Na própria pele- Ana Jácomo

Na própria pele- Ana Jácomo

Por Ana Jácomo

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo convivendo com tantas perguntas que o tempo não respondeu e com a ausência de qualquer garantia de que ele ainda responda. É me sentir confortável, mesmo entendendo que as respostas que tenho mudarão, como tantas já mudaram, e que também mudarei, como eu tanto já mudei.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo sentindo que cada vez mais eu sei cada vez menos, e não saber, ao contrário do que já acreditei, pode nos fazer vislumbrar uma liberdade incrível, às vezes. Tem saber que é nítida sabedoria, que fortalece, que faz clarear, mas tem saber que é apenas controle disfarçado, artifício do medo, armadilha da dona autosabotagem.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo percebendo que a minha vida não tem lá tanta semelhança com o enredo que eu imaginei para ela na maior parte da jornada e que nem por isso é menos preciosa. É me sentir confortável, cabendo sem esforço e com a fluidez que eu souber, na única história que me é disponível, que é feita de capítulos inéditos, e que não está concluída: esta que me foi ofertada e que, da forma que sei e não sei, eu vivo.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir. É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade, suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem da paz e no desenho do caminho.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. Estarmos na nossa própria pele não é fácil e essa percepção é capaz de nos humanizar o bastante para nos aproximarmos com o coração do entendimento do quanto também não seria fácil estarmos na pele de nenhum outro. Por maiores que sejam as diferenças, as singularidades de enredo, as particularidades de cenário, não nos enganemos: toda gente é bem parecida com toda gente. Toda gente é promessa de florescimento, anseia por amor, costuma ter um medo absurdo e se atrapalhar à beça nessa vida sem ensaio.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável o suficiente para cada vez mais encarar os desconfortos todos fugindo cada vez menos, sabendo que algumas coisas simplesmente são como são, e que eu não tenho nenhuma espécie de controle com relação ao que acontecerá comigo no tempo do parágrafo seguinte, da frase seguinte, da palavra seguinte. É me sentir confortável o suficiente para caminhar pela vida com um olhar que não envelhece, por mais que eu envelheça, e um coração corajoso, carregado de brotos de amor.

O nosso passado me mudou e de hoje em diante só te desejo o melhor

O nosso passado me mudou e de hoje em diante só te desejo o melhor

Eu só sabia o que sentia por você no calor do momento. Não dava pra saber o que eu sentiria em um mês ou um ano. Mas eu sentia que as coisas iam mudar. Os ares, os rumos, os objetivos e até a nossa cabeça. Quando somos muito novos pensamos que não, mas mudamos o tempo todo. Não sei você, mas eu olho um pouco pra trás e penso “santo cristo, que anta eu fui!”. Mas isso acabou sendo necessário para eu chegar até aqui como eu sou hoje. E uma coisa eu posso dizer: hoje eu sou uma pessoa muito melhor do que eu já fui e devo isso a todas as experiências que vivi, sejam elas negativas ou positivas. E devo muito da minha mudança ao que a gente teve, a tudo que rolou. No calor do momento eu só via os contras, mas hoje em dia os prós falam muito mais alto que todos os atritos. Obrigada. Eu não entendia na época que os rompimentos podem nos trazer mais benefícios do que dor. Mas isso é porque quando estamos vivendo a dor da separação é difícil ter uma perspectiva de melhora. Eu te considerava muito, mesmo não sendo a pessoa mais coerente do mundo, nem a mais correta. Mas ninguém é perfeito, você também teve os seus momentos. Até que o barco furou e a gente sumiu da vista um do outro. A vida é assim: nos acostumamos com a ausência, preenchemos algumas lacunas. Uns com vícios, outros com hobbies, alguns com outras pessoas. Vale usar música, poesia, arte. Cinema. Seriados. Eu vi Sense8 e lembrei de você, falando nisso. Sabia? Fiz uma playlist cheia de música que eu queria te mandar mas não mandei. Se quiser eu posso te mandar um dia. No dia em que eu percebi que a gente não tinha mais nada a ver eu senti um ressentimento que me fez muito mal. Mas essa intensidade toda foi substituída por doses de sentir que as coisas estavam ok. Mesmo sentindo absurdamente a sua falta e vontade de estar perto. Mas passou. Foi difícil pra você também? Pra mim demorou um pouco, mas eu aceitei. Significamos algo um pro outro, você sabe bem o que a gente foi. Eu achei que as coisas duravam a eternidade, mas aí veio o tempo e me provou o contrário. Mas eu gostaria que você soubesse que se fosse comigo por perto talvez você não tivesse tantas conquistas. E eu espero que a falta que fizemos um para o outro tenha se transformado em algo mais bonito. E que você tenha sentido por outras pessoas coisas muito mais intensas do que a gente viveu. E que a sua vivência sem a minha presença tenha contribuído para que você se tornasse alguém melhor também. Porque a vida é assim mesmo. A gente se sente menos devastado com as perdas e vai entendendo que o que vem dos outros é lucro. O que importa é como nos sentimos em relação a nós mesmos. Desejo do fundo do coração que você se realize e seja uma pessoa completa. Cheia de amigos, cheia de vida e de vontades. Que um dia possa lembrar da gente com algum carinho (mesmo que não me conte). Que as mágoas não sejam os motivos das suas ações (nem das minhas). Que quando a gente olhar para o lado, não sinta a falta do outro e entenda que os caminhos foram diferentes mesmo. E que ao olharmos para o lado e não nos encontrarmos, possamos apenas compreender, aceitar e deixar ir.

Não sei se pulo a janela ou se saio pela porta dos fundos.

Não sei se pulo a janela ou se saio pela porta dos fundos.

Estar na janela é ver de longe, protegido, amparado por paredes, teto, vidros, móveis, cortina fácil de fechar – esconder-se para espiar. É de onde se vê o que não quer se mostrar, o escondido, o que não se sabe olhado, vigiado. É um olhar surdo, sem diálogo, uma relação unilateral com o mundo. Estar na janela é como olhar pelas grades de uma prisão, ou ver o infinito através de um telescópio. É estar distante.É não se envolver.

Pela janela é possível assistir ao espetáculo do mundo: uma festa na rua – rir para o nada com todos, que observados, desconhecem quer olhar ou sorriso; uma confusão noquarteirão – sem torcida, “graças a deus” não estar por ali, mas os olhos estão ali aflitos de alívio; o delicado vagar das nuvens, ora figuras, ora abstratas, outras delírio – ninguém se contagiará com a loucura do seu olhar parado e da sua mente fluida para, curioso, parar e olhar também o magnífico slowmotion dos melhores momentos celestes.

Da janela não se pede licença, pode-se invadir todos os espaços sem tropeços, mas também não se chega a lugar nenhum. Todos os gatos são pardos, todos os rostos opacos, as luzes tremeluzentes, a vida passa, a janela fica – aberta ou fechada – inacessível. Esconderijo de quem quer viver e não encontra coragem. Coragem? Palavras de Rosa: é tudo o que a vida quer da gente.

Janelas digitais, plasmas, HDs, de onde é tudo tão fácil, degradação ou virtude, tudo o que nos passa diante dos olhos, não importa quantas imagens árduas ou comoventes, se a pele intacta, o rosto escondido não queimará vergonha, nem colorirá rubor de emoção capaz de engatar experiências, tudo isso que nos faz parecer impotentes – poderíamos nós? Suportar essas dores, encarar essas frustrações, alcançar esses patamares, hastear nossa bandeira na lua?

É que a vida é bela quando olhamos pela janela, mas na janela vida nossa não há. Viver é sair do quadrado vazado, fazer parte da paisagem antes admirada. Beleza sim, riscos mais, desafios infinitos, cansaço, medo, dor. Estar sujeito a tornados e tempestades, sem controle, sem visão panorâmica de nada. Dos limites do frame vácuo protegido, o olhar de águia precisa se habituar a ser pombo de voo desvairado entre a multidão. Comer farelos com gosto, desviar dos apressados, cagar nas cabeças erradas, deixar penas no caminho.

De tudo o mais, no risco do descontrole primordial de viver, estar sujeito à gentileza desconhecida, aos abraços e encontrões que se tornam encontros, a achar petróleo no esgoto, ganhar chocolates suíços, um ombro amigo, uma cerveja colega, um acaso para eternidade de instantes ou de uma vida, amor – por que não?, afetos infantes, você mesmo ali, surpreso: “e eu achando que estava na janela”, sua alma já havia pulado dela há tempos, só te faltava humildade para sair pela porta dos fundos e encontrá-la, afinal, que importa? Toda saída leva à vida… leva a vida…

Amor sem esforço- Ana Jácomo

Amor sem esforço- Ana Jácomo

Por Ana Jácomo

Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos. Outros sonhos. Outros jeitos. É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está. Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida. Há um desperdício imenso de energia nessa história. É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.

Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, mesmo quando faz aumentar nossos índices de popularidade. Nosso catálogo de endereços eletrônicos. Nossas referências no caderno de telefones. Nossa lista de contatos do celular. Perigoso porque requer de nós muito malabarismo emocional para não trairmos as personagens que criamos para atender as demandas alheias. É trabalhoso demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura. E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer? Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós, não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora. Se não for por nós, não é de verdade.

De vez em quando nós lembramos para, em geral, esquecer outra vez pouco depois: o amor não pede esforço. O amor acontece. Somos amados assim do nosso jeito. Assim do nosso tamanho. Assim do nosso lugar. Somos amados como somos, já preciosos. Isso é de uma liberdade que raramente sentimos ser capazes. As pessoas mais interessantes que conheço não fazem sacrifícios para ser amadas. São do jeito delas. Se são amadas, maravilha. Se não, vida que segue, mais a frente os encontros virão e é bem provável que tenham mais a ver com elas. A diferença que conta é que, à parte o amor que possam receber, elas são amadas por elas mesmas. Estão confortáveis por ser como dá pra ser a cada instante.

São pessoas que não querem mostrar nada além da espontaneidade que já conseguem. Não querem caber onde lhes falta espaço. Não têm a pretensão de ter montes de amigos: se tiverem um, capaz de amá-las, de verdade, já estão no lucro. Querem amar e ser amadas, sim, desde que cada pessoa tenha liberdade para ser. Nadam no ritmo delas, no tempo delas, nesse mar de águas tantas vezes turbulentas da vida. E consideram cada braçada uma vitória. Uma possibilidade de encontro. Se não acontecer, vez ou outra, continuam contando com o próprio pertencimento. O próprio reconhecimento. A própria afeição.

Carta de Ano Novo para um filho que aprendeu a ler

Carta de Ano Novo para um filho que aprendeu a ler

Querido João,

Já é quase final de ano. Pela primeira vez, você e eu não estaremos juntos na virada, tapando as orelhas na hora dos rojões, olhando o céu riscado de fogos, enchendo a pança de maionese, farofa, arroz com uva passa. Este ano, como acontece a muitas das crianças quando os pais tomam caminhos diferentes na vida, você passou o Natal comigo e, nada mais justo, no réveillon vai estar com a mamãe.

Então, como eu sei que a saudade vai bater violenta quando der meia-noite e você não vai estar por perto para me mostrar bagunceiro os quatro zeros no relógio do celular, eu resolvi escrever esta cartinha a você. Porque assim, desde já, é como se você estivesse aqui pulando, derrubando a casa, irritando a vizinha infeliz do andar de baixo, fazendo todas aquelas perguntas que eu nem imagino de onde surgem. E eu tentasse respondê-las enquanto a gente luta contra o sono e sente o maior dó dos cachorros torturados pela barulheira dos fogos. Cada um tem um jeito de lidar com as coisas da vida, meu filho. O meu é este. Batucando para fora o que passa aqui dentro.

Aliás, escrever-lhe esta cartinha ganhou um novo e maravilhoso sentido agora que você se tornou um leitor tão curioso e voraz. E apesar da minha pacholice de ver meu pequeno deslumbrado com a própria capacidade recente de compreender e reproduzir palavras, palavrinhas e palavrões por escrito, eu sei que esta cartinha você só irá ler mais tarde, daqui a um monte de anos. Porque o conteúdo dela é aborrecido e profundo demais para dias de muita festa e pouca idade. Longo o bastante para um leitor iniciante e inocente como você é hoje.

No entanto, mesmo sabendo que não vai ler isso agora, aí vão duas ou três observações para o meu homenzinho na manhã da vida, se alfabetizando das coisas do mundo, encantado com a descoberta das letras que formam sílabas e compõem palavras. E que juntas dizem frases e contam histórias como a nossa.

Um dia, no futuro, quando ler estas bobagens você vai saber que, lá atrás, este seu quase velho pai já o amava de toda a vida e passava mais tempo pensando em você do que ele mesmo imaginava. Entre todos os seus afazeres de criança, adolescente ou quase adulto, talvez você pare um segundo e pense “é, acho que o velho gostava mesmo de mim”. E vai me ligar do seu iPhone 21, com comando de pensamento, me convidando para assistir ao seu lado a um velho e riscado blu-ray do Homem de Ferro.

Mas enquanto espera ser encontrada por você, que esta meia dúzia de palavras seja vista pelos amigos. Afinal, testemunhas valem ouro. Tanto nos juramentos de quem se casa quanto nesta declaração de amor de um pai por seu único e mais que amado filho.

Tudo isso é para dizer a você que o mundo é um jardim de rodas gigantes, meu filho. Sabe aquela roda gigante do parquinho? Cada um de nós é uma delas. Somos todos rodas, rodinhas e rodonas rodando pela vida, revezando instantes lá em cima e lá embaixo, embarcando nas outras pessoas, em seus grandes círculos iluminados e em movimento, subindo e descendo.

Vez ou outra, estamos lá no topo da roda. No lugar mais alto, de onde dá pra sentir o sol mais perto, queimando nossa testa com o fogo de existir. Dali de cima dá pra ver a cidade inteira, as casas e os prédios como miniaturas de um brinquedo e as pessoas pequenininhas lá embaixo. Às vezes a roda para justo quando a gente está lá no alto. E isso é um presente. Tudo fica suspenso, o mundo congela no instante supremo, você segura o xixi e não pensa em mais nada. Porque tudo se resume àquele momento de grandeza, que, aliás, muita gente adora chamar de “paz”.

É quando sobra tempo de olhar devagar o céu e as nuvens. Dá tempo de procurar lá embaixo a direção da nossa casa. Tempo de curtir a paisagem como se o mundo todo fosse aquela sensação de desprendimento absoluto. Quando esse instante chegar, meu filho, aproveite!

Porque, claro, também há dias em que a roda gigante para com a gente lá embaixo, ou lá no meio. É quando a gente parece não ter muita importância. Quando estamos “em baixa”. Acontece. Assim como também chega a hora em que a gente deve desembarcar da roda e dar o lugar a outros passageiros.

É da vida, meu pequenino viajante. De todas as rodas gigantes do mundo, em pouquíssimas delas a gente tem cadeira cativa, perpétua, vitalícia. Quando isso acontece, a gente valoriza o quanto pode. E, olha, às vezes até esses lugares a gente perde.

Agora, tão importante quanto tudo isso é você dar valor às rodas em que embarcar. E nunca esquecer de que na sua roda gigante entra só quem você quiser. E fica só quem você escolher. Portanto, escolha direitinho e cuide bem dos seus passageiros.

Daqui, resta dizer que você é o meu passageiro preferido. É por pessoas como você que esta roda segue rodando.

Já é quase fim de ano. Divirta-se por aí e volte logo para me contar como estava a praia. Por aqui, nossa roda gigante continua esperando por você.

Feliz Ano Novo, meu filho. Um beijo e até já!

Com amor, papai.

Carta ao Tempo

Carta ao Tempo

Querido tempo:

Assim como a letra de Maria Gadú, quero fazer um acordo contigo.

Nosso vínculo não tem sido o dos melhores, e cansei de ser submetida ao seu domínio. Como já disse anteriormente, não desejo mais corridas em minha vida. E por mais que resista, você me faz correr. Por mais que declare independência, você insiste em me submeter.

Já não quero mais ser controlada por você. O tempo dos relógios me cansa. E me faz perder tempo _ o velho paradoxo em que a vida dos ponteiros nos faz perder tempo na vida…

Meu cotidiano foi invadido por compromissos, responsabilidades, horários. Tudo isso faz parte, você dirá, e até posso concordar com você _ é assim que educamos nossas crianças, não é? Desde muito cedo com um relógio no pulso e regras rígidas que compõem o que chamamos rotina.

Mas se damos a mão, você quer o braço. Por isso sinto-me sugada por você, “senhor tão bonito”. Não deveria ser assim.

As regras não deveriam valer para mães, por exemplo _ mães de meninos que crescem depressa, enquanto cumprimos a aceleração dos ponteiros fora de seus horizontes.

Também não deveriam valer para almoços de família com netos reunidos em volta de uma mesa barulhenta.

Quebraria suas regras todo e qualquer pai que trabalhasse fora e só lhe restasse a noite para estar com sua família _ o tempo das estrelas poderia durar muito mais, antes dos pijamas chamarem para o sono…

O senhor tem me feito uma pessoa diferente daquela que planejei. Tenho andado ansiosa, falando rápido e comendo apressada. Me enervo com o motorista lento à minha frente e peço para meu filho não enrolar diante da tv na hora de ir para a escola. Beijo meu marido sem olhar-lhe nos olhos e fico impaciente com as filosofias de minha mãe ao telefone. Aliás, parei de gostar de telefone por sua culpa ( acho que esse foi um ganho… ou não?).

Mas o pior é constatar que poderia andar mais devagar, não fosse o senhor me empurrando pra todo canto. Eu poderia escolher um CD bem bacana pra ouvir no carro enquanto o motorista vagaroso desfila à minha frente; poderia assistir ao Tom & Jerry com meu filho antes da escola e rir ao seu lado descontraidamente. Poderia agradar meu marido com uma presença simples, de semblante apaziguador; poderia conversar com minha mãe sem pressa e até gostar de um telefonemazinho de vez em quando.

Mas sabe? O senhor está me esgotando. Pensando que é dono de meus caminhos e senhor do meu pulso, me conduz sem negociada compaixão. Porém, minhas pulsações cansaram de seguir o tic tac dos segundos em sua cadência compassada e ritmada.

Meu compasso é outro, e mesmo que minhas obrigações determinem certas programações, hoje peço-lhe alforria. Quero a paz dos libertos e a serenidade dos escolhidos.
Não quero o tempo de Benjamim Zambraia _ da obra de Chico Buarque _ cujo prazo se esgotou no momento em que percebeu que poderia ter se detido ‘nos momentos que lhe pertenciam, e que antes não soubera apreciar.’ Ou que poderia, tarde demais, ‘penetrar em espaços que não conhecera, em tempos que não eram o seu, com o senso de outras pessoas’.

O tempo é relativo, dirão os físicos. Pra mim tem se tornado escasso onde quero demorar-me. E escolhi demorar-me no cheiro de canela, nas páginas de Phillip Roth, no cafezinho cara a cara com minha mãe, nos lençóis com meu marido, na bola rolando despretensiosa com meu filho. Longe dos relógios burocratas e compromissos agudamente pontuais.

Por isso peço-lhe tempo. Sim, o tempo dos amantes quando se desentendem. Me dê um tempo. Tenho que repensar nossa relação tumultuada, nosso pouco entendimento, meu receio de tornar-me ‘Benjamim Zambraia’.

Pode ser que daqui a algum tempo eu me reconcilie contigo. Mas no momento presente, a pressa me desafia e não desejo afrontá-la.
Quero apenas os momentos que me pertencem _ todos eles _ inteiros, sugados até o fim. Sem pulsações apressadas que me indiquem que é hora de partir.
Quero ser dona de minha hora, senhora de meus minutos, consciente de minhas pausas.
E aí então, pronta para o desfecho final, olhar satisfeita para a existência projetada do começo ao fim e constatar:
Fui, vi e vivi. Realizada e feliz.

Apesar do tempo, nesse tempo:
Fim.

Não sei- Cora Coralina

Não sei- Cora Coralina

NÃO SEI

Não sei se a vida é curta ou longa para nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe,
braço que envolve, palavra que conforta,
silencio que respeita, alegria que contagia,
lágrima que corre, olhar que acaricia,
desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura enquanto durar.

Feliz aquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina”.

(Cora Coralina)

Pare o que está doendo.

Pare o que está doendo.

Tudo bem. Me enganei. Não eram só duas estações de metrô. Eram quatro. Andamos o equivalente a quatro estações de metrô a pé. Eu a convenci que seria fácil, rápido e bucólico, caminhar até a loja de discos pela calçada esburacada, de salto. Chega! Estou cansada! – e Monick parou, do nada, como se a tivessem jogado numa cápsula criogênica, daquelas em que congelam alguém para acordá-lo num futuro melhor.

Desde esse dia, sempre que escuto alguém, que consolo alguém, que consolo a mim mesmo, e sempre que aquelas mesmas palavras aparecem – Estou cansado! – a minha resposta é a mesma – Então pare, ué. Pare. Pare agora mesmo. Pare a confusão, pare o sofrimento, pare a dor, por dois segundos que sejam. Parar é uma escolha sua. Pare o medo, pare o apego, a dependência, a insegurança, o ego, pare de se vitimizar pela incapacidade dos outros de te amarem direito.

Tudo bem, talvez você tenha se enganado também. Talvez tenha superestimado sua capacidade, seu trajeto, o caráter dos outros, sua capacidade de permanecer puro nos seus próprios sentimentos. Então, se está cansado, só pare. Pare agora mesmo o que está evitando fazer. Muna-se do seu pijama que não julga, seus filmes que não exigem demais ou sua música preferida que já te conhece tão bem. Esse é seu dia maia fora do tempo, seu domingo sonolento em plena quarta-feira, sua greve serena até que o universo decida negociar.

Tudo espera, ainda que não por muito tempo. Se não sabe o que fazer, não faça. Se não sabe o que escolher, escolha não ter que escolher. Só pare. Não se sinta covarde ao fazê-lo. Os covardes não são os que param, mas os que fogem. Os que param ainda estão enfrentando seu oponente de frente, como um samurai que cumprimenta seu inimigo solenemente, antes de matá-lo. Mesmo na criogenia não há garantias de futuro melhor. Na pausa que cura, no espirar que revigora, na esperança futura, quem melhora é a gente.

Diego Engenho Novo

Contribua com a publicação do meu livro “Amar, Modo de Usar” e garanta seu exemplar autografado. Saiba mais: www.kickante.com.br/amarmododeusar

Nem sempre o silêncio é esquecimento

Nem sempre o silêncio é esquecimento

Ao contrário do que possa aparentar, muitas vezes o silêncio tem muito a dizer, carregando em seu aparente vazio uma intensidade tamanha de sentimentos e de carga emocional muito mais significativa do que enxurradas de palavras ou gestos exacerbados. O silêncio pode acalmar, ferir, amparar ou até mesmo violentar, às vezes trazendo paz, outras vezes incitando tempestades – nem sempre o silêncio é pacífico.

O silêncio pode ser revolta, rebeldia, contrariedade contida. Nem sempre estamos prontos para expressar nossos pontos de vista, no sentido de verbalizar o que queremos, o que temos aqui dentro. Assim, mesmo que estejamos discordando de algo, silenciamos, pois nos falta a coragem necessária para que nos libertemos dessa prisão que nós próprios criamos, ou mesmo porque sabemos que qualquer tentativa de diálogo será inútil e cansativa naquele momento.

O silêncio também pode corresponder à reflexão, a um turbilhão de pensamentos pulsando dentro de nós. O pensamento e a fala devem conviver harmonicamente, de forma que um não atropele o outro, colocando-nos em situações constrangedoras. Palavras, após proferidas, não voltam mais, deixando suas marcas, muitas vezes negativas, nas nossas vidas e nas dos ouvintes. Pensar sobre o que se diz é necessário, pois, caso possamos machucar alguém ou a nós mesmos, sem razão, é preferível emudecer.

Às vezes, o silêncio é solidão, é vazio, solitude doída e emudecida. Mesmo acompanhados, ainda que em meio a muitas pessoas, podemos estar solitários, sentindo-nos sem acolhida, sem partilha, sem pertencimento. Como se não fizéssemos parte da vida do outro, como se fôssemos desimportantes, dispensáveis. Perdidos nessa irrelevância emocional, ruímos por dentro, minando nossa autoestima e nossa capacidade de ser feliz.

Outras vezes, o silêncio é desistência. Há momentos em que o mais prudente a se fazer é desistir de algo, de alguém, de tentar convencer, amar, de clamar por atenção e reciprocidade. Certas situações nos pedem que partamos para outra, que canalizemos nossas forças e energias em direção ao que nos trará contrapartida, retirando-nos dos apelos vazios, da mendicância afetiva, pelo bem de nossa saúde física e de nosso equilíbrio emocional.

Silêncio, da mesma forma, pode significar desapego, libertação, livramento de amarras que nos impedem o caminhar tranquilo de nossa jornada. Precisamos nos despedir de tudo aquilo que pesa em nossos ombros, emperrando a visualização serena das possibilidades que nos aguarda o futuro. Temos que serenar a celeridade que intranquiliza os nossos corações, jogando fora bagagens sem as quais conseguiremos viver melhor.

O silêncio, infelizmente, muitas vezes é mágoa, ressentimento, lamentação acumulada. Na impossibilidade de encontrarmos coragem de vivermos nossas verdades por inteiro, de refutarmos o que não nos completa, tampouco nos define, de impormos aquilo em que acreditamos, sufocamos nossos sentimentos mais íntimos sob a infelicidade de aparências condizentes com o que todo mundo espera – exceto nós próprios. Nesses casos, o silêncio é o crepúsculo moroso de nossa existência.

Felizmente, no entanto, o silêncio também pode – e sempre o deveria – implicar felicidade, certezas, convicção e força. Sabermos os momentos certos para calarmos e guardarmos para nós aquilo que pensamos nos salva de problemas dispensáveis com gente que não significa nada na nossa vida. Quando estamos seguros quanto ao que somos, quanto aos nossos sonhos e planos de vida, nenhum barulho é capaz de abalar as nossas verdades, minimamente que seja. Quando o silêncio guarda o que temos de mais precioso, estaremos então caminhando rumo ao alcance de nossos sonhos, para que possamos dividi-los com quem compartilhamos amor de verdade, e com ninguém mais.

Incentivando a leitura infantil.

Incentivando a leitura infantil.

Eu poderia escrever por horas listando os benefícios da leitura para o ser humano. Em algum nível todos nós sabemos da importância de ler. Eu ando meio assustada com a forma com que crianças e adolescentes tem escrito nas redes sociais e levado essa forma de comunicação escrita para a vida. Sou contra o incorreto da língua portuguesa, porém talvez esse nem seja o maior benefício que a leitura nos dá. Além de ensinar a escrever corretamente e melhorar o vocabulário, a leitura estimula raciocínio, criatividade, memória, curiosidade, dentre tantos outros constructos e por isso, é importante ler e ter contato com obras literárias desde os primeiros meses de vida.

Mas como fazer com que crianças em fase de alfabetização se interessem pelos livros? É verdade que, em meio a brinquedos cada vez mais lúdicos e cheios de recursos tecnológicos, essa não é uma tarefa fácil, porém pequenas ações podem fazer a diferença.

Para chamar a atenção das crianças pela leitura, há diversas atividades que os pais e outros familiares podem colocar em prática e, assim, fazer do ato de ler um momento divertido. No período da alfabetização, antes dela e um pouco depois também, especialistas sugerem que se misture a leitura com brincadeira, fazendo, por exemplo, representações da história lida, incentivando a criança a criar os próprios livros e pedindo que a criança ilustre uma história.

Seguem algumas dicas de especialistas sobre o que os pais podem (e devem) fazer:

– Transforme as idas a livrarias, bibliotecas e feiras do livro em um programa de fim de semana. Hoje,  muitas livrarias e bibliotecas oferecem atividades aos finais de semana e esse programa ainda é de graça. Algumas livrarias, inclusive, têm espaços para leitura (sem que os livros precisem ser comprados!).

-Muitas crianças ficam frustradas por ler muito devagar em voz alta. Se este é o caso do seu filho, você pode ajudá-lo fazendo exercícios, como cronometrar o tempo que ele leva para ler um texto ou o trecho de um livro em voz alta. A atividade pode ser repetida várias vezes em dias diferentes e, assim, a criança vai poder comprovar o próprio desenvolvimento. Outra dica legal é fazer com que ele faça diferentes vozes para cada personagem – eles adoram!

-Incentive o seu filho a ler todas as noites. E, se ele ainda não for alfabetizado, conte histórias para ele antes de dormir. Por isso, é importante que ele tenha uma fonte de iluminação direta ao lado da cama, como um abajur. Uma ideia bacana é dar um presente para a criança nos fins de semana: permita que ela fique acordada até um pouco mais tarde para ler na antes de dormir.

-No seu tempo livre, procure fazer atividades com o seu filho que você possa relacionar com um livro. Uma ida ao zoológico, por exemplo, torna-se muito mais interessante depois que a criança leu um livro sobre o reino animal. E vice-versa: uma leitura sobre animais é mais bacana depois que a criança teve a oportunidade de ver de perto os bichinhos. E, assim como essa, há muitas outras maneiras de juntar passeios de fim de semana com a leitura: livro de experiências junto de uma visita ao museu de ciências, livro de história e passeio em local histórico, visita a museu de arte e um livro infantil sobre arte… As possibilidades são inúmeras!

-Não se preocupe se o livro escolhido pelo seu filho parecer infantil demais. Cada criança tem um ritmo diferente. O importante é que o livro esteja sempre presente. A criança costuma dar sinais quando se sente preparada para passar para um próximo nível de leitura, é só ficar atento.

-Proponha para o seu filho que ele faça o próprio livro. As crianças gostam de criar histórias, viver personagens, imaginar paisagens. Primeiro, peça que ele tire fotos (e imprima-as) ou recorte figuras de revistas antigas. Depois, a partir das imagens, peça que ele escreva uma história. Ajude-o a criar uma capa para o livro e, por fim, coloque-o na estante, junto com outros livros. Que criança não adoraria ter um livro de sua autoria na biblioteca de casa?

-Convide amigos e colegas de escola do seu filho para uma espécie de festa da leitura. No início, cada criança lê o trecho de um livro que pode até ser escolhido por eles (mas com orientação dos adultos). Depois de lida a obra, organize um debate sobre a história. Tudo isso pode ser feito durante uma tarde de sábado ou domingo, com direito a guloseimas que as crianças adoram, como cachorro-quente e chocolate quente (no fim de semana, pode!). Na infância, a leitura tem de estar ligada a uma atividade divertida.

-Concluída a leitura de um livro, os pais podem organizar peças de teatro baseadas na obra. Uma boa ideia é convidar outras crianças para participar da atividade. Os adultos podem ajudá-las a elaborar uma espécie de roteiro e pensar nas vestimentas e nos cenários a serem criados. Depois dos ensaios, a peça pode ser apresentada para um grupo de pais ou para toda a família. Também é interessante gravar com o celular ou uma filmadora a encenação da peça, para que depois a criança possa ver o próprio desempenho.

 

Mulher Independente- Martha Medeiros

Mulher Independente- Martha Medeiros

Estava autografando meu livro na Feira quando uma senhora alta, elegante, já bem madura, chegou sorridente pra mim e disse: “Acho-te uma mulher fenomenal”. Eu, toda sorrisos, tomei o livro que ela tinha em mãos e me preparei para escrever uma dedicatória bem carinhosa. Ela então complementou: “Mas eu não queria ser casada contigo: tu és muito independente!”.

Concluí a dedicatória, agradeci a gentil presença dela, enquanto que meu coração começou a bater de forma mais lenta. “O que estou sentindo?”, perguntei a mim mesma, em silêncio. Tristeza, respondi a mim mesma, em silêncio, enquanto a próxima pessoa da fila se aproximava.

Em que eu seria mais independente do que qualquer outra mulher? Quase todas as que conheço trabalham, ganham seu próprio sustento, defendem suas opiniões e votam em seus próprios candidatos. Algumas não gostam de ir ao cinema sozinhas, já eu não me importo. Poucas moraram sozinhas antes de casar, eu morei. Quase nenhuma, que eu lembre, viajou sozinha, eu já. E nisso consta toda minha independência, o que não me parece suficiente para assustar ninguém.

Fico imaginando que essa tal “mulher independente”, aos olhos dos outros, pareça ser uma pessoa que nunca precise de ninguém, que nunca peça apoio, que jamais chore, que não tenha dúvidas, que não valorize um cafuné. Enfim, um bloco de cimento.

Quando eu comecei a ter idade pra sonhar com independência, passei a ler afoitamente os livros de Marina Colasanti – foram eles que me ensinaram a importância de abrir mão de tutelas e a se colocar na vida com uma postura própria, autônoma, mas nem por isso menos amorosa e sensível. Independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mas sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero, porque quero.

Sobre a questão da independência afugentar os homens, Marina Colasanti brincava: “Se isso for verdade, então ficarão longe de nós os competitivos, os que sonham com mulheres submissas, os que não são muito seguros de si. Que ótima triagem”.

Infelizmente, a ameaça que aquela senhora acredita que as independentes representam não é um pensamento arcaico: no aqui e agora ainda há quem acredite que ser um bibelô (ou fazer-se de) tem lá suas vantagens. Eu não vejo quais. Acredito que a independência feminina é estimulante, alegre, desafiadora, vital; enfim, uma qualidade que promove movimentação e avanço à sociedade como um todo e aos familiares e amigos em particular. “Eu preciso de você” talvez seja uma frase que os homens estejam escutando pouco de nós, e isso talvez lhes esteja fazendo falta. Por outro lado, nunca o “eu amo você” foi pronunciado com tanta verdade.

Casar-se de novo- Stephen Kanitz

Casar-se de novo- Stephen Kanitz

Meus amigos separados não cansam de me perguntar como eu consegui ficar casado trinta anos com a mesma mulher. As mulheres, sempre mais maldosas que os homens, não perguntam a minha esposa como ela consegue ficar casada com o mesmo homem, mas como ela consegue ficar casada comigo. Os jovens é que fazem as perguntas certas, ou seja, querem conhecer o segredo para manter um casamento por tanto tempo. Ninguém ensina isso nas escolas, pelo contrário. Não sou um especialista do ramo, como todos sabem, mas, dito isso, minha resposta é mais ou menos a que segue.

Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém agüenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade, já estou em meu terceiro casamento – a única diferença é que me casei três vezes com a mesma mulher. Minha esposa, se não me engano, está em seu quinto, porque ela pensou em pegar as malas mais vezes do que eu.

O segredo do casamento não é a harmonia eterna. Depois dos inevitáveis arranca-rabos, a solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com a mesma mulher. O segredo no fundo, é renovar o casamento, e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados e preocupações que são esquecidos no dia-a-dia do casal. De tempos em tempos, é preciso renovar a relação. De tempos em tempos, é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, voltar a se vender, seduzir e ser seduzido.

Há quanto tempo vocês não saem para dançar? Há quanto tempo você não tenta conquistá-la ou conquistá-lo como se seu par fosse um pretendente em potencial? Há quanto tempo não fazem uma lua de mel, sem os filhos eternamente brigando para ter a sua irrestrita atenção? Sem falar nos inúmeros quilos que se acrescentaram a você, depois do casamento. Mulher e marido que se separam perdem 10 quilos num único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo? Faça de conta que você está de caso novo. Se fosse um casamento novo, você certamente passaria a freqüentar lugares desconhecidos, mudaria de casa ou apartamento, trocaria seu guarda-roupa, os discos, o corte de cabelo e a maquiagem. Mas tudo isso pode ser feito sem que você se separe de seu cônjuge.

Vamos ser honestos: ninguém agüenta a mesma mulher ou marido por trinta anos com a mesma roupa, o mesmo batom, com os mesmos amigos, com as mesmas piadas. Muitas vezes não é sua esposa que está ficando chata e mofada, são os amigos dela (e talvez os seus), são seus próprios móveis com a mesma desbotada decoração. Se você se divorciasse, certamente trocaria tudo, que é justamente um dos prazeres da separação. Quem se separa se encanta com a nova vida, a nova casa, um novo bairro, um novo círculo de amigos.

Não é preciso um divórcio litigioso para ter tudo isso. Basta mudar de lugares e interesses e não se deixar acomodar. Isso obviamente custa caro e muitas uniões se esfacelam porque o casal se recusa a pagar esses pequenos custos necessários para renovar um casamento. Mas, se você se separar, sua nova esposa vai querer novos filhos, novos móveis, novas roupas, e você ainda terá a pensão dos filhos do casamento anterior.

Não existe essa tal “estabilidade do casamento”, nem ela deveria ser almejada. O mundo muda, e você também, seu marido, sua esposa, seu bairro e seus amigos. A melhor estratégia para salvar um casamento não é manter uma “relação estável”, mas saber mudar junto. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisas que jamais teria pensando fazer no início do casamento. Você faz isso constantemente no trabalho, por que não fazer na própria família? É o que seus filhos fazem desde que vieram ao mundo.

Portanto, descubra o novo homem ou a nova mulher que vive ao seu lado, em vez de sair por aí tentando descobrir um novo e interessante par. Tenho certeza de que seus filhos os respeitarão pela decisão de se manterem juntos e aprenderão a importante lição de como crescer e evoluir unidos apesar das desavenças. Brigas e arranca-rabos sempre ocorrerão: por isso, de vez em quando é necessário casar-se de novo, mas tente fazê-lo sempre com o mesmo par.

Errata: A autoria correta desse texto é de Stephen Kanitz e não de Arnaldo Jabor- corrigido 29-12- 2015, às 22:41h

5 filmes sobre perdas

5 filmes sobre perdas

Amigos, filhos, pais, mães… A perda de alguém emocionalmente importante pode ser devastadora… Ou impulsionar a pessoa e fazê-la crescer, mesmo que tardiamente. De qualquer maneira, nunca é fácil, seja em qualquer idade.

Alguns filmes conseguem tocar neste tão espinhoso tema com muita delicadeza, sem deixar de oferecer uma reflexão importante, ao mesmo tempo em que entretêm. Há obras de arte que fazem o espectador se sentir como quem vê o resultado da mega da virada online e percebe ter acertado prêmio principal. Filmes enriquecedores!

Eis uma pequena lista deles:

O Labirinto do Fauno

contioutra.com - 5 filmes sobre perdas

Filme espetacular, que lida com fábulas e mitos nem um pouco fáceis de se viver. De uma sensibilidade absoluta, chama a atenção o trabalho da direção de arte e a trilha sonora desta obra prima. Prepare os lencinhos…

Livre

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Reese Whiterspoon vive uma mulher em busca de si mesma. A maneira que ela encontra para melhor se conhecer é partir numa jornada espiritual como andarilha em lugares inóspitos dos Estados Unidos. Um filme muito bonito, cuja reflexão faz pensar sobre o que é realmente importante.

Ponte para Terabítia

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Pré-adolescentes descobrindo a amizade e deixando a imaginação tomar conta de realidades nem sempre agradáveis. Sensível.

O segredo de Brokeback Mountain

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A temática gay da história acaba não chamando tanta atenção quanto à direção afinada do chinês Ang Lee e as atuações soberbas de Heath Ledger e Jake Gillenhall. É, acima de tudo, um drama muito bem construído sobre a dificuldade nas relações humanas, sejam elas hetero ou homossexuais. Imperdível.

Amnésia

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Uma vingança é contada numa ordem inversa, graças ao brilhante trabalho de edição do filme de Christopher Nolan. Difícil de ser entendido, a princípio, mas se revela espetacular com o passar do tempo, tanto pelo exuberante apuro técnico do roteiro e edição quanto pela complexidade psicológica que ele acaba revelando ao final.

Os amores de uma vida

Os amores de uma vida

Por Rafael Souza Carvalho

Quando estamos próximos dos 40 anos de idade é comum que aprofundemos a reflexão sobre muitas áreas de nossa existência. Uma delas é o que chamamos de “amores de nossas vidas”.

Essas etapas cíclicas que também acometem a quem adentra os 50, 60 e assim até que a vida permita, servem para revermos mentalmente a quem depositamos nosso amor. Um dia entregamos uma flor, uma carta, um beijo roubado, alianças trocadas e uma cama a dividir. Não para por aí. Em alguns casos, a flor não mais chegou, a carta esquecida se encontra na gaveta, o beijo é recusado, alianças retiradas e a cama já não comporta os dois. Aquele grande amor fica inscrito no passado em belas histórias de nossas vidas.

É recorrente a afirmação conservadora de que possuímos apenas um único grande amor em nossa história, o que viria desqualificar os sentimentos subsequentes de uma relação afetiva. Todas as demais experiências intensas apresentariam uma deficiência, e assim, nunca estariam à altura do “grande amor”.

E se o “grande amor” for uma farsa? E se pudéssemos ter vários “grandes amores” de nossas vidas? Penso que seria conveniente afirmar que para cada época de nossas vidas temos um grande amor. É comum viúvas e divorciados lamentarem que o amor de suas vidas ficou no passado e dificilmente conseguirão amar novamente. Tomaria a liberdade em dizer que uma vida de grandes amores é uma grande vida. Há uma riqueza em pessoas que após a ruptura conseguem renascer para um sentimento intenso. O amor tem uma plasticidade que se adéqua a várias fases da vida.

No colégio o coração do menino bateu forte quando chamou a menina para dançar; sonhou com ela à noite.  A arritmia não foi diferente quando se casou – disse na frente do padre que era para sempre – mas começaram a brigar e resolveram se separar. Separados, encontraram pessoas fantásticas, fizeram novas juras sob a orquestra de um coração saltitante de menino colegial. O tempo se adiantou, as mãos já enrugadas revezavam-se em se esquentar e segurar o controle remoto. O amor do colégio não é diferente daquele que nos motiva para o casamento ou que conhecemos em uma nova vida de solteiro. O coração é um só, perde o compasso na possibilidade de se ver desejado

Seria bom rever o conceito de um grande amor que está sujeito as nossas fixações e ampliarmos para os múltiplos amores possíveis em nossas vidas, não imunes a decepções, mas encorajados em subir ao palco de nossa existência e aceitar a sua encenação real, admitindo que o coração que me apertou na infância é o mesmo que me atira em outros braços. Assim como não há a chuva da minha vida, também não há o amor da minha vida – alguns irão discordar – mas aquele amor de infância deve ser considerado, em menor proporção ele existiu. A água que me molhou na juventude foi embora, não voltará, mas ainda sou capaz de pegar um temporal; as nuvens estão se formando. O abraço que um dia me arrancou o suspiro, aqui não se encontra, mas ainda respiro um ar diferente e sou capaz de outro fôlego; a ventania sopra na esquina.

Somos intensos demais em desejar para afirmar que somos feitos para um único temporal ou para uma única batida no peito que nos faz perder o rumo. Quem o faz, também possui riquezas, mas não o faz superior. Perder o caminho pode ser um excelente atalho para o encontro futuro. Um porta-retrato substituído não configura uma perda, e sim um acréscimo na história de quem opta em amar.

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