Maria Augusta Ribeiro: a poetisa de outonais poentes

Maria Augusta Ribeiro: a poetisa de outonais poentes

Por Nara Rúbia Ribeiro

Maria Augusta Ribeiro, poetisa portuguesa, impressiona-nos por sua singular sabedoria. Esse saber inerente a uma profunda reflexão cotidiana e a um apurado senso estético transparece serenamente em seus poemas.

Selecionamos, aqui, alguns poemas e excertos encontrados em seu blog Litoral do Sonho. Para adornar os textos (embora nem necessitem de adorno), telas de Jacob Camille Pissarro (1930 a 1903), pintor francês. Um dos marcos do impressionismo.

Levanta-te Portugal
Mete o teu mal na cadeia
Volta a ser o Portugal
Que confia e semeia
Deixa lá o que se diz
Vamos juntos a Belém
Onde há uma mãe feliz
Que tu fizeste rainha
E ela disso não esquece.
Levanta-te pátria minha
Porque amor, amor merece!

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Jacob Camille Pissarro

De tanto pensar, perdida
Começo a ficar confusa:

Sou eu quem usa a vida
Ou a vida é que me usa?

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Jacob Camille Pissarro

Não te vejo…não te sinto
Não te imagino sequer
Hoje sou um ser faminto
Com perfume de mulher…

Entretanto a tarde ri
Talvez de mim ou de ti…

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Jacob Camille Pissarro

Limbo

Naquele lugar
Onde á noite se deitara
Cara gelada
Duplamente fria
Sobre o chão da cidade
Que ele amara
Um português morria…
Ao seu lado
Um triste cão uivando
Naquela noite quando
Nem Portugal havia!

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Jacob Camille Pissarro

OUTONO

Alguém já reparou que o no outono
O sol parece ter sono?
Escorre pelas ladeira
Como um manto de cambraia
E nos telhados as telhas
Pintam de vermelho a saia?

Pelos fios estão pousados
Uns pássaros arrepiados
Que soltam gritos pagãos.
Enquanto as águas do rio
Assustadas pelo frio
Escondem o rosto nas mãos.

Retóricas roseiras

Parecem ser as primeiras
A despedir-se de nós
Estática e em surdina
A terra sempre menina
Lembra os ecos dos avós.

O horizonte calado
Deitado, sempre deitado,
Colhe os restos do verão,
Enquanto de madrugada
Se deixa beijar no chão.

Enfim, quando a noite desce
O ar já que já arrefece
Vai instalando verdade
Fica o torpor da saudade
Em quem ainda acredita
Que é em silêncio que se grita.

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Jacob Camille Pissarro

Se tu fosses ferro
Moldava-te ao lume
Se tu fosses onda
Fazia-te cais
Se tu fosses ouro
Não tinha ciúme
Se fosses pátria
Amava-te mais
Se tu fosses gente
Só por ti orava
Se tu fosses vida
Dava-te valor
Se fosses enfermo
Curava-te a dor
Se fosses impuro
Eu te protegia
Se tu fosses noite
Abria-te os braços
Abria-te o dia
Assim, como és sonho,
Faço-te em pedaços
E, com toda a calma,
Lanço-te na vala
Do lixo da alma.

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Jacob Camille Pissarro

Falam de ti as lúbricas escolhas
Teu doce lábio beijarei jamais
Enquanto voam decepadas folhas
Da minha alma se despedem ais

Penso que a vida aos poucos me abandona
De ti me afastam brumas outonais
São trepadoras como a beladona
Perfumam só momentos ideais

Guardo de ti a expressão e o ardor
Gravada tua imagem no meu peito
Não voltaremos a falar de amor

Ninguém se gabe nunca do efeito
De um sentimento que á vida dá valor
Pois que sendo amor seja perfeito

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Jacob Camille Pissarro

Porque sou de outonais poentes
e venho de todas as margens.
É que nos meus lábios ausentes
os beijos são viagens.

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Jacob Camille Pissarro

Sem abrigo

Ficou ali
Debaixo de uma escada
Tirou dos sacos uma manta usada
Que estendeu no chão
Fez um ninho de cão
Com palha e farrapada
Cobriu-se com jornais
(Que até falavam dele
E outros tais
Pois cada vez há mais!)
Fez um docel
Com uma velha pele
Rafada
Encomendou-se ao Nada
E dormiu

A cidade, passando açodada
Não via nada
E a familia
Fingia que não o conhecia…

Ali ficou até anoitecer
Viriam as senhoras a oferecer
Sopinha quente e uma maçã
Só para confortar

E ele irá guardar
Em cada mão
Um pão
Para comer de manhã
Se acordar…

+ Maria Augusta Ribeiro

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Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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REFLEXÕES SOBRE O HOMEM MODERNO

REFLEXÕES SOBRE O HOMEM MODERNO

Buscando enganar a sua realidade mediante a própria fantasia, o homem moderno procura a projeção da imagem sem o apoio da consciência. Evita a reflexão  esclarecedora, que pode desalgemar dos problemas, e permanece em contínuas tentativas de negar­se, mascarando a sua individualidade. O ego exerce predominância no seu comportamento e estereotipa fantasias que projeta no espelho  da imaginação.

Irrealizado, porque fugindo do enfrentamento com o seu eu, transfere­se de aspirações e cuidados a cada novidade que depara pelo caminho. Não dispõe de decisão para desmascarar o ego, por temer  petrificar­se de horror, qual se aquele fosse uma nova Medusa, que Perseu, e apenas ele, venceu, somente porque a fez contemplar­se no escudo espelhado que lhe dera Atena.

Obviamente, esse espelho representa a consciência lúcida, que descobre e separa objetivamente o que é real daquilo que apenas parece. Nesse sentido, o ego  que vive e reincide nos conteúdos inconscientes, necessita de conscientizar­se, desidentificando­se dos seus resíduos emergentes. O homem vive na área das percepções concretas e, ao mesmo tempo, das abstratas.

A cultura da arte faz que ele se porte, ora como observador, ora como  observado e ainda o observador que se observa, a fim de poder transformar  os complexos ou conflitos inconscientes em conhecimentos que possa conduzir, senhor  da sua realidade, dos seus atos.

Sua meta é poder sair da agitação, na qual se desgoverna, para observar­se, a distância, evitando o sofrimento macerador.

A este ato chamaremos a separação necessária entre o sujeito e o objeto, através da qual se observam os acontecimentos sem os sofrer de forma dilacerante, modificando o estado de ânimo angustiante para uma simples expressão do  conhecimento, mediante a transferência da realidade que jaz no  espírito para o  exterior das formas e da emoção.

A reflexão constitui um admirável instrumento para o logro, apoiando­se na cultura e na realização artística, social, solidária, que desvela os mananciais desentimento e de consciência humanos. Jogado em um mundo exterior agressivo, no qual predominam a luta pela sobrevivência do corpo e a manutenção do status, o homem acumula conteúdos psíquicos não descartáveis nem digeríveis, avançando, apressado, para o stress, as neuroses, as alienações.

Acumula coisas e valores que não pode usar e teme perder, ampliando o  campo do querer, mais pelo receio de possuir de forma insuficiente, sem dar­se conta da necessidade de viver bem consigo mesmo, com a família e os amigos, participando das maravilhosas concessões da vida que lhe estão ao alcance.

Comedir­se, agir com sensatez e tranqüilidade, confiar nos próprios valores e nas possibilidades latentes são regras que vão ficando esquecidas, a prejuízo da harmonia pessoal dos indivíduos.

Os interesses competitivos postos em jogo, a aflição por vencer os outros, o  sobrepor­se às demais pessoas desarticularam as propostas da vitória do homem sobre si mesmo, da sua realização interior, da sua harmonia diante dos problemas que enfrenta. As linhas do comportamento alteradas, induzindo ao exterior, devem agora ser revisadas, sugerindo a conduta para o conhecimento dos valores reais, a redescoberta do sentido ético da existência, a busca da sua imortalidade.

Quando o homem moderno passar a considerar a própria imortalidade em face da experiência fugaz do soma, empreenderá a viagem plenificadora de trabalhar  pelos projetos duradouros em detrimento das ilusões temporárias, observando o  futuro e vivendo­o desde já, empenhado no programa da sua conscientização  espiritual. Nele se insculpirá , então, o modelo da realização em um ser integral, destituído do medo da vida e da morte, da sombra e da luz, do transitório  e do  permanente, da aparência e da realidade.

De Joanna de Angelis, escrito por Divaldo Franco

No livro “O homem integral”

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Vídeo ilustrativo de 4 minutos dá uma verdadeira aula sobre depressão

Vídeo ilustrativo de 4 minutos dá uma verdadeira aula sobre depressão

No youtube existe um canal chamado Minutos Psíquicos onde podemos encontrar diversos vídeos ilustrados de poucos minutos falando sobre temáticas da área da Psicologia.

Além de indicar o canal, selecionei para você um vídeo em especial que, em 4 minutos, dá uma verdadeira aula sobre o que é Depressão, além de orientações gerais para lidar com a doença.

As ilustrações são de Pedro Francisco, vídeo/edição de Pedro Costa e voz e texto de André Rabelo.

Espero que seja útil!

A magia do baobá na obra de Saint Exupéry e Mia Couto

A magia do baobá na obra de Saint Exupéry e Mia Couto

Por Nara Rúbia Ribeiro

O baobá, também chamado de embondeiro, ou imbondeiro, talvez seja a árvore em torno da qual mais existam lendas, em todo o mundo. Árvore de idade incerta, posto que a sua madeira não possui anéis de crescimento, sua imponência, sua força, a fantasia que a envolve desafiam a imaginação humana. Cada um vê nessa árvore um diferente mistério. Uma magia peculiar.

Com espécies nativas da África, de Madagascar e do Senegal, foi um baobá nascido em solo brasileiro (Natal, Rio Grande do Norte) que inspirou Saint Exupéry ao escrever “O pequeno príncipe” e no desenho das aquarelas. Neste livro, o baobá é visto como um iminente perigo ao minúsculo asteroide do protagonista, e razão pela qual ele necessita, urgentemente, de um carneiro que possa comer os baobás assim que brotarem do chão.

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Baobá que inspirou Saint Exupéry-  Natal, Rio Grande do Norte

Há uma outra história de que gosto muito, narrada por Mia Couto no livro “Cada homem é uma raça”. Concebida pelo escritor à sombra de embondeiro, ou, quem sabe, apenas à sombra de sua lembrança, trata-se do conto “O embondeiro que sonhava pássaros”.

É a história de um passarinheiro negro que morava num embondeiro e que visitava, com recorrência, um bairro de brancos, despertando o encantamento das crianças e a desconfiança dos adultos.

O homem puxava de uma muska (Muska – nome que, em chissena, se dá à gaita-de-beiços.) e harmonicava sonâmbulas melodias. O mundo inteiro se fabulava. Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos. Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos – aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar.”

E assim o passarinheiro ganhou fama e passou a ser objeto de comentários de todo o bairro, despertando diferentes reações em cada um.

Um preto ganhar fama não era algo aceitável, posto que nem mesmo a convivência era ali tolerada. Assim, os moradores do bairro trataram de denegrir a sua imagem. De desumanizá-lo, de sorte a poderem melhor discriminá-lo. Quiçá prendê-lo. Ou matá-lo.

Mas logo se aprontavam a diminuir-lhe os méritos: o tipo dormia nas árvores, em plena passarada. Eles se igualam aos bichos silvestres, concluíam.”contioutra.com - A magia do baobá na obra de Saint Exupéry e Mia Couto

Diante do encantamento das crianças, especialmente de um menino chamado Tiago, o passarinheiro lhes transmitia lendas acerca da grande árvore:

 “(…) aquela era uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo.

“Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por via das chamas. Sem ninguém pôr fogo.”

Mia Couto se vale, no conto, de sua poesia ímpar e das crenças africanas acerca do embondeiro. Ele discorre sobre a alma preconceituosa e medrosa dos homens, sobre a fantasia das crianças, e ainda sobre as desigualdades de um mundo em que a cor de um homem pode servir de fulcro  para a sua condenação cabal.

Assim, o embondeiro é, tanto no conto quanto na vida, uma fonte de magia a cada um que de perto observar a sua imagem, trazendo-a ao coração. Ele nos mostra a grandeza da Natureza que nos cerca e do quanto a nossa mente ainda necessita expandir para bem compreende-la e integrar-se a ela.

E, talvez, nas palavras de Mia Couto, quem sabe em breve tempo a humanidade já consiga assimilar o que, do embondeiro, o menino Tiago viu em sonho:

“Dentro, o menino desatara um sonho: seus cabelos se figuravam pequenitas folhas, pernas e braços se madeiravam. Os dedos, lenhosos, minhocavam a terra. O menino transitava de reino: arvorejado, em estado de consentida impossibilidade. E do sonâmbulo embondeiro subiam as mãos do passarinheiro. Tocavam as flores, as corolas se envolucravam: nasciam espantosos pássaros e soltavam-se, petalados, sobre a crista das chamas.”

Talvez ainda possamos enxergar os sonhos do embondeiro. Afinal, afirma Mia, que o embondeiro sonha pássaros. Sonhemos também!

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Ajudar não é tão simples quanto parece. Conheça 7 dicas para ajudar corretamente.

Ajudar não é tão simples quanto parece. Conheça 7 dicas para ajudar corretamente.
7 dicas para ajudar corretamente

Ajudar outra pessoa é sem dúvida algo muito bom, mas, como em tudo na vida, aqui também há dois lados. Ajudar também é perigoso, podendo prejudicar tanto quem ajuda como quem é ajudado. Por isso, é necessário ter cuidado para ajudar corretamente, evitando tal prejuízo.

Quem já viajou de avião conhece esta cena: alguém da tripulação em pé, no meio do corredor, antes do avião decolar, gesticulando e demonstrando ao vivo as regras de segurança, explicando como se comportar em caso de acidente, onde se encontram as saídas de emergência, etc. A cena é tão corriqueira que fica fácil reconhecer quem está voando pela primeira vez, já que esses são normalmente os únicos que prestam atenção nas pantomimas da tripulação da aeronave. Mas seria importante prestar atenção, sempre de novo, já que as regras apresentadas podem salvar vidas. E uma dessas regras vai até além disso, valendo, na verdade, como uma regra para a vida: quando é demonstrada a queda das máscaras de oxigênio do teto em caso de perda de pressão no avião, sempre se repete que “se deve colocar primeiro a própria máscara antes de ajudar alguém a colocar a sua”. Sim, isso não vale somente para a máscara de oxigênio no avião, mas em toda e qualquer situação, sempre que você queira ou tenha que ajudar alguém. E aqui temos nossa primeira dica para quem quer ajudar corretamente:

1. Antes de ajudar outra pessoa, pense em si mesmo!

É como querer salvar a vida de quem está se afogando: não pule na água e tente socorrer se você mesmo não sabe nadar bem o suficiente para sair novamente da água, pois, ao invés de ajudar a evitar uma vítima de afogamento, você contribuirá para que haja duas, o que não faria sentido.

É claro que ajudar é um gesto nobre e a solidariedade com o próximo é uma grande virtude, e é claro que uma ajuda é muitas vezes ligada a um certo sacrifício, mas esse sacrifício jamais pode ser tão grande ao ponto de prejudicar seriamente quem está ajudando. Ajude o outro, mas respeite a si mesmo, respeite seus próprios limites e nunca permita que a ajuda prestada prejudique sua existência. Por exemplo: se você tem um único pão e encontra alguém com fome, você pode sim fazer um sacrifício, partir o pão no meio e dar a metade para a pessoa faminta. Chamamos isso de partilha, de solidariedade. Mas não faria qualquer sentido dar todo o pão para pessoa e você mesmo passar fome mais tarde. Basta se recordar do que disse Jesus Cristo: que devemos amar o próximo como a nós mesmos. Sim, como nós mesmos. Mas nunca mais que a nós mesmos!

Isso vale especialmente para aquelas ajudas que temos que prestar sem ter escolha, como cuidar de um parente que se encontra enfermo, por exemplo. É claro que aqui a ajuda é extremamente importante, muitas vezes 24 horas por dia e não se pode simplesmente dizer “vou cuidar de mim agora!”, mas ainda assim: tente encontrar outras pessoas que lhe auxiliem, tente ter tempo livre para você mesmo de vez em quando, para sair de perto da situação, para descansar, para recarregar as baterias, para repor as forças, pois, caso contrário, você poderá terminar cuidando de um enfermo e ficar doente no final.

Então, tanto faz quem precisa de sua ajuda: cuide primeiro de você mesmo. Se você, por exemplo, se sente cansado(a), exausto(a), literalmente estafado(a) e seus filhos (ou quem quer que seja!) precisam de você, tente descansar primeiro, mesmo porque sua ajuda será muito mais eficaz depois do descanso.

2. Ao ajudar, deixe-se guiar pela compaixão e pela generosidade, jamais pela vaidade!

Recordo-me de uma situação de quando ainda era jovem. Eu estava sentado em uma praça, numa pequena cidade do interior, e li no banco uma placa que dizia: “Este banco foi doado com grande generosidade por FULANA DE TAL”. Informei-me, querendo saber quem era a “fulana de tal” tão generosa. Fiquei sabendo que se tratava de uma mulher riquíssima, viúva de um dos maiores fazendeiros da região, dona de milhares de cabeças de gado e (!) muito religiosa. Em sua religiosidade, ela tentava ajudar aqui e acolá, mandou reformar a igreja, colocou bancos na praça e até mandou construir uma quadra de esportes para os mais jovens. Até aqui tudo bem. O problema é que ela fazia questão de rotular sua ajuda sempre, com placas que a indicavam como pessoa generosa. Então, com o passar do tempo, lia-se o nome da mulher por toda cidade e lia-se também sobre o tamanho de sua generosidade. Ela frisava tanto que era generosa que isso deixou claro o que realmente se escondia por trás de sua ajuda: uma enorme vaidade!

Mesmo que não percebamos, muitas vezes ajudamos por pura vaidade, por acreditarmos que solidariedade é uma virtude e por nos acharmos pessoas dignas de receber o reconhecimento alheio pelo que fizemos. Não é que seja errado sentir orgulho dos próprios atos e querer mostrar ao mundo o quanto se é uma pessoa boa, mas aqui seria necessário ser sincero consigo mesmo: quem ajuda e cobra reconhecimento para alimentar sua vaidade não faz o que faz para o outro, mas sim para si mesmo. E isso nada tem a ver com compaixão e generosidade.

3. Ao ajudar, não espere nada em troca!

Ajudar alguém esperando receber algo por isso não é realmente uma ajuda. É uma troca, é um negócio, no qual eu faço algo e espero uma remuneração. Quem realmente quer simplesmente ajudar, ajuda. Ele faz o que deve ser feito, dá algo ao outro e não espera nenhum retorno, no máximo, o retorno garantido pela vida, que devolve tudo um dia, seja bom ou ruim, mas nunca qualquer forma de “pagamento” por parte da pessoa ajudada.

4. Tenha certeza de que o outro quer ser ajudado!

Vem-me à cabeça uma propaganda na televisão. Uma mulher idosa parada no meio-fio, em uma rua extremamente movimentada. Um homem vem, a segura pelo braço e a ajuda a atravessar a rua. Só que a mulher não queria atravessar a rua, ela esperava pelo ônibus. No final, o homem vai embora todo feliz por ter ajudado alguém e a mulher fica lá totalmente irritada, pois nesse meio tempo, o ônibus chegou e partiu sem ela.

Esse exemplo mostra bem um grande problema que podemos enfrentar quando tentamos ajudar alguém: sem querer, impomos nossa ajuda sem nem perguntar se o outro realmente a quer. E terminamos nos intrometendo em sua vida, tentando até convencê-lo de que ele precisa de algo (=ajuda) de qualquer jeito e forçando-o a aceitar um apoio que ele não quer e nem solicitou.

Então, antes de ajudar alguém, confira primeiro se ele quer realmente sua ajuda. Ao invés de “segurar a senhora pelo braço e atravessar a rua com ela”, pergunte primeiro se é isso que ela quer.

5. Tenha certeza de que o outro precisa ser ajudado!

Na semana passada, apareceu uma conhecida em minha casa, querendo falar comigo com urgência. Ela precisava de ajuda financeira, pois tinha dívidas a pagar e o saldo no banco estava baixo. Não era uma quantia irrisória, mas, mesmo assim, pensei em ajudar, pois se tratava de alguém de quem gosto muito. Mas pedi um tempo para pensar. Ainda no mesmo dia, vi que a mulher postou no Facebook fotos de sua última viagem (há somente uma semana atrás!), fazendo questão de mostrar o luxo do hotel onde havia ficado hospedada. Fiquei meio pasmo e dei uma olhada mais minuciosa em seu perfil e vi que a mulher só se preocupava em gastar dinheiro, com viagens, com roupas, com futilidades. Por um lado, não é de minha conta como ela vive ou deixa de viver. Ela é livre para isso. Mas também sou livre para constatar que seu problema não era falta de dinheiro, mas sim uma definição errada de suas prioridades. Percebi que essa pessoaqueria ajuda, mas realmente não precisava. A ajuda que ela precisava não era dinheiro, mas sim aprender urgentemente a lidar com o dinheiro que tinha, estabelecendo as prioridades corretamente. Mas essa não era a ajuda ela queria.

Então, antes de fazer algum sacrifício para ajudar alguém, certifique-se de que essa pessoa realmente precisa dessa ajuda. Caso não, guarde sua energia, seu tempo e mesmo dinheiro para ajudar alguém que realmente precise.

6. Diferencie o tipo de ajuda prestada!

Existem, em minha opinião, dois tipos de ajuda: a ajuda caritativa e a ajuda para autoajuda.

A ajuda caritativa deveria ser uma ajuda incondicional. É aquele tipo de ajuda que praticamos na rua, quando alguém nos pede, por exemplo, dinheiro para comer. Ou é aquela ajuda que damos a refugiados de guerra ou de catástrofes, aqueles alimentos que doamos, aquelas roupas que cedemos a quem se encontra em situação de desespero e de luta pela sobrevivência. Aqui não deveríamos impor quaisquer condições. É bobagem dar um dinheiro a um homem que pede no metrô, mas querer impor a ele que compre comida com o dinheiro, ao invés de usá-lo para beber ou fumar. É bobagem porque você jamais poderá controlar isso. E é bobagem porque não é realmente importante saber. Aqui faz mais sentido não dar nada ou dar e esquecer imediatamente que deu.

Já a ajuda para autoajuda só funciona se for ligada a certas condições. Do que adiantaria, por exemplo, pagar uma escola para alguém finalmente aprender uma profissão se esse alguém nunca for para a aula? Aqui é claro: a ajuda tem que ser condicionada pela assiduidade do aluno na escola e talvez também por boas notas. Lembro-me de uma parenta, que estava desempregada e queria montar um negócio próprio. Ela me pediu ajuda para isso. Ajudei-a a montar uma pequena lanchonete e prontifiquei-me a apoiá-la financeiramente no início, até que o negócio caminhasse por conta própria. Claro que impus a ela condições para minha ajuda, sendo a principal o seu esforço para fazer o negócio vingar. A coisa correu bem por duas semanas. Depois ela começou a trabalhar menos, abrindo a lanchonete somente algumas horas por dia, normalmente no final da tarde, alegando que estava tendo muito pouco tempo livre, para lazer. Ela preferia fazer mil outras coisas (assistir televisão, passear, bater papo com vizinhos…) a trabalhar na própria lanchonete. Depois de adverti-la algumas vezes, sem que ela me levasse a sério, cortei toda e qualquer ajuda. A lanchonete não vingou e a mulher vive hoje do mesmo jeito que vivia antes.

Se eu tivesse prosseguido com minha ajuda financeira, eu não a teria realmente ajudado. A intenção foi a de proporcioná-la uma forma de manter a própria vida, sem depender de outras pessoas. Foi essa a proposta e ela concordou com as condições que impus no início. No momento em que bateu preguiça e comodismo na mulher, a proposta inicial perdeu a validade e com isso também perdi a disposição de ajudar, já que prosseguir dando dinheiro só serviria para uma coisa: para criar dependência.

Portanto, verifique que tipo de ajuda você está prestando. Se for uma ajuda caritativa, ajude e pronto, sem condições e sem apurar nada. Mas se for uma ajuda para autoajuda, controle sempre de novo se o objetivo da ajuda realmente está sendo atingido.

7. Solidariedade não é uma via de mão única!

Este ponto parece uma contradição ao ponto “3. Ao ajudar, não espere nada em troca!”, mas não é. Realmente não devemos esperar nada em troca quando ajudamos, mas devemos ter consciência de que solidariedade só funciona quando há um equilíbrio. Isso não significa que quem dá deve esperar um retorno, mas é necessário que haja um retorno quando se dá, mesmo que não seja no mesmo momento, mesmo que não seja da mesma pessoa. A falta de equilíbrio ocorre quando alguém só quer receber dos outros sem nunca querer dar nada, mas também quando alguém dá sem ser crítico e sem vigiar essa falta de equilíbrio. Sim, você deve dar sem esperar nada em troca, mas você deveria questionar sua ajuda quando perceber que a pessoa que a recebe nunca se mostra disposta a dar também algo de si, seja lá a quem for. Ajudar pessoas assim constantemente é contribuir para o desequilíbrio entre o dar e o receber, e esse desequilíbrio não faz bem a ninguém, já que reforça a ideia da solidariedade como via de mão única, prejudicando a sociedade como um todo.

10 dicas para melhorar a comunicação com um doente de Alzheimer

10 dicas para melhorar a comunicação com um doente de Alzheimer

Por Carole Larkin

Será que seu ente querido está apenas te ignorando ou existe uma outra maneira de melhorar a comunicação que possa aproximar vocês?

Experimente aplicar em sua rotina algumas das dicas listadas abaixo e avalie se consegue alcançar melhoras na comunicação.

As dicas são indicadas para doentes que encontram-se classificados em estágios médios (declínio cognitivo mediano) ou superiores da doença.

  • Faça contato visual. Sempre que precise falar com uma pessoa que tenha a doença de Alzheimer, faça-o  cara a cara e mantenha o contato visual. Use também o nome da pessoa, pois isso pode ajudá-la a melhor orientar sua atenção para você. Se a pessoa estiver bem consciente de sua presença e você conseguir manter sua atenção ao falar, é bem mais provável que ela entenda a mensagem que você quer transmitir. Também é importante que você sempre se aproxime de frente. Abordar a pessoa chegando lateralmente ou por trás pode assustá-la e dificultar a comunicação.
  • Converse no mesmo nível. Posicione-se para que sua cabeça fique no mesmo nível da pessoa com quem quer conversar. Flexione os joelhos ou sente-se para ficar melhor posicionado. Não se levante de maneira repentina ou faça movimentos bruscos perto da pessoa- isso pode ser intimidante e assustador. O doente de Alzheimer não conseguirá prestar atenção em você se estiver assustado.
  • Diga-lhes o que você vai fazer antes de fazê-lo. Especialmente se você for tocá-los. Eles precisam saber o que acontecerá, de modo que eles não pensem que você vai agredi-los ou mesmo invadir um espaço pessoal.
  • Fale com calma. Sempre fale de uma forma calma e com um tom otimista na voz, mesmo que  você não se senta assim naquele momento. Se você soar irritado ou agitado, muitas vezes eles vão espelhar esse sentimento de volta para você e isso, sempre que possível, deve ser evitado.
  • Fale devagar. Fale  na metade da sua velocidade normal quando falar com eles. Respire entre cada frase. Eles não podem processar palavras tão rápido quanto as pessoas não doentes podem. Dê-lhes a chance de recuperar o atraso de entendimento falando lentamente.
  • Procure usar frases curtas. Use frases diretas e curtas com apenas uma ideia para cada sentença. Normalmente, eles só podem se concentrar em uma ideia de cada vez.
  • Só faça uma pergunta de cada vez. E deixe-os responder antes de fazer outra pergunta. Você pode perguntar a quem, o quê, onde e quando, mas não por que. “Por quê?” é muito complicado. Eles vão tentar responder, falhar e ficar frustrados. Se puder, evite.
  • Não diga “lembra?”. Muitas vezes, eles não serão capazes de fazê-lo, e você estará apenas apontando-lhes as suas deficiências. Isso pode ser entendido como um insulto, e pode causar raiva e / ou constrangimento.
  • Inverta frases negativas tornando-as positivas. Por exemplo, diga “Vamos por aqui” em vez de “Não vá lá”. Também é necessário cuidado para não tratá-los como crianças. Respeite o fato de que eles são  adultos e trate-os como tal.
  • Não discuta com eles. Discussões não levam a lugar algum. Em vez disso, reconheça seus sentimentos, dizendo: “Eu entendo que você está com raiva (triste, chateado, etc…). Reconhecer esses sentimentos permite que eles saibam que eles não estão sozinhos e, em seguida, possam ser redirecionados para outro pensamento. Por exemplo, “Parece que você perdeu a sua mãe (marido, pai, etc …). Você os amou muito, não é? Conte-me sobre o tempo… “Em seguida, peça para que conte uma das suas histórias favoritas sobre essa pessoa).

Por Carole Larkin

Do original: 10 Tips for Communicating with an Alzheimer’s Patient

Traduzido e adaptado por Josie Conti

Para melhor conhecer as pessoas – Flávio Gikovate

Para melhor conhecer as pessoas – Flávio Gikovate

Devemos tomar alguns cuidados para melhor conhecer a maneira de ser e pensar das pessoas.

O modo mais adequado de entendermos o que se passa com o outro não é se colocar no lugar dele usando a si como referência. Devemos olhar para o outro com realismo, objetividade, assumindo uma postura que leve em conta que os fatos devem falar mais alto que as ideias.

Esse blog possui a autorização de Flávio Gikovate para reprodução desse material.

Para mais informações sobre Flávio Gikovate
Site: www.flaviogikovate.com.br
Facebook: www.facebook.com/FGikovate
Twitter: www.twitter.com/flavio_gikovate
Livros: www.gikovatelojavirtual.com.br

Blogueiro brasileiro residente na Holanda explica origens da violência a partir da desigualdade social

Blogueiro brasileiro residente na Holanda explica origens da violência a partir da desigualdade social

Do Blog de Daniel Duclos

Do original: Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus

UPDATE: Muita gente tem lido este post como uma idealização da Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade. A Holanda não é nenhum paraíso e tem diversos problemas, muitos dos quais eu sinto na pele diariamente. O que pretendo fazer aqui é dizer duas coisas: a origem da violência no Brasil é a desigualdade social e 2, apesar da violência que gera, muita gente gosta dessa desigualdade e fica infeliz quando ela diminui, porque dela se beneficia e não enxerga a ligação desigualdade-violência. Por fim: esse post não é sobre a Holanda. A Holanda estar aqui é casual. Esse post é sobre o Brasil, minha pátria mãe.

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.

Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.

Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).

Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções –  estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?

Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).

Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.

O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.

Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” –  não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.

Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.

PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.

Nota CONTIoutra: Conheca mais sobre Daniel Duclos e seu trabalho acessando o blog http://www.ducsamsterdam.net

Você conhece a diferença entre ser simples e ser simplista?

Você conhece a diferença entre ser simples e ser simplista?
Arte do designer brasileiro, Fernando Perottoni.

Por Josie Conti

“A simplicidade é o último grau de sofisticação.”

Leonardo da Vinci

Não é incomum que se confunda um conteúdo que visa simplicidade com um conteúdo simplista. Quanto mais simples a linguagem, maior o poder de comunicação. É possível transmitir conteúdos complexos de maneira simples assim como é possível tornar complicado algo simples.

Veja o exemplo de um dos poetas brasileiros reconhecido pela simplicidade de sua escrita:

“Sou livre para o silêncio das formas e das cores.”

Manoel de Barros

Quantas profundas e até mesmo complexas explanações e interpretações são possíveis a partir de um único verso dotado da mais pura simplicidade na escrita? O que Manoel de Barros fez incorporando em seus textos um vocabulário coloquial-rural e uma sintaxe que remete diretamente à oralidade, isso sem falar nos neologismos, é o que que Leonardo da Vinci certamente chamaria de “último grau de sofisticação”  através da simplicidade.

Abaixo uma definição bastante esclarecedora:

SIMPLES não é o oposto de complexo, mas o OPOSTO DE COMPLICADO.

A simplicidade é a ausência de extravagâncias, de exageros que são como armadilhas que te impedem de atingir os seus objetivos.

Nunca confunda uma pessoa simples com uma pessoa simplista.

O SIMPLISTA deixa de lado aspectos fundamentais dos objetivos.

Já quem enfatiza o SIMPLES tem a capacidade de filtrar aquilo que realmente importa daquilo que não acrescenta valor. A energia é concentrada naquilo que é necessário para cumprir seus objetivos.

Seja inteligente, simplifique!

Imagem de capa: As carecas famosas em arte minimalista. Arte do designer brasileiro, Fernando Perottoni.

Dez raciocínios para que questionemos a nossa sabedoria pessoal

Dez raciocínios para que questionemos a nossa sabedoria pessoal

Talvez você leia muito e conheça um pouco de todas as artes e saiba como poucos sobre a ciência a que se dedica.

Entretanto, pessoas que têm acesso ou mesmo facilidade para assimilar conhecimento correm o sério risco de se perder em vaidades. Saber mais do que a média em “quantidade” não é o mesmo que lidar com sabedoria com o conhecimento que detém.

Leia as frases abaixo e responda:

Você é sábio?

1 – “O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute.”
Sabedoria oriental

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2 – “A dúvida é o principio da sabedoria.”
Aristóteles

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3 – “O amor é a sabedoria dos loucos e a loucura dos sábios.”
Samuel Johnson

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4 – “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.”
Sócrates

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5 – “O que sabemos, saber que o sabemos. Aquilo que não sabemos, saber que não o sabemos: eis o verdadeiro saber.”
Confúcio

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6 – “Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.”
Friedrich Nietzsche

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7 – “Se não sabes, aprende; se já sabes, ensina.”
Confúcio

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8 – “A arte de escutar é como uma luz que dissipa a escuridão da ignorância.”
Dalai Lama

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9 – “Tens visto a um homem que é sábio a seus próprios olhos? Maior esperança há no insensato do que nele.”
Salomão

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10 – “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes.”
Cora Coralina

8 aspectos em que homem e mulher se complementam, por Victor Hugo

8 aspectos em que homem e mulher se complementam,  por Victor Hugo

Por mais que as listas sejam criticadas elas não são nada além de maneiras de organizar o pensamento.

O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) aponta-nos em um de seus poemas mais famosos diversos
aspectos de como homens e mulheres se complementam.

Então, diga-nos: sendo Victor Hugo um dos maiores escritores românticos da história, você também é romântico(a)?

1 –  O homem é a mais elevada das criaturas;
A mulher é o mais sublime dos ideais.

2 – O homem é o cérebro;
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz;
O coração, o amor.
A luz fecunda, o amor ressuscita.

3 – O homem é forte pela razão;
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence, as lágrimas comovem.

4 – O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece, o martírio sublima.
O homem é um código;

5 – A mulher é um evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
Ante o sacrário nos ajoelhamos.

6 – O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter , no crânio, uma larva;
Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.

7 – O homem é um oceano; a mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que adorna;
O lago, a poesia que deslumbra.

8 – O homem é a águia que voa;
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
Cantar é conquistar a alma.”

E, no final, arremata:

“Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;
A mulher, onde começa o céu.”

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Saia da condição de vítima

Saia da condição de vítima

Por Alexey Dodsworth

Eu passei grande parte da minha vida escutando a frase-feita que mais sucesso faz no universo maravilhoso das crenças falsas: não escolhemos por quem nos apaixonamos. É verdade, não escolhemos. Podemos nos apaixonar por gente que não vale um miligrama do que come. É mais assustador ainda considerar que nós mesmos podemos ser estas pessoas na vida de outro alguém que também sofre por nós. Mas em qualquer um dos casos, eu sou inclinado a concordar que, de fato, não escolhemos por quem nos apaixonamos. Paixão, como o nome diz, vem do grego pathos, o mesmo termo que dá origem a “patológico”. A paixão é prima-irmã da doença. E ninguém escolhe se apaixonar, tanto quanto não escolhemos ficar gripados ou pegar caxumba. Acontece.

Epa! Mas então por que será que eu digo que isso faz parte do universo das crenças falsas? Ora, não é preciso muito esforço para perceber que por mais que não escolhamos por quem nos apaixonamos, esta “condição de vítima”, esta “condição passiva” não é de forma alguma fatídica ou determinante. Se percebemos que nos apaixonamos pela pessoa errada, ainda assim temos escolhas. Temos a escolha, por exemplo, de não querer contato. Temos a escolha de, mesmo apaixonados por quem não deveríamos estar, racionalizarmos minimamente o processo de modo a não nos colocarmos à mercê de quem nos faz mais mal do que bem. Não estou falando de eventuais sofrimentos. Qualquer relacionamento saudável tem sua cota de sofrimento. Estou falando de apaixonar-se por alguém que, por diversas razões, se revela destrutivo para sua vida. Há muitas razões para isso: a pessoa pode ser comprometida e ficar te enrolando infinitamente; a pessoa pode mentir tanto que nem sabe mais discernir o que é verdadeiro do que é falso; a pessoa pode ter um ciúme digno de figurar numa peça teatral de Shakespeare (e, acredite, o ciúme shakesperiano não tem nada de bonito). Em suma, não irei aqui dizer o que é uma pessoa que nos faz mal. Nós sabemos quando uma pessoa nos faz mal. E ela pode nos fazer mal mesmo sendo uma boa pessoa. Basta que a paixão não seja correspondida. E, convenhamos, ninguém tem culpa de não se apaixonar pela gente, não é mesmo? Acontece.

PAIXÃO E FANTASIA

A paixão é um veneno da mente. Por conta dela, ampliamos a imagem de uma pessoa, tornando-a mais importante do que ela realmente é. Esta pessoa por quem nos apaixonamos não é ela mesma. Não passa de uma perspectiva projetada de nossas fantasias. Para 99,99% da humanidade, a tal pessoa não tem importância alguma. E é tão relevante para o ser apaixonado, mas não tem relevância além daquela criada pelos mecanismos da fantasia. E é por isso que a paixão sempre estará abaixo do amor e nunca lhe chegará aos pés. Porque a paixão trata de fantasia, e o amor, de realidade.

Porque apaixonar-se é sempre por causa de: por causa da beleza do outro, por causa de sua inteligência ou de várias características sedutoras que o outro apresenta. E amar, ao contrário, é sempre apesar de. Amamos alguém apesar de seus defeitos, apesar de conhecermos seus lados mais sombrios. O amor enxerga, e muito bem. Quem sofre de cegueira é a paixão.

Apaixonar-se é absolutamente natural, e mais natural ainda é que esta paixão dê lugar ao amor na medida em que o tempo passe e aquela pessoa perfeita se converta naquilo que ela efetivamente é: uma pessoa. Isso quando a paixão é correspondida e é saudável. Insistência em paixões disfuncionais, apego por quem nos faz sofrer, essas coisas não têm nada de amor e têm tudo de imaturidade ou, em alguns casos, têm a ver com desejo de autodestruição.

Não escolhemos por quem nos apaixonamos. Mas escolhemos dar corda para isso. E quando a paixão se revela destrutiva como uma doença, o tratamento é evidente: afastar-se do que nos causa mal é prerrogativa inicial básica para o retorno a um estado centrado. Em seguida, procurar trazer as projeções e expectativas passionais à luz da análise pode ajudar a mudar nosso gosto, permitindo que nos apaixonemos por pessoas melhores. Gosto é uma coisa que se refina com o tempo e com boa vontade. Assim é na música, na literatura, na culinária, e nos relacionamentos humanos não é diferente. A paixão é uma parte nossa, mas não somos nós. E jamais, nunca deveria ser a força mais poderosa a nos guiar a vida. Aliada à paixão devem vir as considerações racionais. E quem acha que uma coisa exclui a outra ou ainda está na adolescência, ou precisa de uma educação para a vida, de uma efetiva educação filosófica que lhe permita ir além deste falso cenário em que as coisas ou são da paixão ou são da razão. Afinal, é do contraste e da dança paixão-razão que brota a vida em sua forma mais plena e bem vivida.

contioutra.com - Saia da condição de vítima
Arte Karol Bak

Fonte: Relações Tóxicas e a Perversão Narcísica

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“O direito ao delírio”- Eduardo Galeano

“O direito ao delírio”- Eduardo Galeano
Após uma breve introdução feita pelo entrevistador, Galeano dirige-se ao palco e, ao som do piano, lê texto transcrito abaixo.

“Mesmo que não possamos adivinhar o tempo que virá, temos ao menos o direito de imaginar o que queremos que seja.

As Nações Unidas tem proclamado extensas listas de Direitos Humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem mais que os direitos de: ver, ouvir, calar.

Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar?

Que tal se delirarmos por um momentinho?

Ao fim do milênio vamos fixar os olhos mais para lá da infâmia para adivinhar outro mundo possível.

O ar vai estar limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das paixões humanas.

As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pela televisão.

A televisão deixará de ser o membro mais importante da família.

As pessoas trabalharão para viver em lugar de viver para trabalhar.

Se incorporará aos Códigos Penais o delito de estupidez que cometem os que vivem por ter ou ganhar ao invés de viver por viver somente, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.

Em nenhum país serão presos os rapazes que se neguem a cumprir serviço militar, mas sim os que queiram cumprir.

Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.

Os cozinheiros não pensarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.

Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos.

O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza.

E a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se quebrada.

A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.

Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.

As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua.

As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá crianças ricas.

A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la.

A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, voltarão a juntar-se, voltarão a juntar-se bem de perto, costas com costas.

Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.

A perfeição seguirá sendo o privilégio tedioso dos deuses, mas neste mundo, neste mundo avacalhado e maldito, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.”

Texto via Gilberto Godoy

Veja também:  Para que serve a utopia? – Eduardo Galeano

Discurso de Pablo Neruda ao ganhar o Prêmio Nobel da Literatura

Discurso de Pablo Neruda ao ganhar o Prêmio Nobel da Literatura

Ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971, o poeta evoca o território de sua juventude e prevê um mundo novo, em cuja construção a poesia não faltará.

Meu discurso será uma longa travessia, uma viagem minha por regiões longínquas e antípodas, não por isso menos seme­lhantes à paisagem e às solidões do norte. Falo do extremo sul do meu país. Nós, chilenos, nos afastamos tanto até tocar com nossos limites o Pólo Sul, que parecemos a geografia da Suécia, que roça com a sua cabeça o norte nevado do planeta.

Por ali, por aquelas extensões da minha pátria, para onde me levaram acontecimentos já esquecidos, deve-se atravessar, tive que atravessar os Andes, procurando a fronteira do meu país com a Argentina. Grandes bosques cobrem como um túnel as regiões inacessíveis, e, como o nosso caminho era oculto e vedado, aceitávamos somente os sinais mais débeis da orienta­ção. Não havia rastros, não existiam caminhos, e com meus quatro companheiros a cavalo procurávamos em ondulante ca­valgada – eliminando os obstáculos de árvores poderosas, impossíveis rios, rochas imensas, desoladas neves, adivinhando quase a rota da minha própria liberdade. Os que me acompa­nhavam conheciam a orientação, a possibilidade entre as gran­des folhagens, mas, para sentirem-se mais seguros montados em seus cavalos, marcavam com seus machados aqui e acolá os troncos das grandes árvores, deixando rastros que pudessem guiá-los no regresso, quando tivessem me deixado só com meu destino.

Cada qual avançava tolhido por aquela solidão sem mar­gens, naquele silêncio verde e branco; as árvores, as grandes trepadeiras, o húmus depositado por centenas de anos, os tron­cos semiderrubados, que repentinamente tornavam-se outra barreira na nossa marcha. Tudo era ao mesmo tempo uma na­tureza deslumbrante e secreta e uma crescente ameaça de frio, neve, perseguição. Tudo se misturava; a solidão, o perigo, o si­lêncio e a urgência da minha missão.

Às vezes, seguíamos um rastro estreitíssimo, deixado tal­vez por contrabandistas ou delinquentes comuns fugitivos, e ig­norávamos se muitos deles tinham perecido, surpreendidos de repente pelas glaciais mãos do inverno, pelas tremendas tormentas de neve que, quando se desencadeiam nos Andes, en­volvem o viajante, enterram-no sob sete andares de brancura.

A cada lado do rastro contemplei, naquela desolação sel­vagem, algo parecido com uma construção humana. Eram peda­ços de galhos acumulados que tinham suportado muitos inver­nos, oferenda vegetal de centenas de viajantes, altos túmulos de madeira para recordar os caídos, para fazer pensar naqueles que não puderam continuar e ficaram ali para sempre embaixo das neves. Também os meus companheiros cortaram com os seus machados os galhos que tocavam nossas cabeças e que desciam sobre nós desde a altura das coníferas imensas, desde os carvalhos cujas últimas folhas palpitavam antes das tempes­tades do inverno. E eu também fui deixando em cada túmulo uma recordação, um cartão de madeira, um galho cortado do bosque para enfeitar as tumbas de alguns daqueles viajantes desconhecidos.

Tínhamos que atravessar um rio. Esses pequenos manan­ciais nascidos nos cumes dos Andes se precipitam, descarregam sua força vertiginosa e atropeladora, transformam-se em casca­tas, rompem terras e rochas com a energia e a velocidade que trouxeram das alturas insignes: mas essa vez encontramos um remanso, um grande espelho de água, um vau. Os cavalos en­traram, perderam pé e nadaram até à outra margem. Em segui­da, o meu cavalo foi sobrepassado quase totalmente pelas águas; eu comecei a balançar sem nenhum apoio, meus pés boiavam enquanto o animal lutava por manter a cabeça ao ar li­vre. Dessa forma, atravessamos. No momento em que chega­mos à outra beira, os vaqueanos, os camponeses que me acom­panhavam, perguntaram-me com um certo sorriso:

– Sentiu muito medo?

– Muito. Achei que a minha última hora tinha chegado – disse.

– Íamos atrás do senhor com o laço na mão – responde­ram-me.

– Aí mesmo – acrescentou um deles – meu pai caiu e foi ar­rastado pela correnteza. Não ia acontecer a mesma coisa com o senhor.

Continuamos até entrar num túnel natural que talvez tives­se sido aberto nas rochas imponentes por um caudaloso rio per­dido, ou por um estremecimento do planeta que criou aquela obra nas alturas, aquele canal rupestre de pedra socavada, de granito, no qual penetramos.

Depois de poucos passos, as cavalgaduras já resvalavam, tentavam apoiar-se nos desníveis de pedra, suas patas dobra­vam-se, produziam-se faíscas nas ferraduras: mais de uma vez me vi atirado fora do cavalo e estendido sobre as rochas. O focinho e as patas da minha cavalgadura sangravam, mas prosse­guimos pertinazmente o vasto, o esplêndido, o difícil caminho.

Algo esperava por nós no meio daquela selva selvagem. Subitamente, como singular visão, chegamos a uma pradaria pequena e esmerada, encolhida no regaço das montanhas: água clara, prado verde, flores silvestres, rumor de rios e o céu azul em cima, generosa luz ininterrompida por nenhuma folhagem.

Ali nos detivemos como dentro de um círculo mágico, como hóspedes de um recinto sagrado: e ainda maior foi a condição de sagrada que teve a cerimônia da qual participei. Os vaqueiros desceram das suas cavalgaduras. No centro do recinto, estava colocada, como num rito, uma caveira de boi. Meus companhei­ros aproximaram-se silenciosamente, um por um, para deixar umas moedas e alguns alimentos nos buracos do osso. Uni-me a eles naquela oferenda destinada a toscos Ulísses extraviados, a fugitivos de todas as espécies que encontrariam pão e auxílio nas órbitas do touro morto.

Mas a inesquecível cerimônia não se deteve neste ponto. Meus rústicos amigos tiraram seus chapéus e iniciaram uma es­tranha dança, pulando num pé só ao redor da caveira abandona­da, repassando o rastro circular deixado por tantas danças de outros que passaram antes por ali.

Compreendi, então, de uma maneira imprecisa, ao lado dos meus impenetráveis companheiros, que existia uma comunica­ção de desconhecido a desconhecido, que havia uma solicitude, uma petição e uma resposta mesmo nas mais longínquas e afas­tadas solidões deste mundo.

Mais longe, já perto das fronteiras que me afastariam por muitos anos da minha pátria, chegamos à noite às últimas gar­gantas das montanhas. Subitamente, vimos urna luz acesa que era indício certo de habitação humana e, quando nos aproxima­mos, encontramos umas construções derruídas, uns galpões mi­seráveis que pareciam vazios. Entramos num deles e vimos, ao clarão do lume, grandes troncos acesos no centro da habitação, corpos de árvores gigantes que ali ardiam de dia e de noite e que deixavam sair pelas fendas do teto uma fumaça que flutua­va no meio das trevas como um profundo véu azul. Vimos mon­tões de queijos acumulados por aqueles que os coalharam na­quelas alturas. Perto do fogo, agrupados como sacos, jaziam al­guns homens. Distinguimos no silêncio as cordas de um violão e as palavras de uma canção que, nascendo das brasas e da escu­ridão, nos trazia a primeira voz humana que tínhamos encontra­do pelo caminho. Era uma canção de amor e de distância, um la­mento de amor e de saudade dirigido à primavera longínqua, às cidades de onde vínhamos, à infinita extensão da vida. Eles igno­ravam quem nós éramos, eles nada sabiam do fugitivo, eles não conheciam a minha poesia nem meu nome. Ou o conheciam, nos conheciam? O fato real foi que junto àquele fogo cantamos e comemos, e depois caminhamos dentro da escuridão até uns quartos elementais. Através deles passava uma corrente ter­mal, água vulcânica onde nos submergimos, calor que se des­prendia das cordilheiras e que nos acolheu no seu seio.

Chapinhamos com gozo, penetrando naquela água, limpando o peso da imensa cavalgada. Sentimo-nos frescos, re­nascidos, batizados, quando ao amanhecer empreendemos os últimos quilômetros da jornada que separar-me-iam daquele eclipse da minha pátria. Afastamo-nos cantando sobre as nossas cavalgaduras, repletos de um ar novo, de um hábito que nos empurrava para o grande caminho do mundo que estava me es­perando. Quando quisemos dar (recordo vivamente este fato) aos montanheses algumas moedas de recompensa pelas can­ções, pelos alimentos, pelas águas termais, pelo teto e pelos lei­tos, isto é,pelo inesperado amparo que encontramos, eles rejei­taram o nosso oferecimento sem um gesto. Eles tinham nos ser­vido e nada mais. E nesse nada mais,nesse silencioso nada mais havia muitas coisas subentendidas, talvez o reconhecimen­to, talvez os próprios sonhos.

Senhoras e Senhores:

Não aprendi nos livros nenhuma receita para a composição de um poema; e também não deixarei impresso nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria.

Se narrei neste discurso certos fatos do passado, se revivi um relato nunca esquecido nesta ocasião e neste lugar tão dife­rentes daqueles, foi porque no transcurso de minha vida tenho encontrado sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para endurecer-se em minhas palavras, mas para explicar-me a mim mesmo.

Naquela longa jornada, encontrei as doses necessárias para a formação do poema. Ali, me foram dadas as dádivas solenes da terra e da alma. E penso que a poesia é uma ação passageira ou solene na qual entram em igual medida a solidão e a solidariedade, o sentimento e a ação, a intimidade de si mesmo, a in­timidade do homem e a revelação secreta da natureza. E penso com não menor fé que tudo está sustentado – o homem e sua sombra, o homem e sua atitude, o homem e sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos porque de tal ma­neira os une e confunde. E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao atravessar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio duma vaca, ao ba­nhar a minha pele na água purificadora das mais altas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para comunicar-se depois com muitos outros seres, ou se era a mensagem que os outros homens me enviavam como exigência ou desafio. Não sei se vivi aquilo ou se o escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei na­quele momento, as experiências que cantei mais tarde.

De tudo isso, amigos, surge uma lição que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. To­dos os caminhos levam ao mesmo ponto: a comunicação daquilo que somos. E é preciso atravessar a solidão e a aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico no qual podemos dançar torpemente ou cantar com melancolia: mas nesta dança ou nesta canção estão consumados os mais antigos ritos da consciência, da consciência de ser homens e de crer num destino comum.

Na realidade, embora alguma ou muita gente tenha me considerado um sectário, sem possível participação na mesa comum da amizade e da responsabilidade, não quero me justi­ficar, não acredito que as acusações nem as justificações façam parte dos deveres do poeta. De qualquer forma, nenhum poeta administrou a poesia, e se algum deles dedicou-se a acusar os seus semelhantes, ou se outro pensou que poderia gastar a vida defendendo-se de recriminações razoáveis ou absurdas, tenho a convicção de que somente a vaidade é capaz de desviar-nos a tais extremos. Digo que os inimigos da poesia não estão entre os que a professam ou resguardam, mas na falta de concordância do poeta. Por esta razão, nenhum poeta tem um inimigo mais essencial do que a sua própria incapacidade para entender-se com os mais ignorados e explorados dos seus contemporâneos; e isso acontece em todas as épocas e em todas as terras.

O poeta não é um pequeno deus. Não, não é um pequeno deus. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outros misteres é ofícios. Tenho expres­sado frequentemente que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não pen­sa que é deus. Ele realiza a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, colocar no forno, dourar e entregar o pão cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chegar a al­cançar esta consciência simples, poderá também a cons­ciência simples converter-se em parte de um colossal arte­sanato, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega de uma mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta se incorpo­rar a esta luta nunca gasta a fim de consignar cada qual nas mãos do outro sua ração de compromisso, sua dedicação e sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho da Humanida­de inteira. Somente por este caminho inalienável de ser homens comuns chegaremos a restituir à poesia o amplo espaço que lhe é recortado em cada época, que nós mesmos lhe recortamos em cada época.

contioutra.com - Discurso de Pablo Neruda ao ganhar o Prêmio Nobel da Literatura

Os erros que me levaram a uma relativa verdade, e as ver­dades que repetidas vezes me conduziram ao erro, ambos não me pertimiram – nem eu nunca pretendi isso – orientar, dirigir, ensinar o que é chamado de processo criador, de caminhos da li­teratura. Mas pude verificar uma coisa: que nós mesmos vamos criando os fantasmas da nossa própria mitificação. Da argamassa do que nós fazemos, ou queremos fazer, surgem mais tarde os impedimentos do nosso próprio e futuro desenvolvi­mento. Vemo-nos indefectivelmente conduzidos à realidade e ao realismo, isto é,a tomar uma consciência direta daquilo que nos rodeia e dos caminhos da transformação, e depois compreen­demos, quando parece tarde, que construímos uma limitação tão exagerada que matamos o que vive, em vez de fazer a vida desenvolver-se e florescer. Impomo-nos um realismo que poste­riormente nos resulta mais pesado que o tijolo das construções, sem que por isso tenhamos levantado o edifício que contemplávamos como parte integral do nosso dever. E, em sentido con­trário, se conseguimos criar o fetiche do incompreensível (ou daquilo que é compreensível para poucos), o fetiche do seleto e do secreto, se suprimimos a realidade e suas degenerações rea­listas, nos veremos de repente rodeados por um terreno impos­sível, por um pântano de folhas, de barro, de nuvens, no qual afundam os nossos pés e somos afogados por uma incomunicação opressiva.

Quanto a nós em particular, escritores da vasta extensão americana, escutamos sem trégua a chamada para encher esse espaço enorme com seres de carne e osso. Somos conscientes da nossa obrigação de povoadores e – ao mesmo tempo que nos re­sulta essencial o dever de uma comunicação crítica num mundo desabitado, porém, não por desabitado, menos cheio de injusti­ças, castigos e dores – sentimos também o compromisso de recu­perar os antigos sonhos que dormem nas estátuas de pedra, nos antigos monumentos destruídos, nos largos silêncios de pampas plantários, de selvas espessas, de rios que cantam como tro­vões. Necessitamos colmar de palavras os confins de um conti­nente mudo, e nos embriaga esta tarefa de fabular e de nomear. Talvez essa seja a razão determinante do meu humilde caso in­dividual: e, nessa circunstância, os meus excessos, a minha abundância ou a minha retórica, não seriam nada mais que atos, os mais simples, do mister americano de cada dia. Cada um dos meus versos quis se instalar como um objeto palpável; cada um dos meus poemas pretendeu ser um instrumento útil de traba­lho; cada um dos meus cantos aspirou a servir no espaço como signo de reunião onde os caminhos se cruzaram, ou como frag­mento de pedra ou de madeira em que alguém, outros, os que virão, pudessem depositar os novos signos.

Ampliando estes deveres do poeta, na verdade ou no erro, até as suas últimas consequências, decidi que a minha atitude dentro da sociedade e perante a vida devia ser também humil­demente partidária. Decidi isso vendo gloriosos fracassos, soli­tárias vitórias, derrotas deslumbrantes. Compreendi, imerso no cenário das lutas da América, que minha missão humana era a de unir-me à extensa força do povo organizado, unir-me com sangue e alma, com paixão e esperança, porque somente desta torrente impetuosa podem nascer as mudanças necessárias para os escritores e para os povos. E embora minha posição tenha causado e cause objeções amargas ou amáveis, o certo é que não encontro outro caminho para o escritor dos nossos amplos e cruéis países, se não queremos que a escuridão floresça, se pre­tendemos que os milhões de homens que ainda não aprenderam aler-nos nem a ler, que ainda não sabem escrever nem escre­ver-nos, se estabeleçam no terreno da dignidade sem a qual não é possível serem homens integrais.

Herdamos a vida dilacerada dos povos que arrastam um castigo de séculos, os povos mais edênicos, os mais puros, aqueles que construíram com pedras e metais torres milagro­sas, joias de fulgor deslumbrante; povos que de repente foram arrasados e emudecidos pelas épocas terríveis do colonialismo que ainda existe.

Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há luta nem esperança solitárias. Em todo homem se jun­tam as épocas remotas, a inércia, os erros, as paixões, as urgên­cias do nosso tempo, a velocidade da História. Mas o que seria de mim se eu, por exemplo, tivesse contribuído de alguma ma­neira com o passado feudal do grande continente americano? Como poderia eu levantar a cabeça, iluminada pela honra que a Suécia me outorgou, se não me sentisse orgulhoso de ter toma­do uma mínima parte na transformação atual do meu país? É preciso olhar o mapa da América, encarar a grandiosa diversi­dade, a generosidade cósmica do espaço que nos rodeia, para entender que muitos escritores se negam a compartir o passado de opróbrio e de pilhagem que obscuros deuses destinaram aos povos americanos.

Escolhi o difícil caminho de uma responsabilidade compartida e, em vez de reiterar a adoração ao indivíduo como sol cen­tral do sistema, preferi entregar com humildade o meu serviço a um considerável exército que pode errar às vezes, mas que ca­minha sem descanso e avança cada dia, enfrentando tanto ana­crônicos recalcitrantes, quanto enfatuados impacientes. Porque acredito que meus deveres de poeta não me indicavam somente a fraternidade com a rosa e a simetria, com o exaltado amor e a nostalgia infinita, mas também com as ásperas tarefas humanas que incorporei à minha poesia.

Há exatamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “À l’aurore, armes d’une ardente patiente, nous entrerons aux splendides Villes” (Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades).

Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. Venho de uma obscura província, de um país separado de todos os outros pela sua talhante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre ti­ve confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.

Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nes­sa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquista­remos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.

Assim a poesia não terá cantado em vão.

Tradução de Cláudia Schilling

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