Vício tecnológico já é uma epidemia, diz psicólogo da USP

A febre dos selfies e do uso de telefones celulares e tablets o tempo todo é um sintoma bem mais grave do que um simples modismo, aos olhos do psicólogo Cristiano Nabuco, doutor em psiquiatria e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da Universidade de São Paulo (USP). Um dos principais estudiosos sobre dependência tecnológica do país, ele esteve em Porto Alegre, na semana passada, para o 13º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, promovido pelo Sinepe-RS.

Nesta entrevista, fala sobre os riscos dos transtornos ligados ao uso da tecnologia e analisa o comportamento da sociedade diante desses recursos. Segundo ele, estamos vivendo uma epidemia. Por semana, Nabuco recebe pelo menos 30 mensagens de pessoas que buscam o grupo da USP para pedir ajuda e se livrar do “vício tecnológico”.

Quando a interação com computadores e internet vira problema?

No momento em que o indivíduo começa a negligenciar atividades do cotidiano por preferir interagir com a plataforma digital. Por exemplo, uma pessoa deixa de se relacionar com outras porque prefere ficar nos chats ou bate-papos das redes sociais. Ou deixa de se divertir para jogar videogame. O diagnóstico da dependência tecnológica deriva de uma aproximação com os critérios para detectar o jogo patológico, que, por sua vez, tem um diagnóstico derivado do uso abusivo de álcool e drogas. Há um estudo em que fizeram exames de ressonância magnética em indivíduos dependentes de álcool e drogas. Compararam com usuários pesados de computador e observaram o mesmo tipo de desgaste.

Quais as consequências disso?

Imagine se você tem 15 anos, pesa 140 quilos e tem dificuldade de sair à rua porque não interage com seus pares. A internet dá a possibilidade de controlar um pouco melhor a imagem que você exibe para o mundo. Ela serve de amortecedor para um tipo de contato que é carregado de tensão, desconforto. Rapidamente, esse indivíduo desenvolve o que chamamos de personalidade eletrônica, uma imagem mais adequada e sensata daquilo que ele gostaria de ter. Muitos falam: “A internet é meu Prozac virtual, cada vez que entro, sinto-me bem”. Não há somente o aspecto psicológico, há o bioquímico. Sabe-se que, depois de oito minutos usando determinadas funções do computador, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor que dá a sensação de prazer, motivação. Isso é muito sério. Vi o caso de um jovem que ficava 55 horas ininterruptas conectado, urinava nas calças. A cada 10 horas, ele subia o escore do personagem dele, e dizia: “Lá, eu me sinto alguém”. Pessoas que desenvolvem depressão, fobia social ou transtorno bipolar estariam mais em risco. Isso independe da idade.

Como tratar esse transtorno em uma realidade totalmente digital?

A ideia é introduzir o mínimo de ordem na casa. Não quer dizer jogar o celular pela janela, embora isso já exista, de alguma forma, em escolas do Estados Unidos. Sabe onde ficam? No Vale do Silício, a maior concentração de empresas tecnológicas do mundo. Se esses executivos estão colocando os filhos em escolas assim, devem ter alguma informação importante para a gente analisar. Devemos começar a ensinar aos jovens a evitar tarefas simultâneas — não sei quem foi o “gênio” que inventou a expressão que os jovens são multitarefas, como se o cérebro pudesse fazer tudo ao mesmo tempo. Não faz. Olha o que a gente vê por aí… Aonde as pessoas vão, fazem fotos. É uma verdadeira epidemia, e as pessoas não se deram conta. Há uma grande linha de pesquisa que diz ser a geração digital, que nasceu a partir de 1995, a geração perdida. Embora ela tenha acesso à informação, essa informação não está virando conhecimento.

A exposição das crianças a essa tecnologia deveria começar quando?

Nunca antes dos dois anos. A criança, às vezes, não consegue com o peso da cabeça e já está com um tablet. O cérebro da criança tem um determinado tempo de maturação. Os brinquedos antigos dão chance ao cérebro, à medida que a criança interage, cria sintonia, refinamento motor e cognitivo. No momento em que você coloca um tablet, cheio de luzes, efeitos, no colo de uma criança, aquilo não respeita qualquer ecologia psicológica. Vá a um restaurante em um domingo e veja o que está acontecendo: cada um tem seu telefone celular. Não conversar é o de menos! Pela primeira vez na história, o acúmulo de conhecimento não está sendo sinônimo de um salto qualitativo intelectual das pessoas.

Isso tem a ver com a dificuldade de foco dos jovens?

Eles são invadidos por um nível excessivo de ansiedade. Tudo aquilo que não gerar ansiedade não vai trazer atenção para eles, estão condicionados. Tem de se criar algo assim: “quer ter seu computador, ok, mas desliga enquanto a gente conversa”. Mas os pais também têm de abrir mão disso. Como querem que os filhos sigam essa regra se eles mesmos não o fazem? É preciso conscientizar os pais de que algo tem de ser feito para proteger a saúde mental dos seus filhos.

Quais os sinais da dependência?

Há oito itens que descrevem exatamente esse uso excessivo já migrando para o que se chamaria de uso patológico. Nós, das gerações mais velhas, não tivemos esse contato com a tecnologia para delinear qual o tamanho do risco. A geração que a gente deveria proteger está um passo à frente fazendo coisas que a gente sequer sabe. A geração digital fala a língua da tecnologia, que não tem sotaque. Costumo brincar: fique atento à geração que cresceu na frente de um joystick, porque ela terá outro jeito de pensar e funcionar e, no final da história, será efetivamente diferente.

8 sinais da dependência tecnológica

1) Preocupação excessiva com a internet

2) Necessidade de aumentar o tempo online para ter a mesma satisfação

3) Exibir esforços repetidos para diminuir o tempo de uso da tecnologia

4) Apresentar irritabilidade ou depressão

5) Quando o uso da internet é restringido, apresentar instabilidade emocional

6) Ficar mais conectado do que o programado

7) Ter trabalho e relações sociais em risco

8) Mentir a respeito da quantidade de horas conectado

Fonte: ZH Vida
Matéria de Bruna Porciúncula







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