Existem certos lugares e determinadas pessoas que deveremos definitivamente riscar de nossas vidas, como algo a ser evitado, assim como comportamentos que só serviram para nos afastar de sorrir. Insistir em manter próximo a nós quem e o que não acrescentam, não alegram nem somam, equivale a apertar a tecla da infelicidade mais de uma vez.
Não procure a felicidade junto a pessoas que parecem ter dificuldade em enxergar algo de positivo na vida, que teimam em maldizer qualquer um que lhes passe pela frente, que desconhecem o sentido da palavra gratidão, incapazes que são de olhar além do próprio umbigo. Prefira estar sozinho a se acompanhar por quem jamais amenizará a sua solidão.
Não permaneça preso a ideias e pontos de vista que lhe impedem de avançar, de expandir suas concepções de amor, de sociedade, de mundo, que lhe mantêm preso no mesmo lugar, de forma desconfortável. Enxergue as pessoas como seres únicos e especiais, cada qual à sua maneira, entendendo que ninguém é obrigado a agir ou a pensar como você.
Não tente voltar a sorrir naqueles lugares onde sua alegria foi anulada, onde sua essência foi perdida, onde seu amor foi recusado. Não fique onde sua respiração torna-se ofegante, onde o suor frio cobre suas têmporas, onde você se sente um nada. Sempre haverá novas moradas, outros empregos, ambientes diferentes, onde nos encaixaremos sem precisar abrir mão de nossa dignidade.
Não espere retorno afetivo de quem não valoriza a sua amizade, não quer saber como você está nem sente sua falta. Não implore por aquilo que você tem condições de receber naturalmente, de coração e peito abertos, com carinho de verdade. Desprenda-se de nós que apertam e construa laços serenos com gente que sabe compartilhar e dividir, sem cobranças, sem afetação.
Não é fácil rompermos com as amarras que nos limitam em nossa zona de conforto, a qual, na verdade, incomoda-nos em muitos aspectos. Termos a coragem de agir pensando em nossa felicidade, mesmo que soe a egoísmo, deixando para lá o que emperra o nosso caminhar seguro, nunca poderá ser fonte de arrependimentos.
Mesmo que demore, somente assim iremos olhar para trás de uma distância segura e sorrir, na certeza de foi o melhor a ser feito. Porque optar por si mesmo salva e liberta. Sempre.
Acabou-se o que era doce. Ou, adoçado, artificialmente, amargando no final. Zona de conforto é uma zona perigosa, um cobertor áspero e embolorado, embora quente.
As boas ideias não frequentam as zonas de conforto. Grandes realizações tampouco.
Zona de conforto é aquela janela que se abre justo quando os mosquitos estão querendo entrar. Ela traz um ar refrescante a princípio, mas logo depois começam as picadas e o desconforto.
Está tudo bem, no lugar e na rotina? Então está tudo mal, está uma zona! Assim que acontecer uma minima alteração, a menor besteira, a reação vai ser catastrófica, exagerada, desequilibrada. A zona de conforto faz isso, embota aquele alerta que a gente tem, aquela reação ninja de escapulir de uma cilada arranjada, uma pernada mal dada, uma pedrada lançada.
Confortável é a luta diária, cada conquista, cada meta alcançada, cada minuto vivido. As frustrações são importantes para a valorização dos êxitos. O jogo é de ganha e perde, e o ato de amadurecer conversa diretamente com essa capacidade de enfrentar derrotas e comemorar vitórias, sem arrependimentos nem humilhações.
A zona de conforto nos mantém nenéns. Quando nela, fazemos biquinho, colocamos o dedo na boca, abrimos o berreiro e soltamos as maiores malcriações se contrariados.
A vida contraria e quem quer aproveitar, vê vantagem até nisso.
Quem não quer, senta e chora.
Acordar todos os dias e escolher que emoção queremos como companhia, como desejamos nos sentir, o que nos move e qual caminho tomar. Isso é desafiar a zona de conforto, o tédio, o medo de encontrar um mundo maior e diverso.
Sair da zona de conforto é somente um primeiro passo, mas, tão grande e importante, que, ao atravessar essa etapa, será impossível voltar. Um novo caminho se desenhará.
Tudo o que eu sei vem do útero, vem do íntimo.
Confio no meu entendimento sem explicação, na (des)confiança da minha pele, na familiaridade do primeiro olhar.
Tudo o que eu aprendi do mundo foi o que ressoou nos meus universos internos, o que encontrou sentido pelos meus sentidos, aquilo que dialogou com a minha capacidade de empatia e começou a fazer parte de mim.
Às vezes quando me pedem explicações: por que esse caminho e não outro? Por que esse afastamento repentino? Por que essa necessidade de limpar a casa? Essa vontade de se entrelaçar com os livros? Essa calma no peito perto de uma árvore? Por que esse arrepio nos pelos quando sopra um cheiro novo de um velho alguém? E essa vontade de fugir das artificialidades que não se deixam mergulhar?
Que filosofia você segue? Que religião? Que ideias você acredita? Qual é a sua veia psicanalítica? Quais são os seus ‘ismos’? Qual é o seu grupo? Quais as regras, as verdades, os preceitos? O que você come, o que você veste? O que você planeja e segue?
Como a ciência prova e explica as suas crenças?
Eu não sei, como explicar que eu sigo aquilo que quando se aproxima faz bem?
O que excita, vibra, acalma, inquieta, gera…
O empírico é a intuição.
Falo da filosofia da minha pele, da minha cultura, das minhas dores e alegrias. Ando pela superfície do sem nome, faço parte dos grupos que não se fecham em suas verdades, dançam entre tribos. Percorro a vida com curiosidade de cigana, com vontade de ouvir e me desconstruir. Por isso a minha ciência é vaporosa, a minha moral é multicolorida, a minha religião é o vento, a minha fé é a intensidade.
Por isso amar pra mim é também compaixão, é sentir sem razão o que me brota em uma união.
Corre solta a eletricidade em quem atravessa universos.
Não é uma tendência o que sigo, um modismo, não veio pronto em um livro, não veio de uma admiração exterior, não veio de uma vontade de compor, de pertencer, de ser amada, de seguir um comportamento que acho bonito, de amenizar o que os outros vão pensar.
É a coragem de soltar-me sem destino.
A minha sabedoria vem da intensidade de sentir os dias e os seus ditos.
Entendemo-nos quando nos damos as mãos e elas continuam atadas por alguns minutos. Quando os nossos olhos sabem, antes dos nossos pensamentos, penetrar em infinitos e o nosso abraço gera mundos e não laços.
FILE - In this 1931 film image originally released by United Artists, actor Charlie Chaplin is seen in the silent film "City Lights." A new musical "Chaplin," depicting the life of film icon Charlie Chaplin, will open on Broadway on Monday, Sept. 10, 2012 at the Barrymore Theatre in New York. (AP Photo, file)
Para evitarmos dores de cabeça desnecessárias e decepções descabidas, é preciso que tenhamos a consciência de que jamais, em hipótese alguma, conseguiremos agradar a todos, tampouco seremos queridos sinceramente pela maioria das pessoas com quem convivermos. Dessa forma, conseguiremos aceitar com mais tranquilidade as decepções que pontuarão os encontros e desencontros de nossa jornada.
Na verdade, a transparência sempre será bem vinda, onde e com quem estivermos, ou seja, sabermos com quem estamos lidando nos ajudará a estabelecer os limites entre o que temos de melhor e a falsidade alheia. Ninguém é obrigado a gostar de nós, porém, todos temos o dever de não fingir aquilo que não sentimos, porque o respeito deverá ser mantido, ainda que diante de pessoas com quem não temos a mínima afinidade.
Poderemos discordar do outro, não nos sentir muito bem perto dele, não querer que ele seja amigo, mas certas situações nos colocarão junto dele, inevitavelmente, seja no emprego, na roda de amigos em comum, onde for, o que importa é mantermos nossa relação com ele estritamente no nível necessário. Difamar alguém, tratá-lo mal, colocá-lo em situações vexatórias, ou mesmo exagerar no sorriso junto dele, tudo isso nos tornará ainda piores do que achamos que ele seja.
Da mesma forma, não poderemos aceitar as falsas demonstrações de estima de quem sabemos não gostar de nós, de quem adora puxar tapetes, de quem não deixa de falar mal de quem não estiver presente. Essas pessoas devem ter a certeza de que as conhecemos de fato e temos certeza de que a estima delas não procede. Levar adiante o que não é verdadeiro não trará nada de bom a ninguém e, pior, provavelmente a verdade se revelará de maneira desagradável.
A verdade sempre será a nossa melhor defesa contra as armadilhas de gente que tenta derrubar qualquer um que atrapalhe sua percepção doentia de mundo. Não gostar de alguém é normal, mas ser antiético, maldoso e desleal com quem não gostamos nos torna desprezíveis. O melhor a se fazer é não ir além do que a vida pede junto a essas pessoas, enquanto mergulhamos nos relacionamentos que alimentam o nosso coração, abraçando e acolhendo gente querida, gente que transpira amor recíproco.
Ahh… essa mania de esperar o ser humano perfeito! Essa ilusão de que existe alguém irreprovável e incorrigível a quem chamar de “a pessoa certa”, uma alma sobre-humana, pronta, criada sob medida para as nossas mais profundas expectativas. Quem nos dera!
Esse delírio de que merecemos alguém que nunca falha, e de que somos a companhia à prova de enganos para alguém que, em algum canto, também sonha a nossa perfeição só pode machucar a nós mesmos e ao outro.
Acontece que a gente erra, sim. Sem querer, a gente erra muito. Erra o tempo inteiro. Todo mundo erra consigo mesmo e com o outro. Erra pequenos, médios e grandes equívocos, como achar que “a pessoa certa” é alguém que não erra nunca. Impossível. Só acerta quem aprendeu errando. O acerto só se reconhece em comparação com o engano. Se chegamos até aqui, foi porque acertamos tanto quanto cometemos erros.
Não estou justificando a falha, não. Isto não é uma defesa do erro deliberado, proposital. Tem gente que erra de sacanagem, sem escrúpulos, erra porque quer. Aí é outra coisa. Mas entre as pessoas boas, bem intencionadas, errar é inevitável. Somos imperfeitos, sempre seremos assim. E não é humano achar que “a pessoa certa” não erra jamais.
Erra, sim. E se acerta, é porque aprendeu com os erros de antes. Aliás, será que a vida não é isso mesmo? Essa luta para sobreviver aos nossos enganos?
Posso estar enganado, mas eu acho que não há “a pessoa certa” nem “a pessoa errada”. Certas ou erradas são as nossas escolhas. Certos ou errados somos nós ao dizer “sim”, “não”, “talvez”. Acertamos ou erramos ao entrar numa história de amor, ao abandoná-la ou ao permanecer nela quando não sentimos mais nada. É assim que é.
Errar, todos erramos. E é de aceitar ou rejeitar os erros e aprender com eles que se fazem os encontros de amor, respeito e cumplicidade. Se existe mesmo “a pessoa certa”, é alguém que também deve errar o tempo inteiro.
Viver alimentando rancores por sentimentos feridos, confianças quebradas e corações partidos é tão sem propósito quanto andar por aí carregando uma bola de ferro amarrada ao tornozelo. No começo dói o pé. Aos poucos, a dor vai se irradiando para a perna. De repente, você desiste de ir a qualquer parte, porque o peso ficou insuportável. A dor, agora, é no corpo inteiro. E na alma.
É indiscutivelmente libertador aprender a perdoar. E nem tem nada a ver com ser altruísta e nobre, essas coisas que a gente trabalha na terapia; aquelas que a gente entende mais ou menos, acredita mais ou menos, digere mais ou menos. Nada disso! Perdoar é uma das coisas mais egoístas que existem! Não faz sentido?! Pare só um instantinho para pensar…
Enquanto a gente não perdoa, a pessoa que nos feriu, magoou, ferrou ou destruiu, continua morando dentro da gente. Essa criatura infeliz toma o nosso tempo em pensamentos ruminantes que ensaiam fazer a digestão, mas voltam toda hora à nossa boca com um gosto amargo e persistente.
Não perdoar é uma tremenda cilada. Enquanto não somos livres o bastante para conceder essa valiosa indulgência, o maior prisioneiro somos nós. Não perdoar é uma das mais poderosas formas de dar ao outro o poder de controlar as nossas emoções. O não perdoado vira quase uma obsessão, uma medalha enfiada na carne, um peso no coração.
Ahhhh… Mas eu concordo com você… Há coisas que são realmente quase impossíveis de perdoar. Maldades explícitas e implícitas que roubaram da gente a dignidade ou a vontade de viver. Atitudes traiçoeiras, capazes de fazer a gente ficar duvidando da própria inteligência e percepção da realidade. Comportamentos depreciativos que nos deixaram com uma sensação de inabilidade, falta de valor e de atrativos. Tudo isso é muito doloroso, e desnecessário, e destrutivo.
Inegável assumir que nenhum de nós está livre de cometer injustiças, errar, fazer as mais incríveis bobagens. No entanto, quando se trata de ter “pisado na bola”, de ter cometido uma grande ou pequena sacanagem, mas ser capaz de admitir que errou e fazer alguma coisa – qualquer coisa – para reparar ou, que seja, apenas demonstrar ao outro que percebeu o erro, ainda há alguma chance de diálogo, ou de escuta, ou de xingar mesmo e lavar toda a roupa suja. Ótimo!
Duro mesmo é quando a criatura fez, pisou, aprontou, sapateou e saiu assoviando, com cara de paisagem. Aí, não há alma santa que se garanta. Sem contar aquelas “peças raras” que, além de te sacanear, dão um jeitinho de virar a história e sair de vítima.
A questão é que o verdadeiro sacana, deixa mortos e feridos e não olha para trás. Nem lembra que a gente existe. Então, afinal de contas, qual é a lógica de oferecermos a essa espécie de indivíduo a nossa valiosa energia?
Sendo assim, hoje eu vou tirar o dia para distribuir perdões. Fica assim determinado! Estão perdoados todos e todas, sem distinção de sexo, tamanho, idade, cor, peso, altura e grau de mau-caratismo. Dedico a todos e todas o meu esquecimento. Considerem-se livres para baixar em outro terreiro. Devidamente deletados e deletadas, façam apenas a gentileza de desaparecer. Porque perdoar é uma coisa! Conviver com o perdoado é outra completamente diferente! Nesse nível eu ainda não cheguei!
Disse Belchior, cantou Elis. Que sentiam tudo nessa chaga aberta no peito. Olha, a vida fere quase todo mundo. Acerta de alguma forma quase todos os peitos. E a maioria de nós, segue, permanece. Vivo. Com uma ferida que não morre, nem cicatriza. Porque somos essa ferida. Essa coisa viva no peito, que dói, mas relembra quem nós somos e o que superamos. Belchior tá sumido, né? Não voltou. Tá por aí com o coração, com suas dores e alegrias. De vez em quando a gente precisa de gente como ele. Alguém que dá nomes para as feridas que temos.
Aí tem umas dores que dá medo de curar, são essas que nos moldaram. Dá medo de tomar essa pílula da felicidade que os artistas dos comerciais tomaram. Olha a cara deles, olha a cara da Elis. Quem parece mais vivo? Quem passa mais coragem pra encarar a vida?
A publicidade nessa ânsia de elogiar produtos faz qualquer um parecer um espantalho, hein. De repente tudo que um ser humano é fica embalado num potinho com código de barras.
Eu sinto demais, nem sou o maior de todos os seres, mais sentir demais me deixa tão maior que não caibo numa embalagem mais. Que rótulo irão querer me dar? Definir um pote de margarina é uma tarefa fácil. Mas eu? Mas você? Como querem nos resumir por afinidades políticas, culturais? Acham ser possível encontrar quais ingredientes nos compõem? É impossível. Totalmente. Porque uma hora a gente é de uma coisa, outra hora a gente é de outra. O novo sempre vem. Não tente enquadrar, reduzir, delimitar. Tudo que somos é incontável.
Conhecer uma alma humana é aceitar que não a conhecemos. É solucionar um mistério e imediatamente se ver intrigado com outro mistério.
É achar um Belchior e em seguida se perder dum Caetano.
Vai sempre faltar alguma coisa a mais, porque somos todos almas humanas. Com feridas vivas no coração. Mal conseguimos achar a nós mesmos.
O dia, não poucas vezes me arrepia, e eu sei que você também já conteve algum choro pra não parecer ridículo. Ou alguma risada, ou engoliu algumas palavras, ou fugiu de algum lugar. Essas são nossas tentativas de curarmos essa ferida viva no coração.
Mas, como ensinou Nise da Silveira, não quero me curar demais, gente curada demais é chata.
E eu, desconfio que ela também disse; gente pra ser curada demais inventa infecção na alma demais e, ironicamente, adoece.
Feliz aniversário, onde estiver, Belchior. Obrigado.
Estranhos somos todos nós, cada um do seu jeito, de acordo com a sua história, a depender de suas lacunas emocionais ou calombos afetivos. Somos acometidos pelas mais variadas formas de estranhezas, na mesma medida em que apontamos com tanta facilidade as estranhezas alheias.
E, verdade seja dita, a gente vai se especializando em disfarçar o que sente, quando o que se sente não cabe bem direitinho nos padrões de normalidade. Vamos virando peritos em sublimar desejos e aspirações. E fazemos isso troca de uma aceitação pública, em troca de umas migalhinhas de afeto ou uns minutinhos de popularidade.
Eu, por exemplo, amo dias nublados. Sou apaixonada por tempestades. Detesto o Natal – e, não, eu não sou O Grinch. Falo sozinha, pergunto, respondo e discordo de mim mesma. Adoro ficar acordada no meio da noite, quando tudo é silêncio; há anos sofro de insônia porque meu relógio biológico deve ter sido fabricado no Japão. Tenho horror a rotina, não uso nem a mesma marca de sabonete duas vezes seguidas. Sonho acordada e acredito com todas as minhas forças que dizer “eu te amo” tem muito mais poder do que “vai com deus”.
E, para dizer a verdade, talvez eu não faça a menor ideia de quais são, de fato, as minhas bizarras esquisitices. Aquelas que só os outros são capazes de detectar, com seus olhares pouco indulgentes e muito afiados.
Ninguém escolhe ser esquisito. Não. Não mesmo. Mas, todo mundo é! E isso é altamente libertador, quando dito em voz alta ou escrito numa tela de papel virtual. Eu, aqui desse lado, contemplo agora seus olhos que me leem do outro lado, aí no seu lugar, no seu mundo. Nesse momento, meus olhos daqui encontram seus olhos daí e eu tenho uma coisa para te dizer “Abençoado seja o nosso direito de ser esquisito. Porque esquisitos somos todos. Só nos falta coragem para admitir e ser feliz assim, desse jeitinho!”.
Existem pessoas cruéis disfarçadas de boas pessoas. São seres que machucam, que agridem por intermédio de uma chantagem emocional maquiavélica baseada no medo, na agressão e na culpa. Aparentam ser pessoas altruístas, mas na verdade escondem interesses ocultos e frustrações profundas.
Muitas vezes ouve-se dizer que “quem machuca o faz porque em algum momento da vida também já foi machucado”. Que quem foi magoado, magoa. No entanto, ainda que por trás destas ideias exista uma base verídica, existe outro aspecto que sempre nos custa admitir: A maldade existe. As pessoas cruéis, por vezes, dispõem de certos componentes biológicos que as empurram em direção a determinados comportamentos agressivos.
O cientista e divulgador Marcelino Cereijudo nos assinala algo interessante. “Não existe o gene da maldade, porém há certos aspectos biológicos e culturais que a podem propiciar”. A parte mais complexa deste tema é que muito frequentemente tendemos a buscar rótulos e patologias em comportamentos que simplesmente não entram dentro dos manuais de psicodiagnóstico.
Os atos maliciosos podem ocorrer sem que exista necessariamente uma doença psicológica subjacente. Todos nós, em algum momento da nossa vida, já conhecemos uma pessoa com este tipo de perfil. Seres que nos presenteiam com bajulação e atenção. Pessoas agradáveis, com êxito social, mas que em privado delineiam uma sombra obscura e alargada. Na profundeza dos seus corações respira a crueldade, a falta de empatia, e até mesmo a agressividade.
As pessoas cruéis e a molécula da moral
Tal como dissemos anteriormente, até hoje ninguém conseguiu identificar a existência do gene da maldade. No entanto, nos últimos anos aumentaram os estudos sobre um aspecto fascinante: a denominada “molécula da moral”. Para compreender melhor o que é esta estrutura, iremos nos contextualizar a partir de uma história real. Uma história terrível, que lamentavelmente acontece com muita frequência.
Hans Reiser é um programador norte-americano famoso por ter criado os arquivos ReiserFS. Atualmente, e desde 2008, está na prisão de Mule Creek por ter assassinado sua esposa. Ele não teve problema em se declarar culpado e em revelar onde enterrou o corpo de Nina Reiser. Como dado curioso, vale a pena dizer que este especialista em programação dispõe de uma inteligência prodigiosa, ao ponto de ter iniciado os seus estudos universitários ainda adolescente.
Depois de um julgamento rápido e de ter ingressado na prisão de San Quintín, decidiu preparar ele próprio o seu recurso. Através de 5 folhas escritas à mão, argumentou que o seu cérebro funcionava de maneira diferente. Reiser tinha conhecimento dos estudos que estavam a ser realizados sobre a oxitocina e a utilizou como argumento. Segundo ele, tinha nascido com o seguinte problema: o seu cérebro não produzia a chamada molécula da moral. Carecia de empatia.
Obviamente, e como era de se esperar, este argumento não o impediu de cumprir a pena perpétua. No entanto, o tema sobre a origem da maldade voltou a entrar em debate. Nos dias de hoje, dá-se pleno valor ao fato de que a oxitocina é o hormônio que faz de nós seres “humanos” na sua vertente mais autêntica. Pessoas educadas e preocupadas em ajudar, cuidar e empatizar com os nossos semelhantes.
Como se defender da crueldade camuflada
No nosso cotidiano, nem sempre nos relacionamos com pessoas tão cruéis como a anteriormente citada. Porém, somos vítimas de outro tipo de interações: as de falsa bondade, a agressividade encoberta, a manipulação, o egoísmo sutil, a ironia mais daninha, etc.
Estes comportamentos podem ser resultado de vários aspetos. Carência de inteligência emocional, um ambiente pouco afetivo onde a pessoa cresceu ou até mesmo um déficit na liberação da oxitocina. Tudo isto talvez determinará essa agressividade mais ou menos encoberta. De qualquer forma, não podemos esquecer que quando falamos de agressividade, não estamos nos referindo exclusivamente ao dano físico.
A agressão emocional, a instrumental ou a verbal são feridas menos denunciáveis devido à necessidade de serem provadas, mas são mais corriqueiras e por isso temos que nos defender. Explicaremos como.
Pessoas cruéis: saber reconhecê-las e evitá-las
Todos podemos ser vítimas das pessoas cruéis. Não importa a idade, o status ou as nossas experiências anteriores. Este tipo de pessoa pode ser encontrado no meio da família, em ambientes de trabalho e em qualquer outro cenário. No entanto, podemos identificá-las de várias formas.
A pessoa de coração obscuro nos seduzirá com a mentira. Elas irão se camuflar por trás de palavras bonitas e atos nobres, mas pouco a pouco surgirá a chantagem. E mais tarde, a criação do medo, da culpa e da violência mental.
Perante estes mecanismos, cabe apenas uma opção: a não-tolerância. Não importa que seja a nossa irmã, nossa parceira ou um colega de trabalho. Os perturbadores da calma e do equilíbrio só buscam uma coisa: acabar com a nossa autoestima para ter o controle.
Teremos a sensação clara de que não há saída. De que elas nos têm sob suas redes. No entanto, vale recordar que “é mais poderoso aquele que é dono de si mesmo”. Por isso, é importante acabar com o jogo da dominação e da agressividade com determinação.
Os jogos da dominação e da agressividade encoberta são muito complexos. No entanto, é necessário agir com rapidez para remover armadilhas e reagir a ameaças veladas. No momento em que sentirmos desconforto ou preocupação em relação a certos comportamentos, só existe uma opção: a distância.
Estou triste. Eu às vezes sinto como se ninguém estivesse se importando comigo.
E como se eu fosse alguém que despertasse incômodos. Talvez eu seja. Talvez seja tudo coisa da minha imaginação.
Tenho medo de me expressar. Quando me expresso eu me julgo.
Digo para mim “Não diga isso.” Eu tenho medo do erro, ter medo do erro é sentir uma insegurança enraizada.
Já pensei em morrer hoje.
Mas não morri, estou vivo.
É um dia difícil como outros dias foram difíceis. Me sinto profundamente sozinho e incapaz de sair de mim. Parece que falo outro idioma. A minha língua me sufoca. Eu inspiro e respiro.
Não passa tão rápido quanto eu gostaria. Tenho dificuldade de confiar respostas a alguém e de me abrir.
É difícil, porque eu acho que do outro lado há um juiz implacável.
Talvez eu esteja me vendo no espelho. Eu sou meu juiz implacável.
Mas a voz de outros também são. Não estou com raiva de ninguém, nem revoltado, estou triste.
Uma tristeza conformada. E escrevo pra alguém. Se você for esse alguém, por favor, aqui estou eu. Também estou triste. E me sentindo sozinho. Posso acompanhar a sua solidão?
É uma dia difícil, como outros dias são difíceis. Não é o primeiro, nem será o último. Não vai dar tudo certo, entenda.
Mas vai dar tudo. Tudo é muita coisa. Tudo é muito mais que certo. É melhor dar tudo do que certo. Porque dentro de tudo há milhares de coisas melhores e mais úteis do que o “certo”.
Se você é alguém que ao ler essas palavras sente pena, essas palavras não são para você.
Piedade a gente tem de quem peca. Sofrer não é pecado. Estar triste não é imoral.
Ninguém precisa sorrir e abraçar o mundo inteiro forçado. É violento exigir alegria. Faz parte o dia ruim, a gente não quer fugir do dia ruim, nem disfarçá-lo.
A gente é feito de carne, osso e memórias.
Meu peito, meus braços, minhas pernas, tudo é água e saudade. Você sente saudades de você mesmo? De outra pessoa que você foi dentro da pessoa que você é? Não tem volta não. Já somos outros e seremos pessoas inéditas daqui pra frente.
Eu estava triste e desabafei. Não sou mais o mesmo. Nem você é.
A gente é feito de carne, osso e memórias. E quando a carne, o osso e as memórias ficam tristes é um dia difícil, difícil, difícil.
Mas é um dia ainda. É um tempo ainda. E o tempo passa. Minha tristeza deseja fortemente que a sua tristeza seja forte e consiga descobrir essa piegas, profundamente brega, verdade: Viver é aceitar a morte de uma esperança, dar lugar ao nascimento de outras esperanças.
Eu estava triste e escrevi esta carta cafona. Mas sinceramente, quem não se permite cafonices ou é feito de pedra ou é feito de besta.
Se me ponho a cismar em outras eras… Florbela Espanca
Que perfeição é o ninho de uma pomba!
Os gravetos são tramas perfeitas que suavizam a aspereza dos galhos, dispostos em círculos, formando um côncavo. Tudo muito instintivo e com um único propósito: acolher novas vidas e assim perpetuar a espécie.
E o ser humano, essa criatura, que tem consciência de sua existência, razão e sentimentos, como cuida dos seus, como os recebe?
O colo e os braços de seus pais, os beijos dos avós são ninhos; continentes seguros para a vida que chega e se desenvolve.
Todavia, pergunto: há ninho para quando se está partindo; quando uma vida se exaure; quando se vive o último ciclo?
Como serão os braços, ouvidos e mãos que contêm o peso de uma vida?
Será a bengala o apoio mais certo ou mãos sépticas e cuidadosas que desconhecem a história daquela vida?
Os seres humanos conscientes e responsáveis começam (quando possível) a se preparar na maturidade para a velhice, em termos financeiros.
Porém, não é desse ninho que falo e, sim, daquele que alimentará a alma do idoso em seu último ato. Terá a companhia dos seus e algum desses entrelaçará suas mãos com a dele?
E aqueles que já partiram de coração e, por alguma razão, o corpo ainda não se deu conta e resiste tacitamente? Terão algum acolhimento? E de que natureza?
Será o ninho um recanto de aconchego somente para a vida nascente e prematura e que, com o tempo e com o peso, vai se desmanchando?
Se assim for, como viver a ausência de um continente seguro e confiável no momento em que não há mais forças para ficar e nem partir?
Cabeceiras frágeis ou inexistentes em vidas sedentas de respaldo caem no vácuo.
A pior das torturas psicológicas é conhecida por “e se”. E se o amor da sua vida estivesse a um passo da sua atitude? E se você tivesse enviado aquela mensagem? E se você tivesse realizado seus sonhos de criança? E se… E se… E se….?
O medo da rejeição ou do fracasso faz com que o ser humano viva no “quase” por toda a vida, sem entender que é o quase que fere, que ilude, que entristece. Que faz com sonhos sejam esquecidos, planos não sejam cumpridos e projetos não sejam executados. Por medo, o homem deixa de viver. “De todas as paixões baixas, o medo é a mais amaldiçoada” (Shakespeare).
Quase amor não é amor. Quase perdoar não é perdoar. Quase emagrecer não é ficar magra. Então por que as pessoas insistem nesse estado de incertezas? Sempre irá existir a possibilidade da rejeição, a possibilidade de dar tudo errado e, acredite, você não irá morrer por isso. Sabedoria vem com os conhecimentos empíricos adquiridos dia a dia e preferir a comodidade do “não” por medo de tentar, é covardia.
Sarah Westphal afirmava que “sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.”
Acreditar e realizar não é tarefa para muitos. Exige-se coragem e liberdade para possíveis consequências. Uma famosa frase de Freud define bem esse comportamento humano: “a maioria das pessoas não quer realmente a liberdade, pois liberdade envolve responsabilidade, e a maioria das pessoas tem medo de responsabilidade.”
É necessário não temer a queda para que se aprenda a levantar. Não temer a vida quando ela se apresentar de forma plena. “Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro!” (Fernando Sabino)
De erro em erro construímos nossa sabedoria. De queda em queda aprendemos a voar. De saudade em saudade, criamos a nossa história de vida. Então, separa sua mochila, aperte seus calçados e vá atrás de seus sonhos. Deixe o seu “quase” e sua insegurança pra trás. Há alegrias que só vêem depois de muitas lágrimas mesmo.
Viajar é umas melhores experiências da vida. Conhecer novos lugares, novas pessoas, novas culturas, explorar a imensidão do mundo, do homem e de si próprio. Nesta lista, os filmes apresentam de tudo um pouco e cada um ao seu modo, de acordo com o que estivermos vivendo, nos deixará com vontade de arrumar a mochila (ou não) e cair na estrada.
EASY RIDER (1969)
Escrito por Peter Fonda, Dennis Hopper e Terry Southern e com direção de Hopper, o filme mostra a história de dois motoqueiros: Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) cortando o sul dos Estados Unidos em busca de libertação pessoal e autoconhecimento. Mostrando com realismo a realidade da geração beat e, consequentemente, do movimento hippie, a obra ajudou na consolidação do movimento cinematográfico da Nova Hollywood. Com uma bela fotografia regada a muito rock e ainda uma ótima atuação de Jack Nicholson, o filme mostra todos os dilemas, questionamentos e contradições desse período histórico, revolucionando o cinema da época e influenciando gerações futuras.
EASYRIDER-SPTI-14.tif
THELMA E LOUISE (1991)
Uma das grandes obras do bom Ridley Scott, o filme nos apresenta Louise Sawyer (Susan Sarandon) uma garçonete de saco cheio da forma como é tratada e Thelma (Geena Davis) uma dona de casa submissa a um marido autoritário. Cansadas da vida monótona que levam, as amigas resolvem pegar a estrada a fim de passarem um fim de semana fora das suas cidades, quebrando a rotina. No entanto, logo no início da viagem, elas se envolvem em um crime e decidem fugir para o México, enfrentando uma série de aventuras, descobertas e dificuldades em uma mistura bem pontuada entre drama e humor. Com ótimas atuações das protagonistas e a bela trilha sonora do Hans Zimmer, o filme fala, sobretudo, da alma feminina e da liberdade que esta necessita para fugir dos medos e da opressão do mundo masculino, bem como, fazê-la sentir-se feliz consigo mesma.
ANTES DO AMANHECER (1995)
O primeiro filme da trilogia Before, conta a história de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy). Jesse é um americano que está vagando pelo Europa após o fim do relacionamento, buscando de algum modo se reestruturar. Celine é uma francesa que está a caminho da França após visitar sua avó em Budapeste, mas que também está permeada por conflitos existenciais. Esses dois jovens se conhecem num trem de forma episódica, acabando por se envolverem rapidamente e se apaixonarem durante uma noite de andanças pela bela cidade de Viena. Com um roteiro extremamente inteligente e diálogos memoráveis, além é claro de dois personagens apaixonantes, Richard Linklater cria um filme brilhante, em que discussões filosóficas sobre diversos assuntos, inclusive, o amor, são feitas de um jeito poético e belo, tornando o filme único. Sem falar, é claro, no cenário lindo de Viena.
QUASE FAMOSOS (2000)
Década de 1970, William Miller (Patrick Fugit) é um jovem prodígio de 15 anos. Fã de rock, ele sonha em ser jornalista e cobrir as bandas das quais é fã. Após fazer alguns trabalhos para jornais e revistas locais, ele conhece Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman), um jornalista crítico e incorruptível, e eles passam a desenvolver uma amizade. Então, William recebe uma proposta da bíblia do rock, a revista Rolling Stone, para cobrir uma banda durante uma turnê. Assim, ele embarca em uma viagem muito louca, cheia de descobertas, envolvendo sexualidade, amizade, amor e autoconhecimento em meio ao mundo do estrelato e euforia do rock. O filme é inspirado em experiências reais vividas pelo diretor Cameron Crowe, que na adolescência acompanhou bandas que marcaram época, como Led Zeppelin, The Who e Allman Brothers, formando um filme muito verdadeiro, divertido, sentimental e, sobretudo, muito rock’n’roll.
DIÁRIOS DE MOTOCICLETA (2004)
Dirigido por Walter Salles, o filme é baseado em um livro de memórias com o mesmo nome escrito por Ernesto “Che” Guevara. A trama percorre a viagem feita por Ernesto (Gael García Bernal), então com 23 anos, e seu amigo Alberto Granado (Rodrigo de La Serna), um bioquímico, em uma motocicleta pela América Latina, a fim de descobrir o continente além dos livros. A viagem que a princípio parecia uma aventura, aos poucos ganha um caráter mais dramático e político na medida em que novas realidades são descobertas pelos amigos argentinos. O filme ainda conta com uma bela fotografia e um retrato bem fiel da realidade de contrastes da América Latina, demonstrando de que modo essa viagem influenciaria na passagem do jovem estudante de Medicina Ernesto para uma das personalidades mais icônicas do século XX, o líder marxista, Ernesto Che Guevara.
PEQUENA MISS SUNSHINE (2006)
Um filme libertador, essa é a melhor definição para o filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris. A trama percorre a história de uma família pra lá de excêntrica, marcada pelo dilema entre o sucesso e o fracasso. Nesse universo familiar somos apresentados a Olive (Abigail Breslin), uma garotinha que sonha em ganhar um concurso de beleza. A fim de realizar o sonho da garota, a família se desloca em uma Kombi velha (mas, muito maneira) para chegar ao tal concurso, o “Little Miss Sunshine”. Ao explorar a problemática do sucesso/fracasso, o filme percorre muito bem a linha tênue entre o drama e a comédia que forma a vida dos personagens, desconstruindo máximas e padrões impostos pela sociedade. Com ótimas atuações e uma trama muito bem conduzida que te leva do riso às lagrimas com maestria, a obra é uma ode às nossas idiossincrasias, à loucura que nos forma e, sobretudo, um grito de independência aos padrões sociais que retiram nossa beleza e nos deixam engaiolados.
NA NATUREZA SELVAGEM (2007)
Roteirizado e dirigido por Sean Penn, o filme baseada no livro homônimo de Jon Krakauer, narra a história de Christopher McCandless (Emile Hirsch), jovem americano de família rica, altamente erudito e saudável, que após se formar na faculdade, decide deixar a vida de superficialidade que o cercava para entrar em contato com o âmago da vida. Assim, abandona casa, carro, família e dinheiro, embarcando em uma jornada de autoconhecimento rumo ao Alasca. Com uma fotografia belíssima e uma trilha sonora maravilhosa, o filme consegue ser extremamente filosófico e triste, ao mesmo tempo em que carrega uma leveza poética. Colocando em xeque o modus operandi da sociedade consumista, marcada pela aparência, superficialidade, egoísmo e adequação, a obra nos faz questionar o verdadeiro sentido da vida e de que modo nessa estrutura temos conseguido sentir verdadeiramente as felicidades presentes no mundo.
NA ESTRADA (2012)
Também dirigido por Walter Salles, o filme é baseado na obra-prima do escritor americano Jack Kerouac, um dos fundadores do movimento beat, que inspirou o movimento de contracultura dos anos 1960 e o movimento hippie. O filme percorre a vida de Sal Paradise (Sam Riley), um jovem aspirante a escritor que acaba de perder o pai. Ele é apresentado, então, a Dean Moriarty (Garrett Hedlund), um jovem vindo do Oeste com a sua namorada Marylou (Kristen Stewart), que se preocupa apenas em aproveitar a vida ao seu modo. Esse encontro muda a vida de Sal, que decide por o pé na estrada, em viagens de autoconhecimento e libertação regadas a muitas drogas, jazz e sexo. É um filme que expõe a origem de uma geração importante na história, marcada por questionamentos sobre a sociedade e a vida, bem como, as suas contradições e angústias.
Somos rodeados e bombardeados, o dia todo, todos os dias, por regras, preceitos, receitas e conselhos sobre o que fazer ou não. Leis regem nossa conduta em sociedade, no trabalho, no trânsito, até nos procedimentos quando de nossa morte. Obviamente, limites são necessários, quando vivemos em sociedade, no entanto, há que se ponderar acerca do que realmente tomarmos para a nossa vida, ou sufocaremos nossa jornada sob o peso do que esperam que nós façamos.
Não sou obrigado a concordar com aquilo que não condiz com o meu modo de pensar, só para agradar os outros. Tenho sonhos próprios, sentimentos únicos, vontades minhas, ou seja, ninguém me conhece melhor do que eu, portanto terei que tentar viver as minhas verdades da melhor maneira possível, discordando do que me contradiz, ou respiro feito robô, infeliz e frustrado.
Não sou obrigado a engolir a seco quando elevam a voz sem razão, quando me sinto ofendido em minha dignidade, quando me agridem deliberadamente. Para que eu alcance minha autonomia enquanto pessoa, para que eu seja respeitado como cidadão, terei que me impor, que me fazer enxergar. O outro só saberá até onde pode avançar sobre mim, caso eu esclareça os limites de minha paciência.
Não sou obrigado a insistir em um relacionamento já fadado ao fracasso, por medo de desistir, de recomeçar, de me dar novas chances de ser feliz. Minhas desistências são corajosas, são pensadas, repensadas, demandam tempo e muitas lágrimas. Manter-me preso a um vazio de dois que só machuca, por conta dos olhares opressores de quem não mora comigo, nem divide meu arroz e feijão, é uma das piores atitudes que eu posso tomar.
Não sou obrigado a fingir que gosto de quem não me faz bem, de quem não acrescenta, não soma, nem não nada. Desde que eu mantenha o respeito, não distribuirei sorrisos amarelos a gente falsa, hipócrita, interesseira e covarde. Manter-me a uma distância segura de tudo e de todos que exalam negatividade me tornará mais feliz e satisfeito.
Não sou obrigado a viver de acordo com o que os outros esperam que eu seja, a me vestir de acordo com o que as vitrines vendem, a ouvir o que as rádios me empurram. Não me sujeito a padrões arcaicos que só fazem achatar tudo aquilo que vibra o meu coração. Sou alguém que sente, ama e odeia conforme o ritmo de minha essência, do que clama meu íntimo, tão meu, tão necessário, tão vivo dentro de mim.
Não sou obrigado a chorar escondido quando a tristeza toma conta de mim, só porque os outros podem me achar uma pessoa fraca. Minha força vem exatamente da dor, meu fortalecimento se reergue exatamente em minhas tempestades emocionais, ou seja, minhas lágrimas servem ao esvaziamento do que me diminui, para que o vazio se preencha pela vontade de recomeçar.
Não sou obrigado a me sujeitar à grosseria de meus superiores, como se vivêssemos à época da escravidão, como se o pagamento do salário fosse pré-requisito para eu me anular frente ao mundo, para eu me isentar de humanidade, de dignidade e do sentir, que me é inerente. Não posso me permitir aceitar subserviência desumana e assédio diário para ter o que comer.
Não sou obrigado a aceitar tudo o que me acontece de ruim com resignação, contendo minha revolta, somatizando minhas frustrações enquanto castigo meu corpo e minha sanidade mental. Tenho o direito de contradizer, de me defender, de gritar a minha dor, para que me reequilibre e siga em frente, sempre, livre do que passou.
Desde que eu não fira o direito do outro, desde que eu não passe por cima de ninguém, poderei me desviar de tudo e de todos que emperram o meu caminhar sereno, ignorando o que não me cabe, tomando para mim o que me ajude, ficando junto a quem me soma verdades, a quem me traz luz, a quem poderei ser tudo o que tenho, a quem me aceite e me acolha, sem delongas, com inteireza e sorriso sincero. A ser feliz, sim, sou obrigado.