Elegância – a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se distinguir

Elegância – a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se distinguir

Algumas pessoas têm um tipo de elegância que as fazem chamar atenção por onde passam independente do que estejam vestindo, com quem estão andando ou de que assunto estejam falando.

É um tipo de elegância que Paul Valery descreveu como “a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir” .

São pessoas que brilham sem fazer esforço, que não precisam alterar o tom de voz, carregar nos gestos, caprichar na produção ou no corte do terno, pois elas conquistam e atraem atenções simplesmente por se sentirem confortáveis na própria pele.

Sabem que a melhor aparência e a mais altiva postura são o brilho nos olhos e a genuinidade no sorriso. Elas iluminam onde passam, pois sua paixão pela vida e seu jeito de encarar o mundo transbordam de dentro para fora. E quando se aprende a brilhar de dentro para fora, qualquer roupa ou acessório que se vista cai bem.

São pessoas que têm uma fineza de alma e se diferenciam por terem aprendido a difícil e corajosa missão de se conservarem sensíveis num mundo que valoriza posturas rígidas e atitudes mecânicas. E como disse Adélia Prado, “a coisa mais fina do mundo é o sentimento”.

De nada vale poder sem humildade, dedicação sem entrega, beleza sem essência, intelecto sem sensibilidade.  De nada vale gerenciar todas as questões aparentes, práticas e ‘importantes’ da vida, se não sofisticarmos o modo de enxergar e de sentir o mundo.

Pessoas que sofisticam o sentir nunca saem de moda, desenvolvem um magnetismo natural, se tornam referências, modelos atemporais. Inspiram simplesmente pelo o que são. Têm personalidades próprias e não precisam seguir um grupo, ou uma tendência, pois seus estilos vêm da abertura e da liberdade de se deixar guiar pela intuição e pelas vontades intrínsecas.

Gosto de ver a beleza que se estampa nas pessoas que sabem se despir das armaduras e se vestir de si mesmas. Gosto de admirar as pessoas que se tornaram atraentes não pela busca da perfeição, mas pela aceitação amorosa de suas vulnerabilidades humanas.

Gosto das pessoas que perceberam que a maior fineza na vida é a transparência. Que sabem que o verdadeiro luxo é a falta de necessidade de ostentação, pessoas que estão em busca de ‘ser’ mais e não de ‘ter’ mais. E que assim, sem querer, alcançaram o que Coco Chanel chamou de ‘a chave para a verdadeira elegância’, que nada mais é do que a simplicidade.

Mia Couto em três apaixonantes poemas de amor

Mia Couto em três apaixonantes poemas de amor

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.

E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,

lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

No livro “Idades cidades divindades”
***

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”
***

Confidência
.
Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

Fotografia de Anna O

4 atitudes que enfraquecem o vínculo emocional com seus filhos

4 atitudes que enfraquecem o vínculo emocional com seus filhos

Ser pai, mãe, avô, avó e, além disso, um educador eficaz, não é fácil. Cada criança vem a este mundo com necessidades próprias que devemos saber atender, com virtudes a serem potencializadas e emoções que devem ser incentivadas, orientadas e desenvolvidas.

Educar não é apenas ensinar as crianças a ler ou mostrar como podem realizar seu trabalho de pesquisa para o colégio com o computador. Ser pai ou mãe não é presentear os filhos com um telefone celular em seu aniversário, nem assegurar-nos de que colocamos o cinto de segurança neles cada vez que entram no carro. É muito mais que tudo isso.

Contudo, em algumas situações, mesmo que conheçamos a teoria não a aplicamos na prática. Além de pais e mães, também somos casal, empregados, empresários ou pessoas que querem trocar de emprego e que, possivelmente, ainda querem atingir novos objetivos profissionais. Tudo isso ocorre concomitantemente em nosso cotidiano e, sem saber como, começamos a cometer erros na educação de nossos filhos.

Se você for pai, se lembrará de quando foi filho e saberá, sem dúvida, o que você mais valorizou – e ainda valoriza! – ou do que mais sentiu falta nos seus dias de infância. Se a sua infância não foi especialmente feliz, entenderá quais aspectos romperam este vínculo emocional com os seus pais, esses erros que não devem ser repetidos sob nenhuma hipótese com seus filhos.

Falemos sobre isso.

1 – Não os escutar

As crianças falam e também perguntam muito. Pegam você de surpresa com mil questionamentos, inúmeras dúvidas e centenas de comentários nos momentos mais inoportunos. Desejam saber, experimentar, querem compartilhar e desejam compreender tudo que acontece diante delas.

Tenha bastante claro que, se você mandar que fiquem quietas, se você as obrigar a ficar em silêncio, ou se não atender suas palavras, respondendo com severidade ou de forma rude, isso fará com que, no curto prazo, a criança deixe de se dirigir a você. E o fará privilegiando seus próprios espaços de solidão, atrás de uma porta fechada que não desejará que você cruze.

2 – Castigá-los, transmitindo-lhes falta de confiança

São muitos os pais que relacionam a palavra educação com punição, com proibição, com um autoritarismo firme e rígido em que tudo se impõe e qualquer erro é castigado. Este tipo de conduta educativa resulta em uma falta de autoestima muito clara na criança, uma insegurança e, ao mesmo tempo, uma ruptura do vínculo emocional com eles.

Se castigamos não ensinamos. Se me limito apenas a dizer para a criança tudo o que ela faz de errado, jamais saberá como fazer algo bem. Não dou a ela medidas ou estratégias, limito-me a humilhá-la. E tudo isso gerará nela raiva, rancor e insegurança. Evite sempre esta atitude.

3 – Compará-los ou rotulá-los

Poucas coisas podem ser mais destrutivas do que comparar um irmão ao outro ou uma criança a outra para ridicularizá-la, para dar a entender suas escassas aptidões, suas falhas, sua pouca iniciativa. En algumas ocasiões, um erro que muitos pais cometem é falar em voz alta diante das crianças como se elas não os escutassem.

“É que o meu filho não é tão inteligente como o seu, é mais lento, o que se pode fazer”. Expressões como estas são dolorosas e geram neles um sentimento negativo que causará não apenas ódio em relação aos pais, mas um sentimento interior de inferioridade.

4 – Gritar com eles e apoiar-se mais nas ordens do que nos argumentos
Não trataremos aqui de maus tratos físicos, pois acreditamos que não há pior forma de romper o vínculo emocional com uma criança do que cometer este ato imperdoável.

Mas temos de ser conscientes de que existem outros tipos de maus tratos implícitos, quase igualmente destrutivos. É o caso do abuso psicológico, esse no qual se arruína a personalidade da criança por completo, sua autoimagem e a confiança em si mesma.

Há pais e mães que não sabem dirigir-se de outra forma a seus filhos, sendo sempre através de gritos. Levantar a voz sem razão justificável provoca um estado de euforia e estresse contínuo nos filhos; eles não sabem em que se apoiar, não sabem se fizeram algo bom ou mau. Os gritos contínuos enfurecem e fazem mal, já que não há diálogos, apenas ordens e críticas.

Deve-se ter muito cuidado com estes aspectos básicos. O não escutar, o não falar e o não demonstrar abertura, compreensão ou sobrepor a sanção ao diálogo são modos de ir afastando aos poucos as crianças do nosso lado. Elas nos enxergarão como inimigos dos quais devem se defender e romperemos o vínculo emocional com eles.

Educar é uma aventura que dura a vida toda em que ninguém é um verdadeiro especialista. Contudo, basta apoiar-se nos pilares da compreensão, do carinho e em um apego saudável que proporcione a maturidade e a segurança nesta pessoa que é também parte de você.

Fonte indicada: A Mente é Maravilhosa

Superação: para se formar em Direito, pedreiro pedala 42 km por dia

Superação: para se formar em Direito, pedreiro pedala 42 km por dia

Mais de 40 anos e muitos desafios precisaram ser atravessados para que o pedreiro Joaquim Corsino realizasse seu sonho. Aos 63 anos de idade, vestido de beca e com chapéu de formando, ele recebeu, na noite desta quinta-feira (17), em Vitória, o seu diploma de graduação em Direito.

Para realiza o sonho, o pedreiro Joaquim Corsino dos Santos pedalava, diariamente, entre Cariacica, onde mora, até Vitória, onde fica a faculdade de Direito em que ele estuda. A distância, cerca de 21 quilômetros entre um município e outro, não desanimou o estudante. “Quero ser delegado de polícia” disse

Nascido em Itaumirim, Minas Gerais, Joaquim chegou ao Espírito Santo aos 18 anos. Com mais de 20 concluiu um curso técnico em Administração.

Mas após não ser aprovado no vestibular de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 1980, precisou deixar os livros para trabalhar. A partir de então, Joaquim começou a atuar como ajudante de pedreiro e, mais tarde, como pedreiro.

Ainda assim, a vontade de estudar sempre esteve presente. Por isso, a cada parede erguida por Joaquim, parte do dinheiro ganhado era guardado. Além de construir sua casa, em Bandeirantes, Cariacica, o pedreiro juntou ao longo dos anos R$ 55 mil para os estudos.

“Eu sou um camarada que gosta das coisas honestas. Sempre quis fazer um curso de Direito para ajudar outras pessoas”, conta Joaquim, que em 2008 iniciou a graduação em uma faculdade privada. Quatro períodos foram concluídos, mas o pedreiro teve que adiar o sonho por mais um tempo.

“Um amigo pediu R$ 4.500 emprestados e não pagou. Aí eu tive que parar a faculdade para juntar mais dinheiro para poder pagar o curso todo”, lembrou.

De Bicicleta

Em 2012, Joaquim retornou à graduação e não parou mais. Todos os dias ele fazia o trajeto de sua casa até a faculdade, em Vitória, com sua bicicleta em um percurso de 42 km.

E engana-se quem pensa que com o diploma a saga de superação de Joaquim chega ao fim. Os olhos do bacharel em Direito estão voltados para o futuro. Seu próximo objetivo é ser aprovado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em seguida, pretende se tornar delegado. “Quando eu leio a Constituição no artigo quinto, que fala que todos têm direitos iguais, vejo que tem muita coisa boa nela e eu gostaria de contribuir para isso”.

* Com informações de Maíra Mendonça, do Jornal A Gazeta.

Fonte indicada: G1

“Ninguém me ama a ponto de ser eu”, por Clarice Lispector

“Ninguém me ama a ponto de ser eu”, por Clarice Lispector

Fiz o que era mais urgente: uma prece. Rezo para achar o meu verdadeiro caminho. Mas descobri que não me entrego totalmente à prece, parece-me que sei que o verdadeiro caminho é com dor. Há uma lei secreta e para mim incompreensível: só através do sofrimento se encontra a felicidade.

Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer. Se eu não me amar estarei perdida — porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser. Tenho que me querer para dar alguma coisa a mim. Tenho que valer alguma coisa? Oh protegei-me de mim mesma, que me persigo. Valho qualquer coisa em relação aos outros — mas em relação a mim, sou nada. É tão bom ter a quem pedir. Nem me incomodo muito se eu não for totalmente atendida.

Eu peço a Deus para eu ser mais bonita — e não é que meu olho faísca ao mesmo tempo que meus lábios parecem mais doces e cheios? Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. Ser ou não ser atendida — isso não me cabe a mim, isto já é matéria-mágica que se me dá ou se retrai. Obstinada, eu rezo. Eu não tenho o poder. Tenho a prece.

Fonte indicada: Citador

Humilhação é arma de tolos!

Humilhação é arma de tolos!

Situações humilhantes nos acontecem e não dependem de nós. A maioria das vezes sequer somos parte presente na coisa toda. O outro faz de um jeito que nos coloca na sinuca, sem defesa, já sem rota de fuga. Que chance teríamos de reação quando o circo já está armado e o vexame é iminente? Fato é que, perante o mundo que assiste, ficamos em posição de desvantagem, de vergonha, humilhação.

Um grito, uma ordem áspera, uma mentira, uma situação pública, uma trapaça, uma traição. E lá estamos nós, tremendamente humilhados, rebaixados à condição forçada de enganados, ultrajados, desamparados.

Mas, pensemos por um segundo. Quem é o humilhado nesse cenário, cara pálida?

Você que estava levando a vida na maior e melhor boa-fé?

Certa vez, escutei de uma pessoa uma frase genial: – Fulano, se tivesse caráter, seria um mau-caráter.

Sempre haverá quem passa a perna e quem é ludibriado. E sempre haverá quem pensa estar em vantagem,  e quem acredita ter perdido o chão, as esperanças, a vontade de sorrir, o caminho de casa…

Quando se leva uma bela rasteira, dói a queda. Mas, embora com dores, roxos e arranhões, levantar é uma certeza e,  para qualquer um de nós, pode ser o despertar, a tomada de consciência de que a dança já estava fora do ritmo, que o par já era ímpar, que pouco ou nada conhecemos do outro.

A queda, afinal, doeu, confundiu, revoltou, mas também  mostrou a realidade, descortinou as dúvidas e tirou o peso de uma ansiedade que não sabia de onde vinha e como crescia tanto. Porque afinal sabemos – e sempre sabemos –  quando algo está para acontecer. Sabemos com quem nos metemos e pagamos para ver. Somos bravos! Somos corajosos! E a vida é para isso mesmo. Encontramos pela vida quem perfuma os nossos caminhos, mas também que joga lixo, lama e outros descartes.

E, apesar do risco, nunca será humilhante se entregar,  tentar mais um pouco, buscar entendimento. Humilhante é a covardia; humilhante é ter a mentira como aliada, o sorriso e a lábia como cúmplices. Humilhado é quem poderia usar de integridade e  sinceridade e mesmo assim não o faz, e que finalmente mostra no que consiste o seu caráter, geralmente, com um fechamento épico.

Costumamos adorar os bandidos, isso é inegável, mas lembremos sempre que um bandido só é charmoso e adorável quando não somos nós as suas próprias vítimas. Sejamos, portanto, mais solidários, pois  não sendo os bandidos, seremos, em algum momento, as vítimas.

Podemos até, por distração ou desânimo, adormecer humilhados, mas, que não dure mais do que mereça, que se esvaneça. Amanheçamos curados, superados e integralmente libertos.

Receita de um amor antigo: “O segredo é ter paciência”

Receita de um amor antigo: “O segredo é ter paciência”

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Cento e um anos de idade. Sete décadas de casados. O segredo, um só: paciência. Para o senhor João Vicente, batizado como João do Espírito Santo, a tolerância é a receita da longevidade e da vida a dois tão duradoura. “Temos que suportar as falhas”, resume o aposentado, que vive em Campinas (SP) com a mulher, Maria Marta Monteiro Vicente, 87, há 43 anos. O casal tem seis filhos, 22 netos, 12 bisnetos e quatro tataranetos.

“Eu estou vivo!”: costuma dizer todos os dias em forma de agradecimento. Completou 101 anos na última sexta-feira (4) e está prestes a celebrar as chamadas Bodas de Vinho, de 70 anos de união com a mesmo mulher. “Sou paciente, dispenso muita coisa. Eu gosto de cumprir o que prometi no altar”, gaba-se João.

Ele lembra de quase nada da infância, apenas as memórias relacionados à juventude na paróquia do Padre Cícero, responsável pelo batismo, e a fuga da Paraíba para tentar a vida, sozinho, e ser soldado da borracha em Rondônia.

Foi em Guajará Mirim (RO), em 1944, que o casal se conheceu. Por intermédio do irmão e sem a bênção da mãe, Maria Marta se casou no ano seguinte com João, na época, 15 anos mais velho que ela. “Ele foi até a minha casa, meu irmão disse a ele que naquele dia eu estava completando 18 anos. Eu estudava em um colégio de freira, ficava em um internato e não tinha a intenção de namorar”, conta Dona Maria.

contioutra.com - Receita de um amor antigo: "O segredo é ter paciência"
Casados há 70 anos, João e Maria Marta contam o segredo da união (Foto: Priscilla Geremias/ G1)

“Fui rápido”
Em 1945, João era policial e, por isso, a mãe de Maria Marta não apoiava o casamento. Mas, um dia, o convite para sair foi aceito. “E antigamente era assim: saiu junto, já tinha que casar”, afirma a aposentada.

“Eu fui rápido, não podia demorar para casar, e ela estava de férias do internato, tinha que casar antes de ela querer voltar para lá”, conta João. O casamento foi simples, na igreja do bairro, sem a presença da mãe de Maria Marta e sem registros. “Naquele tempo não tinha essas coisas de fotos ou álbuns”, diz Maria.

Logo após o casamento, a lembrança mais marcante de João foi o parto que ele realizou do último filho. “Não tinha tempo de levá-la para o hospital, o filho ia nascer ali mesmo. Então, ela foi me dando as coordenadas e eu fiz o parto. Cortei o umbigo, amarrei, tudo o que ela disse, eu fiz, certinho”, conta João. A mãe de Maria Marta era parteira, por isso, ela sabia orientar na hora do parto.

“Vivo e com saúde”
Das recentes lembranças, João se recorda da internação de Maria Marta no início deste ano. A aposentada é cardíaca e passou cerca de um mês e meio no hospital. “Ele ia me visitar todos os dias, pegava na minha mão, que estava inchada, e pedia a Deus para cuidar de mim e me deixar com saúde”, diz Maria Marta.

Os filhos do casal dizem ouvir do pai que ele tem apenas “problemas de velhice”, e garantem que, como João nunca fez uso de álcool ou de cigarro, ele mantém uma boa saúde. “Ele tem apenas as doenças relacionadas à idade”, afirma uma das filhas, Sandra Maria Vicente Wolffi.

Para manter a mente e corpo com saúde, João gosta de contar as histórias da infância, as poucas de que ele se lembra. Não gosta de ouvir música, mas adora ver televisão. “Eu torço pelo São Paulo, então, não importa o dia e o horário do jogo, eu vou assistir”, afirma.

“Paciência e compreensão”
João garante que evita brigas, que é paciente e que cuida da esposa. “O segredo é cumprir o que eu prometi no altar”, diz o aposentado. E Maria Marta faz o mesmo. Segundo Jorge Vicente, um dos filhos do casal, sempre um se preocupou com o outro. “Ainda mais agora com a mamãe doente, a preocupação é ainda maior, os dois tomam remédio, aí, um sempre pergunta aos filhos se o outro já foi medicado, se já comeu…”, diz Vicente.

“Eles fazem de tudo para não brigar, serem bons um com o outro e cumprir a promessa do casamento”, completa Vicente. Os filhos disseram que o pai costumava dizer um ditado popular nordestino que diz “quem comeu a carne, que roa os ossos”, portanto, fazem tudo para ficarem juntos até o fim.

contioutra.com - Receita de um amor antigo: "O segredo é ter paciência"
Casal em festa de formatura de duas netas em Vinhedo, SP (Foto: Jorge Vicente/ Arquivo pessoal)

O casal não consegue definir o que é o amor. O afeto cresceu um pelo outro conforme os anos foram se passando. A demonstração de carinho e cuidado definem o sentimento. “Eu gosto muito dela, amor puro, desejo tudo de bom para ela, principalmente saúde”, diz João. E Maria Marta completa, “eu desejo que ele tenha saúde e volte a andar direitinho e bem”.

“Em um dos aniversário da mamãe, nós preparamos uma homenagem e, como ele não fala muito, deixamos ele de lado. Ele reclamou e disse: ‘eu não vou falar não?!’, e pegou o microfone e fez a declaração mais bonita de todas, nós ficamos emocionados”, conta uma outra filha, Rosália Vicente.

Assim como em todos os anos, desde que estão juntos, o primeiro pedaço do bolo de aniversário de João será para Maria Marta. “Eu gosto disso, porque mostra carinho”, conta a aposentada. “Eles ficam muito tempo sem se beijar, então, nessas datas, dão um selinho e parecem uns passarinhos, ficam muitos felizes”, conta Rosálea.

Fonte indicada: G1

“Cem Anos de Solidão”, uma livro para se ler eternamente

“Cem Anos de Solidão”, uma livro para se ler eternamente

POR EDIVAL LOURENÇO

Não queira tirar uma moral exclusiva ou um sentido único de “Cem Anos de Solidão“. Porque ele é plural e contém todos os sentidos e todas as morais. Seu estágio de conhecimento, seu estado de espírito, suas crenças e ideias dominantes é que vão dar o tom do que se perceber, do que se retirar. No microcosmo chamado Macondo é que a saga dos Buendía-Iguarán se destrinça. Uma sequência de José Arcádio e Aureliano se sucede em profusão, cobrindo um período sintomático de 100 anos. Penso até que a árvore genealógica dessa mítica família seja impossível de se montar, como requer uma obra representativa do realismo fantástico. Mas isso não tem a menor importância. Antes, é mais um charme dessa obra que é tão charmosa, por essas e outras.

Macondo, o cenário onde os fatos se dão, é um pequeno mundo, “um povoado de 20 casas de barro e taquaras, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos”. Por falar em ovo pré histórico, este romance é uma espécie de ovo da realidade que, com a força dos símbolos, dá conta de nos representar, não só o Caribe, não só a Colômbia, não só a América Latina, não só o presente momento, mas o mundo inteiro em todos os tempos com suas contradições, com suas dores, com seus desejos não realizados, por fim, com a monumental solidão que pesa sobre os ombros dos Buendía-Iguarán.

Que, aliás, pesa sobre os ombros de todo ser humano, na condição de mortal e órfão da própria esperança. Penso que mesmo que venhamos a sofrer modificações radicais em nossa estrutura física e mental, mesmo que alcancemos outros patamares de cognição, mesmo que venhamos habitar outros planetas de outras galáxias, a solidão será ainda a nossa marca mais evidente, que nada pode apagar. Por isso “Cem Anos de Solidão” é para ser lido em toda parte e para sempre.

A musicalidade de “Cem Anos de Solidão” é extraordinária, coisa de embalar o espírito, uma sinfonia majestosa feita de frases literárias. Aliás, a musicalidade é tão saborosa que se o texto fosse escrito na língua estranha dos possuídos febris, de forma que o leitor não conseguisse entender uma única palavra, ainda assim valeria a pena ler, só pela sonoridade. E essa sonoridade não aparece só de vez em quando, em momentos mais caprichados, não. Qualquer lugar que você abrir o livro ali vai estar presente um trecho da grande arranjo melódico. Veja a frase de abertura: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aurélio Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou para conhecer o gelo”.

Mas esqueça a sonoridade por um instante. Olhe só o paradoxal da vida encerrada nessa primeira frase. Não há uma situação mais dramática do que se achar postado como alvo diante de um pelotão de fuzilamento. E não há uma ternura maior do que o pai levar o filho para conhecer algo extra, mas ordinário, algo extraordinário, como o gelo num mundo tropical, sem geladeiras. Além da musicalidade divinal, a frase encerra drama e ternura, numa fórmula dolorida, intensa, mas sem lamentação.

Aliás, “Cem Anos de Solidão” teria tudo para ser um romance triste e lamentoso, pois fala da miséria da condição humana da forma mais visceral. Mas não sendo piegas nem gaiato o autor nos conta uma história no fio da navalha, em que a graça levita sobre a dor, o que outra coisa não é senão a própria essência da vida, em sua forma mais destilada e pura, em suas composições de mistério.

Num momento em que a crítica do mundo inteiro aventava a morte do romance nas encruzilhadas do Nouveau Roman, Gabriel García Márquez, feito um mágico de fato e cartola, chegou abrindo um novo e amplo horizonte ao gênero literário. Gênero este consagrado por outro autor de língua hispânica: Miguel de Cervantes, com o seu impagável “Dom Quixote“.

Fonte indicada: Revista Bula

Encontre o livro “Cem anos de Solidão” aqui

3 ações práticas que ajudam a evitar a insônia

3 ações práticas que ajudam a evitar a insônia

Saber a importância de suas tarefas e organizar seus afazeres evitará que a insônia faça parte de sua vida.

Acontecimentos têm provocado fortes choques emocionais que resultam em distúrbios psicorreativos  (reações psíquicas aos acontecimentos, experiências ou pensamentos).

Realmente, o dia a dia destes tempos modernos está repleto de fatos e notícias que deixam qualquer um desconcertado.

Além disso, há o excesso de sensações, a supervalorização da rapidez e da atividade e a negligência da afetividade.

E ainda, entra-se noite adentro, como meio de aumentar o rendimento do trabalho ou para dar conta da agenda sempre lotada.

E aí? Durma com um “barulho” desses, como se diz vulgarmente.

Para influenciar as causas e modificar o efeito destas no organismo, seria prudente, pensar em cultivar um estado fisiológico que reaja de forma diferente frente aos estímulos externos.

Mesmo porque o mundo não vai mudar porque você tem problemas com o sono.

Cito aqui as três principais causas aparentes dos distúrbios do sono por reações psíquicas:

1 – Tarefas não executadas.

2 – Problemas não resolvidos ou que a solução não foi satisfatória.

3 – Sentimentos de culpa

O bom é que sempre há uma solução e se não se encontra a solução, solucionado está. Você não acha?

Então por que se preocupar?

A solução para qualquer problema fica mais próxima quando se pensa numa conduta preventiva e depois corretiva.

Então, para começar a mudar o curso das coisas, faça assim.

a) Classifique as tarefas, não executadas, em importantes e urgentes.

Aqui vou te dar uma dica única. Fuja das urgentes. Foque nas importantes.

Sabe por que? Porque assim você vai acabar com as urgentes, sabia?  Normalmente, as urgentes acontecem porque não se deu a devida atenção às importantes.

b) Se você souber classificar o que é importante ou urgente, muitos problemas vão se resolver por si só e como disse acima, se não tiver solução, solucionado está. Então deixa pra lá. Bola pra frente.

c) E como consequência , os sentimentos de culpa vão diminuir…

Viu? Uma coisa leva a outra. Tudo na vida é assim. Evitar os problemas é vida que se ganha.

Tarefa de casa: Vá lá ao seu relatório (se não fez, comece hoje a fazê-lo) e adicione no item “Como é seu dia desde que levanta” a relação das tarefas pendentes,  as mais chatas e as que sempre te preocupam mais.

Depois fixe um tempo “X” para achar meios de realizar aquela tarefa da melhor forma. É uma coisa de cada vez. Pense que essa é “a única coisa” que te preocupa e você vai resolver.

Já chega! Ter em mente muitas coisas ao mesmo tempo perturba a mente e aí fica mais difícil encontrar a solução e o sono não vem.

E tem mais, conforme você vai fazendo anotações surgirão ideias e você vai ter a chance única de avaliar a importância daquilo para seu trabalho e sua vida.

Não adianta, tem que pausar e por no papel. Na vida não há espaço para realizar tudo aquilo que você está sendo estimulado a fazer.

Como disse no inicio deste post, as pessoas estão sendo levadas a ter sensações em excesso, o que leva ao desequilíbrio. Campo fértil para a insônia e outros problemas do sono.

Organize-se e verá que tem coisas que podem ser dispensadas, sem qualquer prejuízo.

Fique com meu abraço carinhoso

Reprodução autorizada para a CONTI outra.

Terezinha Gnoatto

contioutra.com - 3 ações práticas que ajudam a evitar a insôniaUma experiência pessoal sobre o Sono, no inicio de sua carreira corporativa, a levou a pesquisar intensamente o tema e, desvendou conhecimentos incríveis. Desligou-se do mundo corporativo e dedicou-se a projetos para ajudar pessoas a cuidar da própria saúde e bem estar. Fundou a escola do sono como um guia para transformar vidas, um espaço para aprender aquilo que faz bem, com base nas perfeitas leis da natureza.

Para saber mais sobre o tema conheça também o site Escola do Sono

Sobre o binge-watching e nossas fugas diárias

Sobre o binge-watching e nossas fugas diárias

“É impossível enfrentar a realidade o tempo todo sem nenhum mecanismo de fuga.” – Freud

O surgimento dos serviços de streaming de vídeos online marcaram a história da indústria do entretenimento e inauguraram novos hábitos de consumo de mídia que, hoje, fazem parte de nossa rotina. O binge-watching é o principal deles, e se refere ao ato de assistir vários episódios de uma série ininterruptamente.

Nos últimos tempos, esse novo costume tem se tornado objeto de estudo e alvo de críticas. Em recente pesquisa, uma universidade americana afirmou haver uma correlação entre o binge-watching e a incidência de estados depressivos, e algumas pessoas já o apontam como uma nova categoria de adicção. Por outro lado, o hábito também tem sido acusado de relegar a arte a um lugar contínuo de subterfúgio da realidade, se prestando como um poderoso meio de alienação.

Não é novidade que o consumo excessivo de algo (“binge”) se coloca para nós como uma possibilidade de fuga de sentimentos ruins experienciados. Quem nunca comeu compulsivamente ao lidar com uma decepção amorosa? Quem nunca “bebeu todas” para esquecer os problemas? Da mesma maneira, às vezes, entramos em uma sala de cinema tentando deixar a angústia do lado de fora, ou nos lançamos na leitura de um livro para ocupar uma mente inquieta. A ascensão definitiva do cinema americano, por exemplo, se deu durante a Grande Depressão de 1929, quando o estilo de vida uma vez invejável dos americanos estava desmoralizado e o cinema se tornou uma fuga imaginária para a população da época.

A questão aqui se volta, porém, não para o que o mundo nos apresenta como mecanismo de defesa contra estados emocionais desagradáveis mas, sim, para a relação que temos com estes e o que essa relação pode dizer ou nos alertar sobre nós mesmos ou sobre a sociedade em que vivemos.

Acredito que a atenção deva estar não no comportamento em si mas em sua incidência, ou padronização. Se o excesso vira rotina, talvez esteja na hora de pararmos e refletirmos sobre o porquê. Se procuramos a arte apenas como meio de alienação e nunca elucidação, se deixamos de procurar nela causa e procuramos apenas consolo, talvez seja o momento de nos questionarmos sobre a qualidade desse vínculo. Mas, principalmente, se a dinâmica que estabelecemos com esses mecanismos defensivos começam a afetar a maneira com a qual nos relacionamos com o mundo e com os outros, aí, talvez seja hora de nos preocuparmos.

De resto, a verdade é que viver não é nada fácil, e a fuga, se por um lado pode tornar-se patológica, por outro, também pode ter uma função restauradora. O excesso de estímulos, de informação, de afetos… O excesso da vida faz com que, às vezes, seja mesmo necessário dar um unplug e se refugiar na segurança de um universo imaginário. Talvez, seja um tempo necessário de elaboração e digestão de tudo que nos atravessa no dia-a-dia. Talvez, seja um tempo que precisamos dar de nós mesmos.

Pés descalços

Pés descalços

Acho que está na hora de você trocar estes sapatos. Pra dizer bem a verdade, já passou da hora.

Eu sei que não vai ser nada fácil. Sei que, um dia, distraída, você o enxergou na vitrine e ele pareceu brilhar de uma forma especial. Na verdade, você nem tinha saído de casa com esse intuito naquele dia, mas é sempre difícil resistir a um belo par de sapatos. Você deu mais algumas voltas no shopping, visitou outras lojas, mas já não conseguia pensar em outro par. Tinha que ser aquele. Então, voltou à loja e, finalmente, os calçou. E pareceu que flutuava. Os pés, confortáveis, sorriram. Você também. Decidiu então ficar com eles. Levou para casa. Para o quarto. Para a vida. A impressão é que havia encontrado o melhor calçado do mundo. Que seria sempre assim. Era incrível como ele combinava com todas as suas roupas, o fazia sentir bem, bonita, atraente, feliz. Você não queria mais tirá-los dos pés.

Acontece que o tempo passou e as coisas, pouco a pouco, mudaram. Na primeira esfolada você passou um pano úmido e fingiu não perceber as marcas deixadas. Depois, ele começou a perder o brilho. E parecia que já não combinava mais. Mas não se joga fora um sapato tão especial assim. Dar para outra pessoa? Nem pensar! E, por isso, você continuou a usar. Continuou a acreditar. E fingia que continuava tudo como antes. Até que ele começou a te machucar. Primeiro, deixou o calcanhar vermelho. Depois, os dedos começaram a incomodar. Calos, dor, sangue. E agora já era difícil fingir que estava tudo bem. E hoje, ao te ver ainda com eles, eu precisava escrever para você. Ei! Você mesmo! Esse sapato aí já não te serve mais. Já é hora de voltar às compras. Ou, talvez, você devesse andar descalça por um tempo.

Acredite em mim. Depois que você se acostumar a andar com os pés no chão não será qualquer calçado que irá te satisfazer. Quem sabe experimente um chinelo rasteirinho até os pés cicatrizarem. Só peço que não saia pelas vitrines procurando outro par igual. Já é hora de desfilar de calçados novos. Outra cor e outro modelo. Uma bota ou uma sandália de salto talvez. A ideia é experimentar algo diferente.

Diga adeus aos sapatos velhos! Guarde as lembranças boas, mas não se esqueça dos calos. Amor próprio, desapego e sapatos novos. O que mais uma mulher pode precisar? Pés bem calçados sempre estarão prontos para dançar. E é como um grande escritor disse certa vez: pode ser que, com o próximo, você queira dançar para sempre. Tomara que sim.

Por Rafael Magalhães

Fonte indicada: Precisava Escrever

A arte de cativar

A arte de cativar

Cativar, segundo o dicionário, significa impressionar uma pessoa (ou várias) com seu caráter ou jeito de ser, agir ou falar. Isso mesmo, impressionar com o caráter ou jeito de ser. Entretanto, parece-me que esse verbo está ficando obsoleto. Talvez eu esteja errado, mas me consolo ao saber que uma das figuras mais sábias da literatura divide a mesma opinião.

Em um mundo cada vez mais dinâmico, em que as pessoas estão sempre com pressa, perder tempo com alguém não faz parte do cardápio. A modernidade líquida, com a sua fluidez, apresenta um problema, no que tange às relações humanas, qual seja, a dificuldade em criar laços.

Essa dificuldade foi percebida com muita sensibilidade por Saint-Exupéry, no seu magnífico (foi difícil escolher a palavra) “O Pequeno Príncipe”. Na obra, lá pela parte XXI, o principezinho encontra uma raposa, a qual lhe transmite ensinamentos sobre a arte de cativar.

“[…] Que quer dizer “cativar”? É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços.”

Cativar é uma arte que realmente está esquecida. Não queremos perder tempo com ninguém, logo não buscamos criar laços. Pelo contrário, temos necessidades de relações com facilidade em desconectar (já se perguntou por que o Facebook faz tanto sucesso?). Construir laços é muito trabalhoso e leva tempo. E tempo é o que não temos no mundo líquido.

Por que devo perder tempo cativando alguém, isto é, construindo laços, se posso, a cada dia, ter novos “amigos”? A conta é simples: quando enjoo de alguns, troco por outros, e o melhor é que a conta sempre bate. Os adultos são especialistas em fazer contas, talvez por isso se adaptem tanto a esses relacionamentos.

A resposta à pergunta supracitada pode ser dada por qualquer indivíduo minimamente honesto, pois esses relacionamentos podem garantir até alguma coisa, mas amizade não é uma delas.

Para ser amigo de alguém, é preciso saber cativar e, para cativar, é preciso perder tempo. Criar laços é como construir uma ponte, uma vez que, se não estiver bem feita, ela nos faz cair. Criar laços é fazer de alguém simples uma pessoa especial; de um, em meio à multidão, a multidão, em meio a um. Ou seja, é trabalhoso e, ultimamente, tenho a impressão de que as pessoas não gostam de sujar as mãos.

Talvez ainda não tenham compreendido o que é cativar. Sendo assim, retiro-me, para que uma amiga mais sábia que eu possa falar:

“Exatamente, disse a raposa. Tu não és nada ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…”

Ah! Agora, talvez tenham compreendido a importância de criar laços. É somente quando criamos laços que nos tornamos únicos para o outro. Só quando nós cativamos o outro nos tornamos importantes para ele, pois só carregamos dentro de nós aquilo que não encontramos em nenhum outro lugar.

Cativar é um verbo que tem como complemento direito alguém, quem, em meio a tantos, tornou-se único. E não há como ser único estando sempre com pressa, de modo que não esteja presente para dar um abraço ou decifrar os enigmas de um longo olhar. Também não há como comprar um amigo em lojas ou sites de vendas. É preciso saber perder tempo para ter amigos.

“Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me.”

Perder tempo com alguém, como isso nos assusta. Aliás, a própria expressão “perder tempo” é controversa, pois não perdemos nada estando com alguém, pelo contrário, ganhamos. Entretanto, por medo ou conveniência (ou os dois), esquecemos o significado de cativar.

A bem da verdade, criar laços não é fácil, como já disse, e exige, além de esforço, paciência. Paciência para esperar o cimento que mantém os tecidos coesos secar. Paciência para compreender os mistérios que permeiam o outro. Paciência para conhecer, uma vez que:

“A gente só conhece bem as coisas que cativou.”

Como não andamos com muita paciência, logo não cativamos e, como não cativamos, não conhecemos ninguém de verdade. Contentamo-nos em passar pela vida conhecendo apenas representações. Muito preocupados em aparecer, esquecemos como é bom ser importante para alguém, pois, quando somos importantes, ainda que deixemos de existir, continuamos existindo no outro.

Existindo em função dos laços que criamos, das horas “perdidas” cativando. Existindo em cada pedacinho que respira. Existindo em cada nó que forma o laço. E, como nós são pequenos, dificilmente os veremos com os olhos, mas é um erro procurá-los com os olhos, pois

“[…] só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.”

***

Leia o trecho completo do diálogo entre o Pequeno Príncipe e a Raposa

Doenças modernas: o carisma invertido

Doenças modernas: o carisma invertido

Temos diariamente quinhentos mil motivos para reclamar: a conta da luz está caríssima, o vizinho da frente fala aos berros com o filho, o elevador quebrou de novo, o dinheiro ainda não entrou na conta, o mercado está um roubo, o 3G não está funcionando!!! Sim, temos motivos de sobra.

E temos, igualmente, uma quantidade variada de pessoas que passam por nós, que vêm até nós, que convivem diariamente conosco, que nos observam, certas delas até desejariam nos conhecer um pouco mais, compartilhar momentos conosco, enfim, é gente o bastante para espantar qualquer solidão, mas… sequer prestamos atenção.

E perdemos muito, deixamos passar muito, desperdiçamos muito.

E por quê? Por que, sem perceber, nessas horas estamos no modo – carisma invertido -, esbravejando, lamentando, olhando para o vazio, para céu, para o chão, para a carteira, para a TV, para o celular, menos para os olhos uns dos outros.

Carisma invertido é uma espécie de acessório que vamos agregando ao longo da vida, especialmente, em alguma épocas mais azedas.

Temos a opção de exalar sorrisos, bom humor, piadas, elogios, abraços, mas, preferimos vociferar discursos intermináveis contra a política atual.

Temos a chance de conquistar mais algumas amizades numa reuniãozinha social, mas, escolhemos fazer o tipo antipático que só fala com quem já conhece e, em último grau, que faz uma cena teatral contando suas vantagens, monologando com seu copo e entediando a todos.

Podemos sair de casa e cumprimentar todas aquelas pessoas que diariamente passam por nós. O zelador, a moça que passeia com três cachorros, o jornaleiro, o vigilante do banco, a mal-humorada da padaria… mas, o que fazemos? Abaixamos a cabeça, fingimos que estamos pegando algo na bolsa, falando no telefone.

Dessa forma, vamos nos transformando pouco a pouco num grupo cada vez maior de pessoas de carisma invertido. A pessoa interessante que mora em nós vai perdendo espaço para o posseiro rabugento, o matador de risadas, o que já sabe tudo e não está a fim de trocar nem aprender com ninguém.

Fica, portanto, uma seleção de dicas para quem quer manter o seu carisma no estado natural, sem inversões ou mutilações:

  • Não seja mal-educado sob nenhuma desculpa;
  • Não use as crises, quais forem, como escudo para sua falta de assunto;
  • Não fale mal do que não sabe. Não agrida antes para perguntar depois;
  • Não use meias palavras quando uma pergunta exigir resposta inteira;
  • Não retribua um sorriso com indiferença;
  • Não categorize pessoas;
  • Não faça tipo, não seja um tipo, não imite um tipo;
  • Não pense que a paciência alheia é ilimitada;

E, por fim, esforce-se todos os dias para ser aquele tipo de pessoa que você admiraria pelo carisma!

Nota: A imagem de capa é uma homenagem ao filme “A fantástica fábrica de chocolate”.

Leia também: Segredo da felicidade: saber que tudo pode mudar

Promessas

Promessas

Não se deviam fazer promessas. Deviam ser proibidas, interditas a todos. Ninguém cumpre promessas, ninguém. Podem cumprir uma, mas, a primeira que falhem não lhes deveria ser permitida mais nenhuma.

As promessas mais doces se grudam na memória, como se de cola se tratassem que, quando seca, puxa-se aos poucos, mas, fica sempre qualquer coisa. Depois vai saindo, mas, a mão fica com aquele aspecto áspero e feio tais como são as promessas por cumprir.

Depois da promessa por cumprir deve-se esperar o castigo, a simples pena de ter de cumpri-lo. Oh, que embaraço, que pesadelo!

Mas, por que e que prometemos então? Por que quando prometemos somos virgens das consequências imprevisíveis dessa promessa. Há um espaço entre o momento em que se promete e o momento de cumprir, que compreende um mundo vasto de incertezas que determinam esse cumprimento.

E por ser tão vasto, tão imprevisível, com que direito prometemos? Com que direito damos chão e o retiramos? Sem chão, desarrumados por dentro, não cobramos o que ficou por fazer ou dizer, porque retiramos da pessoa, a credibilidade, o sentido.

Mas, como apaziguamos a alma? A mão começa a retomar o seu aspecto normal e delicado, todavia, não somos mais os mesmos. A memória dos Homens, tendencialmente fraca, compromete-se com novas promessas, assina por baixo, apesar da dúvida, e todos escapam impunes.

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