16 frases impactantes de Frida Kahlo

16 frases impactantes de Frida Kahlo

A mulher de flores na cabeça, bordado colorido e testa proeminente. Ela encontrou na arte o melhor caminho para uma mente cansada e um corpo exaurido pela dor. Uma mulher que conheceu bem o sofrimento: passou por mais de 30 cirurgias, mas reuniu forças para continuar. No mais, muito sofreu por amor; um amor doentio e volátil. Falamos, é claro, Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón: Frida Kahlo.

Trata-se da pintora autodidata mexicana que ainda hoje é sinônimo de empoderamento e liberdade, inteligência e personalidade. Ela é a feminista que vestiu o orgulho de ser mexicana, de ser mulher apaixonada e sonhadora.

É reconhecida como um dos maiores nomes da pintura mexicana, e seu trabalho, documento metafórico que retrata a sua vida, é um dos mais valorizados e admirados não só no México, como internacionalmente. Trouxemos aqui não a pintura, mas algumas das frases mais conhecidas de Frida para que conheçamos a sua visão poética do mundo.

“Pés, por quê os amaria, se eu tenho asas para voar?”

“Se eu pudesse lhe dar alguma coisa na vida, eu lhe daria a capacidade de ver a si mesmo através dos meus olhos. Só então você perceberia como é especial para mim. ”

“Eu sou a desintegração.”

“Amuralhar o próprio sofrimento é arriscar que ele te devore a partir do teu interior.”

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“Bebia para afogar as mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar.”

“Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor.”

“Acho que é melhor nos separarmos e eu ir tocar a minha música em outro lugar, com todos os meus preconceitos burgueses de fidelidade.”

“Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como o gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.”

“(E o que mais dói) é viver num corpo que é o sepulcro que nos aprisiona (segundo Platão), do mesmo modo como a concha aprisiona a ostra.”

“Espero que a partida seja feliz e espero nunca mais voltar.”

“Se existe vida após a morte, não me esperem, porque eu não vou.”

“Diego, houve dois grandes acidentes na minha vida: o bonde e você. Você, sem dúvida, foi o pior deles.”

“Creio que o melhor é partir, ir-me e não fugir. Que tudo acabe num instante.”

“Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade.”

“A dor é parte da vida e pode se tornar a própria vida.”

Tive um sonho, de Hugo Santos (Interpretação de José-António Moreira)

Tive um sonho, de Hugo Santos (Interpretação de José-António Moreira)

Tive um sonho
(Hugo Santos)

Tive um sonho: uma escola aberta, voltada para a luz dos astros, com uma vozinha a inquirir-me do fundo da sala: «Eh, professor, tu sabes isto?». E eu a dizer que não e a esperar que me ensinem.

Tive um sonho: uma escola sem horários, aberta de manhã à noite, com as paredes forradas de pássaros e de sonhos, e com bolas de sabão voando por dentro do coração das palavras e dos números.

Tive um sonho: uma escola sem planos, sem fichas, sem esboços, com a vida sentada a nosso lado, a ensinar-nos as canções de todas as infâncias e a mostrar-nos por onde passam os rios de todas as memórias.

Tive um sonho: uma escola com o chão atapetado de música, para que nos passos ressoem os acordes dos assombramentos.

Tive um sonho: uma escola dentro dum oceano, para que todos pudéssemos ser pescadores de pérolas e utopias.

Tive um sonho: uma escola debruçada para o país que somos e para o país que temos, para que professores e alunos aprendam todos os dias onde descansam os vales, vigiam as serras e o coração das coisas adormece no justo lugar em que as palavras e as emoções se confundem.

Tive um sonho: uma escola com uma floresta crescendo por dentro das salas, alcatifada de nenúfares, com a luz a bater nas folhas das palavras e os frutos crescendo nas pequenas mãos entreabertas.

Tive um sonho: uma escola que diga: «Aqui é a tua casa. Entra». E, ao entrar nos apercebamos de que aquela é a nossa casa e que, para lá dela, todas as outras casas nos pertencem.

Tive um sonho: uma escola onde o olhar saiba adormecer serenamente como os silêncios e não seja precisa a voz para proclamarmos a festa de estarmos.

Tive um sonho: uma escola onde ensinar e aprender sejam sinónimos e não se saiba nunca o suficiente para nos congratularmos com o êxtase da sabedoria.

Tive um sonho: uma escola, um álamo, um rouxinol anunciando as albas e os crepúsculos. E nós a garatujarmos em papel transparente o coral duma lágrima de emoção inesperadamente sobrevinda.

Tive um sonho: e por dentro do sonho uma casa, uma escola, um regato de peixes prateados. E o Sol, grande, de mil cores, dos desenhos das crianças a pousar-nos nas mãos enternecidas.

Interpretação de José-António Moreira

Não sei quantas almas tenho, Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho, Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

No vídeo, interpretação de José-António Moreira

Um retorno à casa da infância

Um retorno à casa da infância

Não é por acaso que quando retornamos à casa onde crescemos, tudo parece menor. Os cômodos são vistos por diferentes perspectivas e o que parecia uma caverna secreta sob a escada, nada mais é do que um pequeno vão estrutural.

Assim como a nossa visão da casa transmuta-se em novas formas, mudam também as memórias e os sentimentos relacionados a elas.

Na casa da minha infância, o pai não era bem-vindo. Como ele sempre teve seus negócios em outros estados, sua chegada era um momento de tristeza e perda da liberdade para brincar e sonhar sem censura. Muitas de suas falas eram brindadas com um sorriso irônico e palavras de desdém e humor debochado que sempre desvalorizava a esposa e aos filhos. Era daquele tipo clássico: bom para as pessoas de fora e ruim para a família.

Apesar de tudo, havia em sua chegada uma esperança que surgia da minha ingenuidade infantil: ganhar um brinquedinho novo! Do sofá da sala, ele ouvia meus pedidos. Às vezes comprava, em outras, negava e em outras ainda, em atitude de humilhação, amassava a uma nota de dinheiro e jogava para eu correr pegar. Minha mãe, já com o olhar de sonho desgastado, intervinha e interrompia o ciclo do abuso. Com seu salário suado de professora, dava um jeito e comprava o brinquedinho, assim como sustentava a casa sozinha.

Na época, a sequência de atitudes como essa, traçava suas marcas na carne, mas o tempo apaga os rancores e, das lembranças de maior crueldade, só restou o desinteresse afetivo pela figura paterna.

Naquela casa, entretanto, existia amor de mãe e, atravessando a rua, todo o aconchego do afeto dos avós. Embora também não houvesse cumplicidade fraterna, pois a irmã saiu ao pai, no quintal reinava um espaço de sonhos para satisfazer a imaginação de qualquer criança. Muita terra, galinheiro, balanço na árvore. A distração das tardes era seguir carreira de formiga, brincar com os gatos e fazer expedições aos pontos mais distantes do quintal – desafiando todo o medo que a empreitada exigia. Com relação ao taquaral, a mãe avisava do risco de cobra ou de alguém escondido. Mas sabe como é criança, vai onde não pode e vê para crer. Quem construiu o balanço? Claro que foi o avô!

No quintal da minha infância, desvendei mistérios, encontrei pedras que, para mim, eram preciosas, testei os limites do fogo, tive contato e respeito pela natureza em encontros com lagartos, cobras, gambazinhos e um dia até um tatu-bola que pensei ser um gato enrolado. Cresci, balançando em pé de ameixa, comendo a goiaba na árvore e fazendo milhares de bolinhos de barro. Eram bem servidas as minhas bonecas.

Crescer, trouxe a consciência das atitudes perversas, mas como um plano distante. Não há perfeição em família e é só essa compreensão que permite que o espaço vago seja destinado ao cultivo de pequenas margaridas. Onde um dia foi encontrada terra seca e infértil, é possível achar os caminhos para a criação dos sonhos pelo afeto que transborda de outros familiares. No brincar, extravasar frustrações e construir novos sonhos. Em outras pessoas queridas, encontrar as figuras substitutas que nos regam com amor e exemplo.

Para olhos tristes, violetas na janela. Para o suspiro pesado do desabafo, brisa com cheiro de mato. Para os momentos tensos, abraço de mãe e o mimo dos avós.

Passeando pela casa da minha infância, conheci nuanças da maldade humana, mas, encontrei abrigo na fantasia e na proteção familiar. As marcas não tão bonitas de desamor paterno cicatrizaram devagarinho. Não sei exatamente se trouxeram alguma maturidade, mas, com certeza banharam-me de poesia.

Hoje já não há pai, mas, a casa continua repleta de sonhos.

Carta à introspectiva que me habita

Carta à introspectiva que me habita

Hoje eu queria falar com você. Sim, você que me olha por trás da porta e prefere a luz do abajur ao lustre da sala de jantar. Você, que coleciona leituras e grifa livros pra revisitá-los quando bem desejar. Você, que queria ser notada na adolescência mas sentia-se mais inadequada que capaz. Você, que é o oposto daquela que ousou escrever alguns textos num blog; aquela que hoje divulga mais da sua vida do que você seria capaz de aguentar. Você, que de noite sai de seu esconderijo e vem me (se) recriminar por andar tão íntima da vida.

Sabe, gosto do seu jeito. Entendo sua necessidade de reclusão e quietude. Seu anseio por fechar-se em seu mundo, onde arquiteta a vida e organiza os sonhos. Mas de vez em quando você se pune demais. Engasga na frente de um conhecido que vem lhe dizer que gostou da última postagem e tenta se desculpar por ser tão cara-de-pau, capaz de inventar enredos numa rede social.

Temos que nos respeitar mais. Sim, nós duas. Nossa convivência já teve períodos bons, como quando você me fechou por um tempo, estudando com afinco para o vestibular (quando enfim entramos na faculdade, aí sim você me deixou aflorar). Fui mais livre que as asas da borboleta e não houve uma única noite em que me condenou por ser tão feliz. Mas então veio a formatura, o fim daquele namoro sério, a vida se enchendo de cimento e cal. Endurecemos juntas, e _ perdão pelo trocadilho_ aprendemos o quanto doeram nossas juntas. Você veio à tona com uma ferocidade aguda, tentando encontrar um rumo para nossas vidas que agora tamborilavam fora do prumo.

Com o tempo a vida se reorganizou, e pude encher meu peito de festa novamente. Veio a fase de casar, ter filho, apaziguar o coração.

Mas a gente não controla tudo. Aliás, temos controle sobre muito pouco. E por mais que imaginemos que nossa vida anda nos trilhos, de vez em quando pequenos abalos nos permitem enxergar melhor o que vai dentro de nós e nem tivemos a ousadia e delicadeza de perceber.

Algumas curvas são necessárias e turbulências fazem parte de vôos rotineiros. Não devem ser encaradas como tormentas, apenas gatilhos para uma existência mais equilibrada.

É você, minha introspecção, que me dá chão. Que me permite olhar para os problemas e com calma acreditar que há uma solução. Que me resguarda dos riscos supérfluos e ensina que a vida é feita de ciclos necessários. Que me autoriza a estar quieta mesmo quando a existência grita pedindo alguma resposta. Que ampara minha individualidade no meio de tanta gente padronizada e clonada.

E descubro agora que preciso lhe respeitar mais. A aceitar esse lado que me habita com serenidade, sem negá-lo ou tentar transformá-lo em algo novo ou diferente. Foi assim desde o princípio, se lembra? Somos a menina que, na formatura da pré escola, segurou a letra “X” e ouviu da professora: ‘já que ela não fala, fica com a letra X, não há frases com esta letra…’ A professora não sabia, mas a menina tímida e introspectiva não era só isso; e, principalmente, não tinha somente sua quietude a oferecer.

Ainda assim, preciso que se perdoe por não ser tão expansivamente atraente. Por não adotar a extroversão como o método de conquista mais aceito, e portanto mais fácil. Por buscar sua autenticidade mesmo que isso custe alguns momentos de desconfortável silêncio. Somos duas, e minha pressa de ser feliz negocia com seu tempo de ser simples e aproveitar o momento.

Nos completamos enfim. E agora abro a porta e lhe convido a ficar. Diminuo a luz, e juntas brindamos à vida com aquele vinho que você tanto gosta. Já não cabem mais julgamentos ou regras para nossa convivência.

Vamos desarmar nossas defesas, insistir em nossa leveza, somar delicadezas. Descobriremos afinidades, desejos de simplicidade, desapego de superficialidades. Falaremos do tempo que restaura, das novas alegrias, daquilo que hoje faz nossa pele arrepiar e o coração acelerar. Não haverá mais espaço para os pequenos percalços, granizos diminutos de nossas tempestades passadas. Acima de tudo, seremos tolerantes ao silêncio que nos habita. O silêncio que fala de esperança e lucidez. O silêncio que acalma e conforta.

O silêncio que um dia você me segredou que também é parte do tecido de que somos feitos. O silêncio que só precisamos ser, permitir sentir… Bem-vinda!

Vício tecnológico já é uma epidemia, diz psicólogo da USP

Vício tecnológico já é uma epidemia, diz psicólogo da USP

A febre dos selfies e do uso de telefones celulares e tablets o tempo todo é um sintoma bem mais grave do que um simples modismo, aos olhos do psicólogo Cristiano Nabuco, doutor em psiquiatria e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP). Um dos principais estudiosos sobre dependência tecnológica do país, ele esteve em Porto Alegre, na semana passada, para o 13º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, promovido pelo Sinepe-RS.

Nesta entrevista, fala sobre os riscos dos transtornos ligados ao uso da tecnologia e analisa o comportamento da sociedade diante desses recursos. Segundo ele, estamos vivendo uma epidemia. Por semana, Nabuco recebe pelo menos 30 mensagens de pessoas que buscam o grupo da USP para pedir ajuda e se livrar do “vício tecnológico”.

Quando a interação com computadores e internet vira problema?

No momento em que o indivíduo começa a negligenciar atividades do cotidiano por preferir interagir com a plataforma digital. Por exemplo, uma pessoa deixa de se relacionar com outras porque prefere ficar nos chats ou bate-papos das redes sociais. Ou deixa de se divertir para jogar videogame. O diagnóstico da dependência tecnológica deriva de uma aproximação com os critérios para detectar o jogo patológico, que, por sua vez, tem um diagnóstico derivado do uso abusivo de álcool e drogas. Há um estudo em que fizeram exames de ressonância magnética em indivíduos dependentes de álcool e drogas. Compararam com usuários pesados de computador e observaram o mesmo tipo de desgaste.

Quais as consequências disso?

Imagine se você tem 15 anos, pesa 140 quilos e tem dificuldade de sair à rua porque não interage com seus pares. A internet dá a possibilidade de controlar um pouco melhor a imagem que você exibe para o mundo. Ela serve de amortecedor para um tipo de contato que é carregado de tensão, desconforto. Rapidamente, esse indivíduo desenvolve o que chamamos de personalidade eletrônica, uma imagem mais adequada e sensata daquilo que ele gostaria de ter. Muitos falam: “A internet é meu Prozac virtual, cada vez que entro, sinto-me bem”. Não há somente o aspecto psicológico, há o bioquímico. Sabe-se que, depois de oito minutos usando determinadas funções do computador, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor que dá a sensação de prazer, motivação. Isso é muito sério. Vi o caso de um jovem que ficava 55 horas ininterruptas conectado, urinava nas calças. A cada 10 horas, ele subia o escore do personagem dele, e dizia: “Lá, eu me sinto alguém”. Pessoas que desenvolvem depressão, fobia social ou transtorno bipolar estariam mais em risco. Isso independe da idade.

Como tratar esse transtorno em uma realidade totalmente digital?

A ideia é introduzir o mínimo de ordem na casa. Não quer dizer jogar o celular pela janela, embora isso já exista, de alguma forma, em escolas do Estados Unidos. Sabe onde ficam? No Vale do Silício, a maior concentração de empresas tecnológicas do mundo. Se esses executivos estão colocando os filhos em escolas assim, devem ter alguma informação importante para a gente analisar. Devemos começar a ensinar aos jovens a evitar tarefas simultâneas — não sei quem foi o “gênio” que inventou a expressão que os jovens são multitarefas, como se o cérebro pudesse fazer tudo ao mesmo tempo. Não faz. Olha o que a gente vê por aí… Aonde as pessoas vão, fazem fotos. É uma verdadeira epidemia, e as pessoas não se deram conta. Há uma grande linha de pesquisa que diz ser a geração digital, que nasceu a partir de 1995, a geração perdida. Embora ela tenha acesso à informação, essa informação não está virando conhecimento.

A exposição das crianças a essa tecnologia deveria começar quando?

Nunca antes dos dois anos. A criança, às vezes, não consegue com o peso da cabeça e já está com um tablet. O cérebro da criança tem um determinado tempo de maturação. Os brinquedos antigos dão chance ao cérebro, à medida que a criança interage, cria sintonia, refinamento motor e cognitivo. No momento em que você coloca um tablet, cheio de luzes, efeitos, no colo de uma criança, aquilo não respeita qualquer ecologia psicológica. Vá a um restaurante em um domingo e veja o que está acontecendo: cada um tem seu telefone celular. Não conversar é o de menos! Pela primeira vez na história, o acúmulo de conhecimento não está sendo sinônimo de um salto qualitativo intelectual das pessoas.

Isso tem a ver com a dificuldade de foco dos jovens?

Eles são invadidos por um nível excessivo de ansiedade. Tudo aquilo que não gerar ansiedade não vai trazer atenção para eles, estão condicionados. Tem de se criar algo assim: “quer ter seu computador, ok, mas desliga enquanto a gente conversa”. Mas os pais também têm de abrir mão disso. Como querem que os filhos sigam essa regra se eles mesmos não o fazem? É preciso conscientizar os pais de que algo tem de ser feito para proteger a saúde mental dos seus filhos.

Quais os sinais da dependência?

Há oito itens que descrevem exatamente esse uso excessivo já migrando para o que se chamaria de uso patológico. Nós, das gerações mais velhas, não tivemos esse contato com a tecnologia para delinear qual o tamanho do risco. A geração que a gente deveria proteger está um passo à frente fazendo coisas que a gente sequer sabe. A geração digital fala a língua da tecnologia, que não tem sotaque. Costumo brincar: fique atento à geração que cresceu na frente de um joystick, porque ela terá outro jeito de pensar e funcionar e, no final da história, será efetivamente diferente.

8 sinais da dependência tecnológica

1) Preocupação excessiva com a internet

2) Necessidade de aumentar o tempo online para ter a mesma satisfação

3) Exibir esforços repetidos para diminuir o tempo de uso da tecnologia

4) Apresentar irritabilidade ou depressão

5) Quando o uso da internet é restringido, apresentar instabilidade emocional

6) Ficar mais conectado do que o programado

7) Ter trabalho e relações sociais em risco

8) Mentir a respeito da quantidade de horas conectado

Fonte: ZH Vida
Matéria de Bruna Porciúncula

A força de Frida Kahlo

A força de Frida Kahlo

“Pensaram que era surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade”.

A frase, dita pela pintora mexicana Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, ou simplesmente Frida Kahlo, nos faz começar a entender as obras dessa que é uma das figuras mais importantes de todo o século XX. A história de Frida encontra importância em vários aspectos de sua vida. De gênio forte e personalidade irreverente, sua vida foi marcada por um turbilhão de acontecimentos, os quais ilustram suas pinturas e as tornaram representações fantásticas de suas experiências.

Nascida em Coyoacán, no México, em 1907, logo aos seis anos contraiu poliomielite, doença que a deixou com uma lesão em um dos pés e com uma perna mais fina que a outra. Anos depois, aos dezoito anos, Frida sofreu um acidente de ônibus, o qual a deixou com sequelas e complicações para o resto de sua vida. Na ocasião, seu ônibus escolar se chocou com um trem, onde uma barra de ferro atravessou seu corpo, ferindo-a da bacia à vagina. Foi aí então que, de fato, começou a história da emblemática pintora.

Durante sua recuperação, passou a pintar o que via no espelho à sua frente: na cama, com coletes ortopédicos e sofrendo com dores intensas, ela conseguia transferir para as telas o que estava sentindo tanto em seu corpo como em sua mente. E foi com essa transmissão de sentimentos que ela pintou durante todos os anos de sua existência.

A beleza de Frida sempre foi ímpar. Quando vemos pela primeira vez um retrato seu, as sobrancelhas grossas, as roupas floridas (em homenagem ao seu país), o cabelo irreverente e o olhar marcante nos provocam certo impacto, mas logo nos vemos envolvidos pela sua grandiosidade, e é fácil contemplar e admirar sua figura. A força que a beleza de Kahlo transmitia encantava homens e mulheres.

Casou-se duas vezes com Diego Rivera, um dos mais importantes pintores da história do México, e tiveram, nas duas vezes em que foram casados, relações extremamente turbulentas. Traições, de ambas as partes, desgastaram os casamentos e deprimiram profundamente Frida. Rivera a traiu com sua irmã, Cristina, e juntos tiveram seis filhos. Posteriormente, a pintora perdoa o marido e retoma o casamento, sem, contudo, perdoar a irmã. O segundo casamento do casal foi tão turbulento quanto o primeiro. Diego chegava a afirmar que permitia que a esposa o traísse com outras mulheres (Frida nunca escondeu sua bissexualidade), entretanto jamais admitiria que ela mantivesse relações com outros homens. Um dos relacionamentos mais famosos de Kahlo foi com Leon Trótski nos tempos em que o intelectual abrigou-se no México quando fugia de Stálin. Além dele, relacionou-se com diversos outros intelectuais, artistas e figuras importantes, mas nunca escondeu sua profunda ligação por Diego.

Extravagante, bissexual, comunista, intelectual e artista. A mexicana nunca se escondeu por trás de máscaras. Participou de manifestações e inúmeros atos políticos. Viveu intensamente, apesar de todos os problemas de saúde que permearam sua vida. Sua dor foi fonte principal de inspiração. Chegou a declarar que pintava a si mesma porque era sozinha e porque era o assunto que conhecia melhor. Seu comportamento único e sua superação diante de tantos problemas a transformaram em um símbolo que vai além da arte. Ela é marca e fonte de inspiração para todos, mas principalmente para as mulheres, as quais podem encontrar em sua história de vida e de luta motivos para se superarem.

Uma mulher à frente de seu tempo, que vestia-se de flores e se cobria de tinta e política. Uma mulher que enfrentou seus medos e que teve, em sua desgraça, sua maior contemplação. Frida Kahlo foi (e continuará sendo) uma mulher maravilha.

Texto de Brisa Libardi, Fonte: Lado M

Aos juízes do mundo, declare: “Não sou réu!”.

Aos juízes do mundo, declare: “Não sou réu!”.

Não é que nunca tenham sonhado aqueles que mandam os outros jogarem seus projetos de nuvem no lixo ou no fogo. Devem ter perdido o fogo ao jogarem seus sonhos no lixo. Desses dementadores da esperança, crescem os desertos de amargura. Sempre prontos a apontar as falhas dos outros, a murchar as alegrias infladas de crença no futuro, não oferecem soluções ou alternativas que não sejam mastigadas pelos dentes da usura. Apenas oferecem a penalidade ao sonhador. Sonhos são perigosos, pois podem se tornar realidade. Realidade dura de ser encarada por aquele que desistiu dos seus caminhos e parou na primeira sombra que encontrou.

O aluno brilhante dos protocolos não se conforma com o brilho dos desajustados. Vive com a mão levantada e o dedo a postos, disposto a denunciar a verdade sobre o que é o que não é, considera-se legitimado pelo poder de dizer o que é bom ou não, o que merece ou não ser acessado, considerado. Dessas declarações as contradições são condições, afinal, o desejo de aprovação faz parte dos protocolos também. Vai-se com a maioria simpatizante, muda-se de ideia não por si, mas para ser aceito, para estar no ritmo, para não mudar. Ironicamente, são as centelhas que estes juízes já não conseguem acender em si que os atrai naqueles que ainda as tem. Tantas vezes, apenas para destruí-las.

Quem nunca tentou compartilhar com uma alma amiga a sua alegria, uma conquista, uma esperança, um sonho, e foi enxotado pela reprovação pouco refletida da outra parte? O aspirante a escritor ouve do leigo que aquilo não é poesia, não é literatura, que é simplório; o aspirante a artista que escuta que seus desenhos são pouco realistas; que seus traços são grotescos, que não é original; o pretenso ator escuta que é bonitinho mas não terá futuro; assim também com o músico, que tem apontadas as suas desafinações e a simplicidade ingênua das suas composições; ou o pretenso físico, escuta que não consegue sequer lidar com simples contas matemáticas, quanto mais a laboriosa física! À todos os quixotes, que desconhecem berços de ouro e colchões de pena, reservam-se silêncios desconfortáveis e debochados.

Quantas vezes estas repreensões vêm cedo, vêm de dentro de casa, vêm dos amigos. Quem pode culpar que critiquem? Essa é talvez a única forma que tenham de expressar tamanha a dor que sentem por não poderem desfrutar dessa alegria de acreditar, de se permitir, de correr atrás de algo que lhe faça desejar gritar aos quatro ventos a sua euforia. Não se pode afastá-los todos da vida, estas pessoas queridas, por mais que a descrença deles nos doam, é preciso entender que não é nada pessoal, é só que não podem oferecer o que não têm.

Pode ser que realmente apenas queiram aquilo o que acreditam ser bom, não desejam deixar que o sonhador tropece em suas próprias pedras, enfrente suas próprias tempestades, quebre a própria cabeça. Estes que já o fizeram ou temeram tanto a violência do fracasso, que sentiram suas ferroadas antes mesmo da ação, querem ser escudo dos “ingênuos”. Não imaginam que talvez não sejam estes tão ingênuos, não respeitam que estes ingênuos podem suportar essas dores, não se dão conta de que o mesmo escudo que impede o fracasso é o escudo que bloqueia a possibilidade de realização.

É tão difícil entender que o caminho por si só vale a pena. Vivemos para quê afinal? Como seria o mundo se todas as pessoas vivessem da mesma forma, desejassem as mesmas coisas, sustentassem os mesmos comportamentos? O lance de desejar intensamente alguma coisa, ainda que seja difícil, ainda que pareça distante, não consiste necessariamente em acertar o alvo mas em ter a experiência de jogar com as próprias mãos, de caminhar com os próprios pés e descobrir o próprio caminho. A delícia da aventura de viver é de cada um, ninguém pode fazer isso pelo outro. São nessas empreitadas, inclusive, que é possível surpreender-se com a constatação de que o caminho é outro, ou de que aquele alvo não era bem o que se desejava acertar. A vontade é trajeto e não parada.

Aqueles que se confrontam com os juízes do mundo, que escutem seus julgamentos, pois podem até oferecer algo de útil: que as alfinetadas desenhem os furos do artesanal filtro da vida. Ademais, escutemos, ainda, falemos também, não vale se render ao mistério dissimulado que só engessa a experiência do sonhar. Aquele que não se faz réu, não há que temer pela condenação de seus sonhos. É trajeto, é caminhada, é passo, é estrada. Dessas modas, o limite é só o céu.

O amor que mata: Madame Bovary e a incompletude histérica

O amor que mata: Madame Bovary e a incompletude histérica

As grandes obras da literatura universal permitem ao leitor um mergulho nos esconderijos mais secretos da alma humana. Nada mais atrativo para quem gosta de escavações arqueológicas. Além de ser confrontado com conflitos da existência, o leitor experimenta, a cada parágrafo, novas emoções que podem torná-lo mais humano. Ou seja, através do ato contínuo e prazeroso da leitura, – colocar-se no lugar do outro, vivenciando seus medos, amores, conflitos e paixões, – torna-se tarefa sem a qual não há transformação subjetiva possível.

Sendo assim, resolvi pensar sintética e psicanaliticamente sobre um dos romances mais lidos do mundo: Madame Bovary, de Gustav Flaubert, publicado na França em 1857. Tal feito resultou num escândalo para a época, – levando Flaubert aos tribunais – em consequência das acusações feitas pelos puritanos em relação à violação dos preceitos morais e religiosos. Para fins de defesa, numa frase que se tornou célebre, Flaubert atalhou: “Emma Bovary sou eu”. Flaubert critica no romance os desejos da burguesia ascendente, – a classe média, – que após a Revolução Francesa de 1789, passou a redefinir os valores e os costumes da vida social, econômica e política.

O livro desnuda aos poucos uma crescente decadência da vida interna e externa de Madame Bovary, ao retratar a desilusão e o desespero que a levaram a um fim trágico, – fato que provocou um marco na história do realismo literário.

Leitora contumaz de romances, Bovary se encantava com as narrativas romanescas que a conduziam a idealizar para si uma vida equivalente. Mulher bonita e provinciana, no entanto inexperiente na vida afetiva, porém não menos decidida em reinventar sua própria realidade, levou às últimas consequências seu desejo; já que não encontrou na relação matrimonial com Charles Bovary, o protótipo da felicidade ou algo análogo aos amores principescos relatados nos livros. Charles Bovary era um médico simples e estava a léguas de corresponder à imagem que ela forjava dos homens. Sem grandes pretensões pessoais e profissionais, não tinha muito a oferecê-la em termos de aventuras amorosas, a não ser uma vida entediante traçada pela invariabilidade.

O adultério tornou-se um destino para Bovary em razão do desejo implacável de querer vivenciar novas experiências e emoções que pudessem desafogá-la do marasmo e da solidão crescentes. Não se importava com a possibilidade de ser rigidamente castigada pelo fato de transgredir os valores e a estrutura burguesa da época, cujo papel da mulher reduzia-se aos afazeres domésticos.

O predomínio do discurso ideológico propagado pela ciência defendia a tese segundo a qual a mulher nasce para ser mãe e para cuidar do lar e dos filhos, transformando seu corpo em propriedade do desejo masculino. Nada mais avesso à personalidade subversiva de Bovary. Ela foi considerada uma personagem que reinventou o papel da mulher ao não se curvar aos padrões predefinidos pela lógica burguesa, não titubeando em buscar caminhos que a retirasse do aprisionamento da esfera privada.

Quanto ao discurso do apaixonado, traço do desejo de Bovary, sabe-se que nele reside a característica fundamental de crer na esperança de reencontrar no ser amado aquela parte que lhe falta, visando não outra coisa se não ser elevado à condição de um ser completo. O início das relações amorosas é muitas vezes definido pelo não reconhecimento da existência concreta do outro, exigindo dele a missão de resgate da condição de falta própria da existência humana.

Segundo Maria Rita Kehl (1987), a frustração, em toda e qualquer paixão, é inevitável, pois em algum momento o apaixonado reviverá a decepção infantil da criança que perde a condição de exclusividade do desejo da mãe. Com isso, a existência do outro ganha corpo ao se libertar dos grilhões da fantasia do apaixonado que o constrói à sua “imagem e perfeição”. O deslumbramento do discurso apaixonado não resiste ao teste de realidade na medida em que o outro torna-se mais conhecido, além de ser humanamente impossível sustentar por longos períodos a alegoria narcísica forjada pela fantasia. Querer fundir-se com o outro evidencia o que está sendo negado na sua raiz: a falta.

O vazio que havia dentro de Bovary refletia-se no seu profundo e perene estado de insatisfação. Nenhum amante conseguiu aproximá-la da realidade livresca, pois nada, nem ninguém, poderia preencher o que é da ordem do impreenchível e operar na contramão da manutenção de seu desejo; ou seja, – o desejo de manter o desejo sempre insatisfeito.

Bovary representa o protótipo literário da histeria, cuja organização subjetiva é marcada pelo laço que tece com os outros a partir de suas fantasias; além de apresentar, a cada desilusão, uma doença nervosa.

A histérica, em termos psicanalíticos, é aquela (ou aquele) que sempre considera o outro decepcionante. Não há nada nem ninguém que possa agradá-la. Quer se trate da beleza irretocável do homem mais lindo do mundo ou da pequena falha demasiadamente humana do outro, sempre haverá um desapontamento que a manterá como portadora mor da insatisfação. Temerosa em relação à possibilidade de ser feliz, – afasta-se de seu desejo, transformando defensivamente o mundo num poço de insatisfação para, com isso, – justificar para si que só existe o gozo insatisfeito. Trata-se portanto de defender-se inconscientemente desse gozo intolerável, inventando um cenário na fantasia que a torna vítima de um mundo infeliz. Não à toa, no famigerado caso Dora (paciente histérica) Freud (1905) foi categórico ao interrogá-la: “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual se queixa?”

O eu do histérico, evidenciado pela presença imperativa da insatisfação, está sempre à espera de receber do Outro não a satisfação que o completa, e sim a não resposta que frustra.

De modo geral, o neurótico é aquele que acredita que a origem do seu sofrimento implica falta de amor quando, na verdade, – o que o faz sofrer, remonta à própria impossibilidade de amar o outro a partir de sua alteridade fundamental, ou seja, com falhas e faltas.

Quando a paixão, que está nesse primeiro período mergulhada num mar de fantasias, sofre as primeiras desilusões, é que o amor pode se instalar. No melhor dos cenários, dessa decepção revivida pode desabrochar o amor, se ambos conseguirem suportar a desilusão fundamental de não desejar a complementariedade correspondente ao estado de fusão inicial com o corpo materno, cuja proteção frente ao desamparo em relação às intempéries da vida era total.

De acordo com Kehl (1987), quando o amor ou a paixão matam, refletindo o protótipo do amor romântico, em recusa ao insosso amor burguês, é porque o amor exigiu para si manter-se apaixonado, não tolerando a frustração relativa à certeza da incompletude.

Com a alma despedaçada, Bovary não dispunha de recursos que lhe permitissem compreender o mundo que a cercava de modo a considerar seus limites e possibilidades. O termo bovarismo, que consiste na personalidade daquele que “se imagina muito diferente do que se é”, foi inventado para designar este estado de espírito característico da heroína de Flaubert. Frente à impossibilidade de transformar a vida real em vida livresca, Bovary assume as rédeas do seu destino ao ferir e queimar as vísceras com arsênico através de um ato suicida que marcou história, já que não suportou viver sob o domínio do vazio da vida real que a atormentava.

Freud, em 1930, exprimiu muito bem as fatalidades do amor: “Nunca estamos tão desprotegidos perante o sofrimento como quando amamos, e nunca, tão irremediavelmente infelizes, como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor.

Em terra de bêbado, quem sabe voltar para casa é Rei

Em terra de bêbado, quem sabe voltar para casa é Rei

Três homens beberam muito durante à noite e, na hora de voltar para casa, esqueceram o caminho de volta.

A dona do bar, uma senhora que conhecia bem os três, disse-lhes que eram vizinhos e que o destino de um era próximo ao destino dos outros. A mulher ainda lhes mostrou a estrada que os levaria às residências. Instruiu-lhes a dobrar duas esquinas e entrarem a primeira direita. Lá seguiram os bêbados baseados na instrução.

Chegando à rua, um dos bêbados reconheceu a casa onde morava. Os outros, ainda mais embriagados, não conseguiam distinguir as duas casas vizinhas como suas. Teimaram, queriam bater na porta, mas um deles segurou o outro porque acreditava que aquela casa era sua e poderia acordar sua mulher. Àquela hora da noite, era problema na certa.

O único bêbado que tinha certeza de sua própria casa convidou os outros a dormir por lá mesmo; era tarde e aquela anarquia na rua iria terminar acordando os vizinhos. Os três entraram e foram dormir junto com o dono da casa.

No outro dia, os três acordaram em uma pequena cama. Estavam nus e não sabiam como tinham tirado a roupa nem quais os fins da nudez. Dois deles reclamavam do dolorido nas nádegas. Manchas de mãos ainda avermelhadas eram visíveis. Aprofundando-se mais, bem na região onde as nádegas fazem uma curva para dentro, sentiam-se úmidos. O único que não tinha marcas era o dono da casa. Esse fato fez arregalar os olhos dos outros dois. Estavam desconfiados, mas se julgavam másculos demais para discutir o ocorrido.

Os dois foram para casa, encontraram suas mulheres, pediram desculpas pelas ausências durante aquela noite, mas, pelo menos três vezes por mês, saem para beber e dois deles esquecem o caminho de casa. São felizes por terem aquele amigo que sempre sabe o lugar onde mora e lhes oferece uma cama quentinha para dormir até conseguirem retornar aos seus lares, às suas esposas.

Chapeuzinho Vermelho

Chapeuzinho Vermelho

– Mãe, me conta uma história? – pediu-me Yuki, meu caçula de oito anos, ontem antes de dormir já que havíamos acabado de ler Reinações de Narizinho e o assunto, aparentemente, havia se esgotado.

– Eu não sei, Yuki… – falei enquanto pensava – Tipo qual? – sondei.

– Pode ser aquela da Chapeuzinho Vermelho…- respondeu-me ele.

– Conte-me você essa historinha para eu saber se você entendeu bem o enredo.

E daí, ele me contou o que todos estão carecas de saber. Mãe, doce, Chapeuzinho, Lobo mau, vovozinha, caçador…

– Tudo errado, meu filho. Não é nada disso. – falei ao final. – Deixe-me eu te contar a verdadeira história. Para começar, jamais o Lobo chegaria primeiro na casa da vovó que a Chapeuzinho porque ela era campeã em corrida na escola e nem o Flash seria capaz de alcançá-la.

– Jura? – estranhou ele.

– Claro que juro. E eu já menti para você alguma vez?

E lá vamos nós…

Era uma vez, uma mãe muito trabalhadeira e que, por sua vez, tinha uma mãe que morava mais ou menos perto e que estava doente: a Vovozinha. Essa mãe pediu para Chapeuzinho, a campeã de corrida na categoria infanto-juvenil em 200 metros rasos e alguns quilômetros profundos, levar a marmita para a vovó.

No meio do caminho, ela encontrou o Lobo que estava não com fome, mas sedento por  uma companhia. O Lobo era um sujeito com uma conversa muito boa e extremamente simpático e foi logo se apresentando e puxando assunto. O sorriso,  não economizado por ele, encantou Chapeuzinho (que nunca ouviu os conselhos de sua mãe e adorava conversar com estranhos que, percebia Chapeuzinho, eram muito mais interessantes que os normais).

Papo vem papo vai, rolou um clima bom entre eles.

O Lobo possuía olhos grandes que observavam com doçura as falas de Chapeuzinho. Suas orelhas pareciam aumentar de tamanho ao ouvir de forma tão atenciosa tudo o que aquela menina explanava. O nariz do Lobo não acreditava que estava diante do melhor cheiro que havia sentido em sua vida. E a boca do Lobo, ah a boca do Lobo… era carnuda e profanava coisas em que jamais Chapeuzinho pensara a respeito… Meodeos, como o Lobo era inteligente…

– Mas ele não queria comer a Chapeuzinho? – interrompeu-me Yuki de forma certeira.

– Ô. E se queria, Yuki. – respondi olhando para o teto cheia de devaneios.

De repente, me dei conta (em tempo de não causar um estrago) que estava ao lado de uma criança. Então emendei:

– Mas não no sentido ruim da coisa, meu filho. No sentindo bem metafórico. Tipo assim, ele queria saborear Chapeuzinho mas como saboreamos um doce. Um sorvete, melhor dizendo, já que não mordemos e nem trituramos o sorvete e sim deixamos que ele se derreta todo dentro da gente. Entende? Percebe a diferença? Então…

Acabou que os dois se apaixonaram e Chapeuzinho convidou o Lobo para ir até a casa de sua Vovozinha. A Vovozinha era uma senhora muito cheia de medos e preconceitos. Ao ver sua neta com aquele sujeito diferente opôs-se sem pestanejar àquela união e começou um bate-boca daqueles na choupana. Foi um quiprocó dos diabos.

Sem que Chapeuzinho e o Lobo percebessem, Vovozinha pegou o celular e ligou para a milícia. Em poucos minutos, chegou o Caçador, apelido dado para o miliciano mais ignorante da região, que mal entrou no recinto já começou a atirar no Lobo.

– Ele morreu? – perguntou Yuki com carinha tristonha.

– Ah não, Yuki… O Lobo era faixa preta em Jiu-Jitsu. Imobilizou o Caçador sem muita dificuldade.

Depois, pegou a Chapeuzinho e foram viver em paz no meio de uma linda floresta.

Até hoje, nas noites de lua cheia, nova, minguante e crescente, há quem ouça uivos de felicidade da Chapeuzinho.

Te amo ou Lhe amo?

Te amo ou Lhe amo?

Muitos fatores evidenciam o amor. A forma como se gasta dinheiro, o jeito de analisar um filme, a reação diante da nota numa prova. Comportamentos aparentemente distantes da discussão sobre os sentimentos, nos entregam, revelam matérias escondidas dentro de nossas histórias.

O uso de um idioma pode ser uma dessas chaves pra entender uma relação. Digamos que eu Te amo. Ao usar o Te, falo diretamente contigo. Tu estás aqui. Perto. Diante de mim. No espaço da cumplicidade confortavelmente apertado.

Se eu escrevo numa carta que eu te quero, o querer está direcionado ao alvo, tu saberás que estou falando sem rodeios. Te sentirás acompanhada pelo meu desejo.

Mas, quando tu estás distante, eu continuo a te amar e se preciso comunicar isto a outro alguém, digo que eu Lhe amo ou eu A amo. O pronome demarca que tu foste a outro lugar, talvez passear, talvez nunca mais retornar. E eu, na necessidade de informar ao ouvido que me acolheu, o meu sentimento, faço o uso clássico do oblíquo.

Meu ouvinte me entenderia mesmo que saiba pouco de gramática, porque nossa história eu teria contado e no desenrolar dela, qualquer um saberia que tu te tornaste os pronomes que se juntam aos verbos.

Não existe, em meu parecer, um só amor. Existem amores. Os pronomes nos mostram como o amor varia segundo a distância. Feito lei de física. Está mais perto, ama-se com aperto de corpo, está mais longe, ama-se com saudade.

Tenhas bom senso ao fazer uma análise dessa forma. Nem todos usam o Te e o Lhe do mesmo jeito. Tu irás construindo aos poucos um dicionário especial de quem está ao seu lado. Tem quem nem fale Te amo e Lhe amo ou  citem amor das maneiras mais corriqueiras.

Eu, por exemplo, na escola amava assim. “Tu podes me emprestar um lápis?” Ela dizia sempre que não. Maluquice esse negócio de comunicação. Até hoje estou com dúvida. Ela estava me dizendo “não te amo” ou apenas tinha canetas?

Então, quando tu encontrares alguém e teu coração ficar te movimentando em direção a pessoa. Lembre-se bem. Cada nova relação é um dicionário a criar e revisar, caso consigas fazer um bom trabalho, terás uma boa companhia feita de várias imensidões de significados e palavras. Assim completarão os espaços existentes entre Te-amos e Lhe-amos.

Você tem um regador para a sua vida?

Você tem um regador para a sua vida?

Se você fosse uma planta, qual seria? Uma orquídea? Uma espada de São Jorge? Em tudo somos capazes de ver a nossa vida.  Quem de nós pensaria em ser uma plantinha miserável? Que importância nos damos e, ao mesmo tempo nos tiramos? Em tudo está a nossa vida, nosso reflexo, a nudez embaraçosa da alma.

Desde que tenho gatos, reduzi  a porção de natureza doméstica a dois vasinhos azuis que ficam no lado externo  da janela da área, totalmente inacessíveis à curiosidade felina. E completamente isolados, como que exilados.  Vez por outra passo os olhos por eles, e, agradeço imensamente à chuva por cuidar de provê-los com um pouco de água,  pois há tempos essa tarefa não aparece na minha lista diária de afazeres. Para ser sincera, até evito.  E olhe que sempre cumpro a lista de tarefas, não deixando uma sequer a realizar. Já a lista de vontades… Acho que inconscientemente coloquei a rega dos pobres vasinhos na lista de vontades.

Bem, apesar de não dar muita bola, tenho um carinho especial por esses dois sobreviventes – isso me faz pensar que fazemos do mesmo jeito com pessoas que gostamos mas não as colocamos num plano essencial na nossa vida. Vê-las de longe (ou sequer isso) já o suficiente para crer que tudo está bem.

Os moradores dos vasos são: No primeiro, uma planta da felicidade – nunca soube se o macho ou a fêmea, e um mini cactus comprado num micro vasinho em um supermercado. Ambos chegaram junto conosco, na época da mudança, e eu sempre gostei de associar o crescimento de um ou outro às fases da vida que estava passando. Obviamente torcia apaixonadamente pela planta da felicidade, tanto porque o cactus me remete sempre às duras decisões e lutas da vida. O fato é que o danado é muito maior do que a felicidade, que sobrevive, mas sempre com um toque de fragilidade, do tipo: – vou secar a qualquer minuto, ou – se eu morrer a culpa é sua, pois não me deu nutrientes. E nisso também acho que passa a nossa vida… No segundo vaso azul mora uma flor de maio, que chegou bem depois e era enorme, mas parecia estéril. Só depois de perder muito da sua beleza e imponência foi que veio a me presentear com algumas flores cor-de-rosa. Hoje,  com somente dois segmentos do que foi aquela planta toda no passado, ela me brinda em julho (não em maio, ela conquistou essa liberdade) com duas flores, em meio aos trevos que nasceram espontaneamente e tomaram o vaso por assalto. Trevos esses que nunca me atrevo a olhar demoradamente, porque se encontro um de quatro folhas,  creio que vou exigir da vida toda a sorte que ainda não tive, ou, se tive, não consegui perceber, pois estava ocupada demais olhando o jardim da vizinha, que, obviamente,  sempre pareceu muito mais interessante. Hoje, novamente as flores de maio-julho me colocaram de volta nos eixos. Meu jardim é lindo, assim como a vida que cultivo.  Mas pode melhorar! Hoje saio para comprar um regador!

(sim, tenho fotos dos vasinhos e das flores que apareceram hoje – registrar é preciso, mas elas são ansiosas e não se demoram em cena, logo se vão, assim como alguns planos e sonhos).

Emilia Freire

O CONTI outra agradece a autora pelo envio e autorização para publicação.

Quando há ternura

Quando há ternura

Ternura: Amor, Afeto. Amizade. Simpatia. Piedade. Graça. Sinônimos fortes e intangíveis para colocar a Ternura no lugar que ela merece.

A metalinguagem vai a fundo quando procuramos saber mais a respeito de uma palavra tão nobre nos dicionários e dentro da gente. Visualizar o que trazemos junto ao peito com a intensidade do mesmo poema que Vinícius de Moraes, o poetinha, apelido terno e carinhoso que Tom Jobim soube lhe dar com a devoção de uma amigo.

Quando Vinícius compõe o poema “Ternura”: “Eu te peço perdão por te amar de repente/ Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos”… “E só pede que te repouses quieta, muito quieta/ E deixes que as mãos cálidas da noite encontre sem fatalidade o olhar extático da aurora.” – ele expõe o amor mais desprendido que alguém pode doar, sem pedir nada em troca, num ato de liberdade.

O que aconteceu hoje com esse nosso amor tão terno, gracioso e transbordante que imaginávamos um dia poder entregar em mãos destinadas a cuidar, sem preocupações com o que aconteceria quando os primeiros raios de sol invadissem a casa? Parece que nesse espaço imediatista do hoje vivemos para outros tipos de sentimentos e que algo se perdeu no meio do caminho.

Numa conversa com uma amiga, ela me disse que conheceu alguém e imaginou que fosse “amor à primeira vista”, como ainda acreditamos no poder desse ato em algumas ocasiões inexplicáveis. Olharam-se com intensidade, curiosidade e desejo, trocaram telefones, marcaram de se encontrar.

Ele foi à casa dela no dia seguinte, e em algum momento da conversa falou que gostava de café bem forte, tradicional e coado como tomava antigamente na casa da avó; ela lhe revelou que preferia o vinho, pois café não lhe caía bem no estômago. Até aí, nada a reclamar, entra na normalidade da conquista, um conhecendo o outro. As horas passaram e houve a primeira despedida. “Amanhã marcamos outro encontro. Gostei de você. ” Ele falou ofegante. ” “Está certo, vamos marcar. Me liga. ” Ela confirmou um segundo encontro.

Como encaixar tudo o que aprendeu até ali sobre paixões, companheirismo, ternura? Como colocar em prática suas experiências e as dicas que acompanhava semanalmente nas colunas de sites de relacionamentos sobre como não errar nos primeiros encontros? Tudo daria certo, tinha certeza. Ele era divorciado, falou que a relação tinha se desgastado para os dois e saíram amigavelmente, tiveram dois filhos. Parecia ser maduro o suficiente para não decepcionar uma mulher.

Antes de se verem pela segunda vez, eis que ela recebe uma mensagem dele pelo celular: “Não quero nada sério com você. ” Ela me disse que ficou pasmada com o que leu, paralisada, vendo que já começou errado. Como apostar todas as suas boas intenções em alguém que não estaria disposto a levar a frente um relacionamento a dois? Será que ele colocaria mais alguém na história? Não tinha como adivinhar. Talvez ela algum dia me fale sobre sua escolha.

E a ternura, o afeto, a amizade, a graça do amor que se preocupa e respeita o outro? O jantar a dois? O almoço do final de semana? A viagem de férias? Tudo por água abaixo. Pensamos todos.

Talvez estejamos enganados com esse fôlego dos relacionamentos mais abertos que muitas pessoas propagam por aí e dizem até que lhe fazem um bem danado e se sentem mais livres. Mas vemos que, em outras práticas que envolvem uma atenção maior com o outro, a batida é bem diferente.

A realidade é que buscamos dar voz ao nosso mundo e entender o que queremos, conquistando pessoas que saibam nos ensinar a criar essa compreensão diariamente. Queremos quem inspire o melhor de nós, leve a sério cada palavra que sai das nossas bocas e nos presenteie com o “um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias” que Vinícius de Moraes revelou com ternura pela amada.

É assim que tudo se configura através dos tempos: queremos a ternura mais pura para reescrever dentro da gente os romances que lemos ou ouvimos, fantasiando e dando vozes e ecos para que tragam algum alento quando estivermos junto a alguém.

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