Complexo de Cinderela

Complexo de Cinderela

Uma mulher que batalha por seus sonhos, se vira em mil e uma para dar conta da casa, dos filhos, do marido, do chefe; que tem uma vida sexual ativa e satisfatória, que paga suas contas e compra um vibrador com a mesma facilidade com que compra absorvente, simplesmente vai achar que a psicóloga Colette Dowling está louca ao afirmar em seu livro Complexo de Cinderela (Editora Melhoramentos) que “no fundo toda mulher quer ser cuidada e salva”.

Avançar as primeiras 40 páginas do seu livro é quase um suplício. Nada parece fazer muito sentido, entre outras coisas porque ela está falando de mulheres americanas (aparentemente conservadoras) que em plena década de 80 acreditavam, em seus íntimos, que somente um casamento podia ser a salvação de suas lavouras arcaicas.

Além disso, a narrativa é meio chatinha – muitos depoimentos, dados de pesquisa.

Todavia, à medida que respiramos fundo e avançamos na leitura é como se uma cortina se abrisse ante nossos olhos para um espetáculo que não queremos assistir: o medo da autonomia.

Uma mulher pode pilotar aviões, ganhar mais que seu parceiro, transar com quem quiser; ter amantes, comprar sapatos caros, chefiar empresas, porém isso não quer dizer necessariamente que ela tenha autonomia.

Ter autonomia significa dar sentido ao que de fato é importante para nós. É escolher com base nos nossos desejos e não com base no que o mundo espera de nós. E, claro, correr riscos! Aceitar responsabilidades e possíveis fracassos.

Segundo Dowling, nossa cultura não educa as mulheres para a autonomia, para encarar desafios e correr riscos. Espera-se sempre que as meninas sejam boazinhas, educadas, elegantes. A autora afirma que desde criança as meninas são mais protegidas que os meninos – enquanto as meninas são pegas no colo quando caem e recebem toda atenção e carinho, os meninos ouvem “não foi nada, só ralou o joelho, levante-se e vá brincar”. Nas palavras de Dowling:

“As meninas se convencem de que precisam ter proteção, sob pena de não sobreviverem (…) Esta primitiva indicação de ansiedade por parte da mãe – por alguns pesquisadores denominada supersolicitude apreensiva – leva a criança a duvidar de sua competência (…) Se para os meninos tarefas difíceis representam desafios, as meninas geralmente tentam evitá-las”.

Para a escritora americana, se antes o “Complexo de Cinderela” acometia somente as adolescentes que temiam abandonar o ninho, agora atinge mulheres adultas e bem sucedidas:

“Ele [o complexo] tende a atacar as mulheres já com curso superior, após terem experimentado o gosto do mundo. Quando as primeiras sensações inebriantes da liberdade se dissolvem, a ansiedade toma-lhes o lugar, as mulheres começam a se sentir incomodadas pelo velho anseio de segurança: o desejo de serem salvas (…) Obter sucesso, para muitas mulheres, gera pânico, porque traz ‘a ansiedade do desenvolvimento’, do desafio, do confronto”.

E conclui:

“A tendência feminina de apavorar-se de tal forma com a mera possibilidade de obter êxito causa o estrangulamento do próprio desejo”.

Sobre o casamento, Dowling  sugere que a maioria das mulheres que abandonam seus empregos após contrair matrimônio o faz por uma necessidade inconsciente de simbiose:

“O fato é que, aparentemente, o casamento ainda oferece a muitas de nós uma válvula de escape – um refúgio da autonomia, selado com a aprovação social. Externamente podemos dar a impressão de ser mais libertadas, mas o profundo medo experimentado pelas mulheres empurra-as para uma existência simbiótica”.

Em diversos trechos do livro a autora afirma que o desejo da mulher de ser cuidada emerge do medo de não conseguir sobreviver sozinha.

Ela também aponta algumas arbitrariedades do feminismo e explica que muitas vezes o movimento consolidou, de maneira indireta, a ideia de dependência nas mulheres:

 “O movimento feminista estava apenas começando na época, mas não enfatizava a noção de que às mulheres cabia assumir maiores responsabilidades por si mesmas. Pelo contrário: parecia sugerir que elas precisavam que se lhes dessem determinadas coisas – coisas que, tradicionalmente, lhes haviam sido sempre negadas: profissões, salários igualitários, direito de opinar a respeito de suas vidas… A ironia é que, ao passo que começamos a almejar mais, continuamos dependendo de outrem (de homens, em particular) para consegui-lo; queríamos liberdade, mas ainda não desejávamos a responsabilidade que segue”.

O livro Complexo de Cinderela apresenta dados estatísticos assustadores e fala bastante sobre medos, pânico, fobias, autossabotagem e dependência emocional. Mas, para além do desejo de ser cuidada – segundo a autora, intrínseco a toda mulher -, a questão que parece estar na base do problema é a autoconfiança e a ignorância para com a própria voz, os próprios desejos, ou seja, a autonomia.

O desafio seria nos tornarmos quem somos e não o que esperam que sejamos (ou nos ensinaram a ser) e não sentir culpa ou medo do fracasso quando não seguimos o modelo esperado pelos outros.

Uma leitura bastante indigesta, porém elucidativa.

(foto: Dina Goldstein)

Se o mundo tira você do sério, nem sempre o problema é você. Pode ser o mundo mesmo.

Se o mundo tira você do sério, nem sempre o problema é você. Pode ser o mundo mesmo.

Ahh… por favor, donas frases prontas! Deem um tempo, tá? Por gentileza, senhoras verdades absolutas, cavalheiros chavões, doutores clichês, tenham a bondade de tomar o caminho da rua. Esta alma aqui não sabe ler manual de instrução, não.

Aqui não cabem receitas, raciocínios-padrão, fórmulas mágicas. Não se aceitam conselhos vazios matraqueados em tom professoral. “Precisamos disso, devemos aquilo, somos assim, somos assado…”. Coisa mais chata! Não, aqui não, obrigado.

Que história é essa agora de remédio fácil para todos os males? Quem foi que inventou essa moda? Que negócio é esse de receitar tratamento sem olhar o paciente? De catalogar a problemática universal em meia dúzia de mandamentos furados, batidos, roubados de todo canto em completo descaramento?

Olhe em volta. Tem sempre alguém por aí, do alto de sua cara de pau, exibindo a verdade de todas as coisas, clamando a quem passa: “se não deu certo ainda é porque não chegou ao fim, porque você não se adaptou ao mundo, porque o mundo não muda, porque é você quem precisa se adaptar…”. E dá-lhe abobrinha. Dá-lhe blá-blá-blá.

Será mesmo? Será que “dar certo” não é uma coisa pessoal demais para ser reduzida a impressões e ensinamentos do primeiro charlatão posando de pensador?

Será que tanto discurso simplório não serve mesmo é para viciar as pessoas em alívios passageiros como drogas sintéticas? Será que não passa de pura covardia o velho expediente de dizer a todas as almas apenas o que elas querem ouvir?

Será que esse mundo de verborragia analgésica, conselhos irresponsáveis e poções mágicas oferecidos como em uma feira não tem feito mais mal do que bem? Será que essa enxurrada de conselhos pasteurizados, listas edificantes e lições universais não arrasta uma multidão perdida para conclusões de aluguel em vez de fazê-la pensar?

Concordo. Pensar dói. Sentir dor, então, é pior. Por mais necessária que seja, a dor de um sentimento rasga a carne da gente, né? Concordo que é mais fácil pular essa parte e se acomodar logo numa sensação confortável de bem-estar. Saltar depressa a um canto onde tudo é bonito e agradável mas, perdoem-me as madames verdades prontas e os cavalheiros jargões, é tudo falso. Descaradamente ilusório e mentiroso.

Ninguém quer sentir a carne rasgando. É melhor a anestesia de uma frase feita, um sentimento de encomenda, um chavão emocional, uma receita fácil. “Devemos isso, precisamos daquilo…”. Essas mentiras que nos contam em tom professoral. Esses cantos de sereias falsas que o desespero da gente aceita.

Não quero, não. Eu ainda tenho vergonha na cara. Não embarco nessa. A quem se interessar, ofereço o meu lugar na janela. Eu prefiro o caminho mais longo, a pé. Prefiro deixar a dor doer que encher a cara de drogas baratas, remédios genéricos e autoajuda paliativa. Prefiro falar sozinho a fazer coro com uma multidão de zumbis, famintos por sentimentos inventados, verdades alheias e resoluções definitivas.

E quando o mundo me tirar do sério, vou me permitir sem culpa cogitar que talvez o mundo é que esteja equivocado. Por que não?

O detalhe que salvou minha vida

O detalhe que salvou minha vida

O câncer me encontrou discretamente. Usou seu charmoso disfarce para parecer inofensivo e não me assustar logo de cara. Ele quis ganhar tempo para consumir meu corpo e só se mostrar desnudo quando fosse tarde demais.

Diante do contexto em que me encontrava, o desfecho dessa história tinha tudo para ser este. Só não foi por um detalhe valiosíssimo: uma segunda opinião.

Tudo começou quando meu filho estava com oito meses de idade. Eu estava escovando os dentes quando percebi algumas estrias na borda esquerda da minha língua, bem no fundo. Achei estranho, mas, como era indolor e eu estava envolvida com o bebê, esqueci. Vários meses depois, observei que as estrias continuavam ali, ainda indolores. Desta vez, porém, decidi investigar.

Em poucos dias, fui parar em uma estomatologista. Diante do quadro, tive que fazer minha primeira biópsia. Na época me alegrei com o resultado: não havia tumor. Era um tal de Líquen Plano Agressivo. Segundo a especialista, o líquen vem de fundo traumático (por uma mordida ou outra lesão) ou de fundo emocional. Não tenho dúvidas de que me encaixava na segunda opção.

O líquen não é câncer, mas é cancerígeno. Era preciso ficar de olho. Comecei a fazer tratamento com corticoide e isso exigiu que eu parasse de amamentar. Não sei qual das notícias foi pior, mas eu não tinha opção. Fiz o que fui orientada a fazer, mesmo com um aperto imenso no coração.

Quase meio ano de tratamento e nada de melhora. Pelo contrário: agora eu sentia dor. Muita dor. Era quase impossível comer, falar, engolir saliva, bocejar. Tudo era dolorido demais. Resultado: nova biópsia e nenhuma novidade. Lá estava o líquen e não o câncer. E eu nem podia ficar feliz porque sabia que tinha coisa errada, mas eu continuava sem resposta. Àquela altura eu já estava até disposta a encarar um diagnóstico de tumor, pois precisava da verdade. Só queria me livrar daquela dor.

Minha médica achou adequado tratar a dor com laser, já que não estaria disposta a me prescrever mais corticoide. As sessões de laser amenizavam a dor momentaneamente, mas não era isso que eu queria. Eu precisava saber o que estava, realmente, acontecendo comigo.

Mas como duvidar do diagnóstico de uma biópsia? Como questionar a opinião de uma especialista? Eu era apenas a paciente, totalmente leiga. Baseada em que teria argumentos para não acreditar no que era dito?

Continuei suportando, trabalhando, sobrevivendo. Não havia mais alegria em mim porque a dor constante me tirava os prazeres mais simples. Comer e conversar eram tarefas torturantes. Para ajudar, meu trabalho dependia da minha fala. Como eu poderia seguir alfabetizando oito horas por dia daquele jeito?

Graças a Deus, algumas pessoas da minha vida começaram a me convencer a procurar outro médico. E foi exatamente isso que salvou minha vida. Essa segunda opinião foi capaz de desmascarar o câncer através de uma biópsia feita no lugar certo. O tumor já estava em estágio intermediário. Por muito pouco ele não tomou conta da minha língua e, quem sabe, do meu corpo. Só depois disso é que pude ser encaminhada para o cirurgião de cabeça e pescoço e, finalmente, arrancar aquela coisa de mim.

E foi assim, em meio a tanto sofrimento, que aprendi a prestar atenção no meu corpo, a confiar na minha intuição e a ouvir sempre uma segunda opinião. Se hoje estou aqui é porque procurei outro médico. Se hoje estou viva é porque não aceitei uma única verdade.

Se consegui ser mais ágil que o câncer é porque recusei o resultado de duas biópsias e me submeti à terceira em outras mãos. O câncer é esperto. Felizmente, fui mais. O tempo que convivemos um com o outro me fez ver o que realmente importa nessa vida.

Dei ao tumor tempo suficiente para me ensinar a viver. E o que definiu o fim do nosso relacionamento foi , sem dúvida, um segundo olhar, uma nova verdade, uma segunda opinião.

As crônicas de Nárnia – O Leão, a feiticeira e o guarda roupa

As crônicas de Nárnia – O Leão, a feiticeira e o guarda roupa

As Crônicas de Nárnia é uma série de sete contos, escrita pelo irlandês C. S. Lewis. É a obra mais conhecida de Lewis, sendo a série considerada um clássico da literatura. Escritas por Lewis entre 1949 e 1954, as Crônicas de Nárnia foram adaptadas diversas vezes, inteiramente ou parcialmente, para a rádio, televisão, teatro e cinema.

Nas crônicas há temas tradicionais cristãos, bem como elementos da mitologia grega e nórdica, e também temas tradicionais de contos de fadas.

Nas Crônicas de Nárnia as aventuras giram em torno de crianças que descobrem, por acidente, o Reino de Nárnia, um lugar mágico, com animais falantes, e onde ocorrem batalhas entre o bem e o mal – típico tema cristão. As crianças descobriram Nárnia, por meio de um guarda roupa escondido, e vivem suas aventuras ajudadas e instruídas pelo Grande Leão e Rei, chamado Aslam..

Tratarei nesse texto do primeiro filme O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Esse conto foi concluído durante o inverno de 1949 e publicado em 1950. Trata-se do primeiro romance da série em ordem de publicação; porém, o segundo em ordem cronológica. O filme narra a história de quatro irmãos: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia Pevensie.

contioutra.com - As crônicas de Nárnia – O Leão, a feiticeira e o guarda roupa

 

Para Carl Jung, o numero quatro é o numero da totalidade, do Self. Temos no inicio filme quatro crianças – dois meninos e duas meninas – representando uma totalidade e um equilíbrio entre o masculino e feminino. Mostrando então que se trata de uma jornada em rumo da individuação.

O fato dos heróis serem crianças é algo importante. A criança simboliza a renovação, a juventude, renascimento. As crianças estão em meio a II Guerra em Londres. O pai deles foi lutar e a mãe não consegue sozinha manter as crianças em segurança, por isso as envia até a casa de um professor que morava no campo. Lá descobre de um guarda-roupa que possui uma passagem que liga nosso mundo ao mundo de Nárnia.

Lucia, a caçula, é a primeira a descobrir, durante uma brincadeira. Ao entrar em Nárnia, descobre um exuberante país que enfrenta um terrível e prolongado inverno, imposto pela falsa rainha do país, Jadis (Feiticeira Branca, ou Rainha da Neve), e que já completava cem anos. Lá ela conhece um fauno – Tumnus – de quem fica amiga. Ao retornar com a notícia, os irmãos não acreditam nela.

Lucia parece a configuração de uma função inferior. Em Tipos Psicológicos, Jung nos brinda com as quatro funções de adaptação do ego, sendo que todos nós desenvolvemos uma em especial, em detrimento das outras – é a chamada função principal. A função oposta a essa (em um intuitivo será a sensação, em um pensador será o sentimento, por exemplo), Jung denominou de função inferior.

A função inferior é a quarta função, a menos desenvolvida das quatro. Nos contos de fadas a vemos na figura do Tolo. No filme, Lucia não é tola, é só a caçula, mas nos contos o caçula também pode representar a base arquetípica da função inferior.

A função principal se constrói na primeira metade da vida humana servindo à adaptação coletiva. É uma tendência natural nossa, para se fazer sempre aquilo que sai melhor e negligenciar o outro lado. Essa perspectiva unilateral, sem dúvida, aos poucos formará a função principal, que é aquela função com a qual as pessoas se adaptam às necessidades coletivas.

Mas com o tempo precisamos olhar para aquilo que não desenvolvemos e que se encontra na função inferior. Essa função é a que traz a renovação, e Lucia é quem faz esse papel. Nossa função inferior mostra aquilo que não valorizamos e que desprezamos em nós mesmos. Lucia é desacreditada, mas ela tem força para acreditar no inconsciente e se arriscar.

As crianças se encontram em uma situação difícil, a de guerra. Encontrar o guará roupa e o reino de Nárnia pode ser uma forma de fugir da realidade difícil e dolorosa em que se encontram. Em épocas de crise, tanto coletivas quanto individuais, acontece esse movimento natural, que é o da regressão da libido.

Pode ocorrer em forma de fuga da realidade de um lado negativo, mas também como forma de buscar algo no inconsciente que está fazendo falta, e que é necessário resgatar.

As crianças então em Nárnia descobrem uma profecia narniana que diz que quando dois filhos de Adão e duas filhas de Eva aparecerem e se tornarem reis de Nárnia, o governo da Feiticeira irá terminar. Aqui vemos uma compensação. As crianças são na consciência pobres e estão sem seus pais, mas no inconsciente eles buscam a forma de serem reis e heróis. Vemos a partir daqui imagens arquetípicas interessantes e que misturam aspectos pagãos e cristãos ao mesmo tempo.

Fauno, por exemplo, cujo nome vem do latim Faunus, “favorável”, ou também de Fatuus, “destino” ou ainda “profeta”, é um ente que vem da mitologia romana. No mito ele era um rei de Lácio que foi transmutado em deus e, a seguir, sofreu diversas modificações e também sincretismo com seres da religião grega ou mesmo da própria romana. Foi sincretizado com Pã e com Silvano.

No filme se trata de uma criatura que se assemelha aos sátiros gregos, possuíam um corpo meio humano, meio bode. Eram semideuses e, portanto, mortais, porém tinham vida longa. Eram intermediários entre os animais, representando os instintos – neste caso o bode – e as divindades.

Costumavam, assim como Fauno em Roma e Pã na Grécia, tocar flauta atividade induz a um estado de sono semelhante a um transe, quando tocada muito alto. E é isso que Tmnuz faz com Lucia.

O fato de encontrar um fauno pode significar um encontro novamente com um aspecto que faz ligação com os instintos perdidos. É Tumnuz que avisa Lúcia sobre a feiticeira e a profecia. Ele faz o papel de mensageiro.

Os irmãos conhecem a Feiticeira Branca, que se assemelha muito com a Rainha da Neve do conto homônimo de Hans Christian Andersen.

contioutra.com - As crônicas de Nárnia – O Leão, a feiticeira e o guarda roupa
O conto trata da luta entre o bem e o mal, da luta entre as trevas da razão fria e o calor do sentimento humano. No conto a rainha sequestra o menino Kai e sua irmã precisa resgatá-lo.

No filme a Rainha seduz o menino Edmundo e o leva para seu reino gelado, assim como no conto. Seus irmãos o salvam e nesse tempo o inverno vai aos poucos se desfazendo.

O autor deve ter usado esse conto também como referência para mostrar nossa luta eterna entre os opostos em nós. Nossa mente lógica e racional muitas vezes exclui os sentimentos e a valorização do outro. Tanto o fauno quanto a Rainha são imagens de um passado nosso pagão.

Primeiramente ele é um leão. O leão é o rei das selvas e símbolo da realeza. Ele é o símbolo arquetípico do rei na alquimia, mas que deve morrer. Um símbolo que deve ser enfrentado. O rei é o símbolo da manifestação do Self na consciência coletiva e é um símbolo que se desgasta. O rei ou chefe incorpora um princípio divino, do qual depende o bem-estar físico e psíquico de toda a nação.

O rei representa o princípio divino na sua forma mais visível, é sua encarnação e sua moradia. Mas esse símbolo tem necessidade de renovação constante, de compreensão e contato, pois, de outro modo, corre o perigo de se tornar uma fórmula morta.

O leão representa o lado terreno do Rei, pois ao morrer o rei vai para o interior da terra, para o reino do leão e lá vai ser renovado. Ele precisa transformar seu principio do poder encarando o Leão.

contioutra.com - As crônicas de Nárnia – O Leão, a feiticeira e o guarda roupa

Aslam, como rei está doente e fraco (não consegue superar a feiticeira). Ele se oferece em troca de Edmundo para ser sacrificado na Mesa de Pedra, local onde os traidores são entregues à Feiticeira para sacrifício.

A Feiticeira parece encarnar o principio do mal. Na simbologia cristã o mal entrou pela mulher (Eva) e depois houve salvação por meio dela (Maria). No filme o mal em Narnia vem pela Rainha e encontra a salvação graças a Lucia, que encontra o reino.

O feminino está mais próximo ao mal em nossa sociedade patriarcal judaico-cristã, por isso nos contos de fadas como João e Maria, as meninas são mais astutas em relação à bruxa. A consciência patriarcal costuma excluir o mal em detrimento da perfeição. A consciência matriarcal inclui o mal, não há separação, é Eros.
Narnia e Aslam precisam das crianças, eles precisam de um equilíbrio entre essas duas energias. Feminino (Rainha) e masculino (Aslam).

Aslam sabe que precisa morrer, se sacrificar. Significa que nós precisamos, em prol do nosso desenvolvimento, sacrificar nosso leão, nossos desejos, paixões, raivas e cobiças pautadas no ego.
Então, com a ajuda do grande e poderoso Aslam ressurgido e renascido (aqui uma alusão às mitologias onde o deus morre e renasce, como Dioniso, Mitra, Horus e Jesus), os irmãos enfrentam a terrível feiticeira e trazem a paz de volta à Nárnia e a todos os que nela habitam.

Com a vitória, os quatro irmãos são coroados reis e rainhas de Nárnia. Eles governam por muitos anos, iniciando a Época de Ouro. Os quatro irmãos recebem os títulos de: Grande Rei Pedro, o Magnífico; Rei Edmundo, O Justo; Rainha Lucia, A Destemida; E Rainha Suzana, A Gentil.

Eles então reinam durante vários e vários anos, em um período de paz e prosperidade nunca antes vivido por Nárnia. Tal período foi considerado a “Era de Ouro”, ou o “Apogeu” de Nárnia.

Entretanto, o reinado dos quatro irmãos acaba e eles acabam de volta ao nosso mundo, acidentalmente. Como o tempo em Nárnia e no nosso mundo são paralelos e correm numa velocidade própria, eles voltam com a mesma idade e exatamente no mesmo dia em que tinham entrado no guarda-roupa, como se tivesse de fato se passado apenas alguns minutos desde que entraram, o que para os irmãos pareciam muitos anos. Ninguém ficou sabendo das aventuras deles em Nárnia, a não ser o professor que os hospedou.

Eles retornam a realidade para voltar depois. Aqui na volta vê-se a chamada dificuldade do regresso, quando o herói precisa retomar sua vida. Quando empreendemos uma jornada iniciática no inconsciente, temos dificuldade de retornar e aplicar aquele aprendizado na vida cotidiana, mas essa é uma jornada necessária. No processo de individuação temos que colocar a serviço do coletivo aquilo que aprendemos e nossos dons.

Os quatro irmãos ainda voltariam juntos mais uma vez a Nárnia, conforme é narrado no conto O Príncipe Caspian. Mas essa é uma outra história.

Solidão a dois segundo Simone de Beauvoir

Solidão a dois segundo Simone de Beauvoir

 

O que você banca? Será mesmo que banca ou apenas gostaria de bancar?

Essa é a pergunta secreta que Simone de Beauvoir não faz ao longo das 254 páginas do livro “A Mulher desiludida” (Editora Nova Fronteira), mas acaba nos incitando a respondê-la.

Os três contos (A idade da discrição, Monólogo e A mulher desiludida) apresentados no livro são narrados por mulheres que passam por crises em seus relacionamentos e que mergulham no sentimento de solidão e fracasso na tentativa de entender e resgatar suas identidades perdidas. Mulheres que experimentam a famosa “solidão a dois”.

A história que leva o título do livro, em si, não tem nenhuma originalidade: um homem de meia idade, uma mulher de meia idade e uma jovem atraente de trinta e poucos anos. Um triângulo amoroso.

Ele sente culpa por não conseguir deixar a mãe dos filhos, ela sente medo de perdê-lo porque já não sabe quem é sem ele – passou a vida se dedicando aos filhos e ao marido – e a amante cobra atenção e posicionamento.

Historinha batida que qualquer folhetim da TV Record apresenta ou que corremos o risco de viver na vida real quando nos deixamos levar por um sorriso de canto e um terno bem cortado.

Só que folhetim algum esfrega em nossa cara a pergunta: “você banca”?

Monique, a mulher traída, quis bancar. Fingir indiferença, acreditar que o marido precisava apenas de uma aventura. Maurice, o homem culpado, quis bancar a ideia de dois relacionamentos ao mesmo tempo, onde uma mulher tem consciência da existência da outra.

Nas palavras de Monique:

“Terminei cedendo. Já que adotei uma atitude conciliadora, compreensiva, devo restringir-me a ela. Não fazer-lhe frente. Se estrago sua aventura, ele a embelezará a distância, terá saudades. Se lhe permito vivê-la, como quer, até o fim, “corretamente”, sei que se cansará depressa”.

Em outro trecho:

“Todas as noites eu o chamo: não ele, o outro, aquele que me amava. E pergunto-me se não preferiria que estivesse morto. Eu me dizia: a morte é o único mal irreparável. Se ele me deixasse, eu ficaria curada. A morte era horrível por ser possível, a ruptura suportável, porque eu não a imaginava. Mas realmente, eu digo, se ele estivesse morto, eu saberia ao menos quem perdi e quem sou. Não sei mais nada. Minha vida, atrás de mim, desmoronou”.

Monique e Maurice tentaram viver “o ideal” e aos poucos se perderam de si. Porque o ideal não existe. Em certos casos o ideal só existe para nos fazer companhia, não para ser real. Porque o ideal, de verdade, não é o que imaginamos ser o melhor, mas o que aguentamos.

Para quem anda ultrapassando os próprios limites, tentando levar uma vida da qual não dá conta, tentando viver um personagem que não cai bem na própria pele – inclusive num casamento ou namoro fracassado – a leitura de “A mulher desiludida” é de grande valia.

Assim falou Beauvoir em “A mulher desiludida”:

 “Em Maurice, como na maioria dos homens, dorme um adolescente não muito seguro de si”.

 “Quando se viveu de tal maneira para os outros, é um pouco difícil começar a viver para si”.

 “As mulheres que não fazem nada não suportam as que trabalham”.

 “Os homens escolhem sempre o mais fácil”.

 “Para conhecer suas limitações, seria necessário poder ultrapassá-las: é como saltar por cima da sua sombra”.

 “Maurice não é um calhorda. É um homem acuado entre duas mulheres: ninguém é brilhante num caso assim”.

 “Quando me entrego às obsessões minha inteligência não está mais disponível”.

 “Quando se bate em uma pedra, sente-se primeiro o choque, a dor vem depois”.

 “O telefone não reaproxima, confirma distâncias”.

 “É tão exaustivo detestar alguém que se ama”.

Livrai-me de perder tempo tentando impressionar

Livrai-me de perder tempo tentando impressionar

Eu começaria uma oração assim e faria as promessas necessárias para garantir êxito. A missão de impressionar me parece, além de um castigo interminável, uma extenuante e infrutífera perda de tempo.

Impressionar é causar alguma impressão, mas não necessariamente a impressão desejada. Ainda menos garantido é o retorno esperado. Nós, pessoas, somos extremamente exigentes com os outros, implacáveis, imperdoáveis. Ainda que impressionados, arrumamos um jeito de criticar e desvalorizar.

Tentar impressionar é tirar o foco de si mesmo e projetá-lo no outro, é fazê-lo protagonista da sua história. É implorar a provação desnecessária, abrir mão da satisfação pessoal e se submeter aos critérios alheios, muitas vezes duros e injustos, motivados por desprezo, malícia, leviandade, indiferença e até mesmo, inveja.

Uma vez aberta essa porta, por ela passam todas as opções possíveis, desde votos encorajadores e incentivadores, até a famosa torcida contra, determinada a estragar qualquer chance de vitória.

Quando você se esforça para impressionar, se coloca numa posição delicada, fazendo saltar fragilidades e traços vulneráveis. Não tente impressionar, não se esforce para chamar a atenção, não se troque por uma crítica displicente.

A tentativa de impressionar revela insegurança. É mira equivocada num alvo imaginário.

Dica boa para deixar o tempo trabalhar a nosso favor: Nenhum esforço justifica o julgamento alheio, nenhuma iniciativa é recompensada se não for em proveito próprio. A quem dermos o poder de julgar, também terá o controle de nossas opções.

Não impressione, viva! Discreta e indiretamente esse movimento impressionará muita gente. E mais do que isso, inspirará!

Se quiser mesmo ter visibilidade e reconhecimento públicos, realize algo notório, admirável, inesquecível. Se não for possível, use a discrição como aliada, o livre arbítrio como ferramenta e seu próprio julgamento como moderador.

E então, sem mais nenhum esforço para impressionar, haverá tempo e disposição de sobra para desfrutar a vida de forma IMPRESSIONANTE!

Adoro quem fala olhando no olho e olha bem o que fala.

Adoro quem fala olhando no olho e olha bem o que fala.

Elas estão em falta. São raras, cada vez mais valiosas. Quem tem uma, duas, três por perto, cuida. Mas cuida bem. Merecem o maior cuidado as pessoas que escolhem o que vão dizer, não por terem o que omitir, não porque querem agradar ou por falsidade, não por falsa inibição ou ausência de franqueza. Elas são assim porque respeitam as outras. Porque pensam antes de falar, porque prezam quem vai ouvir. Essa gente deve ser preservada, sim.

Bom senso mesmo, bom senso que não se anuncia mas se pratica anda escasso, bissexto como a honestidade que anda junto à gentileza. É que pouca coisa no mundo é mais doce e mais terna que a franqueza, a expressão generosa de uma alma boa, a sinceridade, essa coisa preciosa que os imbecis deram de confundir com grosseria e má educação. Imagina! Só mesmo uma mula há de afirmar que ser sincero é o mesmo que distribuir coices por aí.

Gente gentil de verdade fala olhando no olho e olha bem o que fala. Não sai espalhando palpite. Não enfia o bedelho onde não é chamada. Valoriza as próprias opiniões a ponto de pensar antes de panfletá-las aqui e ali. Tem respeito pelo ouvido e a paciência do outro. Gente gentil vai rareando faz tempo.

Essa gente que pede licença antes de entrar, que prefere ouvir a falar, que diz o que pensa mas o faz com apreço e delicadeza merece ser cuidada como flor sensível, sob o risco de ser pisoteada pelos gênios competitivos que transformaram a vida numa corrida de cavalos.

E a vida não é isso, não. Não precisa ser. De violento e incontornável basta o tempo. A vida há de ser mais leve e mais feliz quanto mais surgirem pessoas que falem olhando no olho e olhem bem o que falam. Gente que toma o cuidado de tratar o outro com respeito e com carinho. Que gosta de bicho e gosta de gente. E que não tem medo de dizer o que pensa mas tem a decência de pensar no que diz.

Nem sempre devemos acreditar em nós mesmos

Nem sempre devemos acreditar em nós mesmos

O filósofo inglês Bertrand Russell dizia, com pesar, que “todo o problema do mundo é que os tolos e fanáticos estão tão certos de si mesmos, e as pessoas sábias, tão cheias de dúvidas”.

Essa alegação pode parecer mesquinha e arrogante, mas Russell, sábio ou não, estava certo. Costumamos nos inspirar em pessoas determinadas, resolutas, decididas e abastecidas com certezas absolutas, e assim nos esquecemos de que essas certezas são o que, em geral, alimentam a ignorância e provocam os erros persistentes.

Geralmente evitamos a autodúvida. Não damos ouvidos a ela porque estamos desejosos por assertividade e um certo nível de controle em ação e pensamento.

As pessoas rechaçam o aprendizado de se tornar confortáveis com a incerteza e ambiguidade, duas constantes no comportamento humano. Elas são resistentes em questionar suas crenças e opiniões enraizadas. Ignoram a importância do ceticismo saudável. Não duvidam de tudo, muito menos de si mesmas, por considerarem que isso é um defeito, não uma falha natural da qual devem transformar em seu favor. Essa atribuição de defeito – uma atribuição defeituosa, de fato – provém do pensamento de que, “quando você duvida de seu poder, você dá poder à sua dúvida”, como afirmado pelo escritor francês Honoré de Balzac.

Autodúvida pode ser facilmente retroalimentada pelo poder que se dá a ela, enquanto se observa que muitas pessoas cheias de si, confiantes, espertas e munidas de certezas acabam arruinadas pela própria insensatez. Nicolau Maquiavel, em seu livro O Príncipe, disse:

“Deve ser grave no crer e no mover-se, não ter medo de si mesmo; e proceder com prudência e humanidade, de modo que a excessiva confiança não o faça incauto e que a excessiva desconfiança não o torne intolerável.”

É fácil sentir uma sensação de fracasso quando não confiamos em nós mesmos. Realmente, a vida se torna um holocausto ao cair no círculo vicioso da autodúvida. Mas a decepção não é completamente eliminada pela confiança irreversível em si próprio. Como todo tipo de crença, essa pode nos limitar. Nesse caso, parece ser mais adequado duvidar.

Preferimos fugir da autodúvida por medo da confusão, esta que é uma causa comum de tormento, quando, por outro lado, pode ser um prelúdio da estabilidade e organização criativa.

Quase todas as pessoas que se dizem confusas estão assim ou por que não sabem ao certo o que querem, ou pelo fato de terem confiado em si mesmas, senão em alguém que as confundiu. Nem sempre devemos acreditar em nós mesmos, ou então nos outros, por mais seguros que estejamos.

Bem, não é porque quebramos a confiança no passado que devemos considerar prejudicada nossa capacidade de ser confiável. Confiança é algo construído ao longo do tempo, pouco a pouco. Tem a ver com o reflexo das nossas escolhas sobre quem nos relacionamos, além da maneira como buscamos ser verdadeiros o máximo possível, dentro dos limites de nossa natureza, por vezes avariada e dissimulável.

Às vezes, não temos a mínima ideia do que estamos falando, mesmo quando pensamos bem no que falamos. Por se fazer acreditar é que se engana.

A autodúvida, se bem administrada, possibilita a obtenção de conhecimento. “Só sei que nada sei”, dizia Sócrates. Por que ele dizia isso? Por três motivos principais: ninguém encontra respostas sem questionar; ninguém aprende já sabendo; e ninguém sabe de tudo.

Para Sócrates, a prudência do sábio está em não alimentar as ilusões do próprio saber. Nesse contexto, o ceticismo assume papel de importância inquestionável.

Todos acreditam que têm um conhecimento profundo sobre certas coisas, quando na verdade não é bem assim. O filósofo dinamarquês Kierkegaard afirmava que a verdade, inclusive a do conhecimento, é baseada em um construto da intensidade da fé. O ardor com que se acredita é determinante para tornar mais verdadeiro o objeto de conhecimento aos olhos do fiel, mesmo que este não prove a verdade por si mesmo.

Qualquer processo de aprendizado requer um tempo de maturação, prova de que também está fadado ao declínio.

Estamos prontos para aprender durante momentos conscientes. Em estados emocionais vulneráveis, que atingem a inconsciência, somos testados a agir contra a própria vontade, com base em impulsividade. O instinto é um guia sempre confiável? Não. A razão não nos acompanha sempre, razão suficiente pela qual não devemos acreditar em nós mesmos o tempo todo.

Muitas pessoas associam autodúvida com vulnerabilidade, considerando ser poderosíssimo o medo de se machucar ou de ser rejeitado. Mas a verdade é que não podemos aprender a confiar em nós mesmos sem sermos vulneráveis. Nós condicionamos a capacidade natural de acreditar em quem pensamos ser verdadeiro, quando o que se vê é que integridade e sinceridade podem ser desacreditadas por um simples ato mentiroso.

Se não podemos acreditar em nós mesmos em toda e qualquer circunstância, podemos, ao menos, recomeçar a partir de uma falha da própria fé. Pouco importa se fazemos isso a partir do erro, do esquecimento, do arrependimento, da culpa ou do trauma: o importante é não esquecer que o autoconhecimento é um processo que começa no nascer e só termina ao morrer.

Existe uma voz dentro de nós que nos desencoraja (aquela que vem da covardia), e outra voz que nos impele à bravura (aquela que vem da coragem). Autodúvida não necessariamente remete à falta de coragem, embora a covardia seja permitida pela ausência de confiança. Entre os que são paralisados pela covardia medrosa, há tantos outros que são prejudicados pela confiança incauta. A busca de equilíbrio, aí, é o ideal. Mas essa busca de equilíbrio é tão constante quanto se desequilibrar.

É perceptível que a autodúvida, se tornada hábito, nos faz sentir perdidos. O desejo de confiança é comumente maior do que o medo de se perder.

A vertigem de estar parado no tempo enquanto outros estão tocando suas vidas é angustiante, e uma grave ameaça para autoestima. Assim, foge-se da autodúvida como de um animal selvagem. Morre quem deixa os ventos da fortuna o derrubar.

A necessidade de manter-se em movimento e de dar o próximo passo na vida não surge sem que, antes, nos rendamos à autodúvida. Esta, por si só, é um bom motivo para que permaneçamos insatisfeitos ao mantermos-nos parados. Afinal, estando parados, sentimo-nos degradados, inválidos, acometidos por um sentimento crítico de insignificância.

São admiráveis as pessoas que conseguem renovar sua motivação todos os dias; estas estão sempre procurando soluções para os problemas frequentes do absurdo existencial. Tudo bem que há uma importância na incerteza e na ambiguidade da autodúvida, mas essa importância reside no fato de que é necessário criarmos uma estrutura motivacional, a fim de isso nos proteger dos ocasos de viver.

As pessoas que duvidam de si mesmas ocasionalmente são ainda capazes de recuperar a perda da fé, se sua resiliência estiver em voga. Por outro lado, as pessoas que duvidam de si mesmas e se rendem pela força desse hábito criam ciclos de autoperpetuação de medo, estresse e ansiedade para garantir que nunca vão fazer o que pretendem. Qual a saída para quebrar esse ciclo? Ação.

A maioria de nós passa a vida ouvindo nossos pais, professores, chefes e o nosso governo falarem sobre aquilo que nos é adequado ou correto fazer. Temos sido criados com a ideia de que, apesar do que escolhemos fazer, há certas imposições, tradições e preceitos que se deve respeitar e seguir à risca, e o resultado é que corremos o risco de estar sendo condicionados à uma vida mecânica e inautêntica.

Educação de verdade não é a que ensina o indivíduo a obedecer, mas a que estimula a pensar crítica e originalmente. Deixamos ser moldados pelas preferências e expectativas dos outros, e uma das consequências disso é que perdemos a confiança em nós mesmos.

Quando seguimos um caminho de vida pré-determinado e baseado por um modelo passado, e acabamos frustrados nesse objetivo, temos duas opções: lamentar por ter apoiado em bases insustentáveis; ou reagir, partindo em busca de outro objetivo. Na primeira opção, a da lamentação, agimos como crianças imaturas e aceitamos a derrota, sendo assim definidos por ela; na segunda opção, agimos como indivíduos que renovam os sentidos de sua existência.

É comum perder a confiança em nós mesmos quando pensávamos estar tomando uma boa decisão que, na realidade, mostrou-se desastrosa e dolorosa. Como humanos, todos nós cometemos erros, portanto, a autodúvida nunca nos abandona.

Precisamos confiar em certas pessoas para sobreviver, porque nesse mundo não se faz nada sozinho. Isso é inegável. Mas a vida também ensina que corremos o risco de ser traídos. Isso não pressupõe que devemos nos voltar contra o mundo, algo inútil em termos de retorno. Parte do desenvolvimento humano se baseia em confiança; só não podemos esquecer que parte da maturidade se baseia em não depositar mais expectativas na pessoa do que a confiança lhe merece. Falhamos nisso o tempo todo.

Ninguém pode ser tão confiante em nós, a não ser que sejamos capazes de reconhecer a fé nos outros, o que decorre de confiar em nós mesmos. Mas há um limite para isso. Nossa mente nos prega peças sem que consigamos perceber. A confiança também pode ser uma emboscada.

O escritor e blogueiro americano Mark Manson escreveu um artigo em que ele elenca oito motivos psicológicos para demonstrar por que não devemos acreditar em nós mesmos cem por cento do tempo. Embora alguns desses motivos sejam controversos, não deixam de ser potenciais indicadores das falhas na autoconfiança. São eles:

1. Somos tendenciosos e egoístas sem perceber;

2. Não temos uma pista concreta sobre o que nos faz felizes ou infelizes;

3. Somos facilmente manipulados a tomar más decisões;

4. Geralmente usamos razão e lógica para apoiar nossas crenças pré-existentes;

5. Emoções mudam nossas percepções mais do que imaginamos;

6. Nossa memória é falha;

7. Nem sempre nós somos quem pensamos ser;

8. Nossas experiências físicas de mundo não são necessariamente reais.

Carta para um estranho

Carta para um estranho

Eu te vi dia desses, distante, fingindo concentração nos papéis enquanto se perdia na extensão da mesa. Parecia pedir licença, como se soubesse ser observado. Eu cedi. Desviei o olhar com a sua presença colada na minha perplexidade. Permaneci. E por vezes me desviada discretamente para o seu mundo.

Desconhecido, isolado. Eu te assistia rodeado de bajulações. A vaidade e o orgulho saltando pelas pupilas prezas a uma moldura desgastada, sombria, profunda, disfarçada com um verniz fino feito de sorrisos forçados. Seus gestos exageros e palavras treinadas como os de um ator de teatro. As frases prontas. O discurso lacônico. O que tinha que ser feito.

Por trás dos seus olhos eu imaginava declarações de amor queimadas. Cinzas. Sonhos rasgados. Contas em dia. Um álbum de retratos em linha do tempo para comprovar a maturidade adquirida. Um baú de segredos bem guardados, adornado em ouro e coberto de pó. Uma resistência intensa em viver apesar dos trejeitos de maquete. Uma resistência intensa de viver para manter a forma.

Uma paixão pelo caos contida pelo medo da autodestruição. Inseguranças monstruosas que povoavam seus pesadelos pacíficos. Um tanto de homem escondido no bolso interno do terno. Eu não sabia quem era você, mas os que te abraçavam, te beijavam e compartilhavam mais dos seus dias, também não sabiam. Não sabem.

Eu te vi outro dia, exibindo o brilho falso de uma vitória fácil. Frágil por trás do olhar apaixonado esculpido em pedra sabão. Eu não sabia bem se você percebia o quando se perdia nas palavras, que se esvaziavam, minavam, minguavam quanto mais os sons saiam dos seus lábios.

Vendo-o inteiro me contive tentando compreender a contradição. Com todos os dons que tem, por que age tão fraco, vestindo-se de armaduras tão pesadas que lhe privam o movimento? Nunca soube bem se é a ilusão do ápice ou o medo de alcançá-lo que impede tantos de ir além. Se assemelhava a figura de um baile nobre do século passado perdido entre as paisagens urbanas e suburbanas.

Mas, outra vez antes eu te vi de calça jeans e óculos escuros e você também não parecia daqui. Não parecia de lugar nenhum. E esse estranho eu amava.

Sem nunca ter perdido a certeza da minha própria naturalidade, com provas se fizesse questão, eu pairei sem graça ante a ironia de te ver tão falso. Parece que se pintou de ouro, todas suas cores indiferenciadas então, uma escultura em movimento. Lento. Perdeu muito dos seus traços, alisados pelo material polido.

Foi vencido pelos estereótipos quando podia ter vencido apesar deles. Um mal de muitos. Mais valia a carne em toda a sua decomposição, calor e tempo formando sulcos no rosto – linhas tímidas que se revelavam no sorriso torto. Era proposital, mas verdadeiro como não é o sereno e comedido esticar de lábios atual.

Eu assisto à peça sem esperar pelo final, quando o ator deixa o personagem. Seriam agora um só? Casca de improviso ou fusão irreversível? Te entrego as interrogações para viver minha vida de reticencias. Foram-se as resistências. Algumas vitórias são amargas.

Deixei as armas no arsenal das ilusões para te assistir de longe. Aos poucos vou substituindo as esperanças do por vir pela lembrança do que foi. Eu vi. Quando sua luz era inteira você e não um artefato. Eu vi como quem está perto demais não pode ver.

Tantos pensam que se conhecem pela proximidade, mas é apenas de uma certa distância que podemos ver mesmo – quando o observado não pode se esconder por trás das expectativas que acredita precisar corresponder. Eu vi, porque eu não era importante, então, você podia apenas ser. E era tão bem. Era. E talvez volte a ser algum dia, quando a maturidade realmente chegar e você não precisar mais encená-la.

Quando finalmente perceber tudo de precioso que tinha e tudo de precioso que tem, tão lá dentro guardado, se não for antes molestado pela amnésia da amargura. Quando você se permitir parecer o que quiser, porque sabendo quem é, não tem medo que te julguem. Quando tiver noção de que a sua força não está no olhar dos outros, mas na sua capacidade de fazer.

Até lá eu te olho de longe, endosso a tristeza com distrações fúteis para que ela não me leve tão distante que eu não possa mais voltar, nem ver. Te observo como quando passo por um estranho na rua; e se ao meu lado, como um passageiro, mantenho o olhar perdido no vazio; enquanto fala eu escuto um palestrante, assisto uma peça, com sorte, escuto um canto, respondo como a um RH. Me canso e escolho sempre que posso o silêncio, uma presença quase imperceptível.

Me perco em entender o que me mantém por perto – talvez um resquício vivo ainda emita alguma vibração, algum poder invisível de atração. Luto? Fico como quem fixa o olhar no céu escuro esperando pela luz da lua quando é lua nova. Fase? Às vezes eu vejo estranhos na rua eu te imagino como se fosse o que é qualquer um outro, naquele lugar, naquele uniforme, fazendo aquela atividade, com aquele carro ou aquela roupa outra. Chego a rir de te transfigurar para as situações mais absurdas e me dar conta de que ainda seria o mesmo. Mas você não sabe disso.

A desagradável tarefa de fazer-se odiar- Martha Medeiros

A desagradável tarefa de fazer-se odiar- Martha Medeiros

Por Martha Medeiros

Pais de família estão cada vez mais participativos, atuantes, necessários, afetivos, fundamentais na criação dos filhos, ao contrário do que acontecia nas gerações anteriores, quando o pai era uma figura cerimoniosa, o provedor que detinha a última palavra nas questões graves e terceirizava o resto. Hoje não. Hoje os pais deitam, rolam, se embolam, se envolvem nas pequenezas cotidianas, são quase mães.

Quase. Porque tem uma coisa que a maioria deles ainda não consegue assumir: a desagradável tarefa de fazer-se odiar.

Li essa frase num livro (em outro contexto) e achei que fechava perfeitamente com a maternidade. O que é ser mãe, senão tomar para si o papel de chata da família?

As cobranças do dia a dia são especialidade nossa: o que comeu, o que vestiu, se tomou banho, a toalha no chão, os garranchos, o blusão amarfanhado, a luz que ficou acesa, liga pra tua vó, o estado deplorável do tênis, a hora em que foi dormir, segura direito esse talher, deixa de preguiça, cuidado ao atravessar, não durma de cabelo molhado, largue esse computador, menos palavrão, hora de acordar, a consulta no dentista, e esse amigo mal encarado, e esse decote provocante, convida os teus primos, não tranca a porta à chave, fecha a janela, abre a janela, não corre pela casa, me avisa assim que chegar, tu anda bebendo?

Não que o pai seja relapso, mas se ele ainda vive com a mãe das crianças, a patrulha cotidiana possivelmente ficará a cargo do sargento de saias. Nós, tão femininas, tão doces, tão sensíveis, tão amorosas, não pensamos duas vezes em abrir mão desses nossos suaves atributos caricaturais a fim de manter a casa de pé, a roda girando, a vida funcionando, todo mundo no eixo. Se tivermos que ser antipáticas, seremos. Se tivermos que ser repetitivas, que jeito. Controladoras? Pois é. Alguém tem que se encarregar do trabalho sujo.

É uma generalização, eu sei, mas amparada no senso comum. Os pais mandam, ralham, brigam, mas raramente perdem a cabeça, quase nunca gritam e se estressam. Eles têm essa irritante capacidade de manter a boa reputação com os filhos. Se forem obrigados a escolher um lado durante o barraco, dirão que estão do lado da mãe, que estão de acordo com tudo o que ela disse, mas irão piscar para o filho quando ela não estiver olhando.

Ao fim e ao cabo, mães dão conta de todas as crianças da casa. Todas.

É o nosso papel: reger a orquestra familiar ofertando nosso melhor, mesmo que ele seja confundido com nosso pior. É o risco que corremos, mas não há outra maneira de educar. O excesso de zelo pode ser estafante, mas é preciso segurar o tranco de ser odiada um pouquinho a cada dia a fim de garantir um amor pra sempre.

São tempos difíceis para os sonhadores

São tempos difíceis para os sonhadores

No filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, um dos meus filmes preferidos, em determinado momento é dito para Amélie, uma jovem sonhadora, a seguinte frase: “São tempos difíceis para os sonhadores”. Curiosamente o filme é francês, a mesma França em que gritaram por liberdade há muito tempo. O fato é que essa liberdade não foi alcançada e, assim, o mundo cheio de estatísticas e variáveis, números e contas, não é um lugar aconchegante para aqueles que são acostumados a sonhar.

Saiba quais são os descontos e qual é a melhor promoção NET na sua região falando com um especialista. Acesse e confira!

Vinicius certa feita escreveu sobre a esperança que os poetas carregam e que essa luz é o que lhes permite incansavelmente tentar dobrar a realidade. Ser sonhador, antes de qualquer coisa, é ter essa luz dentro de si, é não conseguir se acomodar diante da indiferença, é não se adequar aos padrões impostos, é ter a loucura de acreditar ser possível mesmo quando todos dizem não ser, é ter a capacidade de enxergar além do óbvio e perceber nas pequenas coisas a verdadeira felicidade.

Nosso mundo cheio de regras e condicionamentos é um lugar em que os sonhos não encontram terra arada para que possam florescer e, assim, temos percebido uma geração cada vez mais triste, frustrada com suas escolhas profissionais, vivendo de maneira mecânica e robotizada. Desse modo, temos levado vidas melodicamente tristes porque somos incapazes de diferenciar uma jibóia engolindo um elefante de um chapéu, tampouco, possuímos a sensibilidade para entender que somos formados pela “soma de pequenos e belos detalhes” e que são esses detalhes que nos tornam a pessoa que somos e nos confere beleza.

Podar os sonhos das pessoas, a fim de transformá-las em massa de manobra de uma sociedade sufocante, um decalque de um modelo-padrão, nem de longe é saudável, muito menos torna a vida um lugar melhor e mais bonito. Todos nós nascemos livres e, portanto, por mais que existam grades tentando nos prender, ainda possuímos o direito de sacudi-las e proporcionar um dos mais belos sons da vida – o som de almas querendo exercer o direito de voar.

Talvez seja difícil compreender indivíduos que carregam tanta paixão dentro de si, pessoas que não se contentem em ser apenas mais uma etapa de uma produção em série. Os sonhadores não se contentam com o mundo como ele é, porque isso é sempre a decisão mais cômoda. Sonhadores não se satisfazem apenas copiando o mundo, pois eles possuem magia e esta lhes permite a audácia de construir novos mundos.

A bem da verdade, não é fácil ser um sonhador em um mundo tão pragmático, onde as emoções são apresentadas no plano cartesiano, como se tudo que sentíssemos pudesse ser mensurado através de fórmulas matemáticas. Não é fácil porque toda vez que decidimos alçar vôos mais altos, tratam de cortar as nossas asas, já que quem caminha uma vez pelo céu, jamais vai se contentar com o interior de uma gaiola.

Lembrando Shakespeare:

“Enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança”.

Sendo assim, a vida precisa dos sonhadores, já que sem eles, a luz a que os poetas dão o nome de esperança desaparece e a vida torna-se um lugar muito escuro, cheio de neblina e gelado.

A vida fica sem graça e nós… Ah, nós paramos de sentir e tudo se torna mecânico e desprezível, pois, como disse, quem um dia conhece o céu, jamais se acostuma com gaiolas. Nós tão somente fingimos que nos acostumamos, porque não temos coragem para ser o sonhador que habita o quarto dos fundos do nosso peito e, assim, esses tempos tornam-se difíceis para os sonhadores, que não querem nada além da liberdade de poder enxergar nas pequenas coisas as maiores felicidades da vida.

Inadimplências

Inadimplências

Hoje recebi uma cartinha carinhosa. Tão carinhosa que custei a perceber que se tratava de uma cobrança. Esqueci de pagar o boleto de um curso e então me enviaram o lembrete afetuoso, mas firme. As entrelinhas diziam claramente: – Apesar de gostarmos muito de você, há um compromisso não cumprido na nossa relação.

Me envergonhei pela displicência e gastei um bom tempo pensando nas inadimplências da vida.

Não cumprir um compromisso por falta de recursos exige, sem dúvida nem hesitação, que se dê uma satisfação. É o mínimo que merece o credor, já que não vai receber o acordado.

Deixar de realizar um prometido é igualmente uma dívida não justificada, uma inadimplência. E como nos tornamos devedores pela vida afora.

Ficamos devendo aquela ligação de aniversário, a receita da sobremesa tão elogiada, uma ligação para o medico para avisar que não iremos comparecer, a doação que prometemos para uma causa que nos tocou, um tempo para gastar com aqueles planos de qualidade de vida e muito mais.

Dívidas são inconvenientes, aborrecidas, magoáveis, difíceis de esquecer. Muitas vezes são a razão de uma bruta insônia. Ficar devendo não é o mais grave. Pode acontecer. As circunstâncias são diversas.

Ruim é fingir esquecimento, se esforçar mais por desculpas do que pelo cumprimento, desviar toda a vida para não topar com o credor. Já aí a inadimplência faz casa e dita que veio para ficar. E as dívidas só tendem a se acumular.

Prometer é um ato banal. A responsabilidade sobre a promessa é outra coisa!

Se crédito já é um perigo para as finanças, imaginemos no campo pessoal, que envolve confiança, esperanças, sentimentos, emoções. Para esse tipo de inadimplência, não tem dinheiro que pague.

Por tudo o que a expectativa de um acordo não cumprido pode gerar, eu fico com a citação de um autor desconhecido que diz muito sobre usufruir, cumprir e se despedir:

“Beba moderadamente, pague honradamente e saia amigavelmente.”

Às vezes, fica difícil …

Às vezes, fica difícil …

A vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.
Clarice Lispector

Às vezes, fica muito difícil respirar profundamente a vida; a alma parece querer esvair-se, fugir. Sente-se oprimida, e os motivos talvez só ela conheça. Quando a alma pede um tempo, a gente perde o rumo, a alegria e a esperança. Nossos gestos, movimentos e tudo o mais parecem tão lentos, tão vazios, e a vontade é de ir junto com ela, mesmo não sabendo para onde.

Essa sensação desarruma tudo, faz a maior bagunça, e nunca estamos preparados, mesmo sabendo que isto pode acontecer. É assim como o Sol que, de repente, desaparece no meio das nuvens, como o vento que sopra com força e derruba árvores, como uma onda do mar que nos pega desprevenidos e quase nos afoga.

Às vezes, fica muito difícil viver neste mundo do jeito que está. São tantos melindres, tantas vaidades, contrariedades, competições, desamor, voracidade, que a vontade é abandonar o barco. São tantas indiferenças, maus tratos, obrigações, deveres, contrariedades, que a vontade é gritar bem alto: “Pare, quero descer”!

Mas descer e fazer o quê, abandonar o barco e ir para onde, dar um tempo e fazer o quê?

Sempre soubemos que viver dá trabalho, mas até aí tudo bem. O que não dá para aceitar, é ver o viver vivendo tão mal assim. O que não dá para aceitar é ver tanta crueldade, tanta indiferença e ignorância, tanta coisa feia e podre.

Às vezes, fica muito difícil ficar mudo, cego e surdo, permanecer em nosso lugar, não meter o nariz onde não fomos chamado, não colocar a colher em briga de marido e mulher, fazer-se de “mané”, ser paciente e esperar pela nossa vez.

Frente a tantas irregularidades, excesso de mau caráter, falta de vergonha, de abuso de poder ou tantas outras mazelas, o desânimo acaba por falar mais alto.

Desculpem-me, mas…
Às vezes, fica muito difícil viver…

Tô sem tempo de ser infeliz

Tô sem tempo de ser infeliz

Tô sem tempo de ser infeliz. Não dou vazão para esses descabidos de sentimentos. Pessoas enrustidas dos desinteresses por gestos simples e abraços acolhedores. Não dá mais, sabe? Conviver com essa falsidade e ambição constante pela felicidade do próximo e seus respectivos destinos. Discursos ausentes da reciprocidade que anda tão em falta. Coração seco desconhece inteiros.

Patinamos nessa procura de um tempo em paz, mas o que fazemos para alcançá-la? Esbarramos na efemeridade dos dias e, pouco sentimos, pouco somamos. A disputa isenta de carinho, versos soltos e outros afagos torna tudo opaco dentro do peito. Atitudes menos desejosas que essas, corrompem até a mais equilibrada das almas. Por isso escolho prezar pela proximidade dos otimistas. Daqueles seres coletivos que não se perdem por amores a mais. Ficar debruçado na vida, esperando o momento certo de ser feliz, é jogar com cartas marcadas de comodismo.

É muito bonito sentir a vida desabrochando conforme os nossos anseios, mas faz-se necessário buscar algo que tire os pés do chão. Lançar-se na coragem eufórica da própria vontade em ter novos sóis, experiências e relações. Medir espaços aqui e acolá, na vil esperança do encontro para o seu conforto, cria lacunas difíceis de serem preenchidas.

Bota mais energia nesse copo chamado viver. Deixa derramar e, se for o caso, compartilhe. Porque insuperável é indivíduo coberto da falta de empatia. Ele perde muito mais do que pode ganhar. Egoísta, maltrata e não percebe a diferença entre gentileza e repulsa.

Tô sem tempo de ser infeliz. Não procuro mais meios sorrisos. Cheguei num certo ponto do caminho, onde mudar me interessa. Renovar a si, absorver novos conhecimentos e, sempre que possível, colher cada sentimento recebido e retribuí-lo novamente ao mundo.

Nada de asperezas. Nada de desencontros. Tudo adiante e mais um pouco, felicidade.

INDICADOS