Amigos invejosos

Amigos invejosos

Tendemos a confundir inveja com cobiça. Inveja é não querer que o outro tenha, seja lá o que for: inteligência, amor, dinheiro, um corpo bonito, um cabelo bonito, namorado (a), sorte, sucesso, roupas bacanas, viagens, etc. Cobiça é querer o que o outro tem.

Mas ambas as emoções se misturam porque são frutos do mesmo engano: a ideia de que o outro não merece o que tem e/ou não o fez por merecer.

Outro engano? Negar a presença dessas palavras no vocabulário de nossa própria vida, porque todos nós sentimos inveja e cobiça em algum momento, elas fazem parte da condição humana.

Perceber que um amigo tem o que (supostamente) nos falta mexe com o nosso sentimento de impotência e ninguém gosta de se sentir impotente.

Então, para não lidar com a impotência-nossa-de-cada-dia tiramos o foco de nós mesmos e botamos no outro! Sentimos raiva – ainda que veladamente – do outro e do que ele possui, pois é mais aceitável sentir raiva do outro do que de si.

Seria muito bacana se conseguíssemos refletir sobre as nossas faltas quando a inveja e a cobiça nos assaltam. Seria proveitoso. Quem sabe não conseguiríamos, através de um mergulho pra dentro, transformá-las em ganhos?

Olho grego, pimenta dedo de moça e figa podem ajudar? Podem, mas não impedem que sintam – ou sintamos – essas emoções.

Quem se sente vítima de inveja constantemente também deve experimentar uma pausa para reflexão: será mesmo que “aquela amiga” tem inveja de você ou simplesmente você está com a autoestima baixa e precisa acreditar nisso para se sentir bem?

Acreditar que alguém nos inveja, em alguma instância, é acreditar que somos “merecedores” dessa inveja, que temos algo valioso que o outro não tem. Será que temos mesmo? Se temos, por que precisamos da inveja alheia para validar nosso status?

Sentir-se invejado não deixa de ser um ato narcísico. Mas tudo nessa vida serve como matéria-prima para o autoconhecimento, basta querer! Basta estar atento. Basta estar disposto. Eis a nossa labuta diária: transformar lixo (emoções baratas) em luxo (oportunidade de crescimento).

Mas, pelo sim, pelo não, acredito que um punhado de sal grosso atrás da porta, um patuá no pescoço e um beijinho no ombro para quem anda querendo secar a nossa pimenteira não fazem mal a ninguém.

Tem amor de sobra? Escoe para onde falta.

Tem amor de sobra? Escoe para onde falta.
Buddy bear

Amor é fonte generosa. Multiplica-se, propaga-se, encontra caminhos e maneiras de tocar seu objeto de afeição.

Amor em demasia sempre vem acompanhado daquele apego que gruda, do ciúme que intimida, da dependência que aprisiona. Se há amor sobrando, é preciso escoar, descobrir alternativas, manter saudável o nível e o humor deste amor.

Amor mau humorado resmunga.

Amor em exagero sufoca, afoga, asfixia.

Se já é tarefa árdua tentar equilibrar as trocas de amor, impossível avaliar o que fazer com o amor excedente, o que transborda, que, longe de ser recusado, simplesmente sobra numa relação que não o comporta.

Amor que sobra tem que ser escoado. É imperioso encontrar um caminho diferente, uma forma de distribuição mais justa e coerente, o resgate de afeições esquecidas e carentes desse amor.

Somos seres cercados de amor por todos os lados. Família, amigos, colegas, companhias eventuais, personagens da rotina diária, exemplos, admiradores. Em tudo colocamos ou esperamos amor. Do mais rasteiro ao mais profundo, guardadas as escalas e proporções.

Canalizar para apenas um afeto é sentença de morte e transformação desse amor em outro sentimento, quase sempre oposto. É preciso distribuir, escoar, deixar fluir, sem retenções nem exceções.

Ninguém dá conta de um amor exclusivo e integralmente seu. A oferta faz bem somente para a vaidade, porque na real, esse amor vira um grande e pesado fardo, terminando por ser jogado de lado e trocado por um amor mais leve.

Amor é estrela de várias pontas e quem opta por utilizar a luminosidade de apenas uma em potência máxima, acaba por se sabotar e colapsar o equilíbrio do que deveria ser um sistema claro e justo, queimando e ferindo quem estiver em sua direção.

Quem consegue irradiar amor, não precisa sequer esperar reciprocidade. Ele volta, na medida certa.

Felicidade é saber reconhecer o próprio tempo

Felicidade é saber reconhecer o próprio tempo

Felicidade é não esconder sentimentos em troca de relacionamentos comuns, de uma vida sem vibração e num trabalho que mais parece um piloto automático de chatices sem porquês e explicações. Mas felicidade também não é jogar tudo para alto e imaginar viver uma vida isenta de limites e consequências. Felicidade é, no termo inteiro, saber reconhecer o próprio tempo.

Sim, felicidade é ponto de partida e não linha de chegada. Ainda assim, vivemos diariamente com uma arma angustiante apontada para a alma. O medo que não te deixa seguir. O passado que não te deixa criar presentes. E são obrigações e mais obrigações a serem cumpridas. Normas e regras ditadoras de sentimentos. Desaprendemos a amar. Pouco já não preenche. O quero muito e agora é cada vez mais visto nos sorrisos amarelos, nas fotos filtradas e nas declarações do tipo “como se não houvesse amanhã”.

Talvez, em todo esse processo, estejamos afastando a tal felicidade das nossas vidas. Até o convívio sereno de outrora deu lugar para essa busca incessante e egocêntrica. Pressionados, abrimos um leque de possibilidades com uma das mãos e deixamos ao léu as coisas simples noutra. O cheiro de café saindo, o abraço da saudade, a chuva inesperada no meio do dia e o amor que chega sem coletar o carinho dado. Cadê?

Não adianta cruzar os braços e dizer que o tempo é curto e injusto. Felicidade é saber prezar por momentos mais sublimes e por escolhas que não submetam o coração a um cárcere privado. Felicidade é, antes de qualquer coisa, saber da beleza dos instantes, pois não existe isso de felizes para sempre. A felicidade é, entre uma escolha e outra, a perspectiva e o tamanho da coragem que depositamos por prazeres não extintos em tempo de vida. O importante é a felicidade contida no tempo de nós.

Não é que eu seja indiferente. É que cuidar da minha vida já dá um trabalhão danado.

Não é que eu seja indiferente. É que cuidar da minha vida já dá um trabalhão danado.

Confesso. Eu não estou nem aí para certas coisas. Respeito quem acredita que “o desprezo é o contrário do amor” e outras teses. Mas eu discordo. Desprezar o que não nos serve é um exercício de liberdade, um gesto de amor por nós mesmos e por quem interessa.

Tem coisa e tem gente por aí que não merecem um segundo da nossa atenção. Assim como de quando em vez não se pode ficar indiferente a uma atitude duvidosa, de vez em quando é preciso não ter dúvida de desviar e seguir adiante.

Acho mesmo que o direito de concordar que discordamos é uma das prerrogativas da vida em sociedade. Anda ao lado do nosso dever de respeitar a opinião do outro. E se a opinião do outro me incomodar a ponto de eu querer distância dele, eu mantenho distância e pronto!

Não é que eu seja indiferente, não. É que cuidar da minha própria vida já dá um trabalhão danado! Deus me livre de tentar mudar o pensamento alheio.

Tem dias em que eu bem gostaria de me lançar a uma discussão interminável sobre assuntos polêmicos, ressaltar a diferença entre fatos e impressões pessoais, defender a minha tese de que não é preciso mudar a posição do outro para provar que a minha é melhor que a dele, argumentar que somos diversos e que isso é uma riqueza imensa. Mas não.

Às vezes eu bem quero responder a uma provocação aqui, um insulto ali, uma incorreção acolá, mas aí eu olho as horas, percebo a pilha de trabalho que me espera e deixo para depois. Quem sabe outro dia? Agora não dá. Agora eu tenho coisa mais importante. Agora eu tenho mais o que fazer.

Imagem de capa: Peshkova/shutterstock

Permita-se desistir

Permita-se desistir

Dá-se muita importância ao que se consegue, ao que se alcança, ao quanto vencemos na vida. Livros, filmes, reportagens são dedicadas a louvar as virtudes daqueles que venceram, que saíram da pobreza, que se tornaram famosos, pois jamais desistiram de seus sonhos. No entanto, poucos se lembram de que será preciso que desistamos, que abramos mão de muitas coisas e de algumas pessoas, caso queiramos persistir na busca de uma meta. Permita-se desistir.

Desista de correr atrás de pessoas que não o incluem em nenhum de seus planos, que mal se lembram de que você existe, que colocam seu nome no final de qualquer lista. Não se humilhe por quem não consegue enxergar tudo o que você tem a oferecer. Aproxime-se daqueles que sorriem ao ver você chegar, que se dispõem a ouvir o que você tem a dizer, que respondem suas chamadas, suas mensagens, seu olhar.

Desista de investir naquilo que não tem futuro, de gastar energia e tempo elaborando planos que não condizem com o que você é. Não procure carreiras rentáveis, não se perca em meio a gente hipócrita, que sabe o preço dos seus sapatos, mas desconhece a data de seu nascimento. Invista na sua qualidade de vida, nos sonhos que vão ao encontro do que existe dentro de você, do que faz seu coração vibrar.

Desista de se contentar com pouco, com metades, conformando-se com o que poderia – e deveria – ser muito melhor. Não caminhe por travessias menos coloridas, menos iluminadas, menos especiais, por conta de achar que já está bom. Queira mais, queira inteireza, amplitude, bonança afetiva, amor transbordante, gargalhadas de doer o estômago. Deseje preencher a dimensão exata de seus sonhos mais altos, nada menos do que isso.

Desista de sentir pena de si mesmo, de choramingar pelos cantos, correndo os olhos pelas vidas alheias, enquanto desperdiça os momentos que anseiam por preencher a sua jornada. Não inveje, não se compare com o outro, não se esqueça do que e de quem já está com você, enquanto assiste aos acontecimentos que não são seus com sentimento de derrota. Nunca estaremos derrotados, enquanto vida houver, enquanto pudermos levantar a cada manhã, com tudo ali à nossa frente nos esperando.

Nem sempre estaremos bem, nem sempre poderemos contar com as pessoas, nem sempre conseguiremos conter as lágrimas que insistem em cair. Enfrentaremos dias e noites sem fim, sem luz, momentos de dor e desalento. Teremos perdas inconsoláveis, decepções doloridas, escuridões em que não conseguiremos ver saída. No entanto, caso tenhamos desistido de sofrer por tudo o que era inútil, estaremos fortalecidos junto ao amor com reciprocidade, ao consolo sincero e providencial de gente que ficou de verdade. Porque então teremos feito as desistências que salvam.

No fim das contas a gente conta com poucos, mas esses poucos são os que contam pra gente!

No fim das contas a gente conta com poucos, mas esses poucos são os que contam pra gente!

Dentro da gente há inúmeros aposentos. Uns habitados por muitos. Outros habitados por poucos. Outros absolutamente vazios de outros, mas cheios de nós mesmos. Vamos sendo tecidos, fio a fio, pelas incontáveis conexões humanas que a vida nos apresenta. Somos uma trama de tudo o que vivemos, ainda que tenhamos vivido sós. Mas, os outros… Ahhh… os outros são o nosso tempero, norte e perdição.

Há os que vêm só de visita, aqueles que são deliciosos como um café recém passado numa tarde de chuvinha fina. Há os que duram o tempo de um dia ou dois, aqueles que são maravilhosos como uma viagem surpresa de fim de semana. Há os que permanecem como hóspedes bem-vindos de um país estrangeiro, são aqueles interessantes e instigantes como filmes argentinos. E há os que nos entremeiam e entrelaçam-se a nós pelo resto de nossos dias, são aqueles arrebatadores livros inesquecíveis, daqueles que lemos quando eles ainda eram “proibido” para nós.

E, rendamos a importância justa àqueles que embarcam em nossas vidas, seja de forma meteórica, sazonal ou histórica, com a indecifrável missão de nos desafiar. São os desafetos, os desaforados, os difíceis de digerir. A esses, devemos as mais importantes lições. Sem eles, seguiríamos a vida acreditando em nuvens de algodão doce, coelhos que pintam ovos de chocolate e, até, quem sabe, na bondade inerente ao ser humano.

Ahhh…sim, é fundamental termos fé em alguma coisa, ainda que essa coisa seja a bondade inerente ao ser humano, uma fantasia ou um mistério divino. O único pequeno problema nessa crença é que ela pode beirar a ingenuidade, caso não seja acompanhada de um importante empenho próprio em tomar nas mãos a responsabilidade sobre acertar e errar. Fé sem reflexão é uma máscara sem buraquinhos para os olhos, só servem se você pretende ficar adormecido como se o escuro da noite fosse durar para sempre.

No fim das contas a gente conta com poucos, mas esses poucos são os que contam pra gente. São aqueles que cabem direitinho nas lembranças e no presente e que não nos causam nenhum tipo de aflição ou angústia sobre o futuro. Porque a gente sabe que eles não vão durar para sempre aqui do lado de fora. Mas vão iluminar para sempre o nosso lado de dentro.

Sem privação não há felicidade

Sem privação não há felicidade

Em 1930, o escritor Bertrand Russell afirmou que “não possuir algumas das coisas que desejamos é parte indispensável da felicidade”. Há muitas controvérsias em relação a isso. Contudo, o fato é que sempre tememos não ter o bastante, e ainda nos damos ao luxo de sofrer por desejar mais do que já temos. Sustentamos o vício do descontentamento por incompletude. É uma ingratidão regenerativa em manifesto.

A saber, Russell foi um eminente matemático e filósofo britânico do século XX, tendo ganhado, merecidamente, o prêmio Nobel de Literatura de 1950 “em reconhecimento de seus variados e significativos escritos, nos quais defende ideais humanitários e liberdade de pensamento”. Sua filosofia era pautada no ativismo social, pacifismo, agnosticismo e humanismo, e fincada na lógica analítica e argumentação teórica.

Durante sua existência, Russell teve três paixões, maiores do que todas as outras, simples, mas irresistivelmente fortes: o desejo imenso de amar, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade.

Em vida, ele produziu tratados relevantíssimos sobre temas universais à vivência humana, incluindo religião, trabalho, moral, política e felicidade. Sobre este último tema em especial, há de se destacar sua maravilhosa obra A Conquista da Felicidade, que é dividida em duas partes: a primeira fala das causas de infelicidade; a segunda, das causas de felicidade.

Magistralmente, Russell aborda aspectos lógico-filosóficos sobre o que ele pensa configurar uma vida feliz, mas faz isso somente após incluir apontamentos do que viabiliza essa felicidade: a infelicidade. Esse livro, segundo ele, é um esforço para sugerir uma cura para a infelicidade cotidiana ordinária de que a maioria das pessoas em países civilizados sofre.

Na atual época de distração, individualismo e distanciamento, torna-se mais exótica a fluência da capacidade de entrega – essencial para a conquista da felicidade. Russell, com sagacidade nada discreta, oferece sua percepção oportuna sobre os demônios internos que não cessam em apequenar-nos, e promove dizeres que, esperançosamente,  transcendem o mal, trazendo uma consciência mais lúcida para as nossas próprias patologias.

Desse livro, entende-se que sem privação não há felicidade. A plenitude do ser feliz é humanamente inalcançável, exceto em alguns estágios felizes da existência, os quais, justamente por serem tão bons, tem sua finidade. O apogeu da felicidade é uma promessa que não pode ser cumprida, uma vez que sua procura não cessa.

De acordo com Russell, a felicidade humana provém da plena posse das faculdades – físicas, emocionais, psicológicas, intelectuais. Vê-se daí como a felicidade é mais desafiadora e rara do que supomos. Diz ele:

“O homem dividido contra si mesmo procura estímulos e distrações; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentaneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a dolorosa necessidade de pensar. Toda a paixão é para ele uma forma de intoxicação e, desde que não possa conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das faculdades. São nos momentos em que o espírito está mais ativo, em que mais coisas são esquecidas, que se sentem alegrias mais intensas.”

Nessa obra, o autor britânico traça um paralelo entre a felicidade e o êxito, no qual a sensação de sucesso costuma ser compatível com a de estar feliz:

“A raiz do mal reside no fato de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal fonte de felicidade. Não nego que o sentimento do triunfo torna a vida mais agradável. Um pintor, por exemplo, que viveu obscuramente na juventude, decerto se sentirá feliz se o seu talento acabar por ser reconhecido. Não nego também que o dinheiro, até um certo limite, é capaz de aumentar a felicidade; para lá desse limite, julgo que não. O que eu afirmo é que o êxito só pode ser um dos vários elementos da felicidade, e que é demasiado o preço pelo qual se obtém se a ele se sacrificam todos os outros.”

Um dos motivos de infelicidade, fadiga e tensão nervosa, supõe Russell, é a incapacidade de não tomar interesse por tudo que não tenha uma importância prática na vida. Daí resulta que a mente fica ocupada com infinitos problemas, cada um dos quais provocando certamente algumas inquietações. Contudo, se fosse projetada a ausência dessas inquietações, não se daria conta de todos os problemas, e ser feliz depende de superá-los.

O livro não trata só de felicidade. Outra abordagem de Russell foi o hábito popular de fazer fofocas. Ele acredita que uma das formas mais universais de irracionalidade é o boato do tipo falacioso. Pouquíssimas pessoas têm a capacidade de resistir à tentação de falar mal dos outros, mesmo quando a ocasião em que difamam lhes faria apontar a arma para si mesmas. Por outro lado, se tomam ciência de que alguém – íntimo ou não – falou mal delas, enchem-se de cólera e indignação. Boatos e fofocas espalham-se no ar como vírus, principalmente em lugares onde as pessoas não tem nada melhor para fazer. A fofoca alimenta-se muito da difamação.

Certamente, algumas virtudes estão disfarçadas em defeitos, mas esse disfarce é difícil de perceber. Por tal motivo, é bastante complexo diferenciar moralidade prática de imoralidade prática, já que a atitude moral é fragmentada e por vezes subjetiva, em detrimento do dever ético circunscrito. De acordo com Russell:

“Exigimos de toda a gente o mesmo sentimento de amor e de profundo respeito que sentimos por nós próprios. Nunca nos ocorre que não devemos exigir que os outros pensem melhor de nós do que nós pensamos a respeito deles, e isso não nos ocorre, porque, aos nossos olhos, os méritos próprios são grandes e evidentes, ao passo que os dos outros, se na realidade existem, só são reconhecidos com certa benevolência.”

A Conquista da Felicidade também contém, como pauta, o tema “trabalho”. O filósofo britânico alega existir, segundo a natureza da obra e a capacidade do trabalhador, todas as gradações, desde o simples alívio do tédio às satisfações mais profundas. Trabalhar nem sempre é gratificante, mas supre uma condição de escolher o que fazer no tempo livre, já que se desocupar na vadiagem é oneroso demais para que se permaneça nessa situação por muito tempo sem ser prejudicado, principalmente em um mundo movido por dinheiro.

“Na maior parte dos casos, o trabalho que as pessoas têm de executar não é interessante, mas ainda em tais circunstâncias oferece grandes vantagens. Em primeiro lugar, preenche uma boa parte do dia sem haver necessidade de decidir sobre o que se há de fazer. A maioria das pessoas, quando estão em condições de escolher livremente o emprego do seu tempo, têm dificuldade em encontrar o que quer que seja suficientemente agradável para as ocupar. E tudo o que decidem deixa-as atormentadas pela ideia de que qualquer outra coisa seria mais agradável.”

Muita gente precisa trabalhar, mas não tem noção do que quer fazer, optando, neste último caso, por miséria ou por nada. A escolha por uma profissão subverte todas as outras possíveis, dentre aquelas adequadas ao perfil e às capacidades ou não. Essa dúvida impossibilita a dedicação prioritária a uma determinada função profissional e, desse jeito, a trilha de uma carreira se divide em várias partes: a confusão de metas atrapalha no reconhecimento de objetivos.

Russell diz que uma escolha profissional, em especial para quem está iniciando a carreira, é, em geral, difícil e fatigante; somente pessoas com iniciativa excepcional conseguem acertar sua vocação rapidamente, porque essas, além de tentar mais, não sucumbem à incerteza. As outras, indecisas, mantêm-se prostradas e perdem vantagem competitiva no mercado de trabalho, pois se deduz delas a falta de experiência. E, então, posicionam-se infelizes, privadas daquilo que lhes conferiria status e reconhecimento por suas competências qualificatórias.

Muitos compreendem que uma vida é tanto mais feliz quanto mais produtiva, agitada, corrida, ocupada. Essa vida repleta de ocupação, entretanto, pode ser esgotante, já que exige estimulantes cada vez mais fortes para domar os prazeres mundanos insaciáveis. Quando se evita a agitação, é comum dar de cara com a monotonia, essa força que é inimiga dos hiperativos. A monotonia tem apenas um mérito: sem ela, nenhuma aventura seria boa o bastante.

“Há sempre um certo aborrecimento quando se evita em demasia a agitação, mas, por sua vez, a agitação demasiada não só enfraquece a saúde como embota o gosto para toda a espécie de prazeres, substituindo titilações por profundas satisfações orgânicas, habilidade por inteligência e impressões fugidias por beleza. Não pretendo exagerar os perigos da agitação. Uma certa quantidade talvez seja saudável, mas, como em quase todas as outras coisas, o problema é de ordem quantitativa. Uma dose demasiado pequena pode gerar desejos mórbidos, e o abuso pode produzir esgotamento. Certa capacidade para suportar o aborrecimento é essencial a uma vida feliz, e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos jovens.”

Russell achou sensato acrescentar, no livro, comentários sobre a influência do tédio – irmão da monotonia – na conquista da felicidade. Para ele, hoje nós estamos menos aborrecidos do que nossos antepassados, mas temos mais medo do tédio. Acreditamos que o tédio é um apêndice sempre dispensável de nossa vida, a ser extraído pela excitação. Com uma presciência impressionante, Russell escreve:

“À medida que nos elevamos na escala social, a busca da excitação se torna cada vez mais intensa. Aqueles que podem pagá-la estão se movendo perpetuamente de um lugar para outro, carregando com eles a alegria, dançando e bebendo, mas por alguma razão sempre esperando para desfrutar mais destes em um novo lugar. Aqueles que têm de ganhar a vida recebem a sua parte de tédio, por necessidade, nas horas de trabalho, mas aqueles que têm dinheiro suficiente para ser libertados da necessidade de trabalho têm como seu ideal uma vida completamente livre do tédio. É um ideal nobre, e muito longe de mim para condená-lo, mas tenho medo de que, como outros ideais, seja mais difícil de realização do que os idealistas supõem. Afinal, as manhãs são chatas na proporção em que as noites anteriores foram divertidas. Talvez algum elemento de tédio seja um ingrediente necessário na vida. O desejo de escapar do tédio é natural; de fato, todas as raças da humanidade a mostraram como a oportunidade aconteceu. Guerras, genocídios e perseguições fizeram parte da fuga do tédio; até mesmo discussões com vizinhos foram encontradas melhores do que nada. O tédio é, portanto, um problema vital para o moralista, uma vez que pelo menos metade dos pecados da humanidade são causados pelo medo dele.”

A influência do trabalho na felicidade e vice-versa foi melhor ainda abordada por Russell em outra obra, Elogio ao Ócio, publicada em 1935. Aqui, Russell defende, sem amarras, que “o caminho para a felicidade está na redução organizada do trabalho”. Ele diz que uma pessoa só pode ser feliz se sua criatividade for despertada. A ótica do autor é que criatividade exige certa autonomia e liberdade; assim, a redução da jornada de trabalho nos liberaria para buscar interesses mais criativos. Ao permitirmos (ou sermos obrigados) a ocupar quase todo o tempo em horas de vigília, não podemos viver plenamente.

Bertrand Russell argumenta que o lazer, algo antes conhecido apenas por pouquíssimos privilegiados, é crucialmente necessário para uma vida rica, saudável, próspera, significativa e feliz.

O autor sugeriu uma jornada de trabalho de quatro horas diárias. Sim, é realmente muito pouco para sustentar as demandas da grande maioria dos serviços prestados, mas o britânico respondia que a nossa capacidade para recreação e despreocupação foi eclipsada pelo culto da eficiência. Essa realidade é antiga, persiste e persistirá. Uma sociedade que leva educação e felicidade a sério leva o lazer a sério. Diversão sacia necessidades de aprendizado e deleitamento, sem os quais o trabalho – especialmente o de caráter intelectual – é sempre deformado.

Em A Conquista da Felicidade, Russell faz uma alusão relacionada à inveja. O invejoso, ao invejar, está cego, não enxerga a própria felicidade, tornando-se carente dela. É um problema de perspectiva. O filósofo britânico diz:

“De todas as características que são vulgares na natureza humana, inveja é a mais desgraçada; o invejoso não só deseja provocar o infortúnio e o provoca sempre que o pode fazer impunemente, como também se torna infeliz por causa da sua inveja. Em vez de sentir prazer com o que possui, sofre com o que os outros têm. Se puder, priva os outros das suas vantagens, o que para ele é tão desejável como assegurar as mesmas vantagens para si próprio. Se uma tal paixão toma proporções desmedidas, torna-se fatal a todo o mérito e mesmo ao exercício do talento mais excepcional […] Afortunadamente, porém, há na natureza humana um sentimento compensador, chamado admiração. Todos os que desejam aumentar a felicidade humana devem procurar aumentar a admiração e diminuir a inveja.”

Adiante no livro, temos ainda mais contato com a ideia sobre a importância da privação para a conquista da felicidade. O homem que adquire facilmente as coisas está fadado à insatisfação crônica. Aquele que tem tudo o que precisa não é necessariamente mais feliz do que aquele que não tem o suficiente; na verdade, um quer ter o que o outro tem, mas não ponderam o que desejam, e então se esquecem do que têm. A vontade de ambição gera oportunidades de ser feliz, mas também serve como armadilha da infelicidade.

O autor traz à tona correlações curiosas, no espectro humano, entre razão e emoção. Muita gente acredita que são coisas incompatíveis, e que uma obscurece a outra. Outras pessoas acham que uma vida de razão preponderante prejudica a sensibilidade emocional, e que tal razão nubla a capacidade de se entregar à emocionalidade de forma genuína.

A racionalidade completa e a emocionalidade completa são inatingíveis, só que, enquanto considerarmos determinadas pessoas como loucas, sempre acharemos umas mais racionais do que outras. Tais julgamentos de sanidade nunca são confiáveis, pois somos todos loucos em alguma medida: o louco que julga outro louco não deixa de ser louco.

A felicidade depende de um mínimo grau de loucura. Muitos instantes da vida seriam insuportáveis se não fossem apimentados pela loucura, como defendeu o filósofo holandês Erasmo de Roterdã em seu livro Elogio da Loucura. Gente sã demais não é gente normal, como se diz por aí.

Costuma-se pensar que razão e emoção são antagônicas. Hipoteticamente, um indivíduo dotado somente de emoção arruinar-se-ia na irracionalidade, ao passo que um dotado somente de razão nem humano seria considerado. A falta de razão pressupõe certo descontrole emocional; razão demais aniquila paixões e faz um alguém robótico. Russell aponta:

“Há a ideia de que quando se concede à razão inteira liberdade, ela destrói todas as emoções profundas. Esta opinião parece-me devida a uma concepção inteiramente errada da função da razão na vida humana. Não é objetivo da razão gerar emoções, embora possa ser parte da sua função descobrir os meios de impedir que tais emoções sejam um obstáculo ao bem-estar. Mas é um erro supor que, diminuindo essas paixões, diminuiremos ao mesmo tempo a intensidade das paixões que a razão não condena.”

Ele supõe que a razão praticada serve de pressuposto para busca de harmonia interior. A emoção, nesse caso, também pode ser aproveitada, porque a razão faz com que os excessos sensacionais sejam pacificados. O homem que faz da razão seu escudo sente-se mais livre na contemplação do mundo e no emprego de sua energia para conseguir propósitos exteriores, do que o homem que continuamente é embaraçado por conflitos emocionais interiores.

Concentrar-se intermitentemente na interioridade para elevar a energização exige mais do que a mente é capaz de aguentar. Essa limitação obriga o uso da razão a mais passional das pessoas. Obriga também a buscar refúgio no exterior. Quem se fecha em si por muito tempo acaba explodindo. Uma pessoa é mais propensa à felicidade se não deixa a razão superar todos os seus impulsos, mas também e principalmente se for capaz, por prudência e discernimento, de saber quando e por que refreá-los.

“Pregar racionalidade é um tanto diferente, porque ela nos ajuda, de modo geral, a satisfazer os nossos próprios desejos, quaisquer que sejam. O homem é racional na proporção em que a sua inteligência orienta e controla seus impulsos. Acredito que o controle dos nossos atos pela inteligência é, afinal, o que mais importa e a única coisa capaz de preservar a possibilidade de vida social.”

Em média, as pessoas que sentem uma necessidade obsessiva de controle são as mais descontroladas. Têm dificuldade de reconhecer suas emoções em um contexto que as justifique; elas cedem às paixões todas que porventura apareçam, e depois não entendem as razões dos seus desequilíbrios.

O desejo é, por rotina, alimento para a fome de felicidade. Quando o desejo é consumado, o vazio surge perversamente, como se a fome ainda se mantivesse. No final, todos buscam motivos – fundados ou não – para convencer a si ou aos outros de que a satisfação do prazer é um dever de felicidade, enquanto não passa de um direito que alguns podem gozar e outros não conseguem aproveitar.

Acerca dessa perseguição da felicidade a partir do combustível do prazer, Russell oferece um panorama interessante, acertando que a vontade de ser feliz varia de pessoa para pessoa, dependendo de como sua razão é afetada pelo desejo. O que acontece, por exemplo, quando um homem busca conquistar a felicidade apenas pela conveniência do prazer? Para Russell:

“O homem que deseja agir de certa forma se persuadirá que, assim procedendo, alcançará algum propósito que considera bom, mesmo que não vise motivo algum para pensar dessa forma, se não tivesse tal desejo. E julgará os fatos e probabilidades de maneira muito diferente daquela adotada por um homem com desejos opostos. Como todos sabem, os jogadores estão cheios de crenças irracionais relativas a sistemas que devem, no fim, fazê-los ganhar. Os que se interessam pela política persuadem-se de que os líderes do seu partido jamais praticariam as patifarias cometidas pelos adversários. Os homens que gostam de administrar acham que é bom para o povo ser tratado como um rebanho de ovelhas, os que gostam do fumo dizem que acalma os nervos, e os que apreciam o álcool afirmam que aguça o tino. A parcialidade assim criada falsifica o julgamento dos homens em relação aos fatos, de modo muito difícil de evitar.”

A única forma de evitar isso seria esquecer a felicidade, o que é, de certa forma, algo impensável, até para as pessoas com as personalidades mais mórbidas e melancólicas.

Algumas pessoas, em maneira de ser, depreciam a felicidade, não para menosprezar sua importância, mas de modo que possam se tornar menos dependentes dela e, por intenção, menos frustradas. Por mais que resistam à tentação do desejo – considerando-a como fundamental para a felicidade –, não o fazem por muito tempo, sabendo que a paixão é passível de desaparecer sem aviso prévio.

Russell apregoa o que conduz o comportamento humano em vias da felicidade, dizendo que toda a atividade humana é induzida pelo desejo. Alguns moralistas adiantam que é possível resistir ao desejo no interesse aos princípios morais. Essa alegação, para Russell, é falaciosa, porque o dever não tem nenhuma aplicação a menos que se deseje ser obediente. Se quisermos saber o que os homens provavelmente irão fazer, devemos não só compreender suas circunstâncias físicas e materiais, mas todo o sistema de seus desejos com suas forças relativas.

“O homem difere de outros animais em um aspecto muito importante, e é que ele tem alguns desejos que são, por assim dizer, infinitos, que nunca podem ser totalmente gratificados, e que o manteriam inquieto mesmo no Paraíso. Uma jiboia-constritora, quando já teve uma refeição adequada, vai dormir, e não acorda até que precise de outra refeição. Os seres humanos, em sua maior parte, não são assim.”

O autor indica quatro desses desejos infinitos, que são: aquisição, rivalidade, vaidade e amor ao poder. Quando um desses desejos não é perpetuado, ser feliz passa a ser uma questão de resiliência.

O que importa é ter uma vida boa, e esta não é medida pela resposta à ser feliz ou não, e sim à pergunta de estar feliz ou não. Segundo Russell:

“Uma vida boa é inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento. Nem amor sem conhecimento nem conhecimento sem amor podem produzir uma vida boa.”

O filósofo não quis incluir a palavra “felicidade” em sua definição de vida boa. Talvez porque a fórmula da felicidade seja desconhecida. O britânico diz que, embora amor e conhecimento sejam obviamente necessários, o amor é, em certo sentido, mais fundamental, pois leva as pessoas inteligentes a buscar o conhecimento a fim de descobrir como beneficiar aqueles a quem elas amam. Não obstante, se as pessoas não são inteligentes, elas se contentarão em acreditar em tudo que lhes for dito, sendo passíveis de praticar o mal, apesar da sua mais genuína benevolência.

Bertrand Russell ajudou com suas contribuições sem igual ao pensamento que tange à busca humana por felicidade. Mas ele nunca se preocupou com a verdade sobre o que escrevia. Dizia sempre:

“Jamais morreria pelas minhas crenças, porque elas podem estar erradas.”

Para ele, a experiência nunca permite atingir certezas absolutas, muito menos verdades absolutas. Portanto, não devemos procurar obter mais do que probabilidades.

“Muitos homens cometem o equívoco de substituir o conhecimento pela afirmação de que é verdade aquilo que eles desejam […] É importante aprender a não se aborrecer com opiniões diferentes das suas, mas dispor-se a trabalhar para entender como elas surgiram. Se depois de entendê-las ainda lhe parecerem falsas, então poderá combatê-las com mais eficiência do que se você tivesse se mantido simplesmente chocado.”

Perto do fim de sua vida, Russell foi entrevistado pela BBC. Na ocasião, ele disse:

“Eu acredito que quando morrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobreviverá. Mas me recuso a tremer de terror diante da minha aniquilação. A felicidade não é menos felicidade porque deve chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque não são eternos.”

Pelo jeito, Russell alegava não temer a morte e, por isso, deve ter morrido feliz, o que não diz nada de tão real sobre essa falta de temor.

Pensar na própria mortalidade com coragem não protege contra a morte, mas tranquiliza a consciência de seus efeitos acuadores. Uma frase famosa e irônica de Russell diz respeito ao destino humano final:

“A maior parte das pessoas prefere morrer a pensar; na verdade, é isso que fazem.”

Defenda o professor na frente de seu filho e não precisará defender seu filho na frente do delegado

Defenda o professor na frente de seu filho e não precisará defender seu filho na frente do delegado

Não obstante um sem-número de publicações que se prestem a orientar pais e educadores, no sentido de basicamente lhes permitir uma imposição de limites eficientes aos filhos/educandos, a realidade parece ainda tomar o sentido oposto. Tendo como base o tipo de relação comumente estabelecido hoje entre os pais e as escolas, seja na rede pública ou particular, evidenciam-se, na maior parte das vezes, dissonâncias entre família e instituição, extremamente lesivas à formação do aluno.

Exceções à parte, a maioria dos pais comporta-se de maneira defensiva ao tratar de assuntos relacionados ao comportamento dos filhos, como se estivesse de antemão sendo acusada de negligência, ausência ou mesmo impotência nos cuidados com a educação filial. Esse protecionismo inclusive se manifesta na presença dos filhos, o que de imediato já desautoriza a figura docente ao estudante, minando possibilidades de se construir um relacionamento de confiança e respeito entre professor e aluno, bem como entre pais e escola. Nesses momentos, muitos desses pais desfiam um corolário de clichês desprovidos de fundamentos coerentes, tais como: “Em casa, ele não é assim”; “Ele diz que fulano o atrapalha; muda meu filho de lugar.”; “Ele reclama que tal professor implica com ele.” etc. Nem ao menos percebem o simples fato de que o professor é responsável pelos seus filhos por algumas horas semanais.

Verdade seja dita: a grande maioria dos professores seria incapaz de perseguir seus alunos; muito pelo contrário, hoje os docentes são menos perseguidores do que perseguidos – fato que as notícias que abundam na imprensa o comprovam. Há muito vem se instalando, nas instituições escolares, gerações de educadores formados a partir de concepções pedagógicas renovadas e dissonantes, em sua totalidade, com práticas lesivas e/ou baseadas em meros juízos de valor. Além do mais, normas, dispositivos e regulamentações legais – educacionais ou não – seguramente respaldam a manutenção da integridade física e moral dos menores em nossa sociedade.

Nesse sentido, vale uma referência ao desenho “Procurando Nemo”, da Disney, principalmente em razão das ações do pai do peixinho que dá nome à animação. Emblemático desse comportamento é o momento em que, estando no interior de uma baleia com uma companheira, esse pai dirige-se à colega, trocando-lhe o nome com o do filho: “Você não vai conseguir, Nemo!”. Esse ato falho acaba por revelar o aspecto mais lesivo desse tipo de atitude no contexto educacional familiar e que consiste em seu caráter superprotetor. Ao tentar poupar os filhos do confronto direto com os atos praticados e suas conseqüências, os pais impedem-lhes a construção de uma identidade autônoma que deveria norteá-los seguramente frente às complicações inerentes ao seu processo de amadurecimento.

O mundo nos impõe sucessivas situações-problemas, cujas resoluções dependem de nosso equilíbrio na busca por soluções adequadas. Ora, se nos foi negado, desde sempre, o exercício de optar entre uma ou outra saída, por nossa própria conta e risco, como poderemos ultrapassar barreiras que se acumularão ao longo de nossas vidas? É com o se pedíssemos a um aluno acostumado a sempre “colar” que resolvesse uma prova sem o gabarito. Nunca tendo errado e, portanto, refletido e reconstruído ideias próprias, evidentemente não teria repertório nem experiências constitutivas de mínima estrutura para enfrentar o novo – como o que vem ocorrendo entre as novas gerações.

Da mesma forma, ressalta-se que essa superproteção fatalmente se desdobra na tendência a anular-se a identidade dos filhos – aspecto contundente no enredo de “Procurando Nemo”. Em decorrência desse policiamento ostensivo sobre a vida dos filhos, pais e mães impõem seus pontos de vista através de afirmações de caráter perene e indelével: “Você é vagabundo.”; “Você nunca vai gostar de estudar.”; “Você é teimoso.” etc. Sendo assim, os filhos acabam crendo que são assim mesmo e para sempre o serão; ou seja, acomodam-se às imagens que os pais compulsoriamente lhes determinam, isentando-se de perspectivas de mudanças positivas em suas vidas, consequentemente se tornando passivos diante do mundo circundante. Relevante e imprescindível, visando-se à neutralização dessa sistemática nociva, torna-se a cumplicidade dos pais ao impor limites, o que implica, sobretudo, unidade no discurso de ambos. Aos filhos devem ser claras as regras de convivência, sustentadas pelas posturas uníssonas de seus pais – mesmo que não estes morem mais juntos. Isso contribui inegavelmente à formação, nos jovens, de uma personalidade firmada sobre sólidos princípios, que os tornarão menos suscetíveis a seguirem rumos indesejáveis em suas tomadas de decisão vida afora.

Como se vê, educar, além de trabalhoso, requer dedicação extrema e treino constante. Pais devem, portanto, exercitar continuamente sua tarefa educativa, dispondo-se a diárias e contínuas reflexões e autoavaliações, em diálogo constante com o cônjuge e com os filhos, até que se incorporem definitivamente regras básicas do processo educativo, as quais, no caso, consistem na coerência entre o que se diz e o que se pratica; na corresponsabilidade entre pai e mãe e demais educadores; na clara delimitação de regras e limites e no respeito compartilhado diariamente pelos familiares entre si e entre cada um deles e seus semelhantes. Tendo em vista o dia-a-dia caótico de hoje, urge a necessidade de se formarem cidadãos conscientemente autônomos, embora interdependentes, capazes de contribuir à reconstrução e à transformação do mundo, num saudável movimento de constante evolução.

Talvez a felicidade dependa de como você olha a vida

Talvez a felicidade dependa de como você olha a vida

Existe um segredo na vida das pessoas felizes. E eu hoje cedo fiquei pensando nesse segredo.

Talvez o segredo para a felicidade esteja em dançar mesmo quando as pernas doem. Talvez o segredo para uma boa vida esteja em amar sem medida, mesmo com o coração remendado.

Talvez o segredo para as boas coisas esteja em receber de braços abertos o filho que um dia alçou voo, expressando com amor que seu retorno é bem-vindo.

Talvez o segredo para a felicidade esteja no improviso. Na inspiração espontânea, nos planos que se desfazem para anunciarem melhores.

Talvez o segredo para transbordar sorrisos esteja em se permitir de um jeito diferente. Olhando os caminhos da vida com outros olhos.

O segredo para a felicidade pode estar escondido nas pessoas ou nos nossos próprios caminhos, pelos quais passamos, muitas vezes, de olhos fechados.

A felicidade pode estar no olhar do velho amor. Pode estar na voz do amigo que nos conta uma história corriqueira.

A felicidade pode estar na praça do fim da rua. Pode estar escrita nas frases pichadas dos muros da comunidade.

A felicidade pode estar ao alcance dos nossos pés nas calçadas do nosso bairro. No bom dia dos vizinhos dos quais muitas vezes não sabemos os nomes.

Acho que a felicidade bate no vidro do nosso carro ou ônibus e oferece um “drops” de anis com um sorriso terno, todos os dias, mas quase sempre estamos pensando no passado ou no futuro e quando o farol abre, a felicidade fica para trás, sem que a gente se dê conta disso.

Talvez o segredo para a felicidade esteja em nossa capacidade de perdoar, de acreditar em nós e nos outros. Em ter fé na humanidade, sabendo que a fé na humanidade também abriga a fé em nós.

A felicidade talvez esteja assim feito dente-de-leão brotando em todos os cantinhos, esperando um momento para ser vista, para ser soprada sobre nossa vida.

Acho que a felicidade está ao nosso alcance, mas cismamos em não ver isso, pois nos ensinaram que felicidade é coisa de fora, distante e rara. Que felicidade é como uma flor de Edelvais perdida em algum lugar dos Alpes Suíços.

E ao falar de felicidade como não lembrar de Norton Juster, um escritor norte-americano, que em seu livro ‘Tudo depende de como você vê as coisas’ falou de um menino aborrecido que um dia recebeu um presente misterioso da vida que o fez olhar tudo com outros olhos.

Nesse livro, esse menino, chamado Milo, chegou a uma cidade na qual algo intrigante acontecia:

E, porque ninguém mais ligava para as coisas à sua volta, tudo foi ficando cada vez mais feio e sujo e, como tudo foi ficando assim, as pessoas passaram a andar mais e mais depressa e então uma coisa muito estranha começou a acontecer. A cidade começou a desaparecer”.

Talvez o segredo para a felicidade esteja, simplesmente, em conseguir enxergá-la. Talvez a felicidade exista por todo lado, dentro e fora de nós, quase invisível, assim como a cidade visitada por Milo, só esperando para se revelar.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

(Des)apontamentos sobre plágios e apropriações…

(Des)apontamentos sobre plágios e apropriações…

Não ponha as minhas palavras na sua boca com o intuito de torná-las suas. Nem tampouco nas pontas dos seus dedos com o objetivo de assinar por elas.

Não disfarce meus relatos com parcas e maquiadas frases entrecortadas. O que veio de mim jamais terá a sua identidade.

Não ouse aprisionar meu estilo dentro do seu formato inexpressivo.

Ainda que não reconheça os justos créditos, você sabe e sempre saberá que as ideias não lhe pertecem, que foram roubadas, camufladas, usurpadas.

Não se intitule criatura criativa. Criação é outro ofício. Copiar não é criar. Sequer é se inspirar.

Não omita meu nome, não cole o seu por cima, não faça o papel de papagaio repetidor, não apele, não pense que a impunidade é duradoura, que os elogios lhe pertencem.

Eu expresso o que vivo, o que quero viver, o que observo, o que sonho. Expresse você também, do seu jeito. Não trapaceie, não roube, não engane os que acreditam em você.

Plágio é um troço invejoso e infantil. É como abrir o armário alheio, roubar o que agrada, deixar a porta aberta e as coisas esparramadas, disfarçar com alguns acessórios e sair desfilando na rua, aguardando suspiros de admiração.

Originalidade não aceita disfarce. Qualquer tentativa denuncia o impostor.

Vivemos uma era de reconhecimento de valores, de busca por igualdade de direitos, justiça social, luta contra desigualdades. E se apropriar do que é alheio, sejam palavras, argumentos, sentimentos ou mesmo desejos, fica ainda mais feio e inaceitável.

Para você, pessoa CTRL C/ CTRL V , eu desejo fortemente que encontre e desenvolva suas próprias habilidades, ou, ao menos, reconheça, admire e aproveite as criações alheias sem tomá-las para si. Dê um CTRL Z nas cópias mal feitas que espalhou por aí e mostre ao que veio, o que tem de original e interessante para compartilhar com o mundo!

Aprenda a não contar muito com os outros

Aprenda a não contar muito com os outros

Uma ou outra hora, acabaremos nos decepcionando com alguém que pensávamos jamais ser capaz de dar o cano, de não cumprir o prometido, de nos deixar esperando. Muitas pessoas são assim mesmo, falam como se a palavra não tivesse valor algum e pouco sustentam o que afirmam com veemência. A elas, o único compromisso que existe é com os próprios interesses.

Quem nunca ficou esperando inutilmente por horas um amigo chegar ao local combinado? Quem nunca ficou aguardando um telefonema de alguém que prometeu ligar? Quem nunca aguardou um retorno que nunca veio, uma mensagem que nunca chegou, uma visita que nunca aconteceu, uma ajuda que nunca apareceu? Infelizmente, o que não se registra em cartório, hoje, parece ter validade nula.

Nesse contexto, as pessoas que honram o que falam, que cumprem o prometido, que fazem de tudo para poder ajudar, acabam cada vez mais se frustradas, pois são obrigadas a encarar aquilo que jamais teriam coragem de fazer. É difícil a uma pessoa cuja palavra vale muito ter de conviver com quem não honra quase nada do que diz, com quem não cumpre nada daquilo que fica prometendo por aí.

É preciso aprender a contar menos com os outros, a não acreditar em tudo o que dizem, a não depositar muitas esperanças nas promessas alheias, o tempo todo, porque muito do que tomamos como verdade foi dito da boca para fora tão somente. Não se trata de nos tornarmos descrentes com todos, ou de sermos egoístas, mas de uma técnica básica de sobrevivência em um mundo cada vez menos comprometido com honrar o que se diz ou se promete.

Sim, sempre poderemos contar com alguém, sempre haverá pessoas cujos atos sejam afins com seus discursos, mas serão poucos aqueles que estarão dispostos a cumprir com seu papel de amigo, de parceiro, de ser humano, enfim. Infelizmente, a grande maioria dos indivíduos estará ocupada demais pensando em si mesma, vivendo o seu mundinho particular, correndo em volta do próprio egoísmo, dizendo o que queremos ouvir, porém, comportando-se como se ninguém além de si mesmo merecesse atenção.

Só é Feliz quem para de tentar agradar a Plateia

Só é Feliz quem para de tentar agradar a Plateia

Segundo a OMS, até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. Em larga medida isso decorre do modo totalmente degradante e padronizado que temos levado as nossas vidas. Desde pequenos somos condicionados a viver de acordo com as normas impostas pela sociedade. Normas impostas por um grupo seleto de pessoas, que não está nem um pingo preocupado com o adoecimento da alma que se observa nesta quadra da história.

Na busca desse ideal de felicidade e sucesso, a maior parte de nós acaba tendo os seus sonhos destruídos, totalmente ou parcialmente, ou deixando-os congelados, a fim de que possam ser “requentados” quando a situação for mais “favorável”. Mas quem controla o tempo? Quem sabe o que nos acontecera? A nossa existência é frágil ou para lembrar o velho safado – “Somos finos como papel” – de maneira que não há sentido algum em deixarmos para depois o que arde mais forte em nosso coração e que de fato nos faz sentir vivos.

Entretanto, nada disso adianta, porque temos que correr, temos que produzir, temos que ter, temos que ter mais e, assim, nos tornamos especialistas em acumular coisas, um monte de tralhas que não serve para nada, apenas para deixar a nossa existência mais pesada. Ao mesmo tempo em que nos tornamos experts em acumular coisas, tornamo-nos subnutridos de amor. Indivíduos carentes de atenção, de ouvidos dispostos a escutar verdadeiramente as nossas angústias, de olhares sinceros que enxergam a nossa alma, de afeto… Carentes de gente.

Sendo assim, de que adianta ter uma vida de sucesso perante os olhos da sociedade e da porta para dentro está destroçado, sufocado com lágrimas silenciosas vindas de olhos mudos? De que adianta viver preocupado em como trocar de carro, em como pagar o VISA ou enfrentar a crise econômica, se o grande monstro que existe é a depressão em que nossas vidas se encontram?

Saramago falava que a vida é assim: uma hora se está, outra hora não se está. E é nesse intervalo de tempo que a vida se processa, e para que ela seja bela é preciso que as histórias sejam contadas ao seu modo, respeitando as suas pontuações, os seus personagens e a sua estrutura narrativa, porque cada ser humano é um universo rico de histórias, algumas se dão em poesia, outras se dão em prosa, mas cada história é universalmente única.

Dessa forma, mais do que qualquer outra pessoa, devemos respeitar a nossa história, o que nos forma e os nossos sonhos, já que nem sempre há tempo hábil para que eles sejam requentados. Muitas vezes sequer há fogo, porque de tanto esperar, fomos congelados. E, então, percebemos que corremos em direção ao nada, não do lado de fora, mas do lado de dentro, apenas por medo de ser fogo no meio do gelo. Apenas por medo de não agradar a sociedade. Tolice de quem não sabe que só é feliz quem para de tentar agradar a plateia, pois, lembrando outra vez o velho Bukowski:

“É quando você esconde as coisas que acaba sendo sufocado por elas”.

A dificuldade de ser um romântico inveterado

A dificuldade de ser um romântico inveterado

Um jeito de ser peculiar, ao mesmo tempo delicioso e sofrível. Atraente, hipnotizante, intenso e incorrigível: eis o romantismo.

Ser um romântico inveterado, nesses “tempos modernos”, é complexo e angustiante. Ter uma visão mais colorida da vida, das pessoas, do mundo e do amor (ao menos do que deveriam ser), pode render um tanto de frustração, de tristezas e de remendos.

Nostalgia. Reafirmações. Surpreendimento. Reinvenção. Carinho. Constância. Divagação. Sentimento. Expressão. Atenção a detalhes, datas, olhares e suspiros. É mais ou menos isso, apenas, o que aspiramos.

Quando somos adolescentes, é até legal. Ao ser romântico, você se sente diferente, sonhador, encantado. Isso dá um frio na barriga interessante, uma cabeça quase sempre nas nuvens, uma sensação gostosa de que, hora ou outra, a nossa ideia de “viver ideal” se materializará. E ainda acontece eventualmente um ou outro fato a indicar que “estamos no caminho certo”, que “é possível”. Ledo engano…

Daí, nos tornamos “gente grande” e a coisa começa a complicar. Percebemos que somos, tipo, beeem a exceção. Que as demais pessoas não tem essa doce imagem da vida, e nem quer ter. Que a perspectiva da maioria é outra, que as suas necessidades são bem diferentes das nossas. Chegamos até a constatar que há coisas mais práticas que possuem um peso relativamente relevante nos relacionamentos: companheirismo, lealdade, bom humor, cumplicidade. Então, vamos vendo que, talvez, era mesmo uma ilusão… Mas, e daí?!

Tentamos “cair na real”. Nos esforçamos para descolorir nossas aspirações. Nos dedicamos a criar, em nosso íntimo, um novo “modo de vida ideal” , a racionalizar, a tentar pensar como a maioria, a “ser devidamente adulto”. Lá pelas tantas, acreditamos até que deu certo. Estamos indo muito bem na nossa empreitada: sérios, práticos, objetivos, pragmáticos. Pensamos: agora, enfim, viveremos melhor, mais “em paz”.

Mas tudo logo vem abaixo. Acontece um fato qualquer e o nosso coração desmancha. Sofremos. Percebemos que continuamos os mesmos, que é uma doença sem cura. Que desejamos muito mais do que o mundo (e as pessoas) podem nos oferecer. Então o coração aperta, tadinho. Angustiado, frustrado, culpado por ansiar por algo que vê ser impossível.

Então, passado o período mais crítico, aos poucos vamos voltando ao nosso modo “meio adaptado” de viver. Um meio termo entre o que gostaríamos e o que se apresenta, de fato. Claro que continuamos sofrendo, ora mais, ora menos. Claro que continuamos tentando mudar algumas coisas (melhorar, na nossa concepção). Mas é claro, também, que ninguém muda se não quiser.

E um não-romântico-inveterado não vê fundamento nas nossas ideias, por não sentir o que sentimos, e por isso não se motiva a mudar. Mas, definitivamente, não entendemos como eles conseguem viver assim…

E entre cedências vamos sobrevivendo. Administrando nossa loucura apaixonante e sonhadora. Reprimindo-a até que extravase. E, quando extravasa, tentando consertar o estrago para que o resultado não seja ainda pior que a nossa complexa e, muitas vezes, angustiante forma de viver.

Por que ainda queremos nos casar?

Por que ainda queremos nos casar?

A série Divorce, que acaba de estrear na HBO, marca o retorno da parceria entre a atriz Sarah Jéssica Parker (protagonista de Sex and the City) e o canal.

Em Divorce a atriz aparece como uma cinquentinha contemporânea: mãe de família, cansada do casamento, desiludida com o amante, rejeitada pelos filhos adolescentes, desejosa de realizar um antigo sonho (abrir uma galeria de arte).

A nova série da HBO contará com 10 capítulos de 30 minutos cada. Com humor irônico e generosas pitadas de drama, Divorce apresenta os desafios do casamento nos dias de hoje: rotina, sexo arrefecido, traição e o desgaste emocional que uma separação provoca.

Sobre o tabu da monogamia, falei aqui. Por esse motivo, escolho uma questão sobre a qual a série lança luz:

Por que ainda queremos nos casar? Por que insistimos em juntar as escovas de dente e depois reclamamos da rotina e do desgaste que é dividir o mesmo teto com alguém que possui hábitos tão diferentes dos nossos?

Será, mesmo, que queremos nos casar por amor? O que o amor tem a ver com isso?

O casamento foi inventado muito antes de o amor ser um bem imprescindível, muito antes de Tristão e Isolda – primeiro grande clássico da literatura mundial a narrar aventuras e desventuras do amor romântico.

A contração do matrimônio, nos primórdios, se dava por questões políticas (e financeiras).

Será que não optamos por dividir o mesmo teto, ainda hoje, por necessidade de segurança, sentimento de posse, convenção social e/ou necessidade de ter um filho (é preciso se casar para ter um filho no século XXI?)? Será que algumas mocinhas não desejam apenas vestir um vestido de princesa e ser a rainha da noite?

O problema é que depois da festa, além da conta, vem a realidade: dividir o mesmo espaço.

Será que estamos preparados?

O amor precisa de cama, não de teto compartilhado para se consumar. E cama pode ser chão, grama, sofá, chuveiro, abraço, sorriso, colo, conchinha, cafuné.

Mais que teto! O amor precisa da partilha de lealdade, respeito, admiração, alegria, tesão, entusiasmo e escolha.

São tantos os casais que dividem a mesma casa, mas não são leais, nem respeitosos; que vivem reclamando dos hábitos do parceiro para terceiros.

Vivemos tempos devassados, onde é cada vez mais raro ter privacidade e tempo para nós mesmos. Nossa casa, em princípio, seria o único espaço onde podemos nos despir inclusive de nós mesmos.

São tempos em que o individualismo é cultuado. Se o metrô está vazio, por exemplo, e alguém senta ao nosso lado, mudamos de lugar. Se o restaurante está vazio e alguém senta próximo a nossa mesa, ficamos incomodados.

Acaso questionem nossos gostos e vontades; acaso especulem aonde fomos, o que fizemos, o que deixamos de fazer – nos sentimos invadidos e irritadiços.

Detestamos dividir o controle remoto e a pia do banheiro. Detestamos chegar em casa e perceber que a última fatia de bolo que estava na geladeira foi comida.

Por mais que tenhamos afinidades com a nossa cara metade, por mais que amemos a nossa metade da laranja, dificilmente a divisão de teto será tranquila, simplesmente porque – salvo raras exceções! –  não fomos educados para a partilha, mas para a competitividade e o individualismo.

Não se trata de uma apologia à não contração do matrimônio. Cada um sabe o que é melhor para si e existem, sim, casais leais, apaixonados e companheiros que dividem o mesmo teto com alegria e prazer. Assim como existem casais leais, apaixonados e companheiros que optaram por morar em casas separadas.

Trata-se de refletir, ser honesto consigo mesmo e se perguntar: será que tenho habilidade para dividir o mesmo teto? Qual o meu grau de competitividade e individualismo? Qual a minha necessidade real de privacidade? Eu gosto de ter razão ou de ser feliz?

Caso contrário, corremos o risco de viver – tão logo nos casemos – as mesmas agruras que os personagens da nova série da HBO.

INDICADOS