Prece de gratidão ao ano velho e boas-vindas ao Ano Novo!

Prece de gratidão ao ano velho e boas-vindas ao Ano Novo!

Imagem de capa: Captain Yeo, Shutterstock

É a tua hora, bravo e velho ano que chega ao fim. Vai em frente, humilde e honesto, tu que já foste amanhã, ocupar teu lugar nos dias de ontem. Nós seguimos daqui, curiosos quanto ao que virá, gratos pelo que passou. Agradecidos por conta ou apesar dos doze meses que nos deste um depois do outro, cumprindo honrosamente o calendário combinado.

Para muitos de nós, foste um tempo severo, duro, violento. Esses te querem longe. Outros terão saudade de teus dias longos, teus escândalos, teus instantes insanos e tuas horas mansas, teus encontros e desencontros, tuas angústias e esperanças – esses te guardarão na lembrança com carinho.

Acontece é que agora, tanto para quem te quer distância quanto aos que te encerram afeto, é tempo de despedida. Adeus, ano velho! Vai-te adiante, reencontrar tuas horas, teus dias, tuas semanas e teus meses numa só lembrança.

Vai com os braços escancarados, em festa. Vai rever tuas trezentas e sessenta e cinco manhãs, arder de saudade boa no solzinho de tuas tardes, sonhar esperanças em tuas noites. Elas te esperam cantando em coro, afinadas como velhas cantoras, as canções que enfeitaram teus dias e amansaram tuas dores. Vai te juntar a tua gente em algum bar recendendo alegria numa confraternização amorosa, celebrando teus momentos como obras-primas.

Vai tranquilo, goza sem medo a sensação saborosa do dever cumprido. Honraste teu prazo, trouxeste-nos à porta de teu irmão mais moço e cá estamos, caminhando juntos até o futuro ali em frente. Agora é conosco. Cabe a nós apertar o passo e enfiar a cara nos dias e tardes e noites que virão, como quem avança para uma multidão de rostos desconhecidos.

Uns sorrirão simpáticos, outros esbravejarão. Mas que importa? Eles virão por nós. Vamos a eles com fé, sem medo. Vamos de passos firmes, coração amoroso e mãos estendidas. As mesmas que agora te acenam em despedida emocionada, agradecida. Adeus, ano velho. Apesar de tudo, obrigado!

Agora é tempo de celebrar o que vem. Bem-vindo, Ano Novo! Que em teus dias a bondade arrebente os muros de crueldade e picuinha e se espalhe a todo canto. Que o trabalho seja franco, a comida seja farta e a saúde, exuberante! Que as águas transparentes da justiça lavem a lama que nos emporcalha. Que o amor nos toque fundo e nos leve mais alto.

Assim, voando sobre as cabeças rasteiras e as intenções daninhas, chegaremos sãos e salvos até o ano seguinte, e o outro, o outro, o outro e tantos outros mais até quando Deus nos permitir. E que seja assim para sempre.

Adeus, ano velho. Feliz Ano Novo!!

Ano que vem eu vou…

Ano que vem eu vou…

Imagem de capa:   Artemeva Juliya, Shutterstock

Ano que vem eu vou…

Nossa lista de desejos para todo ano novo quase sempre é gigantesca e quase nunca compatível com a realidade.

Se olharmos com cuidado, veremos que muitas vezes a soma de todos os itens representa a não aceitação de nós mesmos. E é exatamente aí que mora o perigo.

Não queremos apenas descolar um emprego mais bacana, emagrecer alguns quilos, parar de fumar, parar de beber, viajar mais, conhecer um grande amor, ganhar mais dinheiro, aprender a tocar piano ou uma nova língua, mudar de país. Queremos nos tornar outra pessoa.

Para dar conta de nossas listas irreais ao pé da letra teríamos que nascer de novo, ter outra família, outra educação, outra cultura, outros traumas, outros medos, outra conta bancária, outras vivências.

É claro que é bacana traçar metas, fazer planos, ter objetivos claros do que queremos e do que não queremos mais. No entanto, se esses objetivos e planos não estiverem alinhados com a realidade, o efeito colateral será apenas a frustração.

E quanto mais frustrações acumulamos, mais paralisados nos tornamos. E quanto mais paralisados nos tornamos, mais nos convencemos de que não temos jeito, de que somos um caso perdido. E quando nos convencemos de que somos um caso perdido, o que fazemos? Passamos a nos auto sabotar para fazer a manutenção dessa velha crença.

A auto sabotagem nos rouba toda a alegria, a energia, a fé, a esperança e a coragem que sentimos na noite de réveillon. Quando nos damos conta estamos em Junho e não fizemos nem a metade do que nos propusemos. Bate uma sensação de fracasso, um desânimo e vontade de dormir até o ano acabar.

Que tal fazer diferente este ano, se propor a uma lista de desejos menor e mais realista? Que tal, em vez de dez radicais mudanças de hábito, investir com afinco em apenas uma, a maior e mais importante delas? Que tal aprender a priorizar?

E que tal incluir nessa lista:

1. Ser mais flexível e menos exigente consigo
2. Aprender a dizer “não”
3. Aprender a ouvir “não”
4. Aprender a se perdoar pelos erros cometidos
5. Vencer um grande medo
6. Dar menos importância para a opinião alheia

Lembrando que de nada adianta usar a cor certa de calcinha (ou cueca) no réveillon se no restante dos dias o pedacinho de pano for tirado para qualquer um (a).

E que venha o ano novo! Que tenhamos todos saúde, lucidez, amor-próprio, autoconhecimento, poder de superação, coragem, entusiasmo, fé, discernimento, intuição, abundância, otimismo, beleza, afeto e prosperidade para dar e vender.

A maturidade não está nas aparências

A maturidade não está nas aparências

Imagem de capa: Stefano Cavoretto, Shutterstock

Não adianta usar terno, gravata e sapatos italianos se for para fazer birra quando for contrariado, usar o seu poder para diminuir os outros por não estar disposto a tratar da própria insegurança, dar berros aos quatro cantos porque está “de lua” e, neste caso, a ética não vale um chiclete embaixo da mesa.

Há muitos por aí que pensam que maturidade é deixar ou forjar os cabelos brancos, deixar a barba crescer – mas sempre muito bem estilizada -, usar salto alto – mas andar com classe -, vestir certos tipos de roupa e outras amenidades mais. Há quem pense que maturidade e gostar de jazz em vez de rock, é não fazer “brincadeiras”, é reprimir a própria criatividade para seguir certos padrões de comportamento, é casar e ter filhos a qualquer custo mesmo que ainda não tenha encontrado alguém com quem realmente desejasse assumir essa responsabilidade, é postar fotos de viagens à Europa e não usar emojis nas conversas.

Há muita gente por aí que confunde ser maduro com ser ranzinza ou pouco autêntico. Acontece que ser ranzinza não é exclusividade dos “maduros”, nem ser autêntico é qualidade dos jovens e, consequentemente, imaturos nesse raciocínio raso. Abster-se do lúdico na vida, dos gostos próprios, do “ser si mesmo”, para seguir uma cartilha militar de comportamentos fúteis, guarda-roupa e rituais não é, de forma alguma, tornar-se maduro.

É curioso observar que dentre as pessoas que mais emitem discursos superficiais sobre como ser para ser considerado maduro, muitas delas estão sofrendo de crise de identidade, e, não obstante, são quase em sua totalidade as que menos demonstram maturidade em suas ações.

Atitude, isso sim é o que determina o quanto uma pessoa é madura ou não. Não está no modo de vestir, não está no modo de falar, não está nem mesmo no modo de pensar exclusivamente, mas no modo de agir e se colocar diante do mundo e diante dos outros.

Maturidade não é qualidade de quem pretende viver sozinho, de quem se isola do mundo literalmente ou figurativamente. Figurativamente, quando a pessoa age como se ela fosse o centro desse mundo que habita e não enxerga os outros, não pensa nos outros, não tem responsabilidade, não tem ética, não tem empatia. Nem eremita nem egoísta.

Maturidade tem a ver com saber viver coletivamente, saber levar as coisas com serenidade, decidir com sabedoria e saber que está sujeito a errar como qualquer outra pessoa. Tem a ver com não querer carregar o mundo nas costas, porque sabe que é pequeno demais para isso, mas também não se isentar em fazer sua parte, porque sabe que compõe um todo maior do que a sua individualidade.

Com isso, não se obriga mais a ser como os outros esperam que seja, nem deixa de se questionar se poderia ser melhor em comparação a si mesmo. Ser maduro tem a ver com refletir sobre as críticas, em vez de simplesmente ignorá-las, filtrar o que serve e o que não serve, sem “neuras”. Por outro lado, também tem relação com saber criticar, sem destruir o outro ou aponta-lo coisas que são questões de gosto e que, logo, em nada poderão contribuir para o crescimento alheio.

Na cultura da superficialidade em que estamos inseridos há muitos que destilam seus venenos, criticando hábitos corriqueiros e insignificantes em seu aspecto coletivo, como se estes é que fossem determinantes para uma pessoa ser considerada adulta, coisas como: você é adulto se tomar café em vez de achocolatado, se preferir uma torradinha light com azeite e manjericão a um sanduíche monstro do trailer da esquina ou um belo sorvete cheio de cobertura. Não pode brincar, não pode gostar de festa temática, não pode curtir fantasias a não ser que sejam sexuais, porque, afinal, o lazer do adulto se resume ao sexo.

Tanta cretinice nos faz girar em torno de uma ansiedade absurda em cumprir este código de aparências para ser aceito socialmente em vez de nos atermos à mudança substancial do nosso posicionamento diante da vida. Todavia, é possível encontrar em muitos livros sobre o desenvolvimento cognitivo e afins, que a fase da vida em que um indivíduo tenta se encaixar em determinados grupos de forma superficial, seguindo os padrões do grupo de vestir, seus rituais e hábitos de consumo, se chama adolescência. E, paradoxalmente, apesar da nossa cultura ser intrinsecamente adolescente – não pelo fato de pessoas mais velhas adotarem estilos teen de vestir,por exemplo, mas pelo comportamento e funcionamento social generalizadamente adolescente -, pobre dos adolescentes: ninguém os suporta, justo eles, que estão exatamente na fase de ser como são! Roubaram-lhes o lugar…

Às vezes eu penso que essa repressão ao lúdico, ao autêntico, à profundidade, à criatividade (para fins de viver e não para trabalhar em uma empresa conceituada, por exemplo, porque tem disso também…), nos coloca em um ambiente denso, duro, onde não há espaço para leveza. Por conseguinte, essa falta de leveza se converte em ódio, se converte em violência, se converte em agressividade e ignorância.

Se as pessoas não enxergam umas as outras para além dos padrões sociais que são impostos e logo se julgam mutuamente, cegos da realidade, imersos em uma fantasia perversa na qual todos são personagens uns contra os outros, onde o outro nunca será um igual, mas um rival, nada mais natural do que convivermos diariamente com a violência sob formas cada vez mais sofisticadas e mesmo abstratas.

Se não há vazão para nossas emoções, todas elas, inclusive a raiva, a frustração e tantas outras pequenas angústias que passamos cotidianamente, através de um meio lúdico, simbólico, leve, então, elas vazam de outra forma: através de discussões, de ataques, de trapaças, de intolerância, e por aí vai.

Um jogo de paintball não faz mal a ninguém, nem jogar “pokemon”, muito menos soltar pipas; enviar emojis então, nunca ouvi dizer em como isso afeta negativamente a economia, aumenta a corrupção, dissemina a ignorância ou incita guerras. Nada disso torna uma pessoa automaticamente irresponsável, nada disso significa que ela vai deixar de fazer o que é necessário para viver, que não respeitará aos outros, que não respeitará as leis, etc.

Da mesma forma, uma pessoa também pode gostar de viajar para Europa, adorar seus sapatos italianos e preferir xadrez a videogame. Tudo bem, essa pessoa também pode ser responsável, ética, bacaninha da vida. A questão é apenas que: não existe um perfil, um estereótipo que assegure o que é ser maduro, o que é ser adulto, o que é ser humano com os outros. Não existe uma aparência única para isso. Ser maduro não é uma questão de gosto.

A maturidade pode estar presente nos mais diversos modos de viver, de comer, de vestir, de pensar, de ser. Como a ética, uma de suas principais parceiras, ela exige o exercício da observação e do convívio para ser tanto identificada, quanto desenvolvida. Você só saberá se uma pessoa é madura ou não, se ela é confiável, se ela é responsável, se ela é capaz, quando a ver diante de uma situação extrema, difícil, angustiante, e então puder vislumbrar como ela lida com isso.

Você só saberá se uma pessoa é madura quando conviver minimamente com ela e tiver o olhar livre de estereótipos, para poder enxerga-la de fato. Ademais, você só estará sendo presa das aparências, o que é um sinal de imaturidade de épocas anteriores até mesmo à adolescência. Se pegarmos, por exemplo, Piaget como referência, uma pessoa nesses termos, no sentido moral ao menos, seria como uma criança que se encontra no estágio de desenvolvimento cognitivo pré-operatório.

É provável que as pessoas verdadeiramente maduras estejam pouco se lixando para o que os outros pensarão delas se participarem de uma guerra de travesseiros ou gostarem de soltar bolhas de sabão. Sabem que das consequências que tais ruídos terão, estas serão as de menor importância na prática. Às vezes precisamos de um café forte e outras de um sorvete lambuzado de chantilly. Às vezes o som mais agradável para o momento pode ser um indie rock e outras vezes é Chopin. Existem situações que pedem uma roupa social e outras que casam melhor com chinelos e óculos escuros.

Saber que existem coisas que se auto excluem e outras que podem conviver perfeitamente no mesmo âmbito sem nenhum prejuízo por isso; saber que existem mais de duas possibilidades para tudo na vida, que os extremos nem sempre são os melhores lugares; coisas dessa natureza, difíceis de se colocar na prática porque exigem mais do que uma reprodução de ideais; saber como lançar esse abstrato construído pelas experiências para intervir no concreto – isso sim, é uma questão de maturidade. De resto, não passam de amenidades.

“Quer conhecer o caráter de uma pessoa? Dê a ela algum poder.”

“Quer conhecer o caráter de uma pessoa? Dê a ela algum poder.”

Imagem de capa: Kl Petro, Shutterstock

A Síndrome do Pequeno Poder é um transtorno de comportamento individual que mina as relações sociais e pode esfacelar qualquer chance de estabelecimento de convivência, em detrimento da satisfação de um indivíduo arrogante, autoritário e abusivo.

Pessoas acometidas por essa Síndrome costumam ter auto estima extremamente prejudicada, sendo levadas a ter a necessidade de humilhar o outro na tentativa de cessar um sentimento de menos valia. Diminui-se o outro para se sentir maior.

Esses indivíduos costumam viver inseridos em ambientes dentro dos quais não encontram lugar, sentem-se inferiores e, por causa disso, reagem agressivamente contra qualquer um que possa representar o mínimo questionamento à sua “autoridade”.

Autoridade é um bem que se conquista. É fruto do reconhecimento a uma habilidade desenvolvida, a um esforço empenhado, a um desempenho de papéis que explicita a competência. Autoridade depende da anuência do entorno.

Já o autoritarismo é outra coisa. É a instauração de um poder à força. É a atitude agressiva que busca subjugar o outro. O autoritarismo nasce da incompetência, da falta de recursos para administrar conflitos.

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Lidar com uma pessoa tomada pela Síndrome do Pequeno Poder é dificílimo. Essas pessoas têm uma enorme dificuldade em estabelecer limites de convivência. Uma vez que ela tenha enxergado no outro uma ameaça ao seu suposto poder, ela não medirá ações ou modos para fazer valer a sua ilusória “autoridade”.

O poder verdadeiro emana do saber. Quanto mais sabemos sobre algo mais poder teremos sobre isso. E tudo o que estiver envolvido nesse saber depende do caráter ético e moral de quem o possui. Depende. Depende da importância social daquilo que se sabe, do que vai ser feito com esse saber; depende, ainda, de como e com quem esse conhecimento será partilhado.

As relações de poder na atualidade constroem-se a partir de uma rede complexa de relações. O modelo de hierarquia sólida, que já funcionou tão bem em outros momentos históricos anteriores, hoje não funciona mais. Ainda bem! E o indivíduo com visões distorcidas de poder não conta com recursos para perceber e gerir essa mobilidade.

O conhecimento foi incrivelmente democratizado, graças ao desenvolvimento tecnológico. Qualquer pessoa, dotada da capacidade de ler e compreender o que lê, tem acesso a uma infinita variedade de informações, sejam elas relevantes ou fúteis. Nunca foi tão fácil satisfazer uma curiosidade ou interesse de aprendizagem sobre o que quer que seja.

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Esse acesso aberto ao conhecimento, no entanto, exige de nós uma dose muito maior de responsabilidade. Hoje precisamos ser agentes das decisões tomadas. O nosso fazer político, por exemplo… de nada nos adianta ter o poder de eleger nossos representantes se ainda teimamos em escolhê-los de forma irresponsável.

Pensando numa esfera institucional menor que o Estado; uma empresa, por exemplo. Em qualquer empresa, ainda que vigore uma estrutura de cooperação, alguém precisa estar em uma posição de mediador das relações; precisa haver um líder que seja responsável por garantir que haja organização, equilíbrio e produtividade. Sem uma liderança que prese por valores e pelas necessidades coletivas, instaura-se o caos.

E, uma vez instaurado o caos, todos ficam à deriva. O individualismo é o caos. Cada um pensando nos próprios interesses é o caos. A nossa natureza exploratória gerou o caos, numa crise ambiental sem precedentes. De tanto brincarmos de algozes, acabamos vítimas de nossa própria ambição desmedida.

Estaria tudo perdido? Não haveria salvação para nossa “raça humana”? Há. E ela está em nossas mãos, mais concretamente do que nunca esteve. Precisamos entender o que representa exatamente esse tamanho poder. Precisamos ressignificar o nosso papel nas relações com o outro e com o mundo.

O poder é necessário para impulsionar mudanças, para vencer obstáculos. Sua natureza é de cunho transformador. O que vai modular esse poder é o caráter de quem o exerce. E não importa se o autor do comportamento abusivo é um líder de governo, o segurança da balada, o pai de família ou um parceiro de trabalho. O abuso precisa ser detido.

O abusador é alguém que faz mau uso do poder que tem, ou imagina ter. E, não raras vezes a única forma de fazê-lo parar é garantir que ele não tenha nenhuma chance de sequer pensar que pode mais que os outros. Nenhuma relação interpessoal pode basear-se em posturas de dominação e exploração. Infelizmente, em muitos casos não adianta insistir, porque para falta de caráter ainda não inventaram remédio. Nem adianta procurar no Google!

O maravilhoso agora

O maravilhoso agora

Fotografia por KIVILCIM GÜNGÖRÜN

Sonhei que o tempo não era mais medido. Que os seus silêncios não necessitavam mais serem impedimentos para um agora mais preciso e afetuoso. Sonhei que preconceitos haviam sido esquecidos e que partilhávamos dos mesmos laços de respeito, admiração e querer. Sonhei que antes da noite terminar existia um dia inteiro para abraçarmos quem queríamos. Sonhei até que, nesse mesmo dia, todos deixamos de lados os egos individuais para darmos lugar aos quereres coletivos.

Sonhei que a morte não era mais temida. Que finalmente reconhecemos a beleza dos inícios a partir dos finais infelizes. Sonhei que não decidíamos mais quem mereceria ter qualquer tipo de poder sobre a vida do outro e que a brevidade do viver era motivo de alegrias. Sonhei que vivíamos muito. Sonhei que aproveitávamos o presente sem essa preocupação exaustiva do amanhã. Sonhei até que, nesse mesmo dia, todos fomos liberados para amar em profundidade e não em quantidade.

Sonhei que o dinheiro não era para segregar. Que os frutos dos trabalhos feitos não tomavam dias a fio e que tínhamos oportunidades semelhantes em como escolhermos a melhor forma de passar o resto de nossas vidas. Sonhei que os países não traçavam linhas de diferenças, mas que incentivavam territórios de comunhão. Sonhei até que, nesse mesmo dia, todos deixamos portas e janelas abertas, pois o crime não compensava. Acenar para os vizinhos num fim de tarde era tradição das mais esperadas.

Sonhei que a religião não era para discutir. Que a fé de cada um encontrava lugar nos corações mais dispostos ao complemento de quem quer apenas sentir paz e conforto, e não caos e divisão. Sonhei que não precisávamos distinguir o certo e o errado porque, para nós, o único caminho que importava era o da verdade. Sonhei até que, nesse mesmo dia, todos saímos correndo nas ruas para recitarmos poesias.

Sonhei que o maravilhoso era agora. E é.

Desapega, vai !

Desapega, vai !

Imagem de capa: g-stockstudio, Shutterstock

Muitas vezes, cegados por nossos egos inflados, não percebemos que podemos estar VICIADOS EM SOFRIMENTO. Que a nossa vida não vai para frente por não permitirmos. Estranhamos a simplicidade, o bem-estar e a prosperidade. Desapegar, pois, é preciso!

Possivelmente um dos maiores desafios do homem moderno seja desapegar-se. Nos fizeram acreditar que se apegar – ao máximo possível! – é necessário, é o mais seguro, é o normal.

Então, “naturalmente” nos apegamos à opinião/aprovação alheia, e acabamos por viver sem conhecer a nossa própria verdade. Apegamo-nos demais aos nossos parceiros, e esquecemos de alimentar o amor próprio. Apegamo-nos à aparência, e deixamos de lado o desenvolvimento do nosso “conteúdo”.

Apegamo-nos excessivamente ao dinheiro, olvidando que as coisas mais importantes não podem ser compradas. Apegamo-nos aos status para somente depois – muitas vezes tarde demais – nos darmos conta de que, na verdade, o que vale mesmo é a nossa realização.

Mas, certamente, o apego com potencial para ser o mais desastroso de todos é ao SOFRIMENTO. Podemos levar uma vida inteira para perceber que, se não prosperamos, não evoluímos e não nos realizamos como gostaríamos, foi porque estávamos ancorados no sofrimento.

Podemos até ter dado passos importantes para frente – ao melhor estilo “agora, vai!” –, mas sempre acabávamos voltando para trás, pois nossa vida ficava vazia sem sofrimento algum. Era estranho, não nos reconhecíamos. Não sabíamos viver sem esse sentimento, por mais absurdo que isso possa parecer…

Quando o EGO toma as rédeas da nossa vida, ele pode tornar o sofrimento um vício, não permitindo que vejamos muito além do nosso mundinho infeliz. Ele, então, nos aprisiona em ressentimentos, em desejos sem fim e na necessidade de pleno controle.

O caminho certo nos parece ser o mais difícil, por não aceitarmos que o nosso sofrimento seja tão insignificante (e efêmero).
A SIMPLICIDADE, então, surge trazendo a libertação do nosso ser. Desapegar do sofrimento pode traduzir a nossa CURA, de modo global.

De que forma, então, se desapega?
Simplesmente SOLTANDO. Deixando ir. Abandonando, um a um, os sentimentos e os padrões de comportamento que levam ao sofrimento.

É claro que, como certamente eles nos acompanham há anos, será necessário permanecer atento. Depois de soltar, precisamos, por um tempo, ser disciplinados e fazer forte vigília para eles não voltarem, o que é muito fácil de acontecer, afinal, já se sentem em casa e, nós, com eles familiarizados.

Devemos nos apegar, pois, apenas à nossa LIBERDADE. Livres de amarras, vícios e padrões, daremos espaço para o bem-estar, para o amor e para a prosperidade, tão inerentes a nós, por mais incrível que pareça…

Desapega, vai!
Mas desapega mesmo!
E desapega para sempre!

Detox emocional: uma limpeza da alma

Detox emocional: uma limpeza da alma

Imagem de capa: Maridav, Shutterstock

Todo fim de ano é aquela velha história: o ano que vem será diferente. E, então, o novo ano surge e tudo continua completamente igual, inclusive, a sua promessa de que no próximo ano tudo será diferente (embora, bem lá no fundo, você saiba que não será).

A resposta para esse insucesso, na maior parte dos casos, não está no outro, na crise, ou na eleição do novo presidente da Indochina. A resposta está em você, em mim, em nós. Está na manutenção dos nossos velhos hábitos em uma vida que se pretende nova, na acomodação em tempos que dizermos ser de mudanças.

Assim, talvez o que estejamos precisando para que o ano seja realmente novo, seja um detox emocional, para tornar a nossa alma livre de todos os grilhões que a impedem de voar.

Para começar, uma coisa óbvia: a vida é curta e é uma só. Essa constatação, apesar de evidente, parece nos passar despercebida, afinal, vivemos de maneira degradante, como se a finitude não fosse motivo suficiente para buscarmos ser felizes por nós mesmos verdadeiramente.

Por falar em felicidade, uma das principais fontes de felicidade que existe (ou deveria existir) é o nosso trabalho. Entretanto, quantos de nós realmente gostam do que fazem? A maior parte das pessoas passam pela semana de forma avassaladora, se pudessem, viveriam em um eterno “FDS”, regado a belos anestésicos que os façam esquecer da vida de merda que levam e de que segunda-feira, o dia maldito, está chegando e terão que mais uma vez passar pela horrível semana de trabalho.

Confesso que viver assim beira a idiotice, mas é assim que vivemos. Poucos possuem a coragem de trabalhar com o que realmente gostam, de viver seu sonho, ao invés de passar os dias, as semanas e os anos desnutrindo a sua alma. A vida precisa de coragem, portanto, saia da zona de conforto e se arrisque. Se não gosta do seu emprego, procure outro, volte a estudar, revisite os seus sonhos juvenis, às vezes precisamos desse frescor para renovar os ânimos e espantar o medo.

Não deixe que os olhares acusadores de uma sociedade hipócrita e triste te impeçam de correr atrás daquilo que arde em você, seja você jovem ou mais velho, pois todos nós somos constituídos das mesmas coisas: sonhos.

Muito embora, sejamos acomodados na vida profissional, parece-me, que somos ainda mais nas relações interpessoais. Quantas vezes nos submetemos a relacionamentos que em nada nos agregam somente por preguiça de buscar novos ambientes, conhecer novas pessoas e iniciar novos relacionamentos (em que sentido for)?

Preferimos ficar com aquela ideia prisioneira de que todo mundo é igual, de que vamos apenas nos desgastar e no fim das contas tudo será como antes, etc. Entretanto, isso não é verdade, uma vez que nada na vida pode ser determinado com exatidão axiomática.

A vida é composta de vivências e experiências, de modo que só saberemos se será diferente, se tentarmos. Do contrário, continuaremos presos em relacionamentos superficiais, usurpadores, degradantes, por acreditar na ideia simplista e cômoda de que todo mundo é igual, o que, trocando em miúdos, quer dizer que nós não somos merecedores de amizades e amores que nos façam crescer e nos sentir infinitos.

A conversa está muito bonita e tudo mais, entretanto, é preciso ressaltar que nós somos os vetores da mudança, de modo que detectar os problemas é fácil (todo ano nós fazemos), difícil mesmo é arregaçar as mangas e tomar as rédeas da própria vida. É deixar de viver conforme o padrão e a vontade alheia, para ser o que você é, sem máscaras e fingimentos.

Quebrando a cara, mas vivendo, afinal, triste é chegar ao fim da vida e descobrir que não viveu. Deixe tudo que te faz mal de lado: seja o trabalho, pessoas, opiniões, a bela, recatada e do lar chamada “sociedade”; e viva a sua vida do seu jeito, trilhando o seu próprio caminho, já que o caminho certo é o que te leva para junto de você e, consequentemente, te faz feliz.

Livre-se da preguiça, do comodismo, da insegurança e do medo infernal de falhar, porque é muitas vezes na queda que enxergamos a vida de um jeito diferente e passamos a nos “rebuscar”.

Como disse o velho Bukowski: “A vida pode ser boa em certos momentos; mas, às vezes, isso depende de nós”.

Sendo assim, mais do que prometer um ano diferente, devemos pensar no quanto concorremos para o que queremos mudar. Então, perceberemos que a chave da mudança está dentro de nós, e que somente buscando-a conseguiremos abrir a porta da felicidade.

No fim das contas, a grande pergunta que devíamos fazer é se no ano que se encerra, fizemos de tudo para alcançar a felicidade, porque é a resposta a essa pergunta que sintetiza o tamanho da mudança que devemos fazer para que o novo ano, enfim, seja diferente.

Não precisa ser a primeira vista, mas precisa ser amor…

Não precisa ser a primeira vista, mas precisa ser amor…

Imagem de capa: Ditty_about_summer, Shutterstock

Diferente da sociedade atual em que o desapego é visto como prioridade e a quantidade melhor do que a qualidade, na literatura, o amor sempre teve seu lugar de destaque. Cada escritor foi único em seu modo de expor o mais nobre dos sentimentos e em descrever as diferentes reações que ele provocou nas vidas e nas emoções das pessoas.

Ao falarmos de amor, o primeiro conceito que temos na história de literatura é do filósofo Platão (428–347 a.C), em sua obra O Banquete: (…) “O amor é a busca da beleza, da elevação em todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo”, afirmava Platão na obra em forma de diálogo, onde elementos mitológicos predominavam na tentativa de se explicar o amor.

Na Literatura Inglesa, temos Shakespeare que em seu mais famoso romance, Romeu e Julieta, definiu o amor de forma triste e agonizante: “Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira”.

Na Literatura Portuguesa temos duas fortes referências sobre o tema: Eça de Queiroz e Camões. Ambos com suas visões românticas diferentes, marcaram gerações. Enquanto Camões emocionou o mundo com seu soneto contraditório e, por que não dizer,a mais perfeita definição do amor: “Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói, e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer.

Eça de Queiroz em “O primo Basílio” escreveu sobre o tema de uma forma direta e objetiva: “Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil”.

Como se pode perceber, o amor como tema da história revela-se extremamente diverso. Cada escritor expôs o que sentiu. Fato! Todavia, devemos considerar a parte filosófica nas obras e atentar ao caráter teórico desses conceitos, uma vez que o sentimento descrito nas obras não é apenas romântico, mas serve, também, como divulgação de uma ideologia, de uma doutrina, de um objetivo.

E, hoje, como se definiria o amor? Em uma sociedade tão “desapegada” de sentimentos, o amor é para os raros. Poucos são os que entendem que amor é construído e não uma paixão avassaladora que irá acabar no próximo fim de semana. Amor não acaba com futilidades e ou com diferenças literárias. Amor,meu amigo, simplesmente, não acaba! Amor é reciprocidade, respeito, carinho.

E, para os que acreditam na rotatividade de relacionamentos como prioridade de felicidade, relembro um grande pensamento de Balzac: “É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.”

Por que a dor conecta mais do que o amor?

Por que a dor conecta mais do que o amor?

Imagem de capa: Vitaly Titov, Shutterstock

A dor é sentimento que não se compartilha. A solidariedade se aproxima da dor para ficar juntinho, oferecer seu carinho, não deixar a solidão se aproximar muito. Mas a dor é de quem a abriga. Ninguém quer sentir dor, mas ela vem. Ninguém quer a dor do outro, mas quer estar por perto, consolar, aguardar o alívio.

A dor conecta as pessoas mais do que a amor. Talvez porque o amor caia nas teias da desconfiança. Talvez porque o amor se apresente contagioso, divisível, enciumado, egoísta, tirano, inseguro…

O amor tenta ser compartilhado de vários jeitos, mas não encontra tanta e tão rápida adesão quanto a dor. Vê-se um movimento muito mais agregador em torno da dor. A dor amolece os corações. O amor, nem sempre. A dor evoca a generosidade. O amor, nem sempre. A dor cria heróis e mitos. O amor, nem sempre.

Que medo é esse que se tem do amor? Dizem que as pessoas se afastam do amor para evitar a dor. Mas, depois recorrem a ele para aplacar a dor. A dor de outro, mas ainda dor.

A dor que machuca e faz sofrer em um, inspira amor e solidariedade em outro. O amor que anda disponível e faminto por aí não interessa a um nem a outro. É bonito de ver, e só.

O mundo é muito louco mesmo. Quanto mais dor, mais amor. É por ela que ele se conecta.

A pergunta que fica é: Por que a dor conecta mais do que o amor, se o amor é capaz de evitar tanta dor?

Se despedir bem é mais importante do que impressionar ao se apresentar

Se despedir bem é mais importante do que impressionar ao se apresentar

Imagem de capa: Anastasiya Shylina, Shutterstock

As primeiras impressões são fortes, reveladoras, mas não são nem de longe as que ficam. O convívio muda tudo, rearruma, bagunça, junta ou despedaça.

A imagem de um primeiro encontro é, sem dúvida, lembrança de cor mais nítida, mas cabe aos encontros seguintes alimentar ou deixar morrer a primeira impressão.

E, afinal, a gente vê o que está sentindo na ocasião. A gente acessa o que tem disponível no momento. Não é uma postura ou uma palavra que nos darão o juízo de uma apresentação, e sim como estamos receptivos ou não ao novo que está sendo apresentado.

Se apresentar bem é um excelente começo, mas realmente é só o começo, e o caminho é tão longo quanto profunda pretende ser a relação.

Agora, as despedidas… Quase sempre deixam tanto a desejar, tanto a resolver, tanto a perguntar. E ao contrário de uma chegada, a despedida é intenção de um final, um rompimento.

Poucas são as pessoas que incluem despedidas dignas nas suas vidas. Menos ainda são as que fazem desse ultimo contato, um ato cordial.

Por que as catarses, desabafos, verdades contidas, humilhações e revelações são guardadas para as despedidas?

Por que deixar uma impressão tão desapontadora ao sair de uma vida? E, pior, por que não levar em conta um possível arrependimento? Como engolir tantas palavras e agressões depois de ditas e lançadas?

Se despedir bem não é para qualquer um. Implica em olhar nos olhos e prestar justificativas, ainda que desconfortáveis; obriga a encarar mais uma vez quem não se quer ver nunca mais; ordena que as ofensas sejam caladas e faz com que se deseje um futuro melhor a quem não foi um bom presente.

Mas essa é a boa e a verdadeira despedida. Fora disso, somente tentativas infantis de deixar borrões na vida alheia.

2017 – ano que exigiu da gente coragem

2017 – ano que exigiu da gente coragem

Imagem de capa: Katya Bonart, Shutterstock

2017, eu não sei que dança maluca de astros foi essa, mas é fato que 10 de 10 pessoas que eu pergunto como foi o ano respondem algo como: tenso, denso, intenso.

Parece que nesse ano a vida pegou pesado com a gente, exigindo aprendizados e evoluções, pedindo que cumpríssemos lições antigas, que entendêssemos um pouco melhor nossa missão, que fechássemos ciclos e nos reinventássemos.

Aqueles velhos desafios, aquelas provas que a gente deixava pra depois, aquele contato com o nosso profundo que não ousávamos ter, desculpando-nos com a falta de tempo e com o acúmulo das tarefas importantes da vida, neste ano não tivemos como prorrogar de novo. A vida foi incisiva: evolua logo pessoa de Deus! Agora é a sua verdade ou o mundo te atropelando.

Ano que exigiu da gente coragem: os mais humildes tiveram que aprender a impor limites, a falar não, a amar mais a si próprios, a expressar opiniões, a mostrar a voz.

Como nunca, o mundo precisou ouvir os que têm a alma mais serena e andaram se escondendo nas sombras dos grandes egos.

Também exigiu coragem dos mais vaidosos e imodestos: esses tiveram que aprender a ouvir, a flexibilizar suas verdades, a ver que tudo é relativo.

A vida deu tantas chances, muitas vezes nada fáceis, mas as possibilidades de crescimento estavam aí. Muita gente empacou no espaço sem forma entre as mortes de hábitos e personalidades e o renascimento de si mesmo. Mas a vida estava aí disposta a ajudar nessa evolução, pelo amor ou pela dor. Algumas pessoas tiveram coragem de atravessar os próprios desafios.

Ano de tantos lutos este, de fechamento de ciclos. Feliz de quem, apesar das lutas, das dores, das mudanças inevitáveis e difíceis, escolheu sair do casulo e borboletar-se, e experimentar as novas asas. Feliz de quem se descobriu, despiu e libertou. Feliz de quem perdeu um pouco a noção do próprio umbigo e desenvolveu um olhar mais consciente para o íntimo.

2017 nos pediu para sermos rápidos, foi curso intensivo sem férias, foi o agora ou nunca pra tanta coisa.

O universo político deu tantas voltas e reviravoltas, e teve gente que começou a perceber que antes de revolucionar o mundo, precisamos revolucionar a nós mesmos. A micropolítica despontou mais forte, as atuações nos pequenos grupos, como cidadãos, como entidades dividindo este planeta com tantos outros seres, como a importância de olhar para fora da própria bolha de proteção e fazer o que se pode no seu metro quadrado de existência.

Foi o ano do salve-se quem puder, e quem sacou que primeiro deve-se colocar a máscara de oxigênio em si mesmo, pôde ajudar melhor ao próximo, quem aprendeu a autoconectar-se e parou com a corrente elétrica de sugação energética, termina o ano de alma lavada.

Quem parou de buscar no outro e no mundo complementos para o próprio vazio e percebeu que as fontes são internas, evoluiu.

2017 foi um ano de passagem, foi escuro, mas com o vislumbre da luz no fim do túnel, teve gente que preferiu parar no meio do caminho, fechar os olhos e se agarrar nas paredes daquilo que já não são mais. Outros, no entanto, estão colhendo os frutos de suas coragens, acompanhando a dança de um mundo que se transforma por completo.

Ano do desapego, que gerou grandes dores mas também grandes libertações porque nos empurrou mais pra perto da nossa própria verdade essencial.

O que carregamos dentro da gente

O que carregamos dentro da gente

O que carregamos dentre da gente é muito mais. Não cabe em poucas palavras e sentimentos em metades. É algo parecido com a emoção do primeiro passo, da primeira felicidade compartilhada ou do primeiro gozo de amor. Não enfraquece, estagna e, muito menos, desaparece. É suspiro de vida pela manhã. É imersão de intensidade noite adentro. O que carregamos dentro da gente faz de nós seres breves, complexos e autênticos. Não somos sonhadores loucos, mas condutores do “de hoje em diante”.

Se o mundo gira conforme a natureza do universo, o que carregamos dentro da gente é a essência infinita dos astros. Carregamos amor porque escolhemos. De suas mãos acolhedoras, tiramos um todo que nos impulsiona, que nos modifica. Não encontramos um fim sem um começo. Não tiramos o pé sem entregarmos inteiros. Não desperdiçamos declarações sem endereçá-las apropriadamente. O que carregamos dentro da gente faz de nós seres urgentes, ativos e verdadeiros. Não somos amantes inconsequentes, mas transportamos carinhos necessitados de motivos.

Se a vida é um jogo de aparências, o que carregamos dentro da gente é a transparência de quem não nunca teve habilidade para jogar. Carregamos sinceridade porque não sabemos ser diferentes. Benditos os abraços apertados, os beijos molhados e as peripécias entre quatro paredes. Não fingimos prazer para agradar os indispostos. Não dividimos momentos sem estarmos presentes de corpo, alma e poesia. Não deixamos pontas soltas sem uni-las por um propósito. O que carregamos dentro da gente faz de nós seres ímpares, simples e atentos. Não somos impróprios para multidões, mas estamos ligados através de sensações que somam.

O que carregamos dentro da gente não tem nome. Não precisa tê-lo. Definições também passam longe de expressarem, com exatidão, essa força exponencial que levamos em sorrisos, desejos e conhecimentos. O que carregamos dentro da gente é um sinônimo a ser conjugado por gestos, dia após dia, independente daqueles que não enxergam os benefícios desse transbordar sereno, doce e excitante. O que carregamos dentro da gente? Tudo. E ainda assim, tudo é pouco.

Fotografia por Sarah K. Byrne

O que você mudaria em sua vida?

O que você mudaria em sua vida?

Imagem de capa:  Alona Slostina, Shutterstock

Quando ouvi essa pergunta pela primeira vez, estranhei. Achei profunda, obtusa e incisiva demais. Intrusa demais. Nunca quis que nada fosse diferente. Tudo parecia perfeito. Analisei a interrogação por mais (longos) cinco minutos e respondi com uma arrogância contundente: Nada. Calei.

O silencio é, muitas vezes, desafiador. Pode significar consenso, dúvida, discordância, concordância, indiferença, importância, dor, satisfação, surpresa, tolerância, intolerância e pode também não significar nada.

Naquele momento eu só queria me livrar do peso da resposta. Normalmente uso o silêncio quando não quero causar conflito. Naquela noite, em mais um bate-papo de bar, não queria nada profundo. Só mais uma conversa fiada regada a doses de alegria. Nada precisava ser intenso ou íntimo naquela noite. Mas algo deu errado.

Caminhei ate o metrô repetindo a pergunta sem parar. A resposta insistia em calar-se. O cérebro tem o hábito e o fascínio de nos deixar sempre em nossa zona de conforto. Mas naquela noite, não.

O trajeto ate a estação Consolação tornou-se longo demais. Desviei a rota. A vantagem da Avenida Paulista é que ela nos possibilita oportunidades diversas em todas as esquinas, assim como a vida.

Parei em um café. Uma breve pausa como fazemos às vezes de nós mesmos. Foi ai que algo aconteceu. Da janela do café observei um estranho que estava deitado na rua. Tinha os cabelos anelados, barba mal feita e olhos (intensos) e azuis. Vestia uma calça jeans surrada e furada. Não calçava sapatos nem vestia camisas ou camisetas. Ele passava a mão no cabelo de forma calma e olhava para o nada. Fiquei a observá-lo por quase vinte minutos como uma criança encantada com o brinquedo favorito.

O que será que ele pensava? Qual sua história? Qual o som da sua risada ou timbre da sua voz? O que desejaria mudar na sua vida? Perdi-me nesses pensamentos e só retornei a realidade com o toque (inoportuno) no celular. Uma distração e ele foi embora como alguém que executa um trabalho e segue adiante. Voltei à questão inicial.

Paguei a conta e sai na esperança de encontrá-lo ou de achar a resposta para a fatídica pergunta. Nem uma coisa e nem outra. Nunca mais encontrei aquele homem. Confesso que penso nele todas as vezes que atravesso a Paulista. Será que ainda vive? Penso quais seriam seus medos e em que mundo perdeu sua alma quando olhou para o vazio de forma tão suave. O que ele ainda desejaria para sua vida? Alguns questionamentos ficarão sempre sem respostas.

Quanto a mim, pensei por meses sobre a pergunta. Debatíamos em mesas de bar, em conversas intermináveis via Whatsapp quando a insônia insistia em fazer amizade mesmo sendo uma intrusa indesejável.

Por fim, conclui que todos temos algo que gostaríamos de mudar, em determinados momentos. Às vezes um emprego, um relacionamento, a casa onde moramos, a cidade… Sempre haverá algo que nos motive a caminhar e buscar a tão sonhada felicidade. É natural.

Mas acredite, a felicidade sempre estará dentro de nós; por mais que a insistência em buscá-la fora persista, ela sempre estará em nosso coração esperando ser acesa como o interruptor de uma lâmpada que necessita ser acionada. E só assim, perceberemos sua existência em cada detalhe, muito próximo de nós, como um estranho de cabelos anelados, barba mal feita e olhos azuis que afaga os cabelos com ternura e leveza.

Os vilões que nos apontam caminhos. Gratos por eles!

Os vilões que nos apontam caminhos. Gratos por eles!

Imagem de capa:  javi_indy, Shutterstock

Tem gente que sem saber nos faz enorme bem. Sem querer, literalmente. A intenção poderia ser das piores, disfarçada de uma ironia, um toque de covardia… Era para machucar, marcar, carimbar.

Mas, para quem sabe como a banda toca e, ao invés de reclamar do barulho do bumbo, aproveita para dançar, pega a intenção no ar e já a transforma em vantagem para não cair de novo na mesma armadilha.

A ação dos vilões vem sem avisar. De repente, num encontro, o jogo começa e, num lance bem rápido, já está lançada aquela afirmação, a pergunta camuflada de inocência, as reticências que deixam lacunas para a imaginação preencher.

Isso é coisa que pega qualquer um de sobressalto. Os rápidos já reagem e devolvem a jogada; os prudentes analisam; os sensíveis sofrem; os raivosos rebatem.

Mas o que não se pode negar é a experiência conquistada com esse momento tão insuportável. No final das contas, alguém tentando nos fazer perder o rebolado, acaba mostrando caminhos que jamais pensaríamos se estivéssemos nos deleitando na zona de conforto. O momento é sempre ruim, mas o depois é ótimo!

Esses vilões que se nutrem do desconforto alheio, tentam ocultar o seu próprio desconforto de maneira muitas vezes velada, fingida, disfarçada. Noutras, com atitude rude, debochada, irônica.

A tentativa de dar a rasteira vem com tudo, mas, como toda força que,disparada em potência máxima não encontra nenhum obstáculo que a retenha, a tentativa de derrubar também perde força e razão quando não recebe o que esperava de retorno.

Os vilões que apontam caminhos são tão úteis quanto tolos, e, para eles, nossa inteira gratidão pelo tempo dedicado ao nosso aprendizado.

E, se a carapuça serviu, customize do seu jeito e reveja as atitudes! Somar é sempre melhor do que dividir.

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