Que a nossa fera sempre nos liberte!… e apareça nos rasos das horas mansas…

Que a nossa fera sempre nos liberte!…  e apareça nos rasos das horas mansas…

A Bela e a Fera foi desde sempre o meu conto favorito. De fadas ou do vigário. Muito mais pelas angústias da fera, que pelos dotes da bela.

Loucuras amorosas e almas tortuosas, raspas, restos e um copo de cólera me interessam. E muito. Escrevi há um tempo sobre a vontade que as pessoas tem do lado sombrio. O fascínio arrebatado pelo beijo do vampiro ou a cilada do lobo mau. A ópera com seu fantasma e a fera a dominar… em qualquer instância de domínio.

Mesmo que só no campo da fantasia, o medo e o frio na barriga tem lá o seu potencial de feitiço. E como. Não ter a segurança do terreno em que se pisa pode ser, em tempos gelatinosos de realidade crua e muito caso pré-cozido, só um teste de sobrevivência… Mas pode também virar um vício a ponto de boicote. Muitas vezes, relações maduras e equilibradas, serenas e bem pautadas, podem ser tudo o que a gente precisa para alcançar o nirvana ou só um bom sono de saúde. Mas ao mesmo tempo podem vir com o pote de tédio no final infeliz do nosso arco-íris.

Existe uma corrente arquitetônica que preza o desapego de ornamentos, com um mantra bem ecoado e cunhado pelo arquiteto Mies van der Rohe que diz que ‘menos é mais’ (less is more). Como tudo tem o seu ponto crítico e o lado avesso, há quem conteste, em tom de travessura mas também alerta, e emende com um ‘menos é chato’ (less is a bore).

Sempre pensei que isso talvez se aplicasse às coisas da vida e aos dilemas do amor. Porque mesmo que a gente saiba, ou tenha certeza, de que menos confusão na vida, é mais garantia de felicidade no caminho, tem algo que empurra para mais adrenalina, muito risco e pouco juízo. Pro desatino e pro descalabro. Pro abismo… da gente mesmo.

Porque no fundo do peito, do poço, do posso, ou mesmo no raso das pessoas, o que todo mundo um dia vai querer é emoção. Ah, e esse coração quando se agita, “ou palpita mais ligeiro”, dispara… tem jeito não. Vale a sofrência de antes e a moda de depois, dando ou não os 10% pro garçon.

Bom mesmo era se a gente soubesse que tem e sempre que teve o controle do final feliz da nossa história. E que é ao mesmo tempo a bela que salva e a fera que prende… Aí eu me lembro do Pessoa na pessoa dele mesmo, onde em um poema lindíssimo chamado Eros e Psique, conta sobre uma princesa que dorme encantada à espera do beijo do príncipe: Ele, valente, desbrava dilemas e perigos para ir ao socorro da amada que nem sabe existir. Depois de luta e vitória, chega onde em sono ela espera, para descobrir que, sob uma grinalda de hera, era ele mesmo quem dormia encantado.

Compreender que a gente pode ser ao mesmo tempo a presa e o carrasco, o refém e o salvador, é mágica pra todo canto e encanto que dá o tom e o brilho no olho. Traz alento para na mesmice e salvaguarda na aventura. Saber que a bela te olha do espelho mas é a fera que dá forma à sua sombra, ou vice e verso!, traz a liberdade de ser, estar, sentir, brigar e brincar com qualquer outra fera, ou bela, no conto de fadas que a gente bem entender…

Sou jardineira imperfeita,
que nem faz nascer saudade.
Pequenina, da perna grossa.
E juízo curto,
que demais não gosta.
E gosta.

Deixo a trama da prenda minha,
espalhada pelo chão.
Mariazinha que quando dorme,
põe ao largo o coração…
E a mão onde tem que botar.

Sete e sete são meus vícios.
Com mais sete, eu tiro um par.
E saio jururu, da beira do cio.

Pois há muito não faço rendinhas,
nem sonho com o casamento.
Me atirei na contra dança!
Mas ainda não sei dançar…

Cadê João, José, Romeu?
Meu meio, sou eu.

::: Claro que esse texto foi motivado pelo novo e já clássico da Disney, A Bela e a Fera, live action de 2017. Totalmente baseado na animação de 1991, tenta a todo custo puxar pela memória afetiva dos fãs. Consegue o intento ao reproduzir fielmente músicas, valsas ou o vestido amarelo, assumindo-se, aliás, até mais como um musical autêntico…

Contudo, a mão pesada do diretor Bill Condon, tira muito da delicadeza do original, ficando a boa sacada para a escolha certeira do elenco. Emma Watson imprime dignidade à Bela, Luke Evans aparece perfeito como Gaston e os dubladores – Emma Thompson (Mrs. Potts ou Madame Samovar), Ewan McGregor (Lumière) e Ian McKellen (Cogsworth ou Horloge) – dão muita personalidade aos ‘objetos’ do castelo.

Já Dan Stevens fica totalmente anulado sob a carcaça dos efeitos visuais da Fera. O tão falado personagem LeFou, cuja cena abertamente gay fez o filme ser vetado em vários países, é feito com maestria pelo timing cômico de Josh Gad, e pelo papel que presta à desconstrução de preconceitos, já tem lugar de respeito. No todo o filme é amor, diversão e a moral da história é que toda forma de A Bela e a Fera sempre vai valer a pena! :::

Imagem de capa: cena do filme: “A Bela e a Fera”, 2017.

Amor Ágape: amor que se doa, amor que se entrega, amor incondicional

Amor Ágape: amor que se doa, amor que se entrega, amor incondicional

Não é fácil nos relacionarmos com o outro, seja em termos de amizade, de trabalho, seja em termos de amor. Parece que procuramos sempre um equilíbrio, uma troca justa, a igualdade entre o que vai e o que volta, e isso é muito relativo. Da mesma forma que podemos pensar que estamos sobrecarregados em relação ao parceiro, ele também pode muito bem achar o mesmo, ou seja, qual dos dois estará certo?

Na verdade, fato é que cada um sente o mundo de uma forma muito peculiar, de acordo com tudo o que já acumulou até aqui, dependendo da forma como digeriu ou não o que lhe ocorreu durante seu caminhar. E mais, as pessoas reagem de uma forma diferente umas das outras, isto é, um mesmo acontecimento influencia várias pessoas de maneiras diferentes – uns poderão demorar-se mais do que outros no processo de luto, por exemplo. Em termos de amor, é tudo ainda mais intenso e imprevisível.

Amor é sentimento, é alma, portanto, independe de razão, como se nos tomássemos por algo inexplicável, algo sobre o qual não temos nenhum controle. Embora se inicie com a paixão que cega e seleciona no outro somente o que ele traz de bom, com o tempo amadurece, aperfeiçoa-se, refina-se, para que possamos ter a capacidade de não nos afundar no que machuca e fere. Mesmo assim, como é penoso nos libertarmos do que amamos, mesmo que nem mais de amor se trate.

Amor gostoso e ideal é o recíproco, o correspondido, aquele que vai e volta na mesma medida, de igual para igual, somando completudes e fundindo inteirezas complementares, sem pendências, sem unilateralidade. Esse, sim, é o tipo de relacionamento desejável, em se tratando de duas pessoas que se amam como casal, como amigos, como parceiros de fato. Infelizmente, quase nunca é assim que se dá.

Entretanto, em certos momentos, será o amor incondicional – ágape, como dizem, uma das diversas palavras gregas para o amor – que nos salvará e nos bastará, quando pudermos doar o nosso melhor, quando pudermos ajudar pessoas, curar almas, solidarizar, compadecer e levar luz, sem pensar em retorno, sem titubear, com vontade e com verdade. Fazer o bem a quem quer que seja, de forma despretensiosa, leva-nos ao mergulho em dores que não são nossas, tornando-nos gratos pelo que somos e temos.

Passar os dias, sob o mesmo teto, com uma pessoa que só recebe, sem se doar de volta um mínimo que seja, acabará por nos adoecer, esgotando nossa essência. Já o amor que direcionamos para ajudar quem necessita, sem que precisemos de retorno algum, visto se tratar de solidariedade humana, sempre se nos retornará através dos sorrisos e bênçãos com que a vida beneficia quem não se fecha, quem enxerga o mundo além de si, fazendo a diferença por onde passar.

Imagem de capa: wavebreakmedia/shutterstock

Porque a adequação me doía, eu me reinventei

Porque a adequação me doía, eu me reinventei

Imagem de capa: Ben Giles

Por que eu não pude ser mais do que era a minha essência, porque eu não pude dar mais peso à persona do que à alma, porque eu também não pude mais viver nos cantos de mim mesma, e meus olhos vivos teimavam em quebrar as cascas que eu mesma moldava em mim, porque a adequação me doía, eu me reinventei.

Daí ouvi os ensinamentos do vento. Um deles dizia que o amor pode ser como um canteiro de flores, ou uma horta, não adianta plantar as sementes sem preparar a terra, não adianta plantar as sementes e todas as manhãs abrir a janela cheia de expectativas no coração, a espera de que as cores e aromas brotem do chão. Não adianta colocar fertilizante, se o coração quer o que é saudável e espontâneo.

Não adianta esperar belezas de fora sem doação, sem colocar as próprias mãos, sem amor, sem empatia com o solo, com o outro, com o tempo e com o que o mundo quer de nós naquele momento. Se a terra e o coração estiverem em tempos de seca, é melhor respeitar, se a terra e o coração estiverem férteis, é bom plantar e cuidar e deixar que surja o que vier. Pode ser que o manjericão cresça lindo, mas a lavanda morra. O amor é no seu tempo, e do seu jeito, é presente, é presença, é surpresa. Se vier, que lindo, deixa ser o que vier, se não vier, tudo bem, é assim que agora deve ser. Confia e acalma o peito.

Daí o vento me disse que não importa a hora, o dia, o ano, não importa o que passou e eu não cumpri, não importa o que eu não pude ser para conquistar as coisas. Há uma maré mansa no meu peito, onde meu barco sem vela aporta. Naturalmente. E o meu roteiro de vida segue esse caminho, pode ser que seja tão diferente dos barcos que se auto-guiam, que voam com seus motores potentes, que erguem seus mastros onipotentes. E o meu segue esse vento leve de dentro. Só sei que ele sobrevive e ama, no seu tempo, na sua dança. E vai desenfreado e leve por paraísos desconhecidos.

Há uma doçura intrínseca em encontrar essa selvageria de dentro. E a gente que se deixa ser assim, inventa espaços para caber neste mundo.

Meu coração cabe num poema, pois nele pode transbordar. Meu coração cabe numa árvore, numa canção, num olhar. Meu coração cabe nessa semente que plantei e eu nem mesmo sei se vai brotar. Ele cabe apenas no que a vida quer me dar.

Coração que nasceu livre não se pode acorrentar

Coração que nasceu livre não se pode acorrentar

Imagem de capa: Tanja Nikolaenko, Shutterstock

Tenho pressa, sim. Tenho pressa por viver tudo o que pode me ser destinado. Sejam amores, encontros ou sonhos que trago no peito, quero desfrutá-los ao mesmo tempo agora. Mas não crie barreiras. Não freie essa vontade de sentir o abraço das coisas boas. O meu coração nasceu livre. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho sede, sim. Tenho sede por beber tudo o que pode me ser oferecido. Sejam novos gostos, sentimentos ou instantes que trago no peito, quero ficar embrigado sem hora para terminar. Mas não crie contraindicações. Não estipule o que pode ser ou não prejudicial para o gosto dos bons goles que pretendo dar. O meu coração nasceu livre, já disse. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho fome, sim. Tenho fome por consumir tudo o que pode me ser indicado. Sejam beijos, carinhos ou excitações que trago no peito, quero gozá-los sem qualquer julgamento. Mas não crie preconceitos. Não meça numa régua, o certo e o errado para os desejos que preciso saciar. O meu coração nasceu livre, aceite. E ele ninguém pode acorrentar.

Tenho amor, sim. Tenho amor por compartilhar tudo o que pode me ser permitido. Sejam afetos, gentilezas ou experiências que trago no peito, quero transbordá-los ao mesmo tempo agora. Mas não partidas. Não confunda o que quero com egoísmo. Porque se você não reconheceu até agora aonde quero chegar, talvez ainda lhe falte um bocado para somar. Coração que nasceu livre não se pode acorrentar. E é assim que nasce o amor que a gente tanto quer provar.

Título inspirado na canção “Meu amor é Marineiro”, de Manuel Alegre

Comunicar-se é viajar, mesmo sem sair do lugar

Comunicar-se é viajar, mesmo sem sair do lugar

Imagem de capa: Zev Hoover

Quando a comunicação não funciona, provavelmente, pelo menos uma das partes não está escutando, não está enxergando, não está sentindo. Na verdade, nesse processo de se relacionar com o outro, de se expressar plenamente, os ouvidos e a percepção valem mais do que uma boca cheia de sons.

É que não somos como os animais com rugidos programados para serem instintivamente compreendidos. Há muito mais do que fonemas e palavras entre dois corpos humanos. Os significados sempre se proliferam para além dos conceitos. Se comunicar com um desconhecido é como tentar se fazer entender em um lugar estrangeiro, onde mesmo quando sabemos a língua falada – e até mesmo quando falamos “a mesma língua” –, nosso vocabulário é cheio de “preconceitos”, nossa pronuncia é cheia de vícios, nos faltam as palavras certas e tendemos a rodear para chegar em um simples ponto. –E lugares às vezes são pessoas, como pessoas às vezes são lugares.

Nesse lugar de estrangeiro, é fácil visualizar aquilo que o cotidiano devora: o interesse pelo novo, por sua história, sua cultura, os diferentes pontos de vista; a abertura para ouvir e aprender outras formas de dizer, menos rígidas que a nossa limitada condição alienada do alheio; a atenção aos detalhes para guardar o gosto e o aprendizado de cada novo contato; o respeito polido de quem espera conhecer antes os limites outros para, somente depois, conquistar espaços com mérito: porque para o estrangeiro a imposição nunca funciona bem, é ele quem está “fora do lugar”.

Parece que toda essa magia de ser desconhecido em terra desconhecida, que concebe descobertas internas e externaliza paixões inimagináveis, ficou trancado na fantasia das viagens (turísticas). Essa crença pop virulenta de que a resposta para as descobertas, para a autodescoberta, para o novo, para sair da rotina, está limitada ao deslocamento material, literal, medido por quilômetros e registros filtrados sorridentes.

Porque é realmente mais fácil sair de lugar do que mudar o olhar, é mais fácil lidar com o exótico temporariamente do que viver a diferença integralmente. É mais fácil lidar com o sabidamente desconhecido do que assumir que desconhece o que, por alguma crença absurda, acreditamos religiosamente conhecer. É curioso como tanto do que encanta no passageiro espanta no permanente. – E pessoas às vezes são lugares, como lugares às vezes são pessoas.

Se conseguíssemos transpor para a vida esse espírito de aventura, de quem deseja descobrir o mundo, embora, na verdade, marque apenas alguns pontos turísticos em um mapa, perceberíamos que estamos rodeados de maravilhas. Quando nos damos conta de que cada indivíduo é um universo distinto, com vivências, sentidos, história, ilusões, rotinas, tudo tão diferente de nós, nos interessamos mais em perguntar e em conhecer do que em falar e impor.

Quando olhamos para a nossa própria cidade ou, ainda menos, nosso bairro, nossa casa, com atenção e consideração, corremos o risco de descobrir admirados que por ali há muito do que pode nos espantar – para o bem ou para mal. Podemos descobrir que, realmente, sair do lugar é melhor – não mais apenas pela sedução da onda viajante, pelo medo disfarçado de desinteresse em conhecer o que nos está no entorno, mas por sabermos que não somos dali, que nunca seremos dali, que nunca nos sentiremos à vontade.

É provável que mais descobrem e desfrutam dos seus trajetos aqueles que, ao menos, tentaram esgotar suas paradas e perceberam que é impossível esgotar um lugar, mas esgotar-se sim. E lugares às vezes são pessoas, como pessoas às vezes são lugares.

Ao confundirmos nossa velocidade limitada com a velocidade das descobertas tecnológicas, nos tornamos rasos e arrogantes, enxergando o mundo a partir dos nossos pequenos dramas cotidianos, sempre tão pessoais e tão importantes, que não paramos para olhar para o lado, para ouvir o outro lado.

Atacamos baseados nos nossos preconceitos e estereótipos pré-fabricados em plástico frágil, quebradiço. Porque antes de procurar conhecer, julgamos. Antes de observar, confirmamos o que o ponto de vista pronto já reservava no estoque. Então, é preciso mesmo ir para longe, para bem longe, para cada vez mais longe, mas, se enganam se pensam que é para sair do lugar: é para sair de si e conseguir olhar para fora. Talvez, apenas pela janela do carro, do trem, do ônibus, do avião, seja possível sair desse si mesmo tão denso, concretizando no ato o simbólico “olhar para fora”.

Não surpreende que em tempos de tanta facilidade e meios para se comunicar, a falta de comunicação seja um problema tão constante. As desculpas são frequentes. O silêncio é ainda mais. Ouvimos os ruídos externos já elaborando nosso próprio discurso. Observamos o outro pensando no que os gestos dele nos dizem sobre nós. Todo além do próprio corpo e do que ele reserva parece um obstáculo no qual ecoamos. A solidão é inevitável, ruidosa e superlotada –um cadáver fantasiado para o carnaval.

E não há saída, se não houver chegada: a comunicação só existe quando o interesse é recíproco. No máximo, quando nos damos conta do desinteresse do outro em nós e percebemos o excesso de interesse dele nele mesmo (através de nós), captamos a única mensagem efetiva do pacote – cheio de vazio. E pessoas às vezes são lugares, como lugares às vezes são pessoas.

Em hora dessas, resta olhar para o lado. Aquele lado que antes não foi visto, que não foi percebido. Sempre há um ponto de chegada. Quase nunca é o primeiro que a-parece. Somos lentos. Somos limitados. Damos um passo de cada vez. Enxergamos deformações organizadas em 180 graus. Enquanto nos desgastamos tentando escalar as muralhas de desentendimento que nos afrontam, com fugas esparsas para dar trégua à labuta e depois retomá-la,perdemos um balé de caminhos que convida nossos pés a serem estrangeiros sempre, vivento tudo como nunca, sentindo cada passo.

Convida nossos olhos a deixarem as janelas para os turistas e encararem face a face. Convida nossos ouvidos a tagarelarem interrogações e silêncios, para descobrirem o desconhecido no conhecido. Nômades da vida, acabamos por assumir que ser estrangeiro é condição de existir com tudo o que está fora de nós.

Nossas excelências

Nossas excelências

Imagem de capa: tommaso lizzul/shutterstock

Acho que eu estava perto dos 50, quando começaram a me chamar de senhora. Acontecia principalmente com gente muito jovem. A atendente da padaria Pioneira, por exemplo: A senhora quer seu pão na chapa? Eu ficava meio chateada e pensava: Quando será que perdi a prerrogativa do você? Mas os anos voaram mais rápidos do que o Super-Homem.

Hoje todo mundo me chama de senhora. Gente dos 5 aos 96. Então não me importo mais. Até quando me perguntam Quem quer falar? Repondo Dona Fernanda. Assumi o senhora e o dona. Mais ainda, aceito idosa, terceira idade, velha, vale-refeição, vale-transporte, assento e filas preferenciais.

Porque tanto faz. São apenas palavras que nos denominam quando temos muito mais passado do que futuro. Não que eu acredite que os nomes sejam inocentes. Ah, isso não! Boa parte da língua portuguesa poderia ir para a operação Lava-Jato.

O fato é que meu tempo é curto para que eu o perca polemizando com o vernáculo, o governo, o síndico, a atendente da padaria. Isso também tem a ver com quebrar o espelho que reflete o outro. Pois na juventude, eu me importava caminhões com a imagem que os outros faziam de mim.

Nessa história de agradar, disse muitos mais sins do que nãos. Traduzindo: entrei em frias monumentais, apenas para garantir que me amassem. É claro que não funcionou! Pessoas nos amam por razões misteriosas. Não pelo que fazemos ou desfazemos. Precisei de meia dúzia de décadas para chegar a essa conclusão.

É evidente que o outro me interessa. Mas mais por ele mesmo. Não pela imagem que ele faça de mim. Outro dia uma amiga de faculdade – que não vejo há 35 anos – escreveu no Messenger que me recordava como uma pessoa pé no chão. Levei susto, porque me sinto sempre com os pés a alguns centímetros do solo.

Daí perguntei para outra amiga – que me conhece como ninguém – Você acha que eu sou um tipo pé no chão? Ela respondeu bate-pronto Acho. Fiquei matutando: Qual imagem é mais real? Aquela que os outros fazem da gente? Ou a imagem que cada qual faz de si mesmo?
Sei lá! Mas tem algumas coisinhas que eu sei. Cabeça na lua ou pé no chão, gosto de andar de carro à toa.

Assim sem destino pelas ruas de Sampa. Também gosto de ler o jornal às 6 da manhã e decidir Amanhã não compararei mais. No outro dia lá estou lendo o jornal de novo. Gosto também de alguns gestos. Sendo o mais divertido deles, o dar de ombros. Dane-se a imagem é a excelência da minha idade.

Considerações sobre um abraço bem dado

Considerações sobre um abraço bem dado

Imagem de capa: Pavel Ilyukhin, Shutterstock

Quando não tenho ninguém por perto para abraçar, abraço o meu gato, o meu cachorro, o meu ursinho de pelúcia. E se tenho alguém para abraçar, abraço, e TAMBÉM abraço o gato, o cachorro, e só deixo de fora o urso de pelúcia. Eu adoro abraço!

Descobri que gostava de abraço depois de grande, porque na minha infância não havia a cultura do abraço gratuito, aquele que se dá e se recebe por nada.

Na minha família de origem, os abraços eram regulados para chegadas e partidas, e mesmo assim, quando se pensava que o abraço estava começando, ele já tinha terminado.

Eram abraços legítimos mas sem consistência, que explodiam como flash no escuro, e desapareciam sem deixar lembranças. Eram abraços desbotados de afeto, corados de vergonha, de direção hesitante, quase como uma senha distribuída com parcimônia e formalidade. Toma lá e vá embora!

Foram tantas as inadequações internas entre os membros da nossa família que, apesar do amor que nos unia, vira e mexe, em vez de abraço, a gente trocava cabeçadas, por falta de uma mirada franca, direta, tranquila, por falta de um olhar corajoso e puro que enxergando diretamente o outro, nos assegurasse sem necessidade de palavras: “te abraçar é bom.”

Não me lembro de abraços em datas festivas. Talvez houvessem, mas dada a qualidade do abraço, eles não entraram na minha contabilidade de abraços inesquecivelmente bem dados.

Felizmente, a vida não me impediu de receber outros abraços. Abracei e fui abraçada, e é por isso que nesse dia, em que escrevo sobre abraços, quero exaltar o poder magnético de um abraço.

Dentro de um abraço há uma porção secreta de elixir da vida.
Há cura para a saudade impossível.
Há correspondência para todas as fragilidades humanas.
Há analgésico para as dores da alma.
Há saúde para o corpo cansado, adoecido, abatido.
Há vida para quem está desistindo de viver.
Há inclusão para quem se sente excluído.
Há vontade de ficar.
Há esperança para quem não vê saída.
Há coragem para as horas trágicas.
Há até breve e há adeus.

Eu penso que, se no leito de morte, nos sentirmos abraçados, ao nos desprendermos do derradeiro abraço, teremos coragem para invadir o invisível.

Há algo de Deus na mão que segura a nossa mão, no braço que nos abraça, e nos envolve, sem pressa, sem susto, sem medo, como se a eternidade tivesse chegado e fosse impossível nunca mais deixar de nos abraçar.

Dentro de um abraço cabe muita divindade, mas também cabe a humanidade que ama, que sofre, que chora, que se alegra, que comemora, que se perde e se acha, no exato momento em que o abraço sinaliza a direção.

Não é o beijo quem faz isso, é o abraço. Não é a relação sexual quem restaura a quebra de energia, é o abraço. Não há a exigência de ser abraçado por pessoas de sexo diferente, ou do mesmo sexo.

Dentro de um abraço não cabe homo ou hétero. O abraço é vibração de cura sem discriminação sexual. O abraço é tão divino que prescinde de orientação sexual.

Abraço é sinal verde para a saúde. Por falta de abraço as pessoas entram no modo espera e ali ficam, estagnadas e carentes, até adoecerem, e dali não saem, até que um abraço as resgate. Não um abraço molengo qualquer, mas AQUELE abraço.

Ontem, vi um filme um pouco antigo, que achei maravilhoso: “O encantador de cavalos”, interpretado pelo extraordinário Robert Redford. Talvez por isso, me senti impelida a escrever sobre o poder do abraço.

No filme, Robert faz um vaqueiro que tem a missão de aproximar uma mãe e uma filha, desconectadas pela falta de contato físico, no momento em que a menina se encontra bastante traumatizada por um acidente que a deixou com sequelas físicas e emocionais.

Mas ele também faz o mesmo com o cavalo que a menina montava no momento do acidente, e que em decorrência do trauma, se tornara um animal extremamente arredio e perigoso.

O filme distribui abraços. Abraços óbvios e não tão óbvios.
Abraços entre o vaqueiro e a menina.
Abraços entre a mãe e a menina.
Abraços entre o vaqueiro e o cavalo.
Abraços entre a menina e o cavalo.
E como não poderia deixar de ser, em se tratando da sétima arte: abraço entre o vaqueiro e a mãe da garota.

O filme é uma história de cura pelo abraço. E se até o cavalo se cura dos traumas e se revela uma criatura dócil, imagine o que o contato físico faz pelos seres humanos.

Então é isso: abrace e seja abraçado. Faça do abraço um ritual de extrema criatividade. Venha abraçando de longe, com os olhos, com o sorriso, com o corpo que se entrega. E ao chegar perto, não tenha pressa de fechar os olhos. Olhe diretamente, até o último momento em que o ser abraçado saia do seu campo de visão.

Nessa hora, feche os olhos, e… abrace.
Abrace com força, mas sem quebrar a costela.
Abrace com a força do sentimento. Embora os braços precisem da força, ela não pode ser maior do que a força do seu coração. Abrace com tudo o que um abraço significa para você.

E não tenha pressa de desabraçar.
Desabraçar é uma ciência, tanto quanto abraçar o é.
Desabrace lentamente, levemente, quase em slow motion.
E assim como o olhar foi o primeiro a abraçar, ele também deve ser o último a desabraçar.

É desse jeito que eu, você, e todas as pessoas, merecem ser abraçadas. Dispense abraços sem substância. Deseje, queira, e promova abraços de qualidade curativa infinita.

Se for para dar – ou receber – um abraço mal abraçado é melhor nem abraçar.

O que destrói o relacionamento é a falta de respeito, não de amor

O que destrói o relacionamento é a falta de respeito, não de amor

Os relacionamentos chegam ao fim por diversos motivos. Alguns por excesso de ciúmes, outros por exagerados cuidados, outros por falta de respeito, mas, dificilmente, acabam por falta de amor.

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Muitas vezes abandonamos o barco amando muito, mas a relação sofreu tantos maus tratos que não há como continuar. Constate: as relações são afetadas pela forma como o outro nos trata, seja de forma boa ou ruim. Se bem cuidado o amor dura uma vida, se maltratado dura semanas.

É interessante comparar o começo ao fim do relacionamento. No começo as pessoas são gentis, educadas e se mostram preocupadas com o outro. Deixam até aquela sensação de eternidade na história. Mas, na primeira briga, desrespeitam o companheiro de forma cruel, como se não tivesse nenhum sentimento entre eles.

Em algum momento a sociedade pregou que basta amar para uma relação durar. E as pessoas acreditaram. E o cuidado? E o afeto? E o respeito? Engole com gelo? A verdade é que as pessoas perderam o respeito pelos outros e, no calor das emoções, usam as ofensas como quem usa uma metralhadora com a intenção de matar. E matam mesmo. Matam o respeito, o amor, a vontade de continuar.

“O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse é um dos livros mais incríveis sobre o tema. Através dele, conseguimos entender o que acontece na alma humana diante dos conflitos e como podemos lidar com eles. Segundo o próprio Hesse: “o livro trata, sem dúvida alguma, de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é o livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê”.

Nesse livro, em um certo momento da narrativa, Hesse apresenta o conflito do homem entre a vontade de viver e de morrer, já que a segunda atitude parecia ser a solução de todos os problemas: “apesar de nunca querer morrer de verdade, sonhávamos com a morte do sofrimento. Queríamos matar aquilo que nos doía: um remorso, um pavor, uma ausência.

Entretanto, nos cantos mais sutis da alma, sempre houve uma espécie de clamor pela existência. Morte e vida eram a fúria e a calma de um animal que nos habitava”.

Alguns relacionamentos, ainda que não levem à morte nem sirvam de reportagem para os noticiários sensacionalistas, deixam marcas profundas na alma das pessoas.

Entenda, de uma vez por todas, que ciúme doentio não é manifestação de amor, que onde prevalece a dor e a humilhação, não pode haver relacionamento. Simples assim!

Sabe, você pode ter a infelicidade de ser vítima da primeira ofensa ou da primeira agressão, mas não precisa aceitar a segunda. Respeite-se e não precisará exigir isso dos outros. Lembre-se que violência começa com desrespeito e, desrespeito, começa com a sua aceitação.

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Imagem de capa: iiiphevgeniy/shutterstock

Valioso mesmo é o que não custa nada

Valioso mesmo é o que não custa nada

Imagem de capa: Dmytro Zinkevych/shutterstock

Eu sei. Sei o quanto você trabalha pelo que tem. Reconheço seu esforço diário, seu merecimento por tudo quanto é seu. Valorizo as suas conquistas materiais. Todas elas. Admiro o cuidado com que você cuida do seu patrimônio, seu carro, sua casa, seus brinquedos de gente grande. Suas coisas. Mas, aqui pra nós, são só coisas. E por maior que seja seu valor financeiro ou sentimental, não valem mais do que aquilo que não custa nada.

Eu só acho que nenhum carro do ano vale mais do que pará-lo no farol vermelho e aceitar o folheto publicitário da moça que passa o dia lidando com cara feia, indiferença e vidro fechado. Não custa nada.

Toda casa se faz mais rica quando abre a porta na hora certa a quem precisa. Toda fortuna se multiplica se dividida. Todo amor se consolida quando se espalha em atitudes amorosas que valem tanto e não custam nada.

Ahh… como valem os gestos gentis! Olhares de afeto, sinais de compreensão, delicadezas à toa, essas coisas que a gente faz pelo bem do outro sem mais o quê. Valem tanto e também não custam nada!

Tratar os outros com respeito é de graça. E tudo que não custa nada vale mais que todo o dinheiro do mundo.

Sonhar é assim também. Não custa nada um sonhozinho bom aqui e ali. A gente sonha grande e muda o mundo devagar. Sonha com as pessoas cuidando umas das outras. Sonha com toda gente reaprendendo o valor grandioso das coisas que não custam nada. Sonha tanto que uma hora acontece.

Sei não. Mas eu acho que não custa nada pensar sobre isso.

A gente não pode ajudar, com as próprias mãos, uma borboleta a sair do casulo

A gente não pode ajudar, com as próprias mãos, uma borboleta a sair do casulo

Imagem de capa: Iuliia Khabibullina/shutterstock

Esses dias eu tive a sorte de presenciar a linda e forte cena de uma borboleta saindo do casulo.

Já havia visto antes um passarinho saindo do ovo. E, em ambas as situações, o sentimento que me surgiu ao assistir assim tão de perto foi dor, a dor da transformação, a dor do nascimento. Uma lagarta não vira borboleta de uma hora para outra, uma borboleta não sai de um casulo com a facilidade e a leveza que suas asas simbolizam. Vendo assim de perto, noto que é um processo longo e doloroso.

Devagarzinho a borboleta vai se despindo do casulo, com as maõzinhas cria uma fresta e vai sentindo o ar de fora, vai abrindo uma janelinha, e vai empurrando o próprio corpo ainda encolhido para fora de seu confortável abrigo. É tudo muito lento, com pausas no percurso, um passo de cada vez para se acostumar com o novo. E quando o corpo todo deixa o casulo, a borboleta ainda está toda encasulada, seu corpo comprimido, suas asas dobradas, mesmo fora da casca, sua estrutura ainda está apegada. É devagar que as asas vão se esticando, se abrindo, revelando o colorido e as dimensões.

Quanta coragem e força precisou ter esse ser intermediário entre lagarta e borboleta para poder encontrar o mais pleno de si? Quanta luta consigo mesma precisou a borboleta desempenhar para entender que mesmo que tão quentinho, confortável, familiar era a sua situação de lagarta no casulo, era menos do que ela veio ser neste mundo? Chega uma hora de maturação que as leis do universo nos impulsionam a rompermos nossos casulos. Vai haver dor? Sim, mas ficar já não é mais uma opção.

Ah, mas e essa persona de lagarta que a gente já sabe ser? E esses territórios já tão conhecidos, os ambientes conquistados, essa facilidade de ficar nos galhos?… E essa hibernação do casulo, é tudo tão confortável (e duro!)? É mais fácil continuar sendo o que se é… Não é? Como podemos querer abrir frestas para uma nova versão da gente mesmo? E deixar para trás as nossas firmes verdades, e reaprender a andar (ou a voar!), e nos olhar no espelho e nos desconhecermos por completo?!

contioutra.com - A gente não pode ajudar, com as próprias mãos, uma borboleta a sair do casulo
Arte: Charlie Davoli

Como podemos querer abrir em nós mesmos uma nova versão de ser no mundo? Se essa que eu uso hoje já me cai bem, já conhece os caminhos (e os esconderijos). Pra que passar por uma dolorosa transformação, se eu não mais serei eu, se eu vou perder o chão que com tanto custo cultivei?! Que monstro é esse que mora em mim e que quer ser eu em meu lugar? Como eu vou deixar? Como vou parar para escutar esses ecos que vão me matar?!

Não! É melhor a gente ligar alto a televisão, é melhor se afundar no trabalho, e chegar em casa cansado pra não ter que encarar nada disso. É melhor tomar um comprimido, reclamar o tempo todo como um disco riscado e não parar para olhar o que realmente está errado e martelando na nossa alma. É melhor acreditar nessas paixões que nos machucam, nessa solidão como destino, nessa nossa condição de vítima. É melhor curvar as costas, reprimir a alma, fazer vista grossa para o que na gente quer ser grande! É melhor não escutar o silêncio e não encarar-se no espelho por muito tempo.

É melhor mesmo?

A gente não pode ajudar, com as próprias mãos, uma borboleta a sair do casulo…

Está nas mãos dela, está na ousadia de suas asas.

Morro de preguiça de gente sonsa

Morro de preguiça de gente sonsa

Tem gente que já nasce sonsa. Ou aprende a ser sonsa desde muito pequenininha. É aquela criança que fala assim “Professora. Pode comer lanche na aula?” ou “Professora. A prova é com consulta?”. Só para poder dedurar o amigo que não aguentou esperar o recreio para comer ou o outro que está tentado dar uma coladinha na prova.

Ahhh sim, gente dedo duro é de lascar também. Mas gente sonsa é ainda pior! O dedo duro autêntico se orgulha de ser dedo duro. Prefere ferrar os outros e ser odiado a assistir passivamente o sucesso ou a paz alheia.

O dedo duro é falso explicitamente. É aquela parte do texto grifada em neon, com aquelas canetinhas verde–limão. Você só atura o dedo duro se quiser, porque esse tipo realmente não faz questão da sua aprovação. Seu prazer reside em outro tipo de satisfação.

Agora… o sonso… Virgimaria! O sonso não mostra a cara, não assume o que faz e é capaz de acabar com a sua alegria, com um sorriso angelical estampado nos lábios.

Por isso, não vá achando que a sua inteligência é pouca, ou que a sua inocência beira a idiotice, caso você já tenha caído na lábia e desgraça de algum sonso, ou sonsa. Afinal de contas, se você ainda não passou por isso, vai passar… É uma questão de tempo.

E quanto mais esperto você for, mais sofisticada será a estratégia do sonso para te engabelar. Sim!!! Porque se tem uma coisa que faz parte do “modus operandi” dessa gente é a vaidade exacerbada. Gente inteligente é um desafio para gente sonsa. É assim, tipo um troféu, uma iguaria, a sobremesa mais cara do cardápio.

O sonso tem inveja de tudo. Até das dificuldades. E quer o que é seu, mesmo que não tenha nenhuma serventia para ele. Seu negócio é subtrair, enganar, prejudicar, minar relacionamentos. E ele não mede esforços para conseguir o que quer. Pode passar muitos anos se fazendo de seu melhor amigo, sem que você sequer desconfie de suas intenções.

E, não, não é uma patologia. É fraqueza de caráter mesmo. Às vezes tem jeito, às vezes não tem. Tem gente que nasce sonsa e morre sonsa, vai sacanear os colegas idosos no jogo de dominó até o fim de seus dias, exatamente como sacaneava os amiguinhos na hora de bater figurinha.

Morro de preguiça de gente sonsa, exatamente porque já aprendi a farejá-las a quilômetros. E compreendi que o único jeito de derrotá–las é se fingir de sonso por algum tempo. E isso cansa! Cansa mas compensa. Porque cair nas malhas da falsidade de uma pessoa sonsa não é raro, nem trabalhoso, mas pode ser fatal.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena da série Downtown Abbey

Se o parceiro não muda, muda de parceiro

Se o parceiro não muda, muda de parceiro

Parece impossível saber com exatidão o momento exato em que nada mais adiantará, em que tudo já foi feito, dito, revisado, explicitado, em que é hora de sair de um relacionamento que expirou de vez. Queremos dar certo na vida, no trabalho, no amor, por isso nos custa demais terminar com algo definitivamente, porque dói falhar assim, dói demais.

Nós nos apegamos com certa facilidade a coisas, a pessoas, tomando como parte de nossa vida muito do que nem deveria estar junto, mantendo o que machuca, por medo, covardia, por ter que dar satisfações aos outros, ao mundo, enquanto ficamos a cada dia menores, acumulando o vazio de um relacionamento de mão única, amando por dois, pedindo, clamando, doando sem retorno, sem guarida, sem volta.

E os dias vão se passando como nuvem, fugidios, superficiais, carregados de uma ausência doída de afeto e de atenção. E vamos como que nos arrastando, trabalhando, agindo mecanicamente, carentes de ao menos um olhar que retorne sentimento, carentes de abraço, de beijo, de “bom dia” e “boa noite”. A cada dia, ficamos menos gente, vivemos menos amor, ao passo que nutrimos uma falsa e tola esperança de o outro vá mudar – porque a gente já mudou tanto por ele…

Inevitavelmente, chegaremos a um ponto em que já teremos tentado de tudo, já teremos avisado repetidamente, mostrado, já teremos gritado exaustivamente, até terem sido esgotadas todas as forças, todas as possibilidades, todo e qualquer caminho, toda e qualquer tentativa. Sem ânimo, alquebrados, aniquilados emocionalmente, sem ter onde agarrar, tomaremos, então, consciência de que é chegada a hora de sair daquilo tudo, de praticar o adeus, o nunca mais.

Quando ainda amor houver, quando o sentimento ainda estiver ali, sufocado pelo cotidiano, mas disposto a reavivar-se, sempre deveremos tentar e lutar pela manutenção do que já construímos a dois. Entretanto, se somente existe vida de um lado, mesmo após as súplicas e insistências de um só, ali o amor não mais florescerá, pois não há mais cor que se instale em terreno infértil, onde não se semeia reciprocidade.

Não esquecer: ainda há muito pela frente a ser vivido com alguém que realmente lhe dê as mãos e volte os olhos para você. Acredite!

Imagem de capa: Matthew Nigel/shutterstock

A maturidade nos ensina a reordenar as prioridades e colocar cada coisa em seu devido lugar

A maturidade nos ensina a reordenar as prioridades e colocar cada coisa em seu devido lugar

Imagem de capa: XiXinXing/shutterstock

O tempo passa e inevitavelmente algumas coisas não têm mais importância nem espaço em nossas vidas. Percebemos que é uma grande perda de tempo revitalizar o que desbotou.

Depois de algum tempo, compreendemos que o mundo não acaba por razões tão pequenas. Por situações que fugiram do controle. Por tudo aquilo que não era para ser.

Os infortúnios, os desencontros, as decepções e as perdas sempre vão acontecer, é inevitável. O que muda é a forma de lidar com as rupturas, com os nãos que a vida impõe.

A vida tem ritmo próprio, que segue indiferente ao caminho desenhado por nós. O que acontece fora do planejamento, não deve nos roubar a paz e a esperança no futuro, é apenas uma parte que não se encaixou naquele momento. Que não girou conforme a mirabolante engrenagem que montamos. Que não entrou em sintonia com aquela expectativa que regamos durante tanto tempo.

Há um ponto onde a engrenagem para, e isso não está mais relacionado ao que fizemos ou deixamos de fazer. É da ordem do que não se explica. Não convém debulhar para entender. Não significa que estagnamos ou desistimos. Significa que mudamos o comportamento em relação àquele fato, e agora, mais plenos e conscientes, descobrimos que algumas coisas escapam e não dependem mais dos nossos esforços, da nossa entrega.

O tempo passa de qualquer maneira, e frequentemente, somos modificados por tudo que nos cerca. O que não deu certo não deve ganhar autoridade para nos atormentar com o fantasma da culpa. Deve ficar no passado. A maturidade nos ensina a reordenar as prioridades e colocar cada coisa em seu devido lugar.

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