Vasilisa, A Bela – Uma iniciação feminina nos vales profundos do inconsciente

Vasilisa, A Bela – Uma iniciação feminina nos vales profundos do inconsciente

Vasilisa, A Bela é um conto russo de Alexander Afanasyev, que conta a história de uma menina – Vasilisa – que perdeu sua mãe e dela ganhou uma boneca que a auxiliou a lidar com sua madrasta e irmãs postiças e também com a bruxa Baba Yaga.

Vasilisa ou Vassilissa, a Bela ou a Sábia, juntamente com a bruxa Baba Yaga, são duas das figuras mais famosas do folclore russo, utilizadas em vários contos de fadas. O início do conto se assemelha bastante a outro conto famoso: Cinderela.

A menina fica órfã de mãe e passa a viver com uma madrasta e suas três filhas, que passam a persegui-la e a infringir todo tipo de tortura emocional e escravidão.

A morte da mãe e a substituição por uma madrasta é um tema recorrente em contos de fadas. Vemos isso em Cinderela, Branca de Neve e em Rapunzel, onde a mãe verdadeira some da história e uma bruxa assume seu lugar.

O diferencial é que nesse conto temos a boneca. Ao morrer sua mãe lhe dá uma boneca que a auxilia em sua jornada. Essa boneca pode ser uma herança psíquica, uma intuição e conhecimento interior, passados de mãe para filha. Algo sobrenatural que sobrevive a morte da mãe boa simbólica.

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Esses contos onde a mãe morre, mostram que deve morrer a identificação da mulher com sua mãe, para que possa desenvolver sua personalidade. É a saída do paraíso materno da infância. Essa benção materna junto com a boneca formam um par de opostos à bruxa e à madrasta. Esse duplo aspecto feminino é que inicia a menina.
A mãe boa se transforma em símbolo, em benção, que passa a auxiliar a estruturação da personalidade da menina, que está se tornando mulher.

Ai entra em cena a madrasta ou a bruxa, que simboliza a mãe terrível, ou seja, a realidade cruel da vida, o ciclo vida e morte, as doenças do corpo, a crueldade da natureza e o quanto somos meros mortais frágeis.

Mas a mãe terrível é extremamente importante para o nosso desenvolvimento psíquico; sem ela não assumimos a responsabilidade de ir para o mundo, de estar só. Assim aprendemos a deixar morrer o que precisa morrer.

A iniciação de Vasilisa, com a morte da mãe boa, ensina a mulher a ficar só para que descubra sua forma de cuidar de si mesma, e assim posteriormente se tornar ela própria mãe.

O nome Vasilisa é de origem grega e significa “Rainha”. A Rainha é uma mulher madura, que já não é menina e está pronta para assumir seu reino, ou seja, sua vida, seu trabalho, seus amores e sua riqueza de alma. É segura de si e de sua feminilidade. É mãe, mulher, senhora e soberana dentro do seu reino, da sua casa.

A iniciação feminina, diferentemente da masculina, acontece, como nesse conto, no aprendizado do ciclo da vida e da morte, pois a mulher contem em si os atributos da Grande Mãe naturalmente em seu corpo e psique.

O protótipo da iniciação feminina seria o parto, quer a mulher dê a luz ou não literalmente, pois a mulher sente a natureza em seu corpo como um todo, diferentemente do homem.

A bondade extrema de menina, é um aspecto do arquétipo feminino visto em vários mitos e contos de fadas. A bondade e a generosidade extremas, precisam ser combatidas por meio do confronto com nosso lado sombrio, que vemos no egoísmo da madrasta e das irmãs. Ser boazinha demais não é positivo para o desenvolvimento da mulher.

Esse egoísmo reprimido – simbolizado pela madrasta e irmãs –pode ser muito positivo para a mulher. Sem isso a mulher passa a atender os desejos de qualquer pessoa e esquece de si mesma entrando em uma alienação profunda.

Um aprendizado que temos também com essas princesas que realizam os serviços domésticos sem se queixar, é o de que precisamos algumas vezes aceitar a situação como ela é, limpa-la, organizá-la e colocá-la na rotina. Limpar e organizar nossa casa psíquica, nossas emoções.

Outro fator de muita relevância para compreendermos também é o significado da boneca. Para a menina, a boneca é considerada um suporte para a projeção dos fantasmas da maternidade e da relação com a mãe, pois se observarmos bem, elas imitam em suas brincadeiras a relação mãe e filha.

contioutra.com - Vasilisa, A Bela – Uma iniciação feminina nos vales profundos do inconscienteNa verdade, a relação da criança com qualquer objeto, como boneca, ursinho, paninho, ou qualquer outro objeto, é a primeira projeção onde a criança deposita uma força mágica e transcendente.

A madrasta e as irmãs são também um poder persecutório que começa a combater a realização interior desde seu aparecimento. Muitas vezes quando estamos nos desenvolvendo, o exterior começa a se levantar em críticas e gerar dúvidas em nós, isso porque em nosso interior há dúvidas também, medos e insegurança.

O conto mostra como sermos heroínas e enfrentarmos nossos medos e dúvidas. Vasilisa é então, enviada a floresta para se encontrar com esse um aspecto sombrio feminino, a Baba Yaga.

A Baba Yaga apresenta características da Grande Mãe antiga. Ela é boa e má ao mesmo tempo, tudo depende da atitude do herói ou heroína frente a ela.

A atitude de bondade excessiva, cultivada principalmente em sociedades patriarcais que primam por um feminino subserviente, precisa se encontrar com esse lado Megera da Grande Mãe, que vemos principalmente na natureza.

Ao ir para a floresta entra em contato com seus instintos e aprende a confiar neles. Ela alimenta a boneca, ou seja, ela alimenta esse instinto de preservação herdado da mãe e segue em rumo a individuação.

Ao chegar à casa da bruxa ela encontra um cavaleiro branco, um vermelho e um negro, remetendo as fases alquímicas albedo, rubedo e nigredo. Vasalisa vai sofrer uma transformação profunda, ela vai passar da inocência (albedo) à noite escura da alma (nigredo).

A casa de Baba Yaga pousa sobre pernas de galinha, que gira quando bem entende. Nos sonhos, o símbolo da casa reflete a organização do espaço psíquico habitado por uma pessoa, tanto no consciente quanto no inconsciente. Essa casa é um ser vivo, transbordante de entusiasmo, de alegria e vivacidade. Próxima ao nível animal, a casa é a estrutura do inconsciente que despertará em Vasilisa a chama do insight.

A Baba Yaga então surge em um pilão voador, que representa um útero simbólico. Algo feminino onde se mói os grãos, simbolizando o ato de nos sentirmos triturados, moídos por algo e reduzidos a pó.
Quando iniciamos nosso desenvolvimento nos confrontamos com nossas sombras, nossos “pecados”, nosso lado obscuro, e isso causa culpa e contrição.

O ego é reduzido a pó para então renascer de forma mais madura. O ato de o ego ser moído e reduzido a pó é necessário para que amadureçamos. É isso o que o arquétipo da mãe terrível faz, ela nos amassa e nos mói para que nos desidentifiquemos da nossa persona iluminada e infantil. Quem não está a altura desse desafio é engolido por ela.

Vasalisa então é deixada a noite para separar os grãos. O tema da separação dos grãos vemos também no conto Cinderela e Amor e Psique.

Esse ato é muito importante na vida da mulher. É um trabalho de discriminação, estabelecer ordem e leis internas. Saber aquilo que é seu e o que é do outro, o que é de si própria e o que ela herdou da família, o que ela gosta, o que ela busca e não o que lhe impuseram como verdade.

Isso representa então, esclarecer uma situação, separar as coisas. Isso evita que as situações fiquem confusas, mas se elas ficarem a mulher deve se perguntar por que a situação chegou a ficar daquele jeito.

Os grãos estão ligados a terra e a Grande Mãe. Sendo símbolo dos mortos e da ancestralidade. Grãos de papoula se associam ao mundo dos mortos e dos espíritos.

A mulher então aprende sobre o ciclo morte e vida, pois ela tem o poder da vida e da morte sobre os seres que a cercam, tanto psíquica como física também. É então importante tomar consciência de que ela tem poder sobre o clima ao seu redor. Em toda mulher a parte escura do Self tem o poder de desejar a vida e a morte.

O par de mãos que aparecem no conto, indica que se trata da crueldade da Baba Yaga e seu espírito sanguinário, que também se refere a natureza e seus aspectos cruéis. É a sombra abissal da natureza por trás da Baba Yaga, que só podemos olhar com terror. A natureza mata cruelmente e dá a luz a belas coisas.

Vasalisa também faz algumas perguntas à velha bruxa, e Baba Yaga que “saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo”.
A curiosidade feminina nos contos de fadas costuma ser punida, diferentemente da masculina. A heroína quase sempre paga com a vida.

Isso significa que há uma quantidade determinada de coisas que todos deveríamos saber em cada idade e cada estágio das nossas vidas. E isso é um grande aprendizado para o feminino.

A menina pergunta sobre os cavaleiros e não sobre as mãos; nesse momento ela refreia sua curiosidade graças à boneca. Existem mistérios sobre a natureza feminina que devem permanecer um mistério. Ai é que reside o encanto feminino.

O feminino deve aprender a guardar seus segredos, principalmente em relação aos seus mistérios de vida e morte. No campo dos relacionamentos a curiosidade indiscriminada pode ser fatal.
Baba Yaga então dá a menina uma caveira com o fogo, quando descobre a benção em sua casa – a boneca.

A bruxa não repele a benção em si, mas o lado “mãe boa demais” presente ali. Sua natureza não aceita aquilo. Ela prefere não estar próxima demais da luz, ela é um lado sombrio, mas assim como a mãe de Vasalisa, a bruxa dá à menina uma espécie de benção também, que a auxilia assim como a boneca. Ela recebe uma parte do poder selvagem da Deusa Megera, pois aprendeu com ela.

Ambas – boneca e caveira – formam a completude do materno: o lado luz e sombra, assimilados e integrados pela menina.

Ao retornar à casa da madrasta ela sente medo, o que é bastante natural, mas a caveira a tranquiliza. Isso mostra que ela assimilou e respeitou essa força da natureza.

A caveira é um símbolo da morte e da ancestralidade. A caveira traz a luz para a casa e seus olhos fixam na madrasta e nas filhas até que elas virem cinza. Seu olhar queima, destrói.

Vasalisa desceu até as suas sombras, conheceu sua crueldade. Ela era vítima dos outros por ser ingênua. Na verdade, ela era cruel consigo própria. O elemento sombrio nos faz sermos mais íntegros conosco mesmo. Conhecer nossa sombra nos traz o conhecimento da sombra dos outros.

Vasalisa não age por conta própria em sua vingança, mas quem age é caveira, com seu olhar que queima. Ela dá a corda para as mulheres se enforcarem.

O conto diz que devemos nos abster de nossa ânsia de poder, e que a própria psique se encarrega de trazer a vingança. A pessoa cai em sua própria avidez, o mal acaba sempre se destruindo.

A seguir Vasalisa volta a encontrar a mãe boa que cuida dela na cidade. Ela simboliza uma velha sábia que intermédia entre Vasalisa e o rei, que é o lado masculino positivo da mulher.

O conto então, nos ensina, que precisamos descer até a nossa natureza mais interior, encontramos com a Megera para aprendermos a deixar morrer aquilo que não nos serve mais. Aprendermos os mistérios da vida e da morte e o organizar de nossas emoções e ideias. Algo que somente o feminino consegue fazer com maestria.

Gente desinteressada desinteressa a gente

Gente desinteressada desinteressa a gente

É fato que não poderemos dar ouvidos a tudo o que nos chega, tampouco levar em conta a opinião de qualquer um, porém, mantermos uma atitude totalmente desinteressada e distante de tudo e de todos nos tornará uma pessoa desagradável e chata. Não poderemos deixar de nos importar com algumas pessoas que nos são especiais, ou a solidão será a nossa companhia enquanto vivermos.

O mundo de hoje nos cobra o mergulho no trabalho, o consumismo desenfreado e a harmonia estética. Com isso, muitas vezes nos afundamos em horas estendidas nos escritórios e nas academias, cuidando de nossa aparência, enquanto nos distanciamos mais e mais dos contatos humanos. Preocupados com as economias e com as contas pendentes, esquecemo-nos de olhar o nosso entorno, tornando-nos cegos frente a quem está ali nos amando e precisando de nós.

Da mesma forma, uma vez que esse mundo de aparências é por demais frívolo e superficial, além de competitivo em todos os setores, acabamos nos fechando, deixando-nos de nos abrir, de partilhar, de viver os encontros mágicos que a vida nos oferta, por medo de sermos usados como os objetos que tanto prezamos. Parece estar sendo valorizada, nesse contexto, a ideia de que não podemos nos apegar, de que devemos nos bastar tão somente sozinhos.

Talvez por conta dessa competitividade acirrada no trabalho e na vida, disseminam-se aconselhamentos que nos direcionam ao isolamento, ao “dane-se com tudo”, ao não se importar com o mundo lá fora. Logicamente, existe muita coisa e muita gente que precisaremos ignorar para manter nossa sanidade, no entanto, é preciso dar importância a quem realmente merece nossa consideração, pois existe quem precisa de nós, quem espera algo de nós, quem quer ser parte de nós, com verdade e amor.

Todos necessitamos de alguém com quem contar durante os tombos que levaremos, pois é quase impossível sair sozinho das ciladas que permeiam a nossa jornada de vida. Nosso equilíbrio, portanto, dependerá exatamente da forma como encararemos o que nos acontece, trazendo para junto de nós gente do bem, gente que traz luz, que sorri e faz sorrir, que abraça a nossa alma. Porque pessoas que não se interessam por nada neutralizam o amor em seus corações, tornando a felicidade algo que não se pode alcançar. E felicidade é possível, sim, para quem se importa com o que é de fato importante. Não mais.

Os apaixonados que me desculpem, mas o amor não é uma aposta

Os apaixonados que me desculpem, mas o amor não é uma aposta

Relacionamentos não podem ser um jogo de querer, onde quem demonstra mais, vence. Quando colocamos a vontade de estar junto sob essa perspectiva, perdemos o fio da meada. Abrimos mão de um possível encontro por uma migalha de carinho qualquer, num dia qualquer. Os apaixonados que me desculpem, mas o amor não é uma aposta.

É triste perceber que os amores já não carregam a mesma importância. Se antes, abraços, beijos e outras sinfonias românticas embalavam os apaixonados, hoje o que vemos é um distante desvencilhar entre quatro paredes. Os desencontros estão mais vivos do que nunca. Os dissabores, estes, cada vez mais constantes. Porque ninguém parece ter paciência para ouvir. Porque ninguém parece ter coragem para dizer. E nesse samba descompassado e líquido, o amor anda dando de cara no chão na primeira tentativa de sobressair-se frente a multidão. Nas conversas estabanadas, os apaixonados perdem a linha no quesito sincronia. Empurram-se de um lado para o outro e esperam que a sua companhia esteja ali, na mesma frequência. Mas o amor não é só sintonia. Nunca foi. E tampouco um lançar de dados. Esperar ao acaso que os dados da vida o coloquem nos pés dessa efervescência amorosa é, antes de mais nada, uma arrogância. Porque mesmo sendo necessárias gotas de sorte, o amor é também entrega, escolha e atitude.

Direcionar o coração para algo tão onírico pode parecer algo presunçoso, e talvez seja. Talvez ainda estejamos batendo cabeça para entender como tudo isso funciona. As carícias, a vontade de ficar, os sonhos em conjunto. De repente, tais encontros sejam mitos embutidos por corações que acreditam somente nos finais felizes. Mas, deixando os olhos bem abertos, até os infelizes são capazes de transbordar sorrisos. Mesmo eles, nas mais anestesiadas relações, conseguem encontrar refúgios sentimentais a serem expressados.

Às vezes, os apaixonados não são amor. Quem sabe um estágio inicial do que pode vir a ser, mas não o que de fato é. Almejar a imensidão prolífera do sentir por dois requer calma. É conhecimento das coisas simples e dos instantes não ignorados. Sem amarras ou vantagens previamente construídas, o descaminho dos futuros amantes deve ser pautado na sinceridade. Os apaixonados que me desculpem, mas o amor não é uma aposta. O amor é vivência.

Talvez a gente se esbarre e se conheça de novo com o olhar mais maduro e o coração mais decidido

Talvez a gente se esbarre e se conheça de novo com o olhar mais maduro e o coração mais decidido

“Talvez a gente se esbarre e se conheça de novo com o olhar mais maduro e o coração mais decidido.” Tatiane Argenta

Eu achava que, aos poucos, a gente morria de amor, depois do fim, depois da despedida, mas não, ninguém morre. Dói muito e a angústia chega a apertar o peito; você chora baixinho pra ninguém ouvir antes de dormir e a saudade invade de um jeito avassalador. Quantas vezes eu quis saber como você estava sem mim, se encontrou outro alguém ou se ainda pensava em nós. Mas todas as dores, as feridas, as noites em claro, a angústia que se fazia presente em meu peito, a dor que persistia em ficar, tudo isso passou, a tempestade acabou e deixou-me ainda mais forte. Depois do fim, é difícil recomeçar e como dói lembrar daquele adeus.

Eu nunca precisei esbanjar sorrisos de graça para parecer bem quando eu não estava. Nunca escondi a saudade e evitei a todo custo fazer pose para parecer feliz, quando de fato eu não estava. Portanto, se eu sorrir é porque estou bem, não preciso declarar a minha felicidade aos quatro cantos do mundo como quem precisa mostrar a todos que, depois do fim, superei de forma mágica, não sofri e que estou melhor do que nunca. Sinceramente, acho desnecessário querer parecer feliz e realizado logo após uma história tão bonita, quanto a nossa foi, ter se acabado. Também não vou me abrigar no primeiro abraço, nem me entregar ao primeiro beijo que me aparecer.

Não vou me tornar uma pedra e não vou me fechar para a vida, eu só quero um tempo. Um tempo não para ficar sofrendo, chorando e pensando em tudo que acabou, mas um tempo para aproveitar e sugar tudo o que há de bom, recarregar as energias, descobrir novos lugares para ir num sábado à noite, conhecer pessoas que nunca quis conhecer, terminar a minha lista de séries no Netflix, descobrir onde tem o melhor cappuccino, fazer um tour gastronômico pela cidade e planejar a minha próxima viagem. Esse meu coração teimoso precisa aprender a reencontrar o tal do amor próprio.

Hoje, tive um encontro comigo e descobri coisas que antes, sei lá, passavam despercebidas talvez. Mas sabe, meu sorriso é mesmo bonito, as minhas piadas são realmente muito ruins e eu não sou tão simpática assim. Não tenho preferência musical e meu gosto é um tanto quanto diferente, estranho talvez. Meu abraço é o melhor do mundo e sei apoiar alguém, como ninguém. Realmente, você tinha razão quando dizia que fico linda de pijama. Você tinha razão quando dizia que minha risada era engraçada e que sou a melhor companhia de viagem que alguém poderia ter.

Você estava certo quando dizia que me faltava coragem, às vezes, para lutar pelo que eu queria e que eu precisava não me esconder tanto do mundo, não precisava me defender tanto das pessoas e, por mais que as feridas fizessem morada em mim, eu precisava me esvaziar da dor. Lembrei de quando você me dizia o quanto eu era incrível e que eu merecia tudo de melhor. Eu realmente mereço e é por isso que eu não posso deixar o meu mundo desmoronar, é por isso que não posso criar um bloqueio e impedir que coisas boas cheguem até mim, pois a dor não pode ser maior do que as possibilidades tão lindas que vejo por aí, e não posso permitir que essa insegurança tire as coisas boas de mim.

Então, eu lhe desejo abraços calorosos, sorrisos que fazem a gente ganhar o dia, um cafuné num domingo à tarde, abraços de moletom no inverno, mensagens de bom dia e risadas que fazem doer a barriga. Seja feliz, porque eu também vou ser. Mantenha a sua fé, sua coragem e sua ousadia de viver, porque eu também vou manter a minha alegria, minha paz e meu sorriso encantador. Quero me encantar de novo com a vida, quero continuar me descobrindo, sei que, para pessoas como eu e você, sempre há coisas boas reservadas. E não pense que “não demos certo”, nós demos sim, e muito certo, por um tempo. E agora, outras coisas, pessoas e momentos vão aparecer em nossa vida e vai dar certo novamente, de uma forma diferente, mais intensa talvez ou mais devagarinho; mas vai, acredite.

Talvez a gente se esbarre por aí novamente, com o coração mais feliz e maduro, talvez a gente sinta falta e, depois de tantos e reencontros, decida pousar no mesmo lugar. Aprendendo a aceitar aquilo que não soubemos aceitar, amando aquilo que não conseguimos amar, descobrindo aquilo que tentamos esconder e resolvendo tudo aquilo que deixamos para depois. Talvez a gente se esbarre novamente com o coração mais calmo e decidido a lutar, a ficar, mas, por hoje, é melhor alçarmos voo.

O jardim das amizades. Um oásis entre pedras e desertos.

O jardim das amizades. Um oásis entre pedras e desertos.

Vasos, jardineiras, jardins e campos. Amizades plantadas e florescidas!

Amizades são plantas que oxigenam a vida! Enfeitam, nutrem, curam, dão sombra, oferecem frutos e flores!

Amigos são ervas medicinais. Dão por vezes os chás mais amargos e curadores que remédio algum surte efeito igual.

Amigos são flores de beleza rara. Os únicos que conseguem mostrar as verdadeiras cores da vida naquele momento difícil de continuar.

Amigos são temperos frescos que perfumam a vida.

Amigos são árvores frondosas que acolhem e convidam pra gente descansar na sombra.

Amigos são vegetais e hortaliças da melhor qualidade que nutrem e ajudam a manter nossa saúde.

Muitas amizades brotam cedo. E nos acompanham por toda a vida.
Outras, ganhamos de repente, como vasos de flores que nos trazem imensa alegria e nos esforçamos para manter as floradas.

Essa flora diversa de bons amigos exige pouco. Um pouco de água, outro pouco de luz, uma mexida na terra de vez em quando, atenção e carinho.

Se exigirem mais do isso, podem ser plantas daninhas. E cada um sabe o que lhe cabe cultivar.

É nossa responsabilidade manter o frescor e a vida plena das amizades que cultivamos pela vida afora. É trabalho sério, o retorno digno por tanto o que recebemos, que não é pouco.

Ser grato a um amigo é ser também a plantinha que de vez em quando perfuma o seu dia e o faz lembrar da importância dessa amizade.

A terra é boa, o sol é generoso, sementes e água estão disponíveis.
É nossa escolha plantar ou colecionar pedras.

Autocrítica em demasia pode fazer mal a saúde

Autocrítica em demasia pode fazer mal a saúde

Muitas pessoas confundem autoavaliação com autocrítica. A autoavaliação é fundamental para uma vida saudável, para o crescimento. É preciso fazer constantemente um balanço dos nossos erros e acertos para que possamos corrigir o que não vai bem. Mas a autocrítica em demasia pode ser altamente nociva para a autoestima e sempre resulta em paralisia, sentimento de menos valia e doenças como depressão e síndrome do pânico.

Na autoavaliação, um erro é apenas algo que deve ser corrigido e superado. Como quando fazemos um doce e erramos o ponto: aprendemos que da próxima vez devemos desligar o fogo alguns minutinhos antes e pronto.

Na autocrítica, um erro torna-se sinal de falha e fracasso e ao acreditarmos que falhamos somos tomados pelo sentimento de culpa. E a culpa, como sabemos, paralisa.

Somos deveras criticados por todos ao nosso redor: amigos de trabalho, chefes, pais, namorado, filhos, irmãos, cachorro e papagaio. Sempre haverá alguém com o dedo em riste apontando nossas falhas e/ou julgando nossos traços de personalidade como se fossem falhas.

Para quê, então, sermos mais um nessa roda insana de críticas diárias?

A literatura apresenta diversos tratados sobre a inexorável experiência de sermos julgados e criticados pelos outros (e por nós mesmos). O livro Crime e Castigo, de Dostoiévski, talvez seja o mais emblemático, mas Albert Camus, em A Queda, nos entrega de maneira mastigada a proposta de reflexão do escritor russo ao dizer, por exemplo: “Não é necessário existir Deus para criar a culpabilidade, nem para castigar. Para isso, bastam os nossos semelhantes, ajudados por nós mesmos”; “Não espere pelo Juízo Final. Ele se realiza todos os dias”; “Quando formos todos culpados, será a democracia”.

Pois bem, proponho um exercício. Imagine que você está num show de rock, no Rock in Rio, no meio daquela multidão de pessoas e estímulos visuais, e, de repente, avista uma criança de três anos de idade perdida e chorando muito. Qual a sua primeira reação ao se deparar com essa criança?

Pegá-la no colo, pedir para que ela se acalme, dizer que vai ajudá-la a encontrar a mamãe e o papai, certo? Provavelmente você tentará ofertar água, tentará distraí-la e acolhê-la.

Qual seria o segundo passo? Buscar ajuda. Procurar algum segurança, pedir para anunciarem no microfone, etc.

Quando cometemos um erro que provoca vergonha, um erro que gera consequências desagradáveis, sentimos tanto medo e terror quanto a criança de três anos perdida no Rock in Rio. E o que fazemos com a nossa criança medrosa?

Gritamos com ela. Xingamos ela de idiota, dizemos que ela tinha a obrigação de “não soltar a mão dos pais”, chacoalhamos ela e dizemos “a culpa é toda sua” e mais, dizemos a ela que por conta do seu erro “ela ficará sozinha para sempre e nunca mais vai encontrar os pais”.

Se fizéssemos isso com a criança hipotética do Rock in Rio, o que aconteceria? A criança apenas choraria ainda mais e poderia até morrer sufocada diante de tanto terror. No mínimo ficaria paralisada sem conseguir sair do lugar.

Pois é exatamente o que acontece conosco quando nos autocriticamos, nos julgamos, sentimos culpa e nos punimos: paralisamos.

E a paralisia vira mais culpa, que vira impotência, que vira medo, que vira pânico, que vira ansiedade, que vira tristeza e distorção da autoimagem (autoestima baixa), que vira doença, que vira depressão.

Que tal da próxima vez que cometer um erro, seja ele qual for, acolher sua criança interna? Ouvir o que ela tem a dizer, acalmá-la e depois buscar uma solução?
Você não tentaria ajudar uma criança perdida e aterrorizada de medo no Rock in Rio? Não tentaria uma solução para ajudá-la, como pedir para anunciarem no microfone?

Que tal fazer o mesmo com você? Acalmar, acolher e depois buscar ajuda e solução, buscar um “anúncio no microfone”?

A culpa embota os sentidos. Cega. Distorce as coisas. Imbuído de culpa, ninguém consegue corrigir um erro, e sem corrigir nossos erros jamais vamos crescer.
Parafraseando Drummond, digo que a autoavaliação é inevitável (fundamental!), mas a autocrítica é opcional.

Lembrando que: é errando que se aprende.

Não seja opção, seja prioridade

Não seja opção, seja prioridade

Em tempos de relacionamentos fugazes, interesses líquidos e amores fracos, fica difícil mantermos nossa autoestima em um nível minimamente coerente. Fica difícil conseguir encontrar pessoas que conseguem se aproximar da gente de forma transparente e incondicional, saindo de si, do próprio mundinho, doando-se com generosidade sincera, mostrando-se disposta a fazer concessões, a parar bem de pertinho.

As pessoas, entre outras coisas, também são movidas por interesses, no entanto, ultimamente, parece que somente o que temos a oferecer em termos de materialidade e o que mais pesa na aproximação de quem nos procura. As necessidades atrelam-se majoritariamente ao que traz conforto material, popularidade, visibilidade social e status; ou seja, aquilo de mais precioso que temos dentro de nós não chega a valer nada.

Por isso é que algumas pessoas deixam de nos procurar, simplesmente porque o que temos é tão somente o que somos e podemos oferecer de humano, de sentimento, de afetividade. Isso é pouco, isso não tem etiqueta, o dinheiro não compra, isso não revela nosso salário mensal. E, assim, vamos deixando de ser prioridade na vida dos outros, enquanto assistimos aos amigos, parceiros, colegas de trabalho saindo à procura de alguém com quem possam desfrutar de conforto e pretenso sucesso.

Cabe-nos, nesse contexto, manter por perto somente quem vem com verdade e despretensão, quem vem somar, quem vem porque sim, sem interesses, sem cobrar por mais, quem nos enxerga além do que aparentamos. Os demais, que nos procurarão quando em vez, nos momentos em que não encontrarão ninguém e então se lembrarão de nossa existência, deixemos que o tempo e a vida se encarreguem de ensinar-lhes a ser mais gente – se é que pessoas assim são capazes de aprender com os tombos.

Somos humanos, somos sentimentos, não podemos achar que conseguiremos ficar tranquilos sendo opções últimas das pessoas, aceitando o desprezo que convém aos interesses alheios, o descaso de quem só nos enxerga quando quiser, quando estiver sozinho. Sempre seremos prioridade para a pessoa certa, para quem nos ama por inteiro e se entrega sem nem pensar em porquês. Já quem vier com menos, que se apequene para lá, bem longe de nossa felicidade.

Quem quer ser mais feliz do que o outro não sabe nada de felicidade. Sabe da vida do outro.

Quem quer ser mais feliz do que o outro não sabe nada de felicidade. Sabe da vida do outro.

Felicidade quando vem com tudo é bom. Vem enorme, generosa, imensa que não cabe nem na gente. Felicidade boa de dividir. E a gente divide com gosto, reparte com o vizinho, feito jabuticaba rolando pela boca da bacia. Felicidade grande faz bem a todo mundo.

Mas se ela for pequenininha, mirrada, humilde, a gente também aceita. Feliz da vida, a gente recebe a felicidade do tamanho que for. Porque não tem régua feita pra medir sentimento, né? Não há balança que revele o peso do que a gente sente. Só a gente sabe. De qualquer tamanho, felicidade é sempre leve, não pesa na alma, não dói na consciência. Mesmo quando se esparrama por tudo que há, como um cano que estoura e alaga a casa toda. Ser feliz é bom de qualquer jeito, em qualquer tempo.

Feito ave migratória, vem e vai quando quer. De nós só espera uma boa acolhida. Felicidade é uma visita envergonhada. Só volta para quem for bom anfitrião. É um passageiro clandestino. E recebê-la é um gesto generoso. A gente agradece e toca o barco adiante, sorrindo de orelha a orelha, a cara no vento, o coração feliz.

Se a tristeza vem e toma a nave de assalto, assume o comando e muda o rumo, tudo bem. Fazer o quê? A gente vive, vive com gosto, com a Graça de Deus e uma saudadinha boa de ser feliz, sentimento que alimenta o espírito, encoraja, motiva, dá sentido ao movimento das pernas, fortalece os braços, estufa as velas do barco e nos empurra para frente com uma esperança irrecusável, porque a vida só dá pé pra quem tem fé!

Eu não sei como acontece com você, mas comigo se passa assim. Eu não quero ser mais feliz do que ninguém. Quero ser feliz e pronto. Do jeito que puder. Da sorte que vier. Aceito felicidade de qualquer tamanho. Nem quero saber o jeito dela. Eu abro os braços e abraço.

Agorinha mesmo, minha felicidade clandestina não transbordou como querem as receitas prontas, absolutas, segundo as quais não existe felicidade que não transborde. A minha passou bem longe disso. Ficou ali quietinha, satisfeita, no fundo do copo. Felicidade modesta mas grandiosa, enorme em sua humildade, sintética e poderosa como bebida forte que se consome num só trago ou aos golinhos, de acordo com a vontade e o temperamento de cada um. Felicidade é visitante educada. Respeita os modos do anfitrião.

A minha é assim. Quando vem, não sei até quando fica. Eu só agradeço e cuido para que ela esteja em casa. Ela chega e eu me lembro de que, apesar de tudo, eu sou feliz. Desde sempre, até quando estou triste, eu tenho sido feliz. Sou feliz com ela assim, sinhá moça generosa, que vai mas sempre volta. Vai ver, quem sabe, ela também goste de mim.

O mundo faz sentido quando deixamos de invejar o outro

O mundo faz sentido quando deixamos de invejar o outro

Não sei vocês, mas tenho aceitado a ideia de não exigir demais do outro e, com isso, de perceber que o mais importante nessa vida é despir-se da inveja. O mundo não faz sentido com ela. Porque machuca, entristece e impede de ver, lá na frente, que cada um carrega a sua própria visão de universo.

Entendo vivermos em tempos velozes e com uma diversidade de informações impressionantes, mas, quando ao permitimos esse mar de rostos e comportamentos, acabamos nos esquecendo da nossa importância individual para fazer do convívio com outros, melhor. Invejar status, posses e tantas trivialidades, enfraquece o coração. Num primeiro momento, você pode até pensar ser algo produtivo. Afinal, defende a ideia da inveja sendo uma espécie de movimento. Mas não é isso. No fundo, o que existe é uma tristeza preocupante sobre a própria vida. E eis que surgem conversas acerca do merecimento. Como pôde, o ser em questão, conseguir algo que eu deveria ter? Mensuramos qualidades, analisamos defeitos. Todo e qualquer argumento a ser utilizado entra em pauta no momento de interrogar a vida. Os porquês criam raízes profundas e, a inveja, cresce.

Chegamos num ponto do qual desejar o bem do próximo flerta com a inveja. Melhor, disfarça-a. Em vez de buscarmos evoluir e abraçar o que nos é proposto, tanto por orgulho quanto afeição, escolhemos o caminho mais fácil e medíocre. Colocamos essa máscara emocional da subtração. De energia e carinho para com àqueles que dizemos nos importar. Desculpa, mas assim não quero mais. Não posso mais.

Porque quando falamos de soma, é justamente na ausência da inveja o seu surgimento. E para quem desconhece o significado de mundo, o amor esteve lá desde o início. Sem inveja, mas repleto de querer bem. Genuinamente, o mundo. Agora tudo faz sentido.

Amor é amor. Posse é posse. Favor não confundir!

Amor é amor. Posse é posse. Favor não confundir!

Era uma mulher adulta, ali ao meu lado na manicure. Jovem. Bem mais jovem do que eu. Mas, uma mulher adulta. Tanto quanto eu, estava ali para dar a si mesma o gostinho dessas delícias femininas. Essas gostosuras cotidianas que constituem os prazerosos ritos de vaidade. É bom cuidar de si. É bom achar-se bonita, com as unhas coloridas em tons inesperados. Já pararam para ver a infinidade de cores que inventam para os esmaltes? Eu me divirto!

Outro dia mesmo colori minhas unhas dos pés e das mãos com “Livros inesquecíveis”. Este tinha um tom lindo de azul, entre o marinho e o oceânico. Na outra semana, escolhi “Bagagens & Viagens”, dessa vez era um tom que oscilava entre o vinho e o chocolate. Mas naquele dia, tinha já escolhido a cor mesmo antes de sair de casa; levei na bolsa o “Aguenta coração”! Tem dias que o esmalte, assim como o batom, tem que ser vermelho. Um vermelho desses que não deixa dúvida, sabe? É vermelho MESMO!

Enquanto eu dividia minhas mãos com Mariana (Mariana é minha talentosa manicure), a moça ali ao meu lado deu um suspiro meio de aflição, ou júbilo, não sei ao certo… e disse “Linda essa cor na sua mão! Bem vermelho, né?”. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes. E eu vi ali, naqueles olhos da moça, tão mais moça do que eu, algo que me inquietou.

Eu tenho um faro enorme para pescar no ar os sentimentos ao redor. Sobretudo aqueles que doem. No entanto, costumo “ficar na minha”, como se diz por aí. Se a pessoa quiser dar um passo adiante, eu sou ótima ouvinte. Mas sou melhor ainda em respeitar os silêncios alheios.

Bem… A moça ao meu lado na manicure, quis dar um passo além. “Acho lindo esmalte vermelho. Mas, meu marido não gosta!”. Confesso que por alguns instantes me aconteceu algo que é bastante raro: fiquei sem saber o que fazer. Depois de uma confissão tão singela dessas, um sorriso seria pouco, um comentário aleatório, seria menos ainda, um comentário sincero, talvez fosse invasivo.

Mas, alguma coisa dentro de mim fez brotar um desejo incontido de jogar uma faísca naquela alma feminina tão jovem, ali sentada ao meu lado na manicure. Abri um sorriso de mãe. Sabe o que é um sorriso de mãe? É aquele que inclui ouvidos generosos, braços que acolhem e um colo oferecido. Pois eu abri um sorriso de mãe e disse “Ah… seu marido também pinta as unhas?”. Diante da pergunta inusitada, duas coisas inusitadas aconteceram: ao nosso redor fez-se um silêncio, a moça ao meu lado caiu na gargalhada.

Riu gostoso. Até interrompeu o trabalho da outra moça que se ocupava em esmaltar-lhe as unhas com um esmalte sem cor certa, meio branco, meio bege, meio transparente. Findo o riso que fez com ela desse mais um passo adiante, a jovem moça tocou meu braço “Sabe, essa sua pergunta bem-humorada me fez lembrar de uma coisa… Meu marido usa há anos um perfume que me faz espirrar. Por delicadeza, ou por amor mesmo… Nunca mencionei! Como ele só usa o perfume aos fins de semana, eu prefiro tomar um antialérgico a magoá-lo com uma crítica.”

E não é que eu vi ali, no feminino universo do salão de manicure, uma alma de menina ser liberta? Os mesmos olhos que antes tinham cruzado com os meus, e nos quais algo havia me inquietado; vi algo agora que me fez ganhar o dia! A faísca que eu lancei naquela alma obediente, ateou fogo e iluminou, fez nascer um desejo travesso de subverter a ordem estabelecida pelo silêncio das regras de posse.

A mulher adulta, sentada ao meu lado na manicure devolveu-me o sorriso de mãe com um sorriso de filha. Sabe o que é um sorriso de filha? É aquele que inclui beijos estalados na bochecha, gratidão e colo retribuído. Pois ela abriu um sorriso de filha para mim e disse “Hoje eu vou fazer duas coisas: dar um perfume novo ao meu marido e apresentar a ele uma nova mulher. Hoje eu vou de vermelho!”.

Desculpem-me os céticos e desesperançados. Desculpem-me também os azedos. Mas eu insisto em teimar que não há comodismo que resista a um pensamento de alegria. Eu ainda ouso acreditar que o bem se faz ao outro assim, com sorrisos que acolhem e fagulhas de vida que se doam sem nenhuma expectativa. Eu acredito que amor é amor, posse é posse. E um anula o outro, completamente.

Imagem de capa: Eliseu Fiuza

Tenho medo dos românticos

Tenho medo dos românticos

Tenho medo dos românticos! E os temo justamente porque já fui (sou?) muito romântica.

Tendemos a confundir romantismo com gentileza, delicadeza, ternura, cavalheirismo, demonstração de afeto, bem cuidar, bem querer; acreditamos que o romantismo é um efeito colateral do amor, mas isso nem sempre é verdade.

Certamente gentileza, delicadeza, bem querer e bem cuidar são efeitos colaterais do amor –  assim como a admiração e o respeito. No entanto, existem pessoas que amam profundamente sem serem românticas.

Românticos são aqueles que acreditam na ilusão de que o outro tem o que nos falta. Que supõem o objeto do seu amor tão imenso, tão dotado de qualidades mil que acabam se sentindo grandiosos, também, quando são retribuídos em seus apelos. Em outras palavras: idealizam o ser amado.

São aqueles que só encontram conforto na própria pele quando estão amando e/ou sendo amados. Que só conseguem deixar de se sentir ninguém quando estão amando alguém. Que morrem a cada separação por não encontrarem sentido para suas vidas sem a presença do ser idealizado.

Supõem-se sonhadores, mas no fundo são idealizadores. Criam um mundo paralelo para se refugiar quando o mar não está para peixe: o amor e/ou a impossibilidade de desfrutá-lo.

E decepcionam-se! Ah, como se decepcionam os românticos! Cedo ou tarde os objetos de suas paixões ganham contornos de inadequação. Até mesmo uma pinta no tornozelo esquerdo, antes ignorada, torna-se um transtorno. Qualquer passo em falso dos parceiros, qualquer nota destoante da sinfonia criada/idealizada pelos românticos e pronto: eles se frustram e se desapaixonam. Tão logo se desapaixonam, apaixonam-se (supostamente) por outrem. Vivem em eterna ciranda à procura do ser ideal.

Muitos, aliás, escolhem alguém para colocar num pedestal inatingível, somente para ter por quem suspirar. Outros tantos se maltratam. E há os que se autodestroem mas deixam obras primas pelo caminho, caso de Amy Winehouse em seu disco Back to black.

Românticos amam a ideia do amor, não o amor consumado. Alguns temem consumar o amor com receio de empobrecê-lo tremendamente e perder o completo controle de si. Além disso, não toleram a possibilidade do engano, da frustração. O melhor que podem fazer por si é se refugiarem na imaginação! Afinal, na imaginação cabe tudo! Tudo é possível! Não há frustração! Tudo pode ser perfeito.

Assim foi com Frederico, protagonista do livro “Educação Sentimental”, de Gustave Flaubert (Editora Martin Claret). Amou, até as últimas das mais de 400 páginas, Mme. Arnox, uma mulher mais velha e casada, por quem fez diversas loucuras; enrolou-se com outras tantas na tentativa de esquecê-la, mas, quando teve finalmente a chance de fundir seu corpo ao dela – e quem sabe iniciar uma vida em comunhão – recuou:

“Frederico suspeitou Mme. Arnoux de ter vindo oferecer-se-lhe; e recaíra num desejo mais forte que nunca, furioso, desesperado. Mas sentia o que quer que fosse de inexprimível, uma repulsão e como que o horror de um incesto. Outro receio o deteve, o de vir a sentir desgosto mais tarde. E depois, que embaraço! – E não só por prudência mas para não degradar o seu ideal, rodou sobre os calcanhares e pôs-se a fazer um cigarro”. (página 416)

O personagem de Flaubert flanava na Paris do século XIX, mas são tantos os Fredericos e as Fredericas que suspiram no século XXI acreditando-se apaixonados incuráveis sem, talvez, nunca terem se permitido a um amor verdadeiro…

Flores? Sim, obrigada! Poemas, cartas de amor, presentinhos inesperados, jantar à luz de velas, declarações de amor, lua de mel em ilhas paradisíacas, massagem nos pés, socorro no meio da estrada quando fura o pneu do carro, ajuda pra resolver um problema, sex0 bom no chuveiro ou no tapete da sala, comidinhas de depois, vinho com risoto de cogumelos feito em casa? Sempre, sempre e sempre! Por favor! Obrigada! Amém!

Mas confesso que prefiro dançar esse balé na companhia de quem me ame como eu sou, não de quem se diz romântico, faz todo o passo a passo ensaiado, porém no fundo idealiza o amor e o objeto de sua paixão. Prefiro quem me ame mesmo quando eu acordo descabelada e mal humorada. Será que um romântico à moda antiga conseguiria?

Você é meu réveillon

Você é meu réveillon

Eu nunca quis que você entrasse na minha vida.

Nunca sonhei com você aqui ao meu lado todos os dias.

Não quero conhecer o seu mau humor matinal, as suas neuroses, o seu lado cotidiano.

Não quero saber qual é o nome da sua mãe, não quero ver as suas fotos da infância.

Não quero provar sua comida – não todos os dias.

Não imagino a cara dos nossos filhos, não quero segurar sua mão nas ruas, não te quero de corpo tão presente, fazendo papel de marido, opinando na fatura do cartão de crédito, e comendo o último iogurte da geladeira. Não me quero lavando sua meia junto com as minhas calcinhas. Não quero conhecer todos os seus lados.

Porque você é o que eu preciso para romper o comodismo.

Você é a minha agulha, é a ponta afiada que estoura a minha bolha chata e inflamada e ao mesmo tempo você é a minha pena de fazer cócegas na sola dos pés.

Com você eu gosto de ser a outra mulher, não essa chata, centrada, multitarefa, repetitiva. Eu gosto de ser a mulher que não dorme à noite, que se lembra como dar gargalhada, que sabe falar sobre todos os assuntos, que olha pela janela e contempla a doce paisagem urbana e esquece os ciclos de pensamentos viciosos.

Que esvai. Gosto de ser a mulher que se dissolve no tempo e no espaço.

Porque você é meu reveillon. E eu não me importo de fazer 30 aniversários por ano, desde que não sejam 365. Você é a minha ruptura, as minhas férias numa ilha deserta.

Eu gosto que a gente seja a explosão, a catarse – um do outro. A salvação.

Você é fogos de artifício que fazem essa mulher chata sorrir por dias.

Não vou te associar a stress, família, contrato de união instável…

Você é sazonal, é estouro de champagne,
é as sete ondas que pulei depois da meia noite.

Acho que eu não sou desse mundo !

Acho que eu não sou desse mundo !

O mundo anda doente, as pessoas estão cada vez mais estressadas e sem tempo para ninguém, as postagens virtuais destilam preconceito e agressividade, quanto amargor. Não sobra tempo mais para a gentileza, para a conversa, para os encontros; o trabalho nos rouba todo o tempo, tempo de vida, de lazer, de amor. Encontro-me perdido em meio a tudo isso, muitas vezes deslocado da maré que varre feito turbilhão os resquícios de humanidade que deveriam ser prioridade na vida de qualquer pessoa.

Eu ainda acredito no ser humano, na natureza humanamente gregária do homem, que nos torna necessitados de convivência, de companheirismo, de toque e de trocas. Recuso-me a crer numa sociedade majoritariamente preconceituosa e excludente, disposta a obter vantagens e bens materiais, mesmo que às custas da infelicidade alheia.

Acredito no poder do amor, na força do bem, na capacidade de a verdade sobrepor-se a toda e qualquer mentira, a toda e qualquer infelicidade solitária. O bem tem que vencer o mal, em todos os setores dessa vida – ou isso ou se perdem os objetivos de vida baseados na ética e no respeito ao outro. Recuso-me a pisar alguém para me sobressair, a mentir para conseguir o que quero, a odiar simplesmente porque sou contrariado.

Creio em sentimentos sinceros, em acolhimento verdadeiro, em guarida afetiva. Ainda existe quem ama sem medo, quem se entrega sem censura, quem acolhe o diferente, o dissonante, o que anda na contramão de todos. Não posso conceber a ideia de que todo mundo age com segundas intenções, que ninguém seja capaz de se doar sem querer nada em troca, que a aceitação de todas as raças, credos e gêneros seja uma utopia, um sonho impossível.

Costumo confiar nas pessoas, nas palavras, nas atitudes que vejo, sem ficar com o pé atrás, sem hesitar, desconfiando de que aquilo possa se tratar de encenação premeditada, de riso forçado, de ardil encoberto. Não posso crer que gente do bem é espécie em extinção, que curtida no Face valha mais do que um aperto de mão caloroso, que se julguem as pessoas pelas aparências, pela procedência, por tudo menos pela essência que as define.

Acho que não sou daqui, acho que nasci no tempo e no lugar errados, pelo tanto de decepções que se amontoam em meu caminhar, em relação a quem, principalmente, recebeu o meu melhor. Ainda assim, mesmo sob olhares de censura, palavras de desânimo, tombos e dores, persistamos no propósito de alcançar a felicidade da forma mais limpa e ética que pudermos, pois o que é nosso então se resguardará, para que desfrutemos do bom e do melhor junto aos poucos verdadeiros que se juntaram a nós. Assim seja.

Violência Psicológica: agressão além da pele

Violência Psicológica: agressão além da pele

Um inimigo silencioso, que se instaura sem ser percebido. Não faz alarde e não deixa marcas visíveis. A violência psicológica, ou velada,  existe e, mesmo que ainda seja ignorada por agressores e também por parte significativa de suas vítimas, a exposição a ela pode deixar marcas profundas.

“A maior parte das vítimas da violência velada é composta por pessoas que por desconhecimento não se sentem vitimizadas até que seja tarde demais”, informou à CONTI o especialista em segurança pública e coordenador do OBVIOObservatório da Violência Letal no Rio Grande do RN/UFERSA, Ivenio Hermes.

“Nesse leque encontramos menores suscetíveis e vulneráveis, que sofrem a violência causada pela ausência dos pais e das autoridades, e também, mulheres e crianças que sofrem esse tipo de agressão também dentro de seus próprios lares, onde o causador pode ser um parente ou pessoa de confiança”.

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SINAIS

“Abusadores são pessoas conhecedoras de métodos sofisticados de manipulação. Culpabilizam, punem com silêncio passivo-agressivo, projetam e invertem culpas com uma maestria que somente um expert seria capaz de captar à primeira vista”, disse à CONTI a advogada e personal coach Lucy Rocha.

contioutra.com - Violência Psicológica: agressão além da peleLucy foi uma dessas vítimas mas, depois de tentar se livrar por quatro anos de uma relação abusiva, conseguiu dar um ponto final na situação e decidiu criar uma página no Facebook para ajudar homens e mulheres que vivenciam os mesmos problemas pelos quais ela passou. Assim, em 2013, surgiu a Relações Tóxicas.

“Desde a primeira linha eu tinha noção de que seria um trabalho árduo, com um custo
emocional e financeiro importantes. Desde então, lido com pessoas incríveis e histórias inspiradoras que indicam que fiz uma escolha acertada”, escreveu em nota publicada na própria página.

Lucy afirma que é difícil a vítima se dar conta de que está em uma relação abusiva. “Normalmente essas pessoas passam anos e anos de suas vidas na mira de um abusador sem exatamente compreender que estão sofrendo abuso”, comenta.

Para ela, a dificuldade em reconhecer-se em tal posição está ligada ao fato de que os responsáveis pelos abusos sabem manipular bem os envolvidos, deixando-os sempre em posição de vulnerabilidade.

Dentre os diversos sinais que podem dar indícios de uma relação afetiva abusiva, onde a prática de violência psicológica é comum, Lucy aponta: 1 – a atenção excessiva logo no início da relação, ultrapassando o afeto comum e beirando o sufocamento; 2 – as “brincadeiras” aparentemente inofensivas que denigrem e minam a autoestima; 3 – a indução para o afastamento de amigos, familiares e hobbies – isso facilita a dependência e dificulta o pedido de socorro.

“A coisificação de outro ser humano por meio de tratamentos humilhantes, desrespeitosos e/ou degradantes, é um dos melhores meios de se identificar os relacionamentos abusivos”, completa Ivenio.

Ivenio ainda diz que “é necessário dar a devida atenção para os sinais aparentes da violência velada, que podem ser pequenas marcas corporais/físicas”, alerta para os “sintomas externos das reações psicológicas, que podem ser introversão e timidez excessiva, pouco contato com pessoas da mesma idade no caso de crianças e adolescentes, além do receio de conversar”.

“Não existe uma forma de mensurar quantitativamente ou qualitativamente essa violência, pois as delegacias que labutam nesse campo não possuem instrumentos de qualitativos nem de medir a violência aparente”, explica Ivenio, que é um dos autores do Observatório Potiguar 2016. “Se os meios de aferição são tão escassos em crimes visíveis, imagine em crimes que não são facilmente perceptíveis?”.

COMBATE E PREVENÇÃO

“Infelizmente, apesar do fato de que a violência psicológica esteja prevista como crime no contioutra.com - Violência Psicológica: agressão além da peleart. 7 da Lei Maria da Penha, ainda é algo muito difícil de se comprovar. As sessões de tortura psicológica, as dinâmicas instauradas, as agressões veladas são tão sutis e surreais, que quando a vitima tenta denunciar ou ao menos contar a alguém, normalmente é tida como louca, excessivamente sensível ou como alguém que não esta lidando bem com o termino da relação”, lamenta Lucy.

Os profissionais aqui entrevistados concordam que o combate a esse tipo de violência está vinculado ao grau de autoconhecimento e discernimento das vítimas. A isso deve estar aliado o acesso à justiça por meio de mecanismos de denúncia que não as exponham.

“Nesse contexto é necessário buscar ajuda de pessoas idôneas, é claro, buscando uma delegacia de proteção à criança e adolescentes, idosos, mulheres, enfim, delegacias que estejam pelo menos habituadas ao trato com pessoas suscetíveis a essa forma de agressão”, indica Ivenio. “De uma forma muito carinhosa e pessoal, aconselho que todas as mulheres, aliás, todo o ser humano, se perceba como de equivalente e igualitária importância dentro de uma relação, devendo se amar em primeiro lugar, se valorizar intimamente, para não se suscetibilizar a nenhum tipo de relacionamento abusivo”, conclui.

“Se há ameaça ou agressão física, o caminho é lavrar boletim de ocorrência, fazer exame de corpo de delito, representar para que se torne uma ação penal e, se necessário, requerer na própria delegacia medida protetiva para manter o agressor à distância. Se a ordem for desobedecida, minha sugestão é que registrem, busquem testemunhas e chamem imediatamente as autoridades”, aconselha Lucy, antes de arrematar: “Jamais aceite ter uma conversa, um encontro final ou conflito com alguém que já atentou contra sua vida. Costumo dizer que dar-lhes uma segunda chance, é como dar uma segunda bala para alguém que só tinha uma, atirou em você e não acertou”.

Todas as imagens são do fotógrafo Richard Johnson, criador da campanha “Weapons of Choice”, e destacam a dor causada por insultos verbais. 

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