A gente não ama todo dia do mesmo jeito

A gente não ama todo dia do mesmo jeito

Imagem de capa: Kar Tr/shutterstock

Muito se engana quem acha que o amor segue o mesmo ritmo, a mesma teoria e os mesmos sentimentos todos os dias, como algo imutável. Tem dias em que o amor é aquele abraço que nos sufoca; em outros, o amor vira aperto de mão e a saudade cede lugar para o silêncio.

Tem dias em que o amor é jantar a dois com direito àquela música que faz o coração da gente disparar, mas tem dias em que o amor vira pão com mortadela, sem direito a uma tubaína para acompanhar. Há dias em que o amor é 24 horas; em outros, nem 5 minutos. Às vezes, o amor tem cara de “quero passar o resto da minha vida com você”, mas há dias em que o amor vira um “me dá um tempo”.

É assim mesmo, a gente não ama todo dia da mesma forma; tem dias em que o amor é furacão; outros, tempestade, que logo vira calmaria e nos abrigamos no abraço do outro. O amor também é cara feia, assim como é sorrisos de criança que acabou de ganhar um brinquedo. O amor é bonito, mas tem dias em que é feio, daqueles que a gente não quer nem olhar, não quer nem sentir.

Tem dias em que o amor é aquela nossa música preferida, que a gente não cansa de dar replay; em outros, ele vira aquela melodia que enjoamos de tanto ouvir. O amor é brigadeiro, mas também é chá de boldo; às vezes é doce demais, às vezes é amargo.

Há dias em que o amor é aquele sofá em que deitamos no final de um dia cansado. Há dias em que o amor vira aquela cadeira do escritório em que não aguentamos mais ficar. Machuca as costas, dói o pé e precisamos de um descanso.

E, quando entendemos que o amor não é a mesma coisa todo dia, entendemos que amar vai muito além de apenas sentir amor. É preciso saber perdoar quem nos machuca no final de um dia cansado, é preciso saber que não querer conversar hoje não significa desamor.

O amor é bonito, é leve, mas há dias em que o amor vira tempestade e a única coisa que importa é se abrigar nos braços um do outro no final de tudo. Amor também é renúncia, é saber que, naquele momento, querer despejar palavras duras não irá ajudar em nada e que o silêncio, talvez, seja a sua melhor resposta. E, mesmo não amando todo dia do mesmo jeito, a gente sabe: a gente ama cada vez mais.
*Texto inspirado em trecho de autoria de Fernanda Mello, sobre o amor.

O pior tipo de estranho é aquele que um dia a gente tanto conheceu

O pior tipo de estranho é aquele que um dia a gente tanto conheceu

O tempo passa e muitas coisas mudam, quase nada permanece igual. Tudo o que a vida traz modifica as pessoas, os ambientes, os sentimentos. Nesse girar, ganhamos experiências, sabedoria, acumulamos momentos, no entanto, também perdemos e deixamos para trás.

O passar dos dias vai nos modificando, ressignificando o mundo à nossa volta, reordenando os nossos sentimentos, ajustando o que se encaixa e desarticulando o que não cabe mais. É por isso que, não raro, pessoas de quem já fomos íntimos ontem poderão muito bem amanhã já não nos significarem mais nada.

Quantos amigos de infância ou de adolescência já não se tornaram distantes? Quantos amores que pareciam eternos hoje nem se dignam a um aceno de cabeça? Porque a gente muda as prioridades e, nesse ritmo, acaba percebendo quem fica e quem tem que sair. Quem é para sempre e quem nunca foi nem um dia todo.

Algumas pessoas sairão de nossas vidas com tranquilidade, enquanto de outras nos separaremos em meio a tempestades, lágrimas e decepções. É natural vermos gente indo viver a própria lá longe, porém, nunca estaremos preparados para ver partindo, a contragosto, quem morou num lugar especial, bem dentro de nós. Difícil ter que sufocar, abafar os sentimentos, quando o foco de nossa estima fica andando pra lá e pra cá, sem a gente.

Será uma viagem dolorosa que atravessaremos, enquanto nos despimos de toda e de qualquer afetividade em que tanto apostávamos, inutilmente, nutrindo e regando amor em terreno infértil. Ex-amores, ex-amigos, que um dia tão caros nos eram, de repente terão que passar por nós como meros desconhecidos. Antes próximos, agora estranhos – e a gente morre um pouquinho por dentro. Mas passa.

Não estaremos livres de nos decepcionar com as pessoas, tampouco conseguiremos evitar que se decepcionem também conosco. É impossível agradar a todos e muito do que esperamos receber nunca chegará. Algumas pessoas se tornarão estranhas em nossas vidas, portanto, mantermos nossa integridade e nossos princípios intactos é que nos ajudará a não nos tornarmos estranhos para nós mesmos, porque isso, sim, seria imperdoável.

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Somos muitas metades no meio de poucos inteiros

Somos muitas metades no meio de poucos inteiros

Imagem de capa: Breslavtsev Oleg, Shutterstock

Não tá fácil, não. Somos uma geração de muitas metades no meio de poucos inteiros. Concentramos esforços demais para desfazer laços e para questionar afetos. Perdemos um tempão discutindo um jeito melhor de vivermos, mas quase não colocamos em prática aquilo que achamos merecer.

Tenho visto, e não é de hoje, o quanto depositamos maldizeres aos que não ficaram. O quanto, nos piores dias, desejamos resultados negativos para todos que não concordaram com algo que sentimos e dissemos. Parece que estamos cada vez mais imersos numa onda de egoísmos e solidões. Nada é suficiente quando olhamos para os lados. Temos essa sensação constante de vazio, mesmo que estejamos cercados por outros. E a dor é ainda maior no momento em que reconhecemos diferenças e desuniões.

Hoje, querer reciprocidade virou um mantra diário. Mas quantas vezes, por livre e espontânea vontade, demos em troca esses gestos incalculáveis? Será que precisamos tanto pedir algo que deveria vir assim, sinceramente? É quase como se apontassem um amor na nossa cara e dissessem, ame-o ou ame-o mais. Quer dizer, será que não percebemos que inteiros são inteiros justamente por não agirem tal qual metades?

Amor não funciona sob pressão. Amor funciona em formato de escolha. O que é recíproco, também é livre. Não invade, viola ou escancara. O que quer que seja que aprendemos até o presente sobre inteiros, acredito que estávamos errados. Ainda somos metades. E metades no meio de poucos inteiros, não funcionam, não existem e, tampouco, amam.

Tem gente blefando com você? Pague para ver

Tem gente blefando com você? Pague para ver

Imagem de capa:  211743697/shutterstock

Pode demorar muito tempo para se descobrir um jogador, um apostador que se diverte e lucra com a confiança alheia. Ele aposta na boa fé, na consideração que recebe, na ausência de dúvidas quanto à relação de confiança.

E blefa sem piedade, planta situações, sugere outras, vai moldando a realidade de acordo com sua vontade. Então, em dado momento acontece a desconfiança, a lógica grita e pede atenção!

-Tem gente blefando comigo. Tem gente me cozinhando em banho maria, me guiando para um lugar que não desejo ir, para uma vida que não quero ter.

O jogo não é gritante e escancarado. O jogador estuda muito antes de começar as apostas. Quem blefa o faz olhando nos olhos, assertivamente. É difícil de não acreditar. Exige o que mais tememos: O senso crítico com quem não queremos sequer contrariar. O afeto protege o apostador da desconfiança que ele merece ser submetido.

Ao se deparar com um apostador, tenha cuidado. Ele fará qualquer coisa para garantir a vitória do que quer conquistar.

Desconfia de um blefe? Pague para ver. Se decepcione, descabele, desiluda, perca fichas, mas corte a sequência de blefes e jogadas. O blefe é um péssimo indicador. Demonstra como a confiança pode ser manipulada e usurpada.

A não ser que o jogo seja mútuo e de comum acordo, sempre haverá prejuízo, perda, decepção.

Não tenha medo de pagar para ver. Tenha medo sim de aceitar como verdade o que é apenas um blefe irresponsável. O jogador não se importa com o valor do que se apropria e destrói. Se para ele é um jogo excitante, jamais enxergará a lista de prejuízos causados.

E sem essa de defender o jogador. Fazemos muito, até demais. Tentamos inutilmente clarear e maquiar as intenções de quem, cedo ou tarde se revela. Boas intenções e jogadas manipuladoras não ocupam o mesmo espaço.

Na dúvida, se preserve. Haverá sempre um jogo justo a se jogar, cujo objetivo não seja derrubar o outro. Desconfiou de um blefe? Pague para ver, encare. Defenda suas fichas!

Ele não virá em um cavalo branco te encontrar…

Ele não virá em um cavalo branco te encontrar…

Imagem de capa: JakawanTH/shutterstock

Quantas vezes não temos aquela sensação de que estamos pensando demais e realizando de menos? Idealizamos, planejamos, sonhamos, criamos uma projeção da pessoa ideal que gostaríamos de ter ao lado.

O resultado disso é que na vida real passamos a descartar todas as pessoas que não são aquilo que idealizamos.

E sabe quando será possível encontrar alguém exatamente como você busca? Nunca! Menina, preciso te contar um segredo: o amor da sua vida não virá em um cavalo branco, mas provavelmente surgirá de uma maneira desajeitada e o seu primeiro pensamento será não saber que aquela pessoa é alguém que, fora do seu mundo ideal, pode te fazer muito feliz. Alguém que pode te mostrar que sair dos planos é divertido e muito melhor do que você imaginava.

Inicialmente, é provável que você não concorde que está pensando assim, mas acredite sempre que buscamos alguém dizemos estar muito abertas a conhecer novas pessoas. E geralmente, não estamos! Ficamos nesse processo de criar defeitos e buscar perfeição. E acredite, não há ninguém perfeito. E se existisse, já pensou que chato alguém agindo com perfeição? Pensou que chato nunca ser surpreendida? Nunca ver algo legal que você nunca imaginou em uma pessoa? Pensou que mundo mais entediante não poder pegar no pé do outro tirando sarro das manias dele?

Quantas vezes não planejamos uma viagem, programamos tudo o que vamos fazer com antecedência, criamos um roteiro, e tudo sai conforme planejado e você fica com a sensação de que foi bem legal, mas faltou algo. Sabe o que faltou? O inesperado! Os imprevistos! Quantas vezes aquela viagem de última hora não te fez voltar com a sensação de que foi a mais divertida da vida?

No amor não é diferente! O amor é construído a partir do que você não esperava e te agradou. É construído nas imperfeições que você passa a achar engraçadas. É feito de gente de verdade, que erra, acerta, erra de novo, conserta! Nossa trajetória da vida é assim e não podemos achar que alguém vai tornar a vida algo estável.

Entenda de uma vez por todas que o previsível é chato! É monótono! Se abra para novas aventuras e nelas você encontrará pessoas incríveis, umas ficarão com você por um tempo e de repente não estarão mais lá, outras estarão com você e você não vai querer que elas estejam, até que uma hora vocês dois vão querer ficar, estar, parecer, ser.

E então minha amiga, você pare e me conte: esse alguém é como você sempre sonhou? Tenho certeza que não! Então, é uma grande perda de tempo idealizar alguém, porque é muito provável que o improvável aconteça! E te faça muito feliz!

O amor não consiste na ausência de conflitos, mas na habilidade de lidar com eles.

O amor não consiste na ausência de conflitos, mas na habilidade de lidar com eles.

O amor não é sinônimo de ausência de tempestades, é um equivoco pensar que o amor não tem lá os seus dias ruins. Nesses dias em que a gente está exausto do trabalho, dos problemas e das discussões desnecessárias, o amor é a capacidade de ser abrigo, quando tudo parece ser vendaval.

O amor é aquele chocolate quente em um uma manhã fria de inverno, é quando dispomos do nosso tempo para acolher a dor do outro, ainda que tudo pareça corrido demais em nossas vidas.

Amor é sobre preparar o jantar, esquecer-se de colocar sal na comida e rir disso, como quem prefere pedir pizza. Sem culpados, sem precisar jogar a culpa em alguém, sabe? É queimar as torradas, porque acordou atrasado e dizer que, na verdade, está no ponto, porque sabe que o outro está dando tudo de si.

É quando tudo está dando errado, o seu chefe ergueu o tom de voz com você no trabalho, o cartão estourou, a semana parece não terminar nunca e os problemas insistem em fazer morada. E, então, mesmo tendo coisas para serem discutidas, a gente deixa de lado as cobranças e termina a semana sendo abrigo, fazendo companhia, comprando pão francês na padaria para comer com carne moída, não se esquecendo da tubaína. Afinal, amor também é renúncia.

Amor é sobre quando você tira uma nota baixa na faculdade e precisa estudar muito para recuperar e o outro decide passar o domingo com a cara nos livros junto com você, tomando a matéria, como quem parece entender tudo sobre o assunto, mas, na verdade, só entende o quanto você precisa desse apoio. Amor também é parceria.

É quando as diferenças, depois de um tempo, começam a falar mais alto e você interrompe uma briga com um beijo, como quem diz: “nós não vamos brigar por isso”. Afinal, amor também é sabedoria.

O amor não dá as costas quando o outro não está bem, o amor não foge quando as coisas vão mal. Quem ama é presença, é presente. O amor é sobre aquele tempo que a gente tira no meio do dia para dizer “bom dia”, ou liga para saber se o outro melhorou da gripe e conseguiu dormir bem à noite.

O amor não consiste na ausência de conflitos, mas na capacidade que temos de aprender a lidar com cada um deles, não deixando que o amor acabe por qualquer coisa. Afinal, amor também é luta.

Muitas vezes, a gente mesmo é que ferra com tudo

Muitas vezes, a gente mesmo é que ferra com tudo

Por mais que haja textos, mensagens, livros, por mais que nos ensinem, desde crianças, a tentarmos agir de forma a não semear ventos, ninguém consegue passar a vida sem ferrar com si mesmo, de alguma forma, envolvendo, inclusive, quem mais amamos, nas tempestades que nós próprios criamos. Sim, muitas vezes, nós nos sabotamos, estragando o que estava bom, afastando as pessoas e oportunidades, de maneira exemplar.

E, pior, é que costumamos machucar quem mais confia em nós, quem nos ama e permanece junto de forma clara e verdadeira. Quanto mais próximos somos da pessoa, mais nos desnudamos, mais deixamos vir à tona o nosso pior. Enquanto o vento sopra forte aqui dentro, dizemos o que não devíamos, agimos como não poderíamos, machucando, ferindo fundo, por palavras e ações que raramente se apagarão dos sentimentos alheios.

Quantas vezes não jogamos de volta, agressiva e distorcidamente, o que de mais sincero o parceiro nos ofereceu? Quantas vezes não dizemos aos filhos coisas que ninguém mereceria ouvir, fazendo-os se sentirem um nada? Quantas vezes falamos palavras maldosas de alguém que gosta realmente de nós, enquanto ele não está presente? Parece que estamos pedindo para que tudo vire ruínas, para que saia de nossas vidas quem a torna mais feliz.

Talvez façamos isso porque temos medo de ser feliz, como se esperássemos, a todo momento, que algo viesse a estragar a nossa vida, e então nos adiantamos ao destino, ferrando, nós mesmos, com tudo. Talvez isso ocorra porque temos maior quantidade de munição afetiva justamente em relação a quem amamos e com quem compartilhamos mais verdades. Talvez sejamos odiosos com quem nos ama porque temos a certeza de que seremos perdoados. Vai saber.

Que a gente consiga, enfim, ter cada vez menos medo da felicidade. Que a gente possa sorrir sem esperar que lágrimas venham. Que a gente possa gozar o sucesso sem temer a inveja. Que não fujamos dos tapetes que nos puxam, mas saibamos levantar com dignidade. Que consigamos engolir de volta toda palavra dolorida que teimar em sair junto a quem amamos e nos ama verdadeiramente. Que a gente se sabote cada vez menos, porque sempre teremos alguém que sofrerá junto, porque resolveu andar de mãos dadas. Vivamos!

Todo mundo erra, mas tem gente que capricha nas cagadas que faz

Todo mundo erra, mas tem gente que capricha nas cagadas que faz

Estaremos sujeitos a errar durante nossa caminhada, o que pode ser benéfico. Erramos porque temos a coragem de tentar, de ousar, de sermos aquilo que queremos e de lutarmos por aquilo em que acreditamos. Somente quem não age fica imune aos erros, porém, assim, pouco se aprende, pouco se movimenta, pouco se cresce.

Analisar o erro, para refletirmos sobre a forma como vimos agindo, no sentido de mudarmos as ações que não estão trazendo resultados desejáveis, é uma necessidade, seja na vida, na escola, no trabalho, seja nos relacionamentos vida afora. Termos maturidade suficiente para encararmos nossas derrotas e nelas perceber o reflexo direto de tudo o que fizemos, das nossas más escolhas, de nossa própria semeadura, será o que nos possibilitará melhorarmos a cada dia.

Por outro lado, se nos postarmos como vítimas do destino, do acaso, do mundo em si, tentando nos isentar de qualquer responsabilidade sobre o que nos acontece, nada aprenderemos, ou seja, continuaremos voltando aos mesmos descaminhos, feito um pião que roda em torno de si mesmo. Não assumir a parcela que nos cabe no rumo dos acontecimentos em que nos inserimos significa distanciar-se das possibilidades de recomeço que o amanhã sempre traz.

No entanto, conscientizar-se de que errar faz parte da vida não significa, de forma alguma, que não existam erros inadmissíveis e imperdoáveis. Porque existe quem erre deliberadamente, com consciência, sabendo, no fundo, que está agindo de maneira contrária ao que deve ser feito, como quem trai um amor, quem desvia dinheiro, quem ofende e violenta, quem oferece e recebe propina, quem agride e fere repetidamente. A gente sabe o que é certo e errado, sim, por isso é que muitos erram de propósito – e isso é muita sacanagem.

Agirmos de maneira equivocada, tentando fazer o certo, acreditando no que nos move, na intenção de obter resultados positivos, é algo a que ninguém foge. Felizmente, é assim que a gente aprende a se consertar, a se enxergar e a enxergar o outro. No entanto, pautar suas ações por erros não somente uma, mas inúmeras vezes, é claro sinal de que a pessoa está agindo conscientemente, ferindo princípios éticos porque quer fazê-lo, na maioria das vezes em proveito próprio. Chame-se de egoísmo, de falta de caráter, de burrice, o que for, mas sempre haverá quem capriche nos erros – e quão amarga será sua colheita…

Imagem de capa: Evgeny Hmur/shutterstock

Geração Prozac: O mundo mergulhado em Depressão

Geração Prozac: O mundo mergulhado em Depressão

Imagem de capa:  SHYPULIA TATSIANA/shutterstock

O que é depressão? Apesar dela ser uma doença desoladora, destruidora e terrivelmente incapacitante, atingindo centenas de milhares de pessoas em todo o mundo, em uma escalada assustadora; ainda continua sendo um tabu falar em depressão ou quaisquer tipos de doenças ou transtornos psicológicos.

Há, de fato, muita ignorância no que tange a essas doenças, mas existe também muita falta de sensibilidade e empatia para que as mesmas sejam compreendidas, sobretudo, de acordo com a singularidade de cada um. Poderia ficar horas tentando responder à pergunta inicial, todavia, a melhor resposta que posso oferecer se encontra a seguir:

“Hemingway tem um momento clássico em ‘O Sol Também se Levanta’ quando perguntam para Mike Campbell como ele faliu. Tudo que ele consegue dizer é ‘Gradualmente, e depois rapidamente’. É assim que a depressão atinge. Você acorda uma manhã com medo de viver.”

A frase que define com perfeição o que é a doença é de autoria de Elizabeth Wurtzel, jornalista estadunidense, que em seu livro “ProzacNation” (Geração Prozac), narra as suas experiências com a doença. Enorme sucesso à época, vendendo milhares de cópias, o livro foi adaptado para o cinema pelo norueguês Erik Skjoldbjærg em 2001 com o mesmo nome.

No filme, conhecemos Elizabeth que está entrando em uma nova e promissora fase, já que está indo estudar jornalismo em Havard. No entanto, apesar de um início aparentemente “normal” e tranquilo na sua vida universitária, aos poucos a máscara vai caindo e a realidade da doença retoma a cena com mais força que nunca. O cerne do problema de Elizabeth está relacionado à problemática relação que possui com seus pais, os quais não conseguiram manter uma relação saudável após o término do casamento, afetando psicologicamente a filha situada no meio de um fogo cruzado.
Nessa situação não há como escapar, e ela começa mais uma vez a fazer terapia, embora não acredite que isso possa ajudá-la. E por que não acredita? Porque todos que a rodeiam, mesmo que seja um “especialista”, parecem não conseguir compreendê-la ou estar determinados o suficiente para isso. É como se tudo que ouvisse de quem tenta ajudá-la não passasse de uma repetição interminável de clichês que o seu cérebro já está cansado de escutar.

“ ‘Ouça, todos nós temos dias ruins’. Isso é o que as pessoas dizem quando não sabem mais o que dizer. Droga. Também não sei o que sugerir. ”

Entretanto, por outro lado, nem ela própria consegue se compreender e/ou ajudar as pessoas próximas a entendê-la. Aliás, esse é um traço típico de quem possui depressão (e outras doenças psicológicas), qual seja, a dificuldade de não conseguir compreender o porquê daquilo está acontecendo, já que ninguém quer passar por tanta dor e sofrimento, e ainda por cima, não saber claramente como encontrar uma saída.

A maior parte das pessoas, ao lidarem com situações como a do filme, sentem-se inconformadas, chateadas, cansadas e por vezes até esbravejam por não conseguirem encontrar a raiz do problema e maneiras de solucioná-lo de fato. Evidentemente, estar ao lado de alguém que se encontra com a mente enferma não é fácil, por mais que a pessoa esteja realmente empenhada em ajudar. Escutar aquele “famoso” – “Não sei porque estou assim” – é algo desolador para o coração de quem se vê envolvido na tempestade. Mas, o que muitas vezes é difícil de compreender, é que para quem está bem no centro da tempestade, leia-se, a pessoa com a doença, tudo que sentimos ainda é pouco para o que elas sentem.

Ou seja, para quem está sentindo na pele é muito mais complicado não conseguir entender o real motivo daquilo tudo: da falta de ânimo para viver, da falta de vontade para levantar da cama, da incapacidade de sorrir, do aperto no peito, da insônia sem fim e de tantas outras coisas que é impossível mensurar. Assim como, a depressão vem emaranhada em tantas coisas, que é impossível identificar apenas um problema e encontrar uma simples solução. É algo que acontece, que desencadeia outro “algo que acontece”, e outro “algo que acontece” e quando percebemos estamos como na história de Hemingway – rapidamente caminhando para o abismo, embora quiséssemos que algo mágico acontecesse e acordássemos no outro dia livre de todo emaranhado de coisas ruins indecifráveis, marcadas como “algo que acontece”.

“Se eu pudesse ser normal. Se eu pudesse sair da cama de manhã e tudo estivesse bem. ”

Elizabeth se sentia assim, perdida no meio da sua própria dor, buscando um modo de se comunicar com o mundo, contar a sua dor, pedir ajuda, mas sem conseguir êxito. E ela queria, tentava, mas parece que a cada tentativa, as coisas só faziam piorar e tudo que a cercava desmoronava ainda mais. Uma dor solitária que aumentava o seu sofrimento, porque era como se todo mundo conseguisse seguir suas vidas, apesar dos tropeços e só ela ficasse parada com o rosto no chão.

“ – A maioria das pessoas se cortam, e colocam um band-aid e continuam em frente.
– E o que você faz?
– Eu continuo sangrando. ”

Esse sangramento só chegou ao fim quando ela conseguiu, após quase cometer suicídio, “um tempo para respirar” por meio do Prozac, receitado por sua terapeuta. Tempo para que ela conseguisse voltar a levantar da cama, a escrever, a sorrir e colocar a sua vida em ordem, gradualmente e depois rapidamente. Entretanto, ao recobrar o fôlego, ela, finalmente, conseguiu compreender a sua situação e percebeu que ela não era a única que continuava sangrando. Pelo contrário, ela era apenas um grão, de uma multidão de pessoas sangrando e que, como ela, não sabem o que fazer, recorrendo, para conseguir respirar, ao Prozac.

Sendo assim, a história de Elizabeth é a história da Geração Prozac, dos Estados Unidos da Depressão, porque ela demonstra com clareza o que é estar doente, com a mente doente, com a alma doente; sem saber como encontrar uma saída ou gritar por ajuda. Assim como, encontrar um olhar empático nesses momentos é algo extremamente difícil. Um olhar que busque compreender a situação como algo único, sem comparações e clichês, porque cada dor dói e aflige em um peito. E mostra também que a medicação, para quem realmente necessita (está doente) e não como fuga para qualquer dor, é algo importante para que, como Elizabeth, se consiga um tempo para respirar.

Mas, além disso tudo, e talvez o questionamento mais importante do filme seja: por que vivemos em uma “Geração Prozac”? Por que as pessoas estão sofrendo tanto? Por que elas precisam de um remédio para conseguir respirar? O filme se encerra e deixa o questionamento no ar, e claro, não há uma resposta universal. Todavia, se existem tantas pessoas sofrendo (número que só faz aumentar), algo no nosso modo de vida não deve estar certo e acredito que é esse ponto (ou pontos) que precisamos encontrar para que deixemos de ser os Estados Unidos da Depressão ou em uma tradução livre: a Geração Prozac.

Tudo o que custar a sua paz, sempre será caro demais

Tudo o que custar a sua paz, sempre será caro demais

Imagem de capa: UrmasHaljaste/shutterstock

Salário alto, relacionamento de aparências e vaidade custam mais do que sua alma podem pagar e, passar a vida toda querendo mantê-las, faz você perder o controle da própria vida e entrar em uma frustração surreal.

Estamos sempre atrasados, nunca temos tempo para o essencial e reclamamos de (quase) tudo. A “grama” do vizinho é sempre mais verde, o relacionamento da amiga mais feliz e o trabalho do colega mais interessante.

Nessa rotina de reclamações constantes, buscamos incessantemente duas coisas na vida: a felicidade e a paz, sem entender, no entanto, que os dois sentimentos estão aliados e não tem relação nenhuma com bens materiais, aparência ou relacionamentos.

Não adianta ler todos os livros de autoajuda disponíveis ou buscar profissionais de todas as áreas de saúde para te aconselhar, se você não está disposto a colocar em prática o que aprende. Entenda que, sem a prática, nenhuma teoria funciona.

A felicidade e paz interior não são vendidas em cápsulas e não estão disponíveis nas prateleiras das farmácias. São estados emocionais que precisam ser desenvolvidos a partir do conhecimento da própria personalidade. François La Rochefoucauld: “o primeiro dos bens, depois da saúde, é a paz interior.”

Conhecer-se, saber o que o impulsiona é tão importante quanto respirar. O que te move nesse mundo? Quais são seus ideais? E, o mais importante: o que tem feito para conseguir?

Querer não é suficiente para atingir os objetivos. Você precisa conhecer as causas que motivam seus sonhos e as condições que tem para realizá-los, do contrário, sempre será frustrado e infeliz.

Fernando Pessoa afirmava, em toda a sua sabedoria, que o sucesso de tudo está no agir: “Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

Encontrar felicidade na própria vida, ser grato pelas oportunidades e reconhecer a bondade dos detalhes, faz com que a paz se acomode dentro da alma.

Paz não é algo negociável, que você pode dar como moeda de troca ou que aceite perder com normalidade. A paz interior vale mais do que qualquer dinheiro no mundo. Então, caso seus sonhos estejam norteados apenas em algo consumível, você precisa rever seus conceitos sobre felicidade. Machado de Assis dizia que “o dinheiro não traz felicidade — para quem não sabe o que fazer com ele.” E, convenhamos, ele estava certo.

Paz interior não é fácil de conquistar porque envolve disciplina, perdão e generosidade. E, sim, isso são atitudes difíceis de serem praticadas. É fácil verbalizar o perdão, quando se não foi ferido na alma. É fácil discursar sobre generosidade, quando você nunca precisou dividir seus bens. É fácil falar de disciplina se você desconhece os próprios limites.

Ninguém consegue a paz sem antes passar pelo deserto. Para saber perdoar, você precisa ser ferido. Para ser generoso, você precisa aprender a ser desprendido. E, para ter disciplina, você precisa ser advertido por quem ama. Para Einstein “a paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos.”

Nada vale a nossa paz, nem esse relacionamento que você insiste há anos. Você pode ter encontrado a pessoa dos seus sonhos, estar vivendo um relacionamento digno de Oscar e ela pode ter as qualidades mais admiráveis do universo, se não trouxer paz no coração, acredite, não é para você.

Querer o bem do outro é o jeito mais bonito de viver bem consigo mesmo.

Querer o bem do outro é o jeito mais bonito de viver bem consigo mesmo.

Imagem de capa: Irina Soboleva S/shutterstock

A coisa mais bonita que mora na gente é um desejo vago e sincero de que o outro fique bem. Do nada, olhamos um desconhecido na rua, caminhando com pressa, de manhã cedinho para o trabalho, a expressão preocupada, e a ele dirigimos um voto silencioso, assim em pensamento, de que o dia seja bom, que seu chefe não o aborreça, seus clientes não o chateiem, que a saúde seja franca e o dinheiro seja largo.

Sem mais, queremos bem a quem nem imagina a nossa existência. Daqui de dentro, lançamos a esse estranho um conselho honesto e antigo em segunda pessoa. “Faz tudo certo, meu caro. Vai em frente. Força! És boa gente! Cuida bem dos teus, dá teu melhor que tudo se ajeita!”

Ele nunca vai saber que foi objeto primeiro de uma oração humilde e sincera. Nem imagina que seu caminhar apressado despertou em alguém o que o ser humano tem de mais bonito. Essa capacidade perdida de querer bem a toda gente.

De repente, uma ternura tão grande de um tempo passado nos toma pelo braço e acende uma saudade bonita aqui dentro. Lá fora é tardinha, daqui a pouco será noite e a lua é tão bonita que a gente chora sem mais o quê. Chora com a beleza que não é forma, é sentimento. Ai, como é bonito sentir afeto.

Dentro da gente mora tanta coisa! Tanto sonho, tanta lembrança, tanta saudade. Sentimentos de todo jeito, angústias, medos, alegrias, vontades de toda cor, palpites de toda sorte. Está tudo aqui, morando junto só Deus sabe como, habitando em comunidade um espaço insuspeitado, tudo amontoado como um universo compacto, bruto, esperando a hora do Big Bang.

Quando explode, é ternura pra todo lado, reconstruindo de gentilezas galáxias inteiras. A gente quer mais é que todo mundo se encontre, se respeite e se estime. Deseja com honestidade a alegria de toda gente.

Converso com minha amiga Verônica, que deixou tudo na cidade grande, carreira, amor, família, e mudou sozinha para um vilarejo no litoral da Bahia, trabalhar num hotelzinho, viver com pouco, fazer tudo a pé. Ela me conta que lá o povo se orienta pela lua e a maré, que conversa com os índios e dança forró com os nativos, descalça. Sinto aqui uma ternura tão grande por ela, um desejo tão fundo de que ela seja feliz, que vou sendo feliz também.

Não tem nada mais bonito que essa capacidade da gente se querer bem. Um dia a gente aprende a cuidá-la com apreço. Como crianças descobrindo na escola os fenômenos da ciência, compreendendo que o gelo é a água em estado sólido e a fumaça da chaleira é a mesma água em vaporização, ganhando o céu feito um foguete americano, reaprenderemos perplexos que sentir amor é viver em forma de graça. E que a vida é muito, mas muito melhor em estado amoroso.

Fica aí pensando pensando enquanto eu vou ali viver

Fica aí pensando pensando enquanto eu vou ali viver

Imagem de capa: Irina Soboleva S/shutterstock

É meu querido, há tanta coisa pra se pensar antes de amar, antes de viver. Há tanta coisa pra resolver, pra passar a limpo, pra entender.

Há tantos cálculos a serem feitos – medir a profundidade do mergulho, analisar se vai ser mais uma queda, uma dor, um erro. Há tantas análises psicológicas a serem feitas – será que vai ser mais uma mágoa? Será que estamos preparados? Será que ainda não é cedo demais?

É meu querido, você precisa de um tempo maior para ter certeza, você precisa de mais ingredientes para ter coragem, você precisa de mais compreensão para estar preparado para amar de novo. Mas pode ser que quando, finalmente, você tiver tudo aí na sua alma e coração, o passarinho do amor terá voado, solto, sozinho.

Enquanto você fica aí na beirada desse rio de experiências que é a vida, eu já mergulhei de cabeça e coração, fui até a outra borda, senti se dava pé, te acenei de dentro e passei de fase. Enquanto você fica aí arrumando seus aparatos para se assegurar de tudo, para salvaguardar a sua pele e dos outros (como se fosse um deus, como se isso prevenisse sofrimento), eu já me joguei, cai, aprendi com a dor dos joelhos ralados, aproveitei o vento de liberdade no meu corpo nu, deixei a energia vital transcorrer todo o meu ser.

Ah, se as coisas pudessem ser prevenidas! Ah, se o excesso de cuidado e zelo facilitasse mesmo o nosso caminhar! Ah, se a gente soubesse mesmo encontrar a hora certa de amar, se a vida se abrisse limpinha para que o que é novo pudesse entrar e o que é velho adormecesse em paz!

Mas a vida é roteiro de acasos e sustos, surpresas e imprevistos. Quem cria redomas para si mesmo não anda, não ama, não amadurece. Precisamos abrir janelas para que ventos novos nos sacudam, nos desestabilizem, nos tragam sombras e luzes. E que a gente possa ver, viver, amar de olhos abertos, aprendendo com o que é dor e aproveitando ao máximo o que é alegria. Porque, por essa mesma janelas que entram tufões, chegam doces calmarias.

Que obrigação é essa de querer só fazer escolhas certas? Que jeito de viver é esse que se apega mais aos medos do que à alegria de amar? Que desperdício de vida é esse, que prefere observar de fora, limpinho, sequinho, do que se jogar na lama, na chuva, na brincadeira?

Quando a gente anda e ama e perde os medos, a gente aprende que a nossa bagagem, o que nos fortalece e protege são as nossas experiências. A única forma de libertação é se permitindo participar da dança da vida. Quem vive com coragem, continua caindo e levantando, amando e reamando, chorando e sorrindo, e aprende que tudo é positivo, tudo é crescimento, tudo é transitório e belo. Tudo vem para agregar conteúdo e enriquecer a alma.

O medo já não existe mais, no lugar dele fica serenidade, amor e confiança.

Então, meu querido, segura minha mãe e salta comigo. Tudo o que temos é esse momento divino, tudo o que podemos fazer é aprender juntos e crescer com esse encontro. Tudo o que sentimos transborda nesse presente momento e inunda a vida toda e o nosso entorno.

E que seja intenso enquanto dure!

Quando morre um jovem

Quando morre um jovem

Não há nessa vida nada mais difícil do que aprender a lidar com a ideia de sua inequívoca finitude. Nenhum de nós vai sair vivo dessa jornada, certo? No entanto, somos abençoados psicologicamente com o esquecimento diário dessa fatalidade. E, graças a isso, amanhecemos e anoitecemos ao sabor do tempo que passa… gastamos os dias, as horas, os mínimos instantes, em busca de algum prazer ou fórmula mágica que nos envolva na proteção de uma vida sem grandes desastres.

Traçamos metas; planejamos rotas de fuga; nos blindamos; construímos cercas de afeto; erigimos em nossa própria glória, esculturas de fumaça a projetar nossos sonhos e desejos, na esperança de que um dia eles se concretizem ao sabor das bênçãos de um anjo bem-humorado qualquer.

Vivemos tentando caber nas expectativas alheias e nas nossas próprias. Queremos ser incluídos, nos planos do outro, nos anseios de outro, na idealização do outro. Pagamos caro por uma imagem de normalidade e equilíbrio, parcelas altas de empenho e esforço. E quando não damos conta de tudo isso, sofremos… amargamos uma sensação incômoda e pontiaguda de insatisfação e descabimento.

Alguns de nós chegarão ao fim, só depois de ter sorvido cada um dos minutos passados nesse planeta, com a avidez de um náufrago esquecido em alguma ilha isolada por anos e anos, sem contato físico, sem sentir na boca o sabor de qualquer alimento diabolicamente processado, sem os ruídos físicos de outros humanos, sem o olhar modulador de outros da sua espécie, sem oportunidade de perguntar ou responder o que quer que seja, sem ouvir o eco da própria voz. Esses, bebem a vida a tragos longos e saborosos, embriagam-se de tudo: de amor, de ambição, de encontros, desencontros, de noites insones, de planos grandiosos.

Embriagados, chegam ao final da festa com a redentora satisfação daqueles que bebem sempre e tudo até a última gota.

Outros de nós, serão surpreendidos pelo descer das cortinas numa suave e confortável mansidão dos poetas que vivem sem pressa, que se enamoram por suas próprias criações; e, por isso mesmo, vivem numa bruma de enlevo eterno por suas próprias imagens e pelas imagens outras que venham ao encontro de suas mais profundas aspirações. Esses, não bebem qualquer coisa… escolhem os vinhos pela jovialidade ou sobriedade da uva, bebem chás a goles pequenos, tomam café puro, saboreiam com profundidade e reverência cada gota de água. Perdem-se em minúsculos bocados de vida, fingindo que o tempo é uma invenção idiota de algum deus perverso que não tinha nada melhor com que se ocupar.

A grande loucura, no entanto, só é dignamente contemplada quando a ordem aparente das nossas ingênuas aspirações é subvertida. A grande loucura, que vem para nos desnortear para além do nosso limite se suportar as perdas, se revela quando são os mais velhos aqueles que precisam carregar flores em memória daqueles que não tiveram a chance de escolher por um ou por outro jeito de sorver a vida.

Quando morre um jovem, todos aqueles que ficam sofrem um abalo imensurável em suas formas de contar o tempo. Quando uma vida é precocemente interrompida, a lógica é revirada do avesso até o ponto em que se transforma numa tortuosa falta de sentido e de propósito.

Ninguém está minimamente preparado para se despedir daqueles que ama na configuração de um epílogo definitivo e sem volta. Queremos desesperadamente trapacear a trama… colar mais algumas páginas em branco no final do livro para poder continuar a escrever. Queremos cortar dali o ponto final, esse intruso sem alma que vem nos dizer que é o fim.

O que podemos fazer, no entanto, já que não fomos contemplados com o poder de eternizar aqueles que amamos, é viver de forma a honrar a sua precoce despedida com uma vida que tenha de fato algum significado. Que o nosso luto pelos jovens a quem tivemos de dizer adeus seja uma transformação dentro de nossa alma naquelas nossas mazelas que nos fazem indignos de continuar aqui. Sejamos luz! Porque mais triste do que a despedida é não ser capaz de se tornar alguém melhor, exatamente por causa dela.

Homenagem a Liam Mc Auliffe, que foi luz por onde andou

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “As vantagens de ser invisível”

Às vezes, teremos que magoar alguém para salvar a nós mesmos

Às vezes, teremos que magoar alguém para salvar a nós mesmos

Nem sempre poderemos ser simpáticos ou conseguiremos tomar atitudes que não desgostem pessoas pelo caminho, simplesmente porque teremos que optar entre nós mesmos ou o outro. Quando não houver outra saída e estivermos em frente a um dilema que nos atrasa os passos, seremos nós que deveremos agir, ou não sobreviveremos. Muitas vezes, inclusive, nossas ações magoarão certas pessoas, porque existirão sempre escolhas dolorosas.

Poderemos ter que romper com um parceiro que ainda nos ame, por mais difícil que seja. O amor nem sempre é uma certeza sem data de validade, uma vez que se trata de sentimento e sentimentos são imprevisíveis. O amor também morre, por abandono, por desatenção, por descuido, por traição, por carência de alimento e de guarida. Permanecer onde já não há mais cumplicidade, troca e reciprocidade, será uma das piores coisas a fazermos.

Às vezes, teremos que dizer não a alguém muito querido. Nem sempre poderemos atender às solicitações que nos chegam, seja no trabalho, em casa, onde for. Acumularmos tarefas equivale a juntar tralhas emocionais, o que fatalmente nos tornará exaustos e estressados. Porém, nem todo mundo sabe ouvir não, ou seja, provavelmente, receberemos ingratidão e desentendimento, justamente daqueles a quem tanto já nos dispusemos a ajudar, sem hesitação.

Outras vezes, teremos que dizer algo antipático e que há tempos incomoda, ou sufocamos. E então nos sentiremos na obrigação de censurar comportamentos desagradáveis de um amigo, de cobrar atitudes dos colegas de trabalho, de expressar nossa insatisfação com alguém da família, enfim, teremos que ser nada menos do que verdadeiros. Infelizmente, a verdade não é para muitos, pois implica enxergar a si próprio. Poucos entenderão que queremos ajudar e se fecharão para nós.

É complicado termos que conviver com pessoas diversas, cada qual com suas opiniões e sentimentos, o que torna ainda mais difícil conseguirmos agradar quem está ao nosso lado. Sempre há a necessidade de se colocar, de se fazer respeitar, de se tornar alguém que sente, que tem opiniões, que possui algo dentro de si.

Muitos não conseguirão nos compreender e se afastarão, no entanto, quem ficar repousará ali com amor, com inteireza e com retorno afetivo. E isso nos motivará a jamais desistirmos de nós mesmos.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

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