percorre a primeira parte do livro pelo que a autora utiliza verbos sensitivos (ver, sentir, pensar) e substantivos relacionados com a estrutura material da casa (sala pequena, quartos, escadas, parede, varanda, aréola).

A interrogação e a inquietude do sujeito poético, reconhecendo-se e desconhecendo-se nos “ângulos da casa” e a partir dos mesmos, sob o método de observação revela igualmente uma poesia perto da sua maturação.

Devido à economia desta crítica breve destaco apenas dois poemas de entre os demais, embora a homogeneidade percorra todo o livro; poema 3 (página 15) ou o poema da página 21.

A segunda parte do livro (páginas 25 a 66) com epígrafe de Mia Couto traduz a ideia de lugar, onde a casa ou a alma, habita.
E este lugar povoado de sensações, memórias, descobertas, indagações, conduz-nos enquanto leitores para uma geografia africana, “o alto-mãe que há em mim” porque “minhas primeiras letras foram o céu e o chão”.

Esta convocação ao universo natural lembra-nos por vezes Manoel de Barros sem o sentido disruptivo e transgressor da sua poesia quanto ao significado.

Hirondina Joshua nesta segunda parte da viagem fixa precisamente esse lugar através dos elementos naturais; “planta, sol, vento, flor” onde a sua alma (a sua casa) se fixa na medida dos afetos e memórias; “visto na epiderme a gestação nua da raça”.

A terceira via ou viagem inicia-se com uma epígrafe de Herberto Helder que nos diz que as casas são rios fulgurantes que silenciosamente caminham para algo que não existe “como uma secreta eternidade”.

Veia, pulmão, medula, boca, carne, mandíbula são substantivos que refletem um sentido orgânico à última parte desta viagem poética e naturalmente convergem e divergem do poeta epigrafado num despojamento do seu sentido.

Veja-se por exemplo o poema (página 82) que começa assim; “encheram as mãos e as cabeças” cujo sentido se inscreve na lógica de representação herbartiana, belíssimo poema que fere e nos convoca para a dor do mundo “…as mãos sanguinárias eram limpas”.

E plenamente a viagem conduz-nos a uma cerimônia simples de iniciação através da palavra e do signo como instrumento para se ser e se estar.

Em resumo, trata-se de uma primeira obra cuja coesão e heterogeneidade trazem ao universo da poesia, uma outra forma de respirar.
Termino com o poema que fecha e abre o livro.

“Quando digo céu
abre-se um céu diante de mim
a fala abre-se diante do céu
eu abro-me na fala.
Quando digo céu
algo transforma-se em céu
sem eu me aperceber
fico céu
e neste espaço largo
não consigo me perceber outra coisa
nem coisa alguma;
logo: estou um céu.
Digo céu
e torno ao início:
início com um sol
depois pego no outro astro.”

César Pires 2016

O surpreendente sabor do inusitado

O surpreendente sabor do inusitado

Inusitado. Você chegou aguçando todos os meus sentidos. Alguns deles, nem sabia que existiam. Veio falando sobre sonhos e de um mundo que não é faz de conta. Mostra, a cada gesto, o universo a ser contemplado pelos nossos sorrisos. É irresistível não pensar na possibilidade de um querer de dois. Poderia ter sido um simples convite, mas você fez questão de abrir novos horizontes para um coração sedento por quero mais.

O inusitado surge daquilo que, mesmo inconsciente, desejamos. Seria uma espécie de chamado ao mundo, onde depositamos toda a reciprocidade que carregamos. Ele, por sua vez, resolve retribuir da forma mais sincera o carinho confiado. Se isso não é um sinal claro da comprovação quase espiritual do gosto doce que a vida tem, então já não há mais nada a ser vivenciado no tempo adiante. Você é desses sabores raros. É essa luz visível e calorosa que não deixa dúvidas sobre um viver mais sereno e cristalizado.

E desde que nos encontramos, qualquer possibilidade de negação caiu por terra. Nessa dança mútua de prazer e admiração, somos os sortudos perante outros relacionamentos que pecaram por não conseguirem trilhar a mesma intensidade. O gosto deles é amargo enquanto o nosso destila o equilíbrio de quem sabe aproveitar os mais diferentes sabores.

De hoje em diante, você soma num eu antes inconformado por essa falta de taticidade para arrebatamento e respeito. Mas isso é passado. Aqui estamos, errantes e dispostos a entrarmos em estado de amor. Porque o surpreendente sabor do inusitado veio com você e duas colheres, uma de calmaria e outra de tempestade.

INDICADOS