Precisamos falar sobre o preconceito

Ontem, retornando de minhas férias, assisti a um filme ótimo no avião. Muito além de me distrair do medo que tenho da decolagem e aterrisagem, dos solavancos e turbulências, o filme “Hidden Figures” (no Brasil com o título de “Estrelas além do Tempo”) me fez refletir sobre a determinação que move algumas pessoas em busca de seus sonhos, sobre coragem, humildade, esforço e muita, muita garra.

O filme, lançado no Brasil no início de 2017, narra a história verídica de três cientistas negras que atuavam como “computadores” na NASA e foram fundamentais para a ida do primeiro americano ao espaço, em 1962.

Porém, a história que nos fascina por trás dos fatos é a descoberta de que houve mulheres _ mesmo num tempo em que o machismo predominava _ que conseguiram se destacar por sua inteligência, capacidade e determinação, mesmo com a agravante opressão do racismo.

O fato das protagonistas do filme _ e da vida_ serem cientistas mulheres, e ainda por cima negras, vencendo batalhas diárias contra a segregação e o machismo, e ainda assim vencendo cada uma dessas batalhas com muita luta e empenho, nos assombra e comove porque desconstrói nosso preconceito e nos afirma com toda clareza que, por trás dos magníficos feitos do homem rumo ao espaço, havia mulheres negras que atuavam com inteligência e competência nos bastidores da operação.

O site oficial da NASA denomina uma dessas mulheres, Katherine Johnson, como “A menina que amava contar”. Hoje ela tem 99 anos e é a única do grupo que ainda está viva. Sua história é enfatizada no filme, pois foi a responsável por calcular a trajetória do primeiro americano no espaço. Mesmo sendo superior aos seus colegas de trabalho, ela tinha salários menores e era obrigada a usar um banheiro próprio para mulheres negras, que ficava em outro prédio e a fazia perder muitos minutos correndo até lá, às vezes debaixo de chuva.

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Cena do filme
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O presidente Barack Obama apresenta a medalha presidencial da liberdade para a matemática da NASA Katherine G. Johnson 24 de novembro de 2015.

Histórias importantes como essa não deveriam passar despercebidas. Mesmo tarde, Hollywood trouxe à tona as conquistas dessas três grandes mulheres que colocam em xeque mate toda desconfiança, descrença e olhar torto para as diferenças entre os sexos e entre as raças.

Por mais que exista a turma do “deixa disso”, precisamos falar sobre o preconceito. Precisamos de coragem, empatia e solidariedade. Precisamos autorizar a luta, a indignação, a revolta daqueles que são diminuídos ou excluídos da sociedade, do ambiente doméstico ou de trabalho. É inconcebível julgarmos, diminuirmos ou criticarmos a luta daqueles que se esforçam para conquistar seu espaço. É espantoso não acreditar no potencial das mulheres para cargos inteligentes ou deixar de confiar na habilidade de um negro para funções especializadas, como operar um cérebro.

Penso como teria sido a vida das cientistas negras caso não tivessem confiado na própria capacidade e inteligência. Caso acreditassem que eram inferiores por serem mulheres negras. Caso preferissem relegar os próprios dons em prol de uma vida com menos riscos. Caso autorizassem esquecer que poderiam “voar” tanto quanto um homem branco. Felizmente elas não fizeram isso. Felizmente puderam provar a si mesmas e ao mundo que seus sonhos não eram menores apenas por serem mulheres negras. Felizmente se empenharam em insistir, em enfrentar desafios e humilhações, em não aceitar um “não pode” como resposta, em não concordar com a premissa de que eram menores. Felizmente a história dessas três mulheres pôde ser contada ao mundo, e com isso nos tornamos um pouco mais sábios e tolerantes.

Como em uma das falas do filme, de vez em quando temos que ser os primeiros a tentar algo novo. Os primeiros a começar algo que antes não era possível. Os primeiros a acreditar que há possibilidades escondidas em tudo que dizem que “não é para nós”. Os primeiros a ter fé em nossas próprias capacidades. Os primeiros a não dar ouvidos às limitações que nos atribuem. Os primeiros a confiar que podem “voar”. Os primeiros a não se sentirem intimidados pela confiança absoluta do colega de classe mais rico, mais branco ou mais bonito. Os primeiros a não aceitarem rótulos nem julgamentos. Os primeiros a aplaudir a luta e o empenho daqueles que um dia ousaram desafiar regras sem sentido, proibições sem razão, preconceitos e segregação…

Imagem de capa: Divulgação do filme/ Google

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.