Por Nara Rúbia Ribeiro
Maria Augusta Ribeiro, poetisa portuguesa, impressiona-nos por sua singular sabedoria. Esse saber inerente a uma profunda reflexão cotidiana e a um apurado senso estético transparece serenamente em seus poemas.
Selecionamos, aqui, alguns poemas e excertos encontrados em seu blog Litoral do Sonho. Para adornar os textos (embora nem necessitem de adorno), telas de Jacob Camille Pissarro (1930 a 1903), pintor francês. Um dos marcos do impressionismo.
Levanta-te Portugal
Mete o teu mal na cadeia
Volta a ser o Portugal
Que confia e semeia
Deixa lá o que se diz
Vamos juntos a Belém
Onde há uma mãe feliz
Que tu fizeste rainha
E ela disso não esquece.
Levanta-te pátria minha
Porque amor, amor merece!
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De tanto pensar, perdida
Começo a ficar confusa:
Sou eu quem usa a vida
Ou a vida é que me usa?
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Não te vejo…não te sinto
Não te imagino sequer
Hoje sou um ser faminto
Com perfume de mulher…
Entretanto a tarde ri
Talvez de mim ou de ti…
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Limbo
Naquele lugar
Onde á noite se deitara
Cara gelada
Duplamente fria
Sobre o chão da cidade
Que ele amara
Um português morria…
Ao seu lado
Um triste cão uivando
Naquela noite quando
Nem Portugal havia!
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OUTONO
Alguém já reparou que o no outono
O sol parece ter sono?
Escorre pelas ladeira
Como um manto de cambraia
E nos telhados as telhas
Pintam de vermelho a saia?
Pelos fios estão pousados
Uns pássaros arrepiados
Que soltam gritos pagãos.
Enquanto as águas do rio
Assustadas pelo frio
Escondem o rosto nas mãos.
Retóricas roseiras
Parecem ser as primeiras
A despedir-se de nós
Estática e em surdina
A terra sempre menina
Lembra os ecos dos avós.
O horizonte calado
Deitado, sempre deitado,
Colhe os restos do verão,
Enquanto de madrugada
Se deixa beijar no chão.
Enfim, quando a noite desce
O ar já que já arrefece
Vai instalando verdade
Fica o torpor da saudade
Em quem ainda acredita
Que é em silêncio que se grita.
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Se tu fosses ferro
Moldava-te ao lume
Se tu fosses onda
Fazia-te cais
Se tu fosses ouro
Não tinha ciúme
Se fosses pátria
Amava-te mais
Se tu fosses gente
Só por ti orava
Se tu fosses vida
Dava-te valor
Se fosses enfermo
Curava-te a dor
Se fosses impuro
Eu te protegia
Se tu fosses noite
Abria-te os braços
Abria-te o dia
Assim, como és sonho,
Faço-te em pedaços
E, com toda a calma,
Lanço-te na vala
Do lixo da alma.
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Falam de ti as lúbricas escolhas
Teu doce lábio beijarei jamais
Enquanto voam decepadas folhas
Da minha alma se despedem ais
Penso que a vida aos poucos me abandona
De ti me afastam brumas outonais
São trepadoras como a beladona
Perfumam só momentos ideais
Guardo de ti a expressão e o ardor
Gravada tua imagem no meu peito
Não voltaremos a falar de amor
Ninguém se gabe nunca do efeito
De um sentimento que á vida dá valor
Pois que sendo amor seja perfeito
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Porque sou de outonais poentes
e venho de todas as margens.
É que nos meus lábios ausentes
os beijos são viagens.
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Sem abrigo
Ficou ali
Debaixo de uma escada
Tirou dos sacos uma manta usada
Que estendeu no chão
Fez um ninho de cão
Com palha e farrapada
Cobriu-se com jornais
(Que até falavam dele
E outros tais
Pois cada vez há mais!)
Fez um docel
Com uma velha pele
Rafada
Encomendou-se ao Nada
E dormiu
A cidade, passando açodada
Não via nada
E a familia
Fingia que não o conhecia…
Ali ficou até anoitecer
Viriam as senhoras a oferecer
Sopinha quente e uma maçã
Só para confortar
E ele irá guardar
Em cada mão
Um pão
Para comer de manhã
Se acordar…
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Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra
Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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