“Tu vens, tu vens e eu já escuto os teus sinais!”

“Tu vens, tu vens e eu já escuto os teus sinais!”

Ei, chegue devagar, não tenha pressa. Venha ao meu encontro cheio de coisas boas tá? Celebre. Comemore. Faça festa. Só quero boas novas, coisas boas e dias felizes. Tristeza? Não me interessa. Venha doce, trazendo todos os seus hojes e cada uma de suas horas. Simbora! Chegue, fique, não tenha pressa, seja lento pra ir embora. Olha, te quero carregado de bons dias, incontáveis alegrias e mil felicidades. Meses cheios de melhores sorrisos, maiores amigos, família unida, saúde, verdades. Isso é o melhor que a vida pode dar. Vou precisar de todos eles. Quero todos eles. Pode trazer, pode me dar.

Ei, ouvi dizer que o senhor levanta quem se sente derrotado, que o senhor dá mais uma chance a quem já desistiu. Então: Partiu! A sorte me sorriu. Esse que veio antes de você, me trouxe ensinamentos, experiências, vivências, conquistas, e vitórias e apesar de alguns dias de dores, dissabores, desamores, derrotas e dúvidas, sou todo gratidão viu. Olha, se puder me traga sempre o nascer do sol, cheirando a esperança, pra quando eu me sentir inseguro, fraco, criança, ter pra onde olhar e me rejuvenescer, me renovar, motivar. De vez em quando é bom que mude as notas, troque os acordes e refaça todas as canções que me fizerem triste. Me diga aquelas suas palavras usando do sussurro dos ventos: Resiste, persiste, insiste, conquiste!

Escuta, te digo logo, não vou usar roupa nova, nem tampouco de cor isso ou aquilo, não acredito, pra mim não representam nada. Vou te receber revestido mesmo é de minha fé, da cor que meu coração quiser, creio que o que abre os caminhos é o brilho do olhar, é o acreditar, é o espírito cheio de confiança. Esperança! Levo nos mesmos bolsos, novos sonhos e novos desejos. Deixo para trás, no lixo, velhos medos e anseios. Em minhas mãos, trago muita vontade de conquistar o que sei que já é meu. Nem preciso contar sementes ou pular ondas. Quero mesmo é contar abraços e beijos, fazer laços e festejos, saltar sobre tudo que for ruim, que fiquem lá, no chão, longe de mim. Simples assim.

Ei, venha suave, venha bonito, positivo, perfumando, venha brilhando. Quero, de pés no chão, mas sonhando, te agradecer por tudo que sei que já me trazes de bom. Porque a vida continua, com seus momentos que nos empolgam e surpreendem, com suas luzes no fim do túnel, que se apagam e acendem e quanto mais a gente espera esse trem, mais a gente sabe que a vida tem pressa, o tempo não pára e você já está aí, ansioso a nossa espera. Sei que vou com fé te receber. Sei que cada milagre do dia é a gente quem faz. Sei que acreditar que vai ser bom, é o que faz vencer. Sei que já sou grato a ti demais!

“Tu vens, tu vens e eu já escuto os teus sinais!”

Seja bem vindo, ANO NOVO, te espero com todo amor do mundo!

Imagem de capa: PointImages/shutterstock

Tem coisas que a gente não faz por mal. Faz por carência.

Tem coisas que a gente não faz por mal. Faz por carência.

Tudo bem. Tem hora em que a gente joga no lixo a autoestima, o orgulho, o amor próprio e se pega ardendo de vergonha. Mas quem nunca?

Tem dia em que a gente não pensa. Tenta de novo sabendo que o fracasso é certo, o tombo é anunciado, a ferida vai doer e a cicatriz vai ficar para sempre.

A gente perde um tempo danado procurando lá fora o que está aqui dentro. Perde o bom senso, o pudor, a lucidez. Depois amarga uma ressaca dolorosa, um mal estar que só vai embora quando quer.

Quem já viveu o inferno de descobrir o que todo mundo sabia não esquece a sensação de ouvir uma alma bem intencionada enunciar “eu avisei!”. E se sentiu pior. Quem nunca?

Já pulei no abismo sabendo que ia me arrebentar lá embaixo. E me arrebentei. Você decerto já sentiu uma solidão tão grande que fez parecer pequeno o imenso engano de embarcar na companhia de quem não devia. Apostou suas fichas em quem só aumentaria sua sensação de desconforto, desalento, estranheza. E acabou tão só quanto antes. Mas quem nunca?

Quem nunca fez tão mal a si mesmo achando que era para o bem? Quem nunca quebrou a própria cara nem partiu o coração de alguém sem querer, só para se sentir menos só por um instante?

É errado, é feio, é ruim. Mas é assim. A gente não faz por mal. Faz por carência. Por mais que a gente aprenda, vai ser assim para sempre. Quem nunca?

Imagem de capa: Natalia Lebedinskaia/shutterstock

Acredite: em todo final, existe um recomeço

Acredite: em todo final, existe um recomeço

Tudo tem um ciclo, é a lei da vida e da morte. Porém, se conseguirmos enxergar um novo início após cada término que pontuar nossa jornada, estaremos sempre prontos para recomeçar.

Venho aprendendo que tudo o que sai de nossas vidas abre espaço para que algo chegue. Costumamos não nos dar conta disso, ocupados que estamos em lamentar o que se foi, quem partiu, o que perdemos, porém, quanto mais o tempo passa, mais tenho a certeza de que sobreviver requer dar-se a oportunidade de recomeçar, após cada dor, cada tombo, cada término de ciclo, de relacionamento, de momentos.

Perdi meus pais e viver sem eles não é fácil. Tive que reaprender a caminhar sem tê-los na retaguarda, sem ter alguém em quem pudesse confiar e me abrir sem medo, pois os pais nos aceitam incondicionalmente. Com isso, fortaleci-me e aprendo a escolher com mais coerência as pessoas com quem posso compartilhar minhas verdades. O fim da vida de meus pais me forçou a viver faltando um pedaço, seguindo a cada novo dia, mesmo com a alma aos pedaços.

A gente acha que não vai sobreviver sem algumas pessoas, tamanha é a falta de ar que a ausência delas nos provoca, mas a gente sobrevive. O rompimento de uma amizade, de um amor, por mais que nos entristeça e seja desesperador, acaba nos colocando de frente com novos rumos que se abrem bem à nossa frente. Porque sempre existirão novas pessoas nos esperando para ofertar sentimentos verdadeiros; basta pararmos de olhar para trás e manter o olhar ali em frente.

O mesmo ocorre em relação a vários aspectos de nossas vidas, em que seguramos junto até mesmo o que nos faz mal, por medo do recomeçar. É o caso, por exemplo, de empregos que nos diminuem e não acrescentam nada, embora neles estacionemos, sem nem ao menos tentar enviar currículos, ou procurar por novos cursos, novas ideias, novas oportunidades. Porque a gente também se acomoda ao que é incômodo, convivendo com a dor do medo, que paralisa e cega.

Infelizmente, não conseguiremos manter conosco tudo o que quisermos, sejam pessoas, sejam coisas, sejam momentos, sejam sentimentos. Tudo tem um ciclo, é a lei da vida e da morte. Porém, se conseguirmos enxergar um novo início após cada término que pontuar nossa jornada, estaremos sempre prontos para recomeçar, para seguir em frente, para que não desistamos dessa nossa mania linda de ser feliz. Sempre e apesar de tudo.

Imagem de capa:Victor Tondee/shutterstock

Precisamos falar sobre o preconceito

Precisamos falar sobre o preconceito

Ontem, retornando de minhas férias, assisti a um filme ótimo no avião. Muito além de me distrair do medo que tenho da decolagem e aterrisagem, dos solavancos e turbulências, o filme “Hidden Figures” (no Brasil com o título de “Estrelas além do Tempo”) me fez refletir sobre a determinação que move algumas pessoas em busca de seus sonhos, sobre coragem, humildade, esforço e muita, muita garra.

O filme, lançado no Brasil no início de 2017, narra a história verídica de três cientistas negras que atuavam como “computadores” na NASA e foram fundamentais para a ida do primeiro americano ao espaço, em 1962.

Porém, a história que nos fascina por trás dos fatos é a descoberta de que houve mulheres _ mesmo num tempo em que o machismo predominava _ que conseguiram se destacar por sua inteligência, capacidade e determinação, mesmo com a agravante opressão do racismo.

O fato das protagonistas do filme _ e da vida_ serem cientistas mulheres, e ainda por cima negras, vencendo batalhas diárias contra a segregação e o machismo, e ainda assim vencendo cada uma dessas batalhas com muita luta e empenho, nos assombra e comove porque desconstrói nosso preconceito e nos afirma com toda clareza que, por trás dos magníficos feitos do homem rumo ao espaço, havia mulheres negras que atuavam com inteligência e competência nos bastidores da operação.

O site oficial da NASA denomina uma dessas mulheres, Katherine Johnson, como “A menina que amava contar”. Hoje ela tem 99 anos e é a única do grupo que ainda está viva. Sua história é enfatizada no filme, pois foi a responsável por calcular a trajetória do primeiro americano no espaço. Mesmo sendo superior aos seus colegas de trabalho, ela tinha salários menores e era obrigada a usar um banheiro próprio para mulheres negras, que ficava em outro prédio e a fazia perder muitos minutos correndo até lá, às vezes debaixo de chuva.

contioutra.com - Precisamos falar sobre o preconceito
Cena do filme
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O presidente Barack Obama apresenta a medalha presidencial da liberdade para a matemática da NASA Katherine G. Johnson 24 de novembro de 2015.

Histórias importantes como essa não deveriam passar despercebidas. Mesmo tarde, Hollywood trouxe à tona as conquistas dessas três grandes mulheres que colocam em xeque mate toda desconfiança, descrença e olhar torto para as diferenças entre os sexos e entre as raças.

Por mais que exista a turma do “deixa disso”, precisamos falar sobre o preconceito. Precisamos de coragem, empatia e solidariedade. Precisamos autorizar a luta, a indignação, a revolta daqueles que são diminuídos ou excluídos da sociedade, do ambiente doméstico ou de trabalho. É inconcebível julgarmos, diminuirmos ou criticarmos a luta daqueles que se esforçam para conquistar seu espaço. É espantoso não acreditar no potencial das mulheres para cargos inteligentes ou deixar de confiar na habilidade de um negro para funções especializadas, como operar um cérebro.

Penso como teria sido a vida das cientistas negras caso não tivessem confiado na própria capacidade e inteligência. Caso acreditassem que eram inferiores por serem mulheres negras. Caso preferissem relegar os próprios dons em prol de uma vida com menos riscos. Caso autorizassem esquecer que poderiam “voar” tanto quanto um homem branco. Felizmente elas não fizeram isso. Felizmente puderam provar a si mesmas e ao mundo que seus sonhos não eram menores apenas por serem mulheres negras. Felizmente se empenharam em insistir, em enfrentar desafios e humilhações, em não aceitar um “não pode” como resposta, em não concordar com a premissa de que eram menores. Felizmente a história dessas três mulheres pôde ser contada ao mundo, e com isso nos tornamos um pouco mais sábios e tolerantes.

Como em uma das falas do filme, de vez em quando temos que ser os primeiros a tentar algo novo. Os primeiros a começar algo que antes não era possível. Os primeiros a acreditar que há possibilidades escondidas em tudo que dizem que “não é para nós”. Os primeiros a ter fé em nossas próprias capacidades. Os primeiros a não dar ouvidos às limitações que nos atribuem. Os primeiros a confiar que podem “voar”. Os primeiros a não se sentirem intimidados pela confiança absoluta do colega de classe mais rico, mais branco ou mais bonito. Os primeiros a não aceitarem rótulos nem julgamentos. Os primeiros a aplaudir a luta e o empenho daqueles que um dia ousaram desafiar regras sem sentido, proibições sem razão, preconceitos e segregação…

Imagem de capa: Divulgação do filme/ Google

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Quem vai atrás é mochila. Segue em frente e quem quiser que caminhe ao seu lado.

Quem vai atrás é mochila. Segue em frente e quem quiser que caminhe ao seu lado.

No amor, ou você está ao lado de quem ama ou não está. Correr atrás de alguém não é coisa que se faça, não. É péssimo para quem persegue e pior ainda para quem é perseguido. Destrói a auto-estima de um e acaba com a paz do outro.

Gente que aceita viver atrás de quem quer que seja abriu mão de seu amor próprio. E eu tenho a impressão de que só ama alguém de verdade aquele que se ama primeiro. Afinal, quem é que pode dar o que não tem? Quem se ama mesmo não precisa ir atrás de ninguém. Quem se ama leva sua vida em frente e quem quiser que siga ao seu lado. Se tudo der certo, se os caminhos coincidirem, se os santos baterem e as vontades se encontrarem, lá estarão duas pessoas caminhando juntas pela vida. Lado a lado, sempre. Nunca uma na frente e outra atrás.

Quem tanto vai atrás de uma pessoa é porque não pode estar ao lado dela. Se pudesse, já estaria. Se tivesse de ser, já teria sido. Aos muito afeitos a viver na esteira de outro alguém, feito viaturas policiais perseguindo um fugitivo, falta em geral amor próprio e “semancol”.

Atrás a gente só corre dos nossos sonhos, nossas metas, nossos objetos de desejo. De pessoas, não. Pessoas se encontram, não se perseguem.

Seguir em busca do amor é diferente. A gente exercita um gosto sincero por nós mesmos, se cuida, se põe no lugar certo e, em consequência, dá à pessoa certa os motivos para ela nos amar também. A gente se ama e assim se faz merecedor do amor de outro alguém. Bem diferente de correr atrás de quem quer que seja.

Vão me desculpar os que pensarem diferente de mim. Mas Deus me livre do delírio de um dia aceitar correr atrás de alguém e me proteja de quem, por algum engano, resolva me perseguir. Pessoas afins caminham ao lado umas das outras. Quem vai atrás é mochila!

Imagem de capa: vvvita/shutterstock

Se todo mundo gosta de você, então você está vivendo errado

Se todo mundo gosta de você, então você está vivendo errado

Num mundo cheio de cópias, de falsidade e de gente querendo ser o que não é, devemos manter nossa integridade, nossa essência, nossas verdades intactas, para que não sejamos apenas mais um em meio à multidão.

Logicamente, gostaríamos de que todo mundo gostasse de nós, de que qualquer pessoa nos achasse alguém agradável, como se fôssemos uma ótima companhia para todo mundo. Não sabemos lidar direito com rejeições de quaisquer tipos, seja no relacionamento pessoal, no trabalho, seja no amor.

No entanto, temos que nos conscientizar de que jamais conseguiremos agradar a todo mundo, simplesmente porque teremos que manter uma mesma postura, seja com quem estivermos, e nem sempre essa postura irá ao encontro do que o outro espera de nós. Cada pessoa possui as próprias verdades, determinados valores, enxergando o que o mundo tem a seu próprio modo. Uns valorizam o que outros desvalorizam. É a vida.

Com isso, a única forma de conseguirmos agradar quem quer que seja é moldando nosso comportamento de acordo com o ambiente em que estivermos, de acordo com as pessoas com quem convivermos. Porém, dessa forma, caso vistamos máscaras, de acordo com os espaços a que formos, deixaremos de ser nós mesmos, tornando-nos fantoches nas mãos de terceiros.

Quão penoso deve ser ter que engolir o que se pensa, vestir uma roupa incômoda, frequentar lugares que destoam da gente, somente para poder ser bonzinho e amiguinho das pessoas. A que custo? Às custas de nossa própria essência, de nossos gostos, nossas verdades, nosso jeito natural de ser e de viver? Isso é anular-se, apagar-se, tornar-se um fantasma, um zumbi, refém de gente que deveria nos aceitar como somos.

Num mundo cheio de cópias, de falsidade e de gente querendo ser o que não é, devemos manter nossa integridade, nossa essência, nossas verdades intactas, para que não sejamos apenas mais um em meio à multidão. Para que não sufoquemos os nossos sonhos por conta de forçarmos sorrisos para quem não merece, para quem não sabe nada de nossa vida, nem está interessado. Ser autêntico pode nos manter perto de poucos, mas com certeza estes poucos serão os melhores.

Imagem de capa: sun ok/shutterstock

Contato de Emergência

Contato de Emergência

Faltava ar. Pouco antes da uma da manhã cheguei ao pronto-socorro. O noticiário da madrugada resmungava ao fundo, acompanhado pelas tosses e pelos bipes do painel de senhas. Fui atendida rápido até. Minha cara de desespero imprimia mesmo emergência. Bronquite asmática. O pior passou. Não morri. Não hoje, não dessa vez. Ainda. A moça da recepção me chamou. “Débora?”, confirmei com a cabeça. “Preciso atualizar seu cadastro. Seu contato de emergência ainda é o Miguel?”, gelei até a ponta dos pés.

Não via Miguel há um ano. Desde que terminamos educadamente na praça perto de casa. Desde que eu fui chorando descontroladamente e cheia de medo até meu portão. Não pronunciava aquele nome desde que apaguei do celular, como se apagasse junto da vida também. Gelei de pensar se tivesse um treco e Miguel me aparece sem entender. Quer dizer que pra namorado eu não sirvo, mas pra te socorrer tudo bem? Morri de vergonha antecipada. Essa foi por pouco. Se Miguel teria notícias minhas seria de mim divando nas férias num destino exótico ou bonita saindo do salão no sábado. Não semi-morta, não vestida de azul bebê-internação, jamais com um soro enfiado no braço. Ex tinha que ter a consideração mínima de só cruzar com a gente nos nossos ápices. Mas são os nossos dias piores e mais desgrenhados que os atraem.

“Apaga isso daí, moça”, falei sem jeito, admitindo meu fracasso. Parei pra pensar quem botar no lugar. Em tempos tão sozinhos, quem é que a gente coloca no contato de emergência? Não tenho família, parente, primo distante por perto. Não tenho melhor amiga morando na mesma cidade. Não sei o nome dos meus vizinhos. Não quero incomodar a Marta do departamento financeiro do trabalho. Chama quem? Liga pra quem se eu tiver um troço e cair dura no meio da Avenida Paulista? Tenho convivido elegantemente com o fato de que provavelmente estarei sozinha por um bom tempo. Não tô amargurada. Só não quero mesmo. Pura preguiça. Cheguei aos quarenta tão satisfeita com minha própria companhia. É bonito de ver. Não quero interrupções, barulho, drama, caos alheio. Ser ferida pelos outros e se consertar dá um trabalho danado. Quero a paz de uma pia sem louça e o conforto de dormir esparramada. Mais nada. Dá pra ser?

Mas nessas horas, admito, soa lá dentro da gente aquela frase que você também já deve ter ouvido. Ela começa baixinha, aumenta um pouco, e em seguida grita: “Eu vou morrer sozinha!”. Nessas horas de fragilidade, a gente lembra que o outro também é suporte, mão que embrulha o medo pra outra hora, beijo que ameniza a dor, riso deliciosamente inapropriado no meio do desespero. O outro é quem diz: “Tô aqui por você”. Eu, euzinha, tô aqui mais do que ninguém por mim, mas sei que não é a mesma coisa. Reconheço minhas limitações.

Reconhecer que a gente, assim como qualquer outra pessoa, não pode se dar tudo é essencial pra não pirar. Por enquanto, me basto, mesmo que nem sempre eu seja o bastante. “Bota aí, Fábio”, respondi com firmeza. “Fábio de quê?, digitando. “de Melo”, com um risinho sacana. Dei o número da central de orações do panfleto que uma senhora tinha me entregado na rua. E saí rindo e imaginando o susto do padre ao ligarem avisando que a Débora teve um treco. Tem horas que o que salva a gente é a leveza. Essa sim, já me salvou milhões de vezes. Se você tiver lendo isso, desculpa padre. Apesar de que não seria de todo o mal acordar com você no pé da cama do hospital. Ô bença.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

“Não importa o quanto algo nos machuca. Às vezes se livrar dele dói mais ainda”

“Não importa o quanto algo nos machuca. Às vezes se livrar dele dói mais ainda”

Muita gente permanece numa relação ruim, sem reciprocidade, sofrendo, se desgastando, tendo esperanças em migalhas, desejando mudanças que nunca ocorrerão… porque acredita que “não importa o quanto algo nos machuca. Às vezes se livrar dele dói mais ainda”. Mas será que é assim?

Às vezes tem que doer como nunca para parar de doer. E para isso é preciso coragem. O que a vida quer de nós é essa bravura, que nos possibilita ter um tipo de amor por nós mesmos que irá nos proteger de qualquer situação que nos diminua ou aprisione. É essa coragem que nos permite arrancar band-aids de uma vez e nos autoriza desistir de algo que queríamos muito, com todas as nossas forças… mas que não nos faz bem.

Existe uma contradição nos amores que doem. Apesar de serem algo que desejamos, eles nos adoecem. Apesar de representarem nosso projeto de vida, estão sendo sonhados apenas por nós mesmos e mais ninguém. Apesar de causarem sofrimento, não queremos nos livrar deles.

Ninguém pode julgar os motivos que fazem você insistir em remar um barco de papel que está afundando. Já disseram que coração é terra que ninguém vê, e acredito nisso também. Por isso, cabe a você definir os limites. Cabe a você estabelecer o tempo necessário para processar a desistência dentro de você e, finalmente, no tempo certo, deixar de remar.

Quantas vezes colocamos expectativas demais sobre as aflições futuras que iremos sentir, e quando chega a hora, quando finalmente abrimos os olhos e percebemos que a dor já passou, nos surpreendemos como ela não doeu tanto quanto a gente achou que doeria? Às vezes você tem que fechar os olhos e fazer o que tem que ser feito, o que poderá até te deixar em pedaços no momento, mas trará paz ao seu coração.

É difícil nos livrarmos de curativos de esparadrapo que foram colados sobre o machucado. Eles estão lá quietinhos, a dor foi embora, e acreditamos que a aparente calmaria representa a cura. Porém, a ferida precisa ventilar e o curativo deve ser removido. Só que não importa o quanto ele está velho e estragado. Nos apegamos ao conforto conhecido e temos medo da dor que virá depois. Porém, mesmo aumentando a aflição, somente arrancando tudo o que não serve mais, estaremos caminhando para a cura. E um dia, depois de cicatrizada a pele, perceberemos que fizemos a coisa certa. Já não há mais dor nem sofrimento, e mesmo que tenham ficado marcas, descobrimos que terra onde a planta foi arrancada pela raiz é terra transformada e, mais adiante, terra curada.

Imagem de capa: Aleshyn_Andrei / Shutterstock

*A frase do título deste artigo foi retirada de um episódio de “Grey’s Anatomy)

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Tem gente que é remédio

Tem gente que é remédio

Seja lá qual for seu caminho, um dia, quase sem querer, seus pés irão tocar algum espinho.  Seus joelhos vez ou outra irão beijar o chão. Teu mundo será tocado de forma áspera por outras pessoas. Um dia acontece. Um dia a ordem das coisas foge do nosso alcance e a gente esfola as certezas em algum canto.

Disso eu e você sabemos. Mas há no mundo um consolo. Um acalento doce que vale mais que ouro. Há no mundo gente que é remédio. Gente que cura dores com amor. Que assopra aflições e que transforma feridas em superação.

Essa gente é beijo de mãe. É sopro de esperança. É amor para o coração cansado. É bebida quente em dia frio. É uma canja saborosa em noites de fome. É um ombro amigo em momentos ruins. Se me permitissem nomear eu diria que essa gente é amor puro e sincero. Dádiva que remenda corações partidos e dá força para a alma.

Eu tenho pessoas remédio em minha vida. Pessoas às quais sou imensamente grata. Eu também sei que há em mim (e em você) a capacidade de ser o remédio de alguém. O amor cura. O amor ensina. O amor reconstrói. O amor acredita em recomeços e estende as mãos sem perguntas tolas para isso. E para amar não é preciso nada além da vontade pura e sincera de ser abrigo.

Se eu pudesse desejar, desejaria para cada um de nós um pouco mais de amor em forma de gente. Também desejaria a gente como remédio pra alguém.

Porque hoje eu sei que cair dói. Que falhar sangra. Que recomeçar exige empenho e fé. Que repensar toda uma vida e mudar o rumo não é fácil. Porque hoje eu sei o quanto é bom o gosto do amor em forma de gente. Porque hoje eu quero engolir o bem e contar pro mundo que nós todos podemos ser dor e amor. Que tem gente que é remédio. Que a gente pode ser remédio. Que a vida tem cura.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Atribuição da imagem: pexels.com – CC0 Public Domain

Uma colher de arroz

Uma colher de arroz

Um texto sobre a gratidão – Reclame menos e agradeça mais!

Mohammed é médico e vem do Sudão, um país rico de matéria-prima, mas pobre de democracia, paz e justiça social. O país está em guerra e entregue aos interesses de grupos egoístas e criminosos.

Ele estudou e medicou por lá, mas se meteu em política, criticou gente que não valia nada, mas que era poderosa, e teve que fugir para salvar a própria pele. Foi assim que veio parar na Alemanha, onde pediu asilo político, e hoje trabalha em um hospital de Berlim.

Encontrar-me com ele e escutar suas histórias me fascina, pois fico sabendo mais sobre um país e um povo que eu, até pouco tempo atrás, só conhecia da televisão e de algumas leituras esporádicas.

Certa vez, ele pediu para ver fotos de Salvador e, já na primeira foto, que mostrava a praia do Porto da Barra, tirada do Farol, olhou sério e suspirou. Depois disse “Quanta água! E tudo verde!”, apontou para a areia da praia e completou: “Em minha terra, é tudo assim!”.

É interessante ver diferenças, mas também semelhanças, é enriquecedor mergulhar numa cultura tão rica e é triste constatar que também por lá a realidade não anda nada boa.

Foi num dia desses que ele me contou o caso da colher de arroz, a história de dois irmãos lá no Sudão, que brigaram na hora do almoço, já que a comida era pouca e um deles achou que o outro tinha comido uma colher de arroz a mais do que ele. A briga esquentou, ficou bem séria e, no final, um irmão matou o outro. „O cara matou o irmão por causa de uma colher de arroz“, disse ele, com uma expressão triste e reflexiva no rosto.

Recordei-me disso hoje porque estava cozinhando arroz. Quando ficou pronto, passei o arroz para uma tigela e não notei que havia ficado um pouco dentro da panela.

Depois, limpando a cozinha, quis lavar a panela, vi o resto de arroz e pensei se deveria aproveitá-lo ou jogá-lo fora, já que não era muito, somente uma colher, não mais. Foi aí que parei e até me assustei pela minha falta de respeito por aquela comida, que, mesmo pouca, faz falta a muita gente faminta por aí.

Enquanto nós, que temos em abundância ou pelo menos o suficiente, desprezamos restos e desmerecemos alimentos por serem poucos ou baratos, muita gente daria a vida para comer aquilo e não morrer de fome.

Um prato de arroz, o que é um prato de arroz? Para muitos de nós, não é nada, tem até gente que acha que é comida de pobre. Mas para muita gente seria um manjar dos deuses.

Acho que temos o defeito de sermos gratos somente no momento da falta. Na verdade, nem somos, somente seríamos se recebêssemos o que precisamos ou desejamos. „Eu seria grato se tivesse algo para comer!“, pensa alguém que sente fome, mas que se esquece então de agradecer, assim que a barriga está cheia. E quando a barriga anda cheia todos os dias então, aí é que o prato farto vira rotina e ninguém se lembra mais de agradecer.

Parece-me que temos mais a tendência de reclamar do que falta ou incomoda. Não valorizamos muito o que temos e nos faz bem. Reduzimos assim a vida a tão pouco que fechamos os olhos para as tantas coisas boas que recebemos dela o tempo todo. Ou você nunca observou que tem bem mais gente que reclama de ter que acordar cedo do que gente que agradece por ter acordado?

Mas que não me entendam mal: reclamar pode! Reclamar é normal. Todo mundo reclama quando está insatisfeito, mesmo que reclame calado, engolindo a reclamação. Mas basta reclamar e pronto. Não precisa ficar remoendo nada. É melhor reclamar com moderação e investir a energia economizada em mais gratidão pelas coisas positivas que lhe cercam, por mais insignificantes que possam parecer. Ou seja: reclame menos e agradeça mais.

Enxergar o lado bom da vida e as tantas coisas preciosas que ela nos traz e ser grato por isso nos ajuda a valorizar o que temos e o que recebemos, inclusive nossas relações, o que faz com terminemos valorizando a própria vida e assim a nós mesmos.

Ajuda-me perceber que tive sorte, na verdade, muita sorte, pois, apesar dos problemas que já tive ou tenho em minha vida, alguns até bem sérios, a coisa poderia ter sido ou ser bem pior, bastando que a cegonha (talvez cansada ou embriagada) tivesse errado o caminho e me largado em outro lugar, em outra família, em outro país, na pior das hipóteses, no meio do deserto, de uma guerra ou no pé de um vulcão pouco antes de uma erupção.

Depois que me lembrei de Mohammed e da história que me contou, peguei uma colher e raspei o arroz do fundo da panela. Comi aquele resto, terminei de limpar a cozinha, peguei o cachorro e fui passear com muito respeito por aquela comida que agora explorava minha barriga e com a gratidão de quem pode comer arroz sempre que tem vontade.

Imagem de capa: Suzanne Tucker/shutterstock

Homens levam seus cães para passear, ou são levados pelos cães?

Homens levam seus cães para passear, ou são levados pelos cães?

Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão.
Clarice Lispector

Observo, atentamente, o passeio de um homem com o seu cão, nas primeiras horas do dia.
Como é bonito… Quanta camaradagem e amizade demonstrada ao seu animal!
Gestos de carinho, afagos nas orelhas e nos pelos.

Vão caminhando… O cão à frente e o homem um pouco mais atrás, segurando a comanda com lassidão. O cachorro cheira a grama para fazer suas necessidades fisiológicas e marcar o território. O homem espera, calmamente!

Lá na esquina, um pouco adiante, o som de uma buzina. É uma pessoa irritada com o condutor de outro carro que, por alguns segundos, se distrai no semáforo.
Mas, voltemos nosso olhar para os caminhantes…
Agora é o cachorro que leva seu dono; é ele que puxa e escolhe a trilha.

O homem retruca brevemente, diz palavras de comando, todavia está certo de que não será obedecido. Não demonstra raiva, contrariedade, muito menos desejo de estabelecer a lei do mais forte. Acata, deixa-se levar pelo amigo…
Na redondeza, há casas com jardins bem cuidados, avenidas amplas e tranquilas e portões altos e seguros.

As crianças saem apressadas de suas casas, talvez, porque estejam atrasadas para a escola ou, quem sabe, os pais é que se apressam para chegar pontualmente em seus serviços. O som é de portas batendo com vigor e do arranque do carro, o que faz um contraste com o passeio do homem e seu cão.

Contrastes, paradoxos, ambiguidades, vicissitudes do viver…

A vida pede água, pausa, descanso, e o fim de semana chega para a alegria de todos. O anseio é dormir até mais tarde… No entanto, um homem sai bem cedo para levar seu cão a se exercitar. Estando frio, o cachorro e seu amigo estarão bem agasalhados, e… Em algum canto da cidade há quem durma ao relento; um andarilho, quem sabe? As pessoas passam por ele sem o notar ou fingem não vê-lo.

Gratificante é observar a expressão humana no homem ao se relacionar com o animal; por outro lado, é triste constatar que a relação existente entre os humanos, ainda é precária.

Diziam os antigos, quando queriam se referir a uma vida difícil, ”vida de cachorro”. Quiçá, nunca venhamos ouvir a expressão “vida de homem”…

Essa é uma paisagem da vida e, isto é o registro e o entendimento do olhar de um simples transeunte que deseja se comunicar.

P.S. Um cão encontra outro cão e os dois farejam-se, e por meio deles, os donos começam a conversar.

Imagem de capa: Jaromir Chalabala/shutterstock

Ela disse adeus àqueles beijos com gosto de isopor.

Ela disse adeus àqueles beijos com gosto de isopor.

Ela não estava atraída por ele, mas, disse “sim” ao pedido de namoro. Ah, e, por favor, por mais que você sinta vontade, não a julgue. Ela já se condenou o suficiente por isso. E, acredite, o preço que ela pagou por essa insanidade foi muito alto. Ela estava sem nenhuma imunidade emocional quando permitiu esse absurdo, por isso, seja empático, ao invés de juiz.

Fizeram-na acreditar, ao longo da vida, que o amor se constroi com o tempo, com a convivência. Incutiram, na mente dela, desde criança, que o importante é a pessoa ser honesta e ter bom caráter…ser moço de família, o famoso “rapaz para casar”. Ela fora, a vida inteira, condicionada a acreditar que casamento é regado a sacrifício. E, para piorar, seu grupo religioso massificava a ideia de que a mulher, somente ela, é responsável por construir e manter um casamento próspero.

Ela permitiu que a historia continuasse. Mesmo sem borboletas no estômago. E, daí, que os beijos tivessem gosto de isopor? Com o tempo, iriam melhorar, afinal era isso que as pessoas influentes na vida dela sempre diziam diante desses casos. Bom, a boa moça confiava, respeitava e acreditava nos mais velhos. Na verdade, ela parecia acreditar mais neles do que em suas próprias verdades e intuições.

Ali estava ela, tentando convencer a si mesma de que tinha tirado a sorte grande por ter encontrado aquele moço. Alguém que seria o genro dos sonhos para os pais dela. Mas, como lidar com aquele sentimento de sapato que não serve nos pés? Como administrar aquele desconforto de não “sentir-se em casa” dentro dos raros abraços do rapaz? Contudo, uma voz dizia em tom de esperança: “tenha paciência, o amor nasce com o tempo, não vá abrir mão desse moço por conta dessas besteiras que você lê nos romances.”

Ironia do destino, a moça estava, aparentemente, com tudo nas mãos. Entretanto, quando deitava a cabeça no travesseiro, a mente fervia. Ao invés de sentir aquele frenesi gostoso, tão característico dos inícios dos romances, ela sentia-se angustiada. Nessa brincadeira de mau gosto, ela adormeceu, várias vezes, sobre o travesseiro encharcado de lágrimas.

Ah, quanta contradição. Os familiares e amigos, em peso, parabenizando-a pelo namoro. Não faltavam elogios ao rapaz, que de fato, possuía muitas virtudes. Contudo, ela sentia-se apática, como que vivendo uma farsa. Ela não estava empolgada e a alma não esboçava entusiasmo. Ela sabia muito bem que podia enganar a todos, menos a si mesma. O conflito era grande, afinal, de um lado, tantas pessoas torcendo por aquele relacionamento, tanta gente querida abraçando o casal. Sabe quando você sente receio de frustrar as expectativas de pessoas queridas? Tá bom, sei que você pode estar pensando “dane-se os outro, eu é que tenho que estar bem”. Acontece que ela não pensava assim, ela não tinha essa força, esse entendimento, essa percepção. Ela veio de um histórico de completa submissão e de negação das próprias vontades. Na verdade, ela era vítima de vítimas. E o namoro, cada vez mais insosso foi promovido a noivado e, posteriormente, a casamento.

Contrariando as profecias dos mais velhos, o amor, a paixão e o frio na barriga não deram o ar da graça. Pelo contrário, a situação estava cada vez mais crítica nesse quesito. Ah, e a moça tão intensa, tão cheia de amor para dar e tão louca para receber. Era como ter fome de um banquete regado a churrasco e ter que se conformar com um prato de alface, murcha, por sinal. Onde estariam os abraços que falam tanto, sem dizer uma palavra? Em que planeta foi parar o beijo travoso de umbu cajá, que o Alceu Valença canta? E que rumo tomou aquela saudade perturbadora comum entre duas pessoas que se querem?

A cada pergunta dessa natureza, a resposta vinha em forma de angústia, e, ás vezes, regada à lágrima. Estranhamente, ela não encontrou nenhum acolhimento por parte das pessoas, nas poucas vezes em que ela tentou falar sobre a realidade do seu relacionamento. O que ouvia, das amigas, era que ela estava “chorando de barriga cheia”, afinal, aquele moço não era um homem com vícios, tinha estabilidade profissional e tinha boa reputação. Diferente dos maridos delas que, além de não serem carinhosos, eram dados às farras e até as traiam.

Por fim, ela optou por silenciar as queixas e desabafos e mergulhou em si mesma. Deixou de ouvir os ruídos externos e dedicou-se a ouvir o que sua alma gritava. Mergulhou numa longa fase de introspecção, tal qual uma águia quando se isola para que ocorra o fenômeno da troca das garras. E, tempos depois, ressurgiu disposta a dar um basta naquela farsa. Ela tinha consciência do quanto seria julgada e apedrejada pelas duas famílias. Mas ela não se intimidou. Ela teve a coragem de admitir que cometeu um grande equívoco. Ela disse a ele que não tinha condições de seguir com aquele casamento que mais parecia uma sociedade, algo semelhante à duas pessoas que dividem despesas numa casa. Bem, ela não queria alguém para dividir despesas, ela queria alguém para dividir a vida. Ela disse sim à própria dignidade ao recusar-se a viver uma mentira com uma fachada de casamento. Sobre arrependimento e saudades? Ela não sente. Como sentir saudades de alguém que nunca pertenceu a ela? Saudades a gente sente é de pessoas ou situações nas quais a nossa alma recebeu abrigo, pouco importa se por um instante ou por uma vida inteira. Não foi o caso.

“Encalhada não é aquela pessoa que está solteira, e, sim, aquela que está mal casada.” (Padre Fábio de Melo).

Imagem de capa: Everett Collection/shutterstock

Depois de algum tempo, você só quer um relacionamento sério com a sua paz

Depois de algum tempo, você só quer um relacionamento sério com a sua paz

Depois de algum tempo, você não faz mais questão de ter razão. Você já não quer mais convencer ninguém de nada, nem provar que seu ponto de vista ou suas escolhas são mais coerentes e sensatas. Depois de algum tempo você conquista uma grande certeza acerca de sua grandeza, e isso lhe dá paz, lhe dá segurança, lhe assegura que está no lugar certo, com pessoas especiais.

Depois de algum tempo, você aprende a se respeitar. A respeitar a imagem que vê refletida no espelho, a tolerar as imperfeições que começam a surgir, a transformar as singularidades do seu corpo em características charmosas. Você aprende a respeitar a necessidade de ficar sozinho, de não ser perfeito o tempo todo, de chutar o balde de vez em quando. Você descobre o que é da sua natureza, do seu feitio, do seu agrado. E consegue lidar bem com isso, sem a necessidade de se justificar por ser quem é.

Depois de algum tempo, você entende que precisa se agradar em primeiro lugar. Entende que só quem está bem consigo mesmo consegue dar o melhor de si, e por isso não se culpa quando impõe limites, quando não aceita aquele convite, quando diz “não” àquela solicitação.

Depois de algum tempo, você faz as malas com facilidade. Tem mais apego às vivências e memórias do que às roupas penduradas no closet e entende que a felicidade não se planeja, se vive. Aprendeu que pode chover na praia ou fazer dias de calor intenso no inverno e por isso aceita a mudança de planos com jogo de cintura e bom humor, do mesmo modo que já não sofre mais quando algo não sai conforme o combinado. Sabe que a vida é feita de banhos de chuva e imprevistos, e que é sinal de sabedoria tolerar o que não dá para transformar.

Depois de algum tempo, você descobre seu valor. Descobre que por trás da sua maluquice, esquisitice e contradição, há alguém que já não pode mais autorizar ser classificada pela fachada. Alguém que amadureceu e fez pactos com o amor-próprio, com a superação dos traumas e decepções, com a cura das mágoas e aflições.

Depois de algum tempo, você só quer um relacionamento sério com a sua paz. Já não se esforça tanto por amizades sem reciprocidade, e não sofre em demasia por aqueles que não querem seguir a estrada ao seu lado. Não força chaves em fechaduras erradas nem tenta calçar sapatos que não lhe servem mais. Aprende a se preservar, a não abrir seu coração para qualquer um, a não dar ouvidos para julgamentos superficiais. Tem convicção de tudo que é capaz, e, acima de tudo, põe pontos finais em tudo o que tira a sua paz…

Imagem de capa:  Igor Serik / Shutterstock

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Amor não correspondido não é amor, é sofrimento

Amor não correspondido não é amor, é sofrimento

Querer um amor não é o problema; problema é aceitar qualquer coisa como se fosse sentimento, mesmo não sendo sentimento algum.

Não é difícil confundirmos amor com o que nem chega perto disso. Às vezes, o desejo por amar e ser amado torna os sentimentos nebulosos, levando a pessoa a nutrir algo que, na verdade, faz mal, por alguém que claramente não devolve nada de volta. Querer um amor não é o problema; problema é aceitar qualquer coisa como se fosse sentimento, mesmo não sendo sentimento algum.

Fato é que amar o outro requer, primeiramente, o amor próprio, uma vez que inseguranças, dúvidas e receios acabam por afastar afeto sincero. O amor é verdade, é certeza, é sim, segurança e esteio. Em terrenos arenosos, em que há incerteza e vulnerabilidade, o amor não florescerá, não se instalará, pois suas sementes se alimentam, sobretudo, de reciprocidade.

Como vivemos um mundo em que as aparências imperam, tudo o que vem de dentro encontra poucas chances de se sobressair, de se acomodar. A verdade da essência de cada um é o que importa, porém, como tentar perceber os sentidos, quando somente se valoriza o que se vê, o que se toca, o que se compra? Amor não é barganha, não é produto de vitrine; depende do que se tem por dentro, do que é sentido, trocado, partilhado por atitudes, gestos e olhares.

Talvez por isso as pessoas se enganem tanto com amor, exatamente por tentarem buscar sentimentos através do material, que é o que se dissemina como necessário. Acabam se apaixonando apenas pela superficialidade do outro, sem se lembrar de que afeto vai muito além do que se vê. Prendem-se, assim, ao que o outro aparenta, mesmo que nada recebam em troca, ainda que não se sintam gente perto dele, sem refletir sobre a real importância daquilo que sente, sem perceber o vazio de nada retornando.

O duro é que deixar de amar pode ser quase impossível, em algumas situações. Resta-nos estarmos seguros o bastante de tudo o que temos a oferecer e da qualidade do afeto que merecemos ter de volta. É assim que não aceitaremos qualquer coisa, qualquer um. É assim que haveremos de mergulhar fundo em amor recíproco, amor verdadeiro. É assim que nos salvamos de nós mesmos.

Imagem de capa: Fabiana Ponzi/shutterstock

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