Quem me vê sorrir, pode jurar que eu nunca chorei

Quem me vê sorrir, pode jurar que eu nunca chorei

Imagem de capa: Victoria Chudinova/shutterstock

Me alegro com coisas ridículas, sofro por outras ainda mais. Essa é a mágica das transformações e a prova de que a eternidade só vale para o tempo e não para as fases que a vida traz e nos apresenta, quase sempre de sopetão.

Não há mal que sempre dure e bem que nunca se acabe, diz um ditado conhecido. A dor permeia a vida tentando nos enganar, prometendo estadia longa, mas é uma mentirosa, quer permanecer, mesmo sem convite.

A atitude positiva é capaz de mudar o rumo da vida. Onde é sorriso, a dor se intimida. É uma briga feia, mas necessária. O sofrimento fala alto, é impositivo, espaçoso, grudento. Mas, o otimismo é contagiante, simpático, companheiro.

Um lamento atrai outro, maior. Um sorriso atrai outro, maior.
Pode-se passar um bom tempo mergulhado no drama, mas não pode fazer-se de rogado ao convite de uma risada.

A ideia em si é dar cada vez mais espaço aos sorrisos e às atitudes positivas. A responsabilidade aumenta a cada reação que somos capazes de provocar. E uma gargalhada junto é mil vezes melhor do que um suspiro dolorido.

Quem me vê sorrir, acha minha vida boa. E ela é. Normal, com muitas dores superadas, algumas nem tanto, outras que ainda nem mexo e muitas risadas que solto para comemorar.

Quem me vê sorrir, pode achar que eu nem sei chorar. Mas é por tanto saber, que sorrio ainda mais sonora e escancaradamente.

Quem me vê sorrir, não sabe o que passei. Melhor assim. Nenhum veneno, nenhum fantasma, nenhuma dor ou desamor. Tudo isso existe, faz parte de mim, mas não podem roubar minha risada.

Essa é a vida que a gente tem obrigação de perseguir e compartilhar.

O veneno está na mesa

O veneno está na mesa

O veneno não está apenas na carne. Está no ar, na terra e em todos os alimentos que chegam à nossa mesa. Visando apenas o lucro, “os impérios do campo” nos obrigam a pagar com dinheiro e com a saúde pelos seus tesouros cancerígenos.

Eduardo Galeano disse que “Se a natureza fosse um banco, já teria sido salva”. Como também aduziu, ao magicamente acrescentar um novo mandamento às sagradas escrituras, que “Devemos amar a natureza, da qual somos parte”. As falas do uruguaio parecem óbvias, e assim as são, porque a literatura serve para isso: mostrar o óbvio, que ao vir à tona, evidencia – lembrando Fahrenheit 451 – os poros do rosto da vida. No entanto, se é claro como água que somos partes da natureza e que, portanto, devemos cuidá-la como se estivéssemos cuidando de nós mesmos, já que, afinal, é isso; por que, então, ela é reduzida ao atendimento dos interesses econômicos?

Essa problemática é trabalhada por Silvio Tendler no documentário “O Veneno Está Na Mesa”, dividido em duas partes e disponíveis na íntegra no YouTube. Ao longo do filme, vamos sendo apresentados ao mundo perverso do agronegócio, que com as suas grandes empresas e seu complexo agroindustrial, fatura toneladas de dinheiro, ao passo que despeja, literalmente, veneno na comida que chega às nossas mesas, causando diversos problemas de saúde, desde intoxicação, problemas respiratórios, doenças crônicas, câncer, até sendo causa de má formação fetal, aborto e infertilidade.

E os dados mostram que a grande parte dos alimentos que consumimos contém algum tipo de substância química que faz mal à saúde e, consequentemente, é gerador de doenças.

Dentre essas substâncias, algumas são proibidas, embora a grande parte seja liberada, o que torna algo extremamente difícil de ser controlado, uma vez que o próprio sistema legislativo/fiscalizador acaba por ser conivente com as arbitrariedades apresentadas.

O envenenamento que sofremos constantemente, seja ingerindo os alimentos, seja manipulando todas essas substâncias, é apenas um lado da moeda, que possui do outro, a poluição e destruição do meio ambiente, do solo, das florestas e de toda biodiversidade que sofre para que haja o erigimento de verdadeiros impérios do campo, já que a maior parte do mercado é controlado por pouquíssimas empresas, que criaram monopólios no que tange ao mercado de insumos agrícolas, “indispensáveis” para quem quer fazer agricultura.

Essa é uma questão mundial, mas, notadamente no Brasil, que é onde o documentário se específica, existe uma dificuldade enorme, até mesmo para o pequeno produtor, de trabalhar sem os venenos oferecidos pelas empresas que dominam o mercado. Há uma rigidez muito grande para que o produtor consiga financiamentos para a sua lavoura junto ao poder bancário. Para tanto, é necessário que a sua lavoura seja convencional, isto é, use no seu processo de produção todos os produtos do “kit câncer”: sementes, fertilizantes, adubos químicos e, é claro, inseticidas, próprios para combater pragas, ainda que a maior praga sejam eles mesmos.

Para o produtor que pretenda desenvolver uma produção orgânica, as portas se fecham, ou melhor, as cercas; deixando de receber qualquer tipo de incentivo (privado ou estatal) a fim de potencializar algo que pode (e deve) ser a saída para uma vida mais saudável para a natureza, o que, neste ponto, você já deve ter compreendido que também somos nós.

Contando com grande apoio do poder político, que muitas vezes tem suas campanhas financiadas pelo agronegócio, quando não, são parte deste, a cerca que separa o produtor da agricultura orgânica só faz aumentar. Até mesmo os órgãos e entidades que deveriam nos proteger desses males são alvo de pressões pela classe de política, a fim de que o agronegócio seja mantido livremente, com pouca regulamentação e fiscalização, gerando ainda mais lucros e ceifando vidas.

Obviamente, todos sabemos da importância da produção de commodities para o Estado brasileiro, sobretudo nesse período de crise. Entretanto, isso não significa que em nome de uma balança comercial e dos lucros exorbitantes de pouquíssimas pessoas, nós devamos ou sejamos obrigados a pagar o preço com a nossa própria saúde. Existem caminhos e saídas para esse problema, como também mostra o documentário.

A produção orgânica ou agroecologia não só é possível, como é capaz de alimentar a população de maneira saudável e econômica, fazendo cair por terra o mito de que ela é impagável para o povo, como faz pensar aqueles que lucram com a miséria. Todavia, para que isso ocorra é imprescindível que haja a diminuição das desigualdades sociais no campo e que o Estado seja capaz de estimular empreendimentos que visem à produção de alimentos como uma fonte de saúde e não somente como uma forma de “fazer dinheiro”.

Sendo assim, o pequeno produtor precisa ganhar espaço e ter as cercas que o separam de uma agriculta saudável retiradas, porque se hoje estima-se que 50% dos alimentos que chegam às mesas são provenientes dos pequenos produtores, que possuem apenas 20% das terras agricultáveis, o que poderia ser feito se eles possuíssem 50% das terras e incentivos na sua produção sem que tenham que se submeter aos interesses do esquema perverso do “agrobusiness”?

Pero Vaz de Caminha ao escrever para o rei de Portugal sobre as novas terras que avistava disse que aqui não havia ouro, nem prata, mas que se plantando, tudo dá. Passados mais de 500 anos, parece-me, que a afirmação de Caminha estava certa, embora o manancial natural não esteja sendo utilizado para nos conectar à verdadeira riqueza da nossa terra, mas antes, para conectar a riqueza da nossa terra aos sempre novos, insistentes e perversos “descobridores”.

Permita-se chorar em velórios, nunca em um relacionamento

Permita-se chorar em velórios, nunca em um relacionamento

Imagem de capa: Aba/shutterstock

Uma das melhores sensações da vida é envolver-se emocionalmente com alguém. E, talvez por essa razão, as pessoas estejam sempre buscando alguém disposto a isso.

O problema é que as pessoas definem o sentimento como o supra-sumo da vida e esquecem que ele está mais para uma comédia romântica do que para um amor de literatura.

Essa história de “amor é mágico” só serve para produções cinematográficas. Na vida real, o amor acontece de forma natural e se fortalece na resolução de problemas diários. Medir amor pelo número de viagens feitas, pelas declarações nas redes sociais e pelas fotos no Instagram é o mesmo que acreditar que irá ganhar na Loteria todos os dias.

O escritor Dale Carnegie, famoso por seus livros sobre relacionamentos sociais, escreveu: “uma das trágicas coisas que eu percebo na natureza humana é que todos nós tendemos a adiar o viver. Estamos todos sonhando com um mágico jardim de rosas no horizonte, ao invés de desfrutar das rosas que estão florescendo do lado de fora de nossas janelas hoje”.

Quando as pessoas fogem de relacionamentos comuns, com pessoas comuns, por achar que o amor não é rotina, entram em uma busca desenfreada por paixões avassaladoras e curtas, sofrendo consequências graves com o desgaste emocional.

Em relacionamentos comuns as pessoas esquecem a data de aniversário, não notam o corte de cabelo e esquecem de pagar a conta de luz .Nos relacionamentos cinematográficos as datas importantes são comemoradas em um helicóptero, o café da manhã vira propaganda de margarina e as viagens são dignas de capa da Forbes.

Relacionamentos comuns, envolvem pessoas comuns dispostas a fazerem o amor dar certo. Ponto! Toda história envolve uma discussão por problemas banais, uma dose de ciúmes e um pedido de desculpas antes de dormir. O que torna a relação insuportável, é fazer das diferenças a terceira guerra mundial.

É preciso entender que para uma história ir além do primeiro encontro, o casal precisa respeitar as diferenças e aceitar o outro como ele é e não projetar expectativas no parceiro e “emburrar” todas as vezes em que ele te frustrar.

E daí que ele esqueceu a data em que vocês se conheceram? Isso não quer dizer que ele a ame menos. É apenas uma data! E daí que ela não mostrou a roupa nova que comprou? É apenas uma roupa. Se você se estressa com pequenos detalhes, o melhor a fazer é ficar solteiro.

Quando não há equilíbrio emocional na relação não há como seguir em frente. Se sua história está mais para um drama mexicano do que um amor real, está na hora de parar e reavaliar essa relação. Saramago chegou a comparar o sofrimento à loucura: “o sofrimento em silêncio, causa uma doença silenciosa: a Insanidade Mental”.

Nenhum relacionamento que causa mais dor do que sorrisos é bom. Relacionamentos foram feitos para nos tornarmos pessoas melhores e para sermos mais felizes. Se há mais sofrimento que alegrias, é hora de fechar essa porta e seguir em frente.

Não tema o novo ou a solidão. Ambos são necessários para que você reconstruir sua autoestima e ter uma nova história de amor. Esvazie e limpe seu coração e siga seu caminho. Às vezes, a vida só está esperando o seu primeiro passo para te surpreender.

Estou aprendendo a não contar tudo o que sei e a não revelar tudo o que sinto

Estou aprendendo a não contar tudo o que sei e a não revelar tudo o que sinto

Não podemos negar a importância de ter alguém com quem possamos dividir nossos sentimentos mais íntimos, para que nossa carga se alivie e consigamos atravessar os problemas com apoio sincero. Porém, contar com a discrição do outro sempre será incerto, uma vez que as pessoas são imprevisíveis, muitas vezes no mau sentido. Desse modo, nunca estaremos livres de ver nossa confiança jogada fora por quem menos esperamos.

Compartilhar nossos medos é positivo, pois, muitas vezes, acabamos por dimensionar o que passamos de uma forma exagerada, visto estarmos bem no meio do redemoinho. Quando alguém nos ouve, de fora, é bem provável que a visão de quem não esteja carregado de emoção abrande os fatos, até mesmo trazendo soluções às nossas pendências. Isso nos ajuda muito.

Da mesma forma, nunca poderemos saber com clareza a reação das pessoas a quem resolvemos contar algo que sabemos. Difícil, nesse contexto, ponderarmos se vale ou não a pena revelarmos o que vimos ou ouvimos às pessoas, uma vez que as reações alheias podem nos trazer muitos problemas. Muitas pessoas preferem conviver com a mentira que conforta a ter que encarar a verdade que dói.

Quantos de nós não criamos inimizades ao contar para um amigo que ele foi traído, que disseram mentiras enquanto ele não estava presente, que ele precisa mudar algum comportamento desagradável? Infelizmente, até mesmo nossa sinceridade deve ser exercitada, porque nem todo mundo está pronto para ouvir o que não agrade, o que lhe abale a zona de conforto em que ilusoriamente se aninhou.

Por isso tudo, é preciso aprender a guardar algumas coisas somente para si mesmo. Muitas pessoas não estão querendo enxergar o óbvio, porque isso dói e requer mudanças bruscas, requer sair correndo de onde se está, requer uma coragem absurda. A verdade, portanto, não é para muitos, ou seja, compartilharmos com sabedoria e discernimento o que temos aqui dentro nos poupará de ver o nosso melhor usado da pior maneira.

Poucos serão aqueles com quem poderemos realmente contar, mas serão os poucos que trarão imensidão junto de nossa alma, fortalecendo o nosso coração e tornando-nos mais seguros na travessia das dores que virão.

Imagem de capa: Syda Productions/shutterstock

O futuro é incontrolável. Mas o dia de hoje está exatamente na palma da sua mão!

O futuro é incontrolável. Mas o dia de hoje está exatamente na palma da sua mão!

Confesso que sempre tive uma invejinha branca dessa gente precavida. Gente que faz previdência privada. Gente que faz lista de compras antes de ir ao supermercado – e segue a tal a risca, não compra sequer um item supérfluo. Gente que planeja viagem com dois anos de antecedência. Gente que compra terreno pra construir casa.

Essa gente que vive com um pé no futuro e outro no presente sempre foi um completo mistério para mim. Quando tento me ocupar do futuro arco com as consequências desastrosas de uma crise de ansiedade.

Eu não consigo nem decidir de véspera a roupa que vou usar no dia seguinte. Juro que já tentei! Mas isso exige de mim um exercício de projeção tão árduo que o “crime” acaba não compensando.

Ir ao futuro previamente me deixa exausta. É como se eu estivesse vivendo dentro de um daqueles filmes de ficção, em que a pessoa se desintegra em plena Revolução Francesa e desembarca numa nave espacial rumo a uma colônia de férias em Marte.

Minha alma é meio nostálgica. Curte dar uns pulinhos em histórias antigas, passadas, findas.

Vivo com saudades de alguma coisa, ou de alguém. Mas isso também me exaure. É a viagem inversa daquele filme de ficção.

O pior é que muitas vezes, numas viagens dessas a lugares de outras horas, eu fico apegada às vidas que já vivi e que não me servem mais. Fico sem vontade de voltar.

E não foi assim “de estalo” ou sem querer, que acabei aprendendo que a gente não tem nenhum controle sobre o amanhã. Muito menos, temos poderes para alterar o que já ficou pra trás.

Aprendi a olhar pro dia de hoje como um daqueles presentes caprichados pra despertar alegria na gente. Aqueles presentes caprichosamente arrumados numa caixinha linda, colocada dentro de outra caixa igualmente bela, acomodada dentro de outra maior e bonita de tirar o fôlego… E, tudo isso dentro de um daqueles papéis de celofane… brilhantes, difusos, musicais ao toque.

E se for mesmo um daqueles dias de sorte, todo o presente virá envolto em muitos metros de plástico bolha!

O futuro é incontrolável. Mas o dia de hoje está exatamente na palma da sua mão. Olhe para ele com os olhos ávidos de uma criança e com a alma tranquila de um monge tibetano. Ambos, a criança e o monge têm uma sabedoria que vale por tudo: a vida é pra ser saboreada, não para nos fazer engasgar!

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “Ponte para Terabítia”

Não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”

Não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”

Imagem de capa: Tanja Nikolaenko, Shutterstock

Quem quer estar junto, demonstra interesse. E mais do que interesse, mostra atitude. Não é decidir tudo a cada 5 minutos, mas também não é deixar a vontade de ver alguém jogada no vento, como naquela traiçoeira fala do “você que sabe”.

Tem gente que é mestre em confundir desinteresse com indecisão. No primeiro caso, a outra pessoa simplesmente está pouco se lixando para o fato de você querer a companhia dela. Já no segundo caso, a outra metade é bem confusa para saber o que quer. Mas em ambas as situações, não podemos negar, falta vergonha na cara de quem corre atrás. É claro que não dá para generalizar. Muitas vezes, com muitas pessoas, você apenas está disposto para mais de uma escolha. O problema é quando isso se torna uma constante no relacionamento. “Você que sabe” não é resposta para tudo. No fundo, você sabe disso. Mas por alguma razão desconhecida, treme na base para dizer, para expressar-se.

Infelizmente, vivemos num tempo onde as opções são tantas que, até sem querer, acabamos fazendo um jogo duro desnecessário. Falta mais sinceridade em olhar nos olhos da pessoa que está junto de você e conversar sobre si. Expor pensamentos, sentimentos e gostos. Além de ser completamente válido, ainda evita desconfortos e caretas por possíveis negativas e dúvidas no relacionamento.

Cada instante é precioso demais para cair no limbo do tanto faz. Saudade alguma merece tanto descaso. A maior prova de respeito que você pode entregar para alguém, é deixar de lado esses vícios emocionais que carrega de decepções passadas. Porque não é a falta de tempo que acaba com o amor, mas sim o “você que sabe”.

Com o tempo a gente aprende quais brigas comprar

Com o tempo a gente aprende quais brigas comprar

É no tempo que as verdades se revelam. Que a vida acontece e floresce como tem que ser. O tempo é um bálsamo e um ótimo antídoto contra os impulsos que com certeza, em algum momento da vida, já nos jogaram em meio a um turbilhão de situações delicadas.

Quantas brigas de outros compramos para nós sem nos darmos conta das consequências? Quantas vezes falamos ou agimos sem analisar se nossas palavras ou atos trariam mais benefícios que estragos?

Pois é, foi preciso que passássemos por algumas situações para aprendermos a pensar antes de agir, a olhar bem para os lados antes de atravessar, a buscar todas as motivações antes de tomarmos alguma posição.

Entre o preto e o branco existe uma infinidade de matizes e esses matizes a gente só enxerga depois de certas experiências. Eles só aparecem depois que aprendemos caindo e ralando os joelhos ou depois que descobrimos como analisar as coisas de forma mais desprendida.

A vivência faz com que tenhamos confiança e amor-próprio suficientes para adiar respostas rápidas diante de situações que nos aparecem de supetão. A vida nos faz entender que existem outros personagens além do lobo e da chapeuzinho. Que há muito mais que merece ser visto e ouvido antes de efetivamente entrarmos de cabeça em alguma coisa.

Certas pessoas têm mais facilidade para controlar a impulsividade e acessar suas vozes interiores, independente da vida e ensinamentos que tiveram. Isso é ótimo, pois nossa voz interior é o resultado de nossas percepções mais profundas. Já outras pessoas têm um pouco mais de dificuldade para se aquietar. A boa notícia é que o tempo é um professor paciente, que ensina a todos, mais cedo ou mais tarde.

De acordo com a ciência quem sabe esperar e refletir tem melhores resultados acadêmicos e sociais a longo prazo, em suma, tem uma qualidade de vida melhor. Mas se você ainda não conseguiu controlar seus impulsos de forma satisfatória, um exercício simples pode ajudar a aquietar pensamentos e sentimentos acelerados, sem que seja preciso muitos tapas na cara para isso: deixe para agir amanhã.

Você vai perceber que algumas resoluções que você julgava urgentes não eram tão urgentes assim. Que algumas coisas se encaixam sozinhas e que outras só podem ser ajeitadas com carinho, paciência e dedicação.

Quando aprendemos a controlar nossos ímpetos, a vida, indiscutivelmente, se apresenta mais suave para nós.

Ser paciente. Refletir. Saber quais brigas comprar, ciente das consequências, e quais ignorar, certamente nos livra de muitos aborrecimentos e denota que hoje estamos mais amadurecidos.

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Atribuição da imagem: pixabay.com – CC0 Public Domain

Um brinde a todos os foras que levamos até hoje!

Um brinde a todos os foras que levamos até hoje!

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

Sejamos sinceros: ninguém aprende nada sobre a vida estando em férias, em uma praia paradisíaca, tomando água de coco. Aprendemos na dor, levando alguns socos da vida e indo à nocaute algumas vezes. Aprendemos quando o sofrimento arrebenta a alma e quando, mesmo assim, temos que seguir em frente.

Ninguém é curado se antes não houver dor. Ninguém levanta sem antes cair. Ninguém aprende o que é correto sem antes errar. Às vezes é preciso chorar muito para aprender uma lição mesmo. E, quer saber? Um brinde a isso! Um brinde a todos os foras, às porradas da vida e aos “nãos” que levamos. Eles nos fizeram crescer e chegarmos maduros até aqui.

Não dá para ficar preso à ideia de que fracassamos na vida só porque as coisas não saíram como planejamos. Entenda há uma grande diferença entre “algo dar certo” de “dar como gostaríamos”. Quando nos envolvemos com alguém estamos arriscando a sofrer ou não.

Em “Os quatro amores”, C.S. Lewis dizia que “amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo”.
Amar significa correr riscos, mas claro, de forma madura. Algumas relações dão certo, outras acabam sem explicação. Assim é a vida!

Desculpe decepcionar, mas o “fora” não é uma exclusividade sua. Caso você tenha mais de 20 anos e nunca tenha levado um, sugiro que sua vida seja estudada pela ciência. Caso você tenha levado vários e sobrevivido, saiba que isso é uma das coisas mais normais do mundo.

Você pode ser incrível, ser independente e saber falar cinco línguas diferentes, mas se o sentimento não for recíproco nunca dará certo. Esqueça a auto condenação de “se eu fosse mais magra”, “se eu fosse mais bonito” ou “se eu morasse na mesma cidade”, porque isso só tem peso para quem não ama.

É necessário parar de associar o “fora” à rejeição. As pessoas sofrem porque acreditam que estão sendo rejeitadas por quem amam. Mas, na verdade, não é nada disso. Ninguém leva um fora pela aparência, pela cor do cabelo ou pelos quilos que tem. Levamos (e damos) foras porque não houve sentimento em relação ao outro. Só isso! Não há (ainda bem) como obrigar as pessoas a nos amarem só porque nos apaixonamos por elas. Somos livres!

Essa (péssima) mania que temos de falar que fomos iludidos e que a pessoa não presta é só uma forma de justificar o fora que levamos e de esconder nosso ego ferido.

Ainda temos muito o que aprender sobre relacionamentos que terminam e sobre aquelas que nem chegam a começar. Precisamos entender que levaremos muitos foras na caminhada da vida. Alguns serão sutis, outros serão em formas de desaparecimentos no estilo Copperfield e outros doerão como um soco na boca do estômago. Mas, brindemos a todos eles! Um fora é a forma que o destino encontrou de nos defender de uma dor futura.

Não se despedace para manter os outros inteiros

Não se despedace para manter os outros inteiros

Imagem de capa: karelnoppe/shutterstock

Esquecemos de cuidar de nós, na medida em que cuidamos em demasia dos outros, até que chegamos a um ponto de sonegação que já não somos capazes de oferecer nada a ninguém.

Vivemos em tempos de pleno egoísmo, em que pensar e se colocar no lugar do outro é algo extremamente raro. A tal da empatia é imprescindível para iluminar tempos escuros. Entretanto, como nada na vida é simples, é necessário que prestemos atenção no modo como nos doamos às outras pessoas, pois ainda que isso seja importante, por vezes, esquecemos que também precisamos nos amar.

Vejo muita gente falando sobre isso e, de fato, é algo que precisa ser dito. Todavia, não quero chegar no fim das contas ao lugar comum de um egoísmo mascarado de amor próprio ou a uma autoproteção exacerbada. Digo isso, porque se relacionar é quebrar a cara, não tem jeito. Uma hora ou outra, alguém vai te decepcionar, não vai corresponder às suas expectativas, nem ao afeto e ao cuidado que você proporciona.

E isso faz parte da vida em comunidade, composta por um emaranhado de relações sociais das quais fazemos parte. Para criar bons relacionamentos é preciso criar expectativas e investir do que você possui de melhor na pessoa, mesmo sabendo que sempre há o risco de se decepcionar e se machucar.

O ponto que quero levantar nesse texto é que mesmo estando aberto aos outros, é preciso que haja também um olhar e cuidado com si próprio, afinal, se você não estiver bem, como poderá oferecer algo de bom aos outros? No entanto, a verdade é que muitas vezes imergimos em relações e situações que retiram de tal modo o nosso ar, que paramos de respirar.

Esquecemos de cuidar de nós, na medida em que cuidamos em demasia dos outros, até que chegamos a um ponto de sonegação que já não somos capazes de oferecer nada a ninguém.

É claro que devemos ter carinho pelas pessoas, tratá-las bem, agir com humanidade, contudo, há certos momentos em que devemos parar, olhar-nos no espelho e ver se estamos de agrado com o que está sendo refletido. Ou seja, precisamos de um tempo só para nós, em que possamos refletir sobre como estamos, inclusive, nos nossos relacionamentos, a fim de que não nos suprimamos de tal modo que acabemos nos despedaçando por tamanha falta de cuidado com alguém que também devemos amar.

Outra coisa importante de ser dita é que nem sempre precisamos tirar de nós para dar a alguém. Isto é, em alguns momentos é necessário deixar que a pessoa ande com as próprias pernas, conte consigo mesma, experimente o mundo sem travas de proteção, quebre a cara; pois isso faz parte do processo de amadurecimento, tão importante para o crescimento de todos nós.

Mais uma vez, isso não significa que só devamos olhar para o nosso próprio umbigo, mas mesmo as pessoas que amamos e por isso estamos sempre querendo fazer de tudo para ajudar, proteger, cuidar; necessitam experimentar o mundo e certas vivências sozinhas, já que sem isso, estaremos nos esquecendo de nós para nos doar ininterruptamente a alguém, ao mesmo tempo em que deixaremos que o outro possa crescer e aprender que além de um receptor, também deve ser um vetor de afeto.

Buscar o equilíbrio na linha tênue entre o amor próprio e o egoísmo é realmente muito difícil, mas é essencial para que não nos tornemos pessoas fechadas em si mesmas, tampouco pessoas esvaziadas completamente do nosso eu. O que significa dizer em outras palavras, que toda relação é uma via de mão dupla, de maneira que precisamos ser retribuídos no afeto que doamos, bem como, de um tempo interior para que mantenhamos a nossa alma nutrida pelas nossas mãos, já que isso é vital para que estejamos completos nas nossas relações, sem que nos despedacemos para manter os outros inteiros.

Decidi que não colo mais nada que estiver aos pedaços

Decidi que não colo mais nada que estiver aos pedaços

Imagem de capa: Adrian_am13/shutterstock

Um vasinho que minha filha pintou quando era pequena… quebrou. Colei uma vez, segurou um pouco, meio falhado, faltando pedaços. Quebrou de novo, meu coração apertou novamente. Não colou mais. Foram duas agonias que poderiam ter sido evitadas. A fragilidade da primeira cola e a frustração da segunda.

Assim é também na vida, nas relações, no que se constrói e destrói. Se quebrou, escangalhou, rompeu, se partiu, é momento de se despedir e descartar. Abrir espaço para o novo, o inteiro.

O apego faz a gente tentar reverter os danos, fazer voltar ao normal, fingir que nada aconteceu e tocar para frente. Mas, e não vale para tudo, mas vale para muita coisa, às vezes não tem jeito. O conserto fica pior do que o original, a ilusão do refazimento cria sombras e sustos a cada movimento. Uma fragilidade insuportável!

Por outro lado, estranhamente sofremos pelos rompimentos, pelos cacos espalhados, por comunicações cortadas, mas diariamente descartamos um monte de aquisições e possibilidades, concentrados que estamos em colar pedaços do que não irá funcionar mais.

Um tecido rasgado não volta ao normal, ainda que a costureira seja fantástica. Uma relação esgarçada, também não. Mesmo que se faça um esforço supremo para juntá-la novamente. E constatar que não foi possível, é a segunda dose do sofrimento.

Eu gostava demais do vasinho pintado. Mas eu também gostava demais de um telefone que quebrou, de um amor que me deixou, de uma amizade que não rolou. É assim mesmo, a gente gosta demais, se dedica enquanto a coisa tem vida, cuida e tenta conservar.

Mas, se vier a quebrar, é importante discernir se vale à pena tentar colar. Muitas vezes é melhor se concentrar na despedida, no processo de luto e desapego, do que na fragilidade de uma cola que nem quer essa responsabilidade toda para si.

Deixar sair da vida, da posse e do campo de visão é tão importante quanto observar o que diariamente se apresenta por inteiro para nós.

Muitas vezes, é preciso passar pelo pior para conseguir o melhor

Muitas vezes, é preciso passar pelo pior para conseguir o melhor

Uma certeza dessa vida é que nada é fácil, quase nada se obtém sem luta, dedicação, perseverança e atitude. E, ainda assim, manter o que se conseguiu também requer dedicação e entrega, ou tudo se vai. Nada se mantém onde não exista terreno regado, adubado, pois onde ninguém se importa, nada permanece.

A vida aperta e atarracha, acua, recua, puxa e solta, a todo momento, colocando-nos à prova, testando nossa capacidade de levantar de novo, de recomeçar. É assim que vamos ficando mais fortes, mais seguros, valorizando o que e quem realmente importam, deixando de perder tempo com o que não acrescenta, não soma, não enriquece os sentidos.

Muito do que queremos não conseguiremos alcançar, o que nos deixará alquebrados e tristes. Muitas pessoas não nos amarão de volta, o que machucará nossos corações. Muitas pessoas nos decepcionarão, o que nos levará a desistir delas. Com o tempo, porém, retomaremos o querer, o amar, o confiar, pois é tudo isso que nos habilita ao viver.

Ao contrário da escola, na vida as provas ocorrem antes das lições, porque é a experiência que nos ensina, é a dor que nos fortalece, são as perdas que nos direcionam aos objetivos a serem priorizados. Após ter atravessado as escuridões dos erros e das tempestades emocionais, tornamo-nos mais desejosos de alcançar a felicidade que, quando sentida, então nos preenche em toda sua inteireza.

Não existe outra maneira de aprender que não seja atravessando os caminhos que se pretendem, sentindo em si mesmo a dor, o suor e o prazer que toda travessia contém. Não podemos entender o outro, a não ser nos colocando em seu lugar, compreendendo que cada pessoa é única e especial, pois sente de forma peculiar, de acordo com o que vivenciou e possui dentro de si.

Algumas coisas entrarão em nossas vidas tranquilamente, como um amor verdadeiro, um sorriso amigo, olhos que se encontram, pessoas aconchegantes. Outras vezes, sofreremos, cairemos, choraremos sozinhos, agarrando-nos a um tênue fio de esperança, antes de poder sorver com serenidade aquilo que então fará parte de nossas vidas.

Por isso é que não podemos desistir de sonhar, de amar, de sorrir, nem de chorar, porque isso tudo é vida. Isso tudo é prova inconteste de que fomos feitos para durar.

Imagem de capa: Dennis van de Water/shutterstock

Sobre pertencimento

Sobre pertencimento

Imagem de capa: folami, Shutterstock

Algum dia desses, talvez não amanhã ou depois, você finalmente descubra o seu lugar no mundo. Descobertas assim levam tempo, é verdade. Mas quando você resolve abraçar dúvidas e certezas em busca de uma sensação maior, pode ser que não demore para entender o que significa pertencer.

Todos somos instantes no universo. A ideia da existência do infinito não serve para aquecer o espírito. Sempre é um conceito irreal, para não dizer efêmero. Nascemos, crescemos e partimos. É um ciclo. O que torna tudo isso diferente e sentimental é a forma como lidamos diante de tantas experiências. Não há porquê temermos o pior. Não há, também, razões para não esperarmos o melhor. A nossa visão sobre a vida é que conduz o ritmo de cada ação partilhada. Quem deposita generosidade, recebe liberdade. Participar de algo além do comum e do ordinário é o início do pertencimento.

Conforme os dias passem, você perceberá a intensidade dos gestos. Nada é vazio. Tudo é preenchido. E se faltar atitude, lide. Se faltar proximidade, chegue perto. Escolhas estão disponíveis a todo momento para que, sem qualquer atrevimento, saibamos trilhar bons caminhos em direção ao novo. Inclua o amor na conta. Não desperdice presença com quem sabota querer.

Às vezes, não dá para dimensionarmos o futuro. Tudo o que podemos fazer é fincar pés e mãos no presente. Mantê-lo regado, receptivo e resiliente. Você não pode viver de sobras. Nós não podemos viver de migalhas. Atração demanda entrega. É necessário compreender defeitos e qualidades como partes de um todo, como partes de você. Mas, e desculpem a franqueza, não quer dizer que mudar está fora de cogitação. Evoluir deve ser a única constante no coração de alguém.

Ainda, em tempo, pertencimento é sobre estar em contato com o melhor que você tem a oferecer. Porque só quando você se desfaz de fragilidades e silêncios anteriores, é que finalmente descobre – pertencer justifica viver. Viver por você, por nós e por todos.

Quem acha que tudo é indireta tem a consciência pesada

Quem acha que tudo é indireta tem a consciência pesada

Em tempos de redes sociais em alta, espalham-se, a torto e a direito, mensagens com dizeres escritos no sentido de atacar o que de pior os seres humanos possuem: falsidade, egoísmo, deslealdade, traição. Basta lermos os murais do face ou do twitter e perceberemos que a maioria das postagens acaba por tentar mandar uma lição de moral, sem endereço explícito.

São memes, citações, fragmentos de livros, frases de caminhão, todo tipo de material pelo qual, bem ou mal escritas, disseminam-se mensagens generalizadas que versam sobre comportamentos indesejáveis e vícios morais que se quer combater. Neste contexto, a inveja, a ganância, a falsidade, o preconceito, entre outros, encontram terreno fértil nos posts que se generalizam pelas redes sociais.

Interessante observar que não poucos internautas bradam majoritariamente sua indignação em relação a quem se mete na vida dos outros, a quem cobiça o que não é seu. Parece, muitas vezes, que o mundo inveja aquela pessoa e tenta se intrometer na sua vida, ou seja, haja narcisismo para se achar deveras importante assim. Não pode ser normal alguém se ver como uma pessoa tão invejada e por tanta gente. Há que se ter cautela com quem se vê insubstituível dessa maneira.

Da mesma forma, há quem se ofenda com qualquer linha que lê, pois toma para si todas as indiretas virtuais, achando que o todo mundo manda recados para a sua pessoa. Mesmo que se trate da postagem de um mero conhecido, tem a certeza de que aquilo lhe foi endereçado. Na mente deste tipo de pessoa, a sociedade presta atenção em tudo o que ela faz, condenando, difamando, invejando cada um de seus passos. Autoestima é bom, mas egocentrismo a esse ponto é doentio.

A verdade é que o tempo anda por demais corrido e as responsabilidades crescem a cada dia, ou seja, mal temos tempo de cuidar de nossas vidas, que dirá prestar atenção na vida dos outros. Sempre existirão os enxeridos de plantão, prontos para detonar qualquer pessoa, sem motivo racional, mas a grande maioria estará ocupada com as próprias tarefas, que não são poucas. Caso comecemos a enxergar indiretas em muito do que postam nas redes sociais, é claro sinal de que temos algo incomodando aqui dentro de nós. Como dizem, quem não deve não teme. Simples assim.

Imagem de capa: George Rudy/shutterstock

A simplificação do amor em tempos de bytes

A simplificação do amor em tempos de bytes

Imagem de capa: FCSCAFEINE/shutterstock

Os tempos não são apenas líquidos, são também mais simples, mais fluídos, mais livres de formalidades, e nessa aparente liberdade muito sentimento se perdeu.

Não há muito tempo, ao final de cada ano, recebíamos algumas dezenas de cartões de Natal aos quais se presumia que haviam de merecer idêntica retribuição, pelos mesmos meios, e esse era sempre o bom e velho correio. Todo mundo recebia e todo mundo retribuía.

O carteiro vinha quase todos os dias de dezembro à minha casa e eu me desesperava vendo a pilha de cartões crescendo, alguns abertos, outros sem abrir porque não dava tempo, e porque abrindo um já se conhecia todo o conteúdo dos demais. Bastava ler o nome do remetente e, dali mesmo, despachar a resposta protocolar.

Era trabalhoso, mas era preciso providenciar cartões de resposta para todos que gastavam o seu tempo indo até à livraria, escrevendo algumas poucas palavras, endereçando o envelope, enfrentando filas de fim de ano para a postagem no correio, afim de que seus votos de boas festas pudessem chegar às nossas mãos.

Era a hora do caminho inverso, todos tínhamos que fazer o mesmo. Era impensável não retribuir. Alguns de nós o fazíamos na última das últimas horas, apenas para nos desvencilharmos da obrigação.

Havia ainda aqueles que enviavam algum presente junto com o cartão, um panetone, um vinho, uma compota, algumas bolachas feita em casa embrulhadas em saquinhos de pano xadrez, e também tínhamos que retribuir a esses e aqueles que, por conta da gentileza mereciam idêntico tratamento.

Verdade seja dita: só me lembro de ter feito retribuições. Nunca foi minha intenção estimular o comportamento pré natalino que sempre me pareceu muito formal e rígido, mas por força das convenções, era assim que tinha que ser.

O tempo passou e hoje, com o advento das relações virtuais, todos os votos feitos em papel foram transferidos para o mundo dos bytes. Todos os cartões que entulhavam as nossas mesas, foram parar em nossa caixa de e-mails, em nosso perfil na rede social. As lembrancinhas cheirosas, coloridas, saborosas, foram substituídas pelas representações gráficas de seu conteúdo.

Já não se faz um pré Natal como antigamente. Desde o advento da internet não me lembro de receber nenhum cartão, nenhum presente, nenhuma coisa feita pelas mãos do doador, e por conta disso o mês de dezembro ficou mais vazio e sem muito significado. E não só dezembro, mas todos os meses do ano.

Os ramalhetes de flores que chegavam nas datas do nosso aniversário já não chegam mais. As entregas tornaram-se raras. As visitas também. Tudo agora é instantâneo e distante, tudo é apenas representativo, e ainda assim recebemos cumprimentos em tempo real, e em número muito maior.

Se alguém tinha 50 amigos, hoje pode facilmente ter 5.000. E ainda que a maioria não se lembre, os poucos que se lembram inundam a nossa caixa de emails, e os nossos perfis nas redes sociais, com desejos de felicidade, nos fazendo acreditar que somos amados e lembrados. Parece tudo muito bem resolvido. Só que não. Falta alguma coisa.

Não há mais marcos de celebração envolvendo as nossas vidas, não há mais caixinhas para guardar os cartões inúteis que somados, simbolizavam o nosso histórico de relacionamentos e de sentimentos, a prova viva e concreta dos nossos tratados individuais de amor e de paz.

Não há mais lugar para a materialização do amor abstrato. O amor que sempre necessitou de substantificação, tornou-se mais abstrato do que nunca porque não custa quase nada do muito pouco que custava antes. Era pouco, mas aquele pouco se apresentava e nos acompanhava durante toda a vida, como marcos de celebração.

Tenho até hoje muitos cartões guardados. Tenho os cartões do meu casamento, de Natais, e de aniversários. Amarelados, eles representam uma lembrança concreta de um amor eficaz. São símbolos de amizades que fiz, de relações que estabeleci, e alguns desses me recordam pessoas que não estão mais entre nós. Ficaram as suas mensagens com letras escritas a mão, última lembrança irrefutável de que se importaram conosco, enquanto viveram. E de que viveram.

Não tenho coragem de me desfazer desse acervo. Minhas filhas terão que faze-lo por mim.

Vivemos tempos simplificados. Cada vez se simplifica mais a vida e seus elementos protocolares. Quantas coisas mudaram, quantos costumes foram descartados, quanto se perdeu, e quanto se deixou de ganhar! Eu que sempre relutei em cumprir protocolos me vejo agora um pouco nostálgica.

Abri os meus cartões de dez Natais passados,na terça feira de carnaval, em pleno mês de fevereiro, e me descobri saudosa da exatidão fraternal cronometrada. Quem era meu amigo no Natal era amigo na data do meu aniversário. Era amigo de dezembro a dezembro. Mais que uma sequência havia uma consequência. Havia correspondência verdadeira. Havia continuidade. Havia reciprocidade. Havia lógica. Havia o conteúdo simbólico tão necessário para nos fazer sentir que pertencíamos uns aos outros.

Eu não sei onde essa simplificação nos levará. Eu só sei que sinto saudades dos cartões de linho, materializando a boa vontade dos homens na terra. Era apenas papel, mas era também Papai Noel com seu trenó, galhinhos verdes, guirlandas de flores, renas, a imagem de Jesus na manjedoura, a mãe de Jesus, os animais, os reis magos, o amor, a alegria, a fé, a esperança da vida eterna, e a certeza de que tudo era parte de um grande propósito universal que dava sentido à existência.

Hoje temos bytes. Temos imagens. Temos muito material áudio-visual. Não é preciso um grande esforço para resgatar a memória. Mas ainda assim falta passado nesse presente imperfeito, falta o rastro da palavra escrita, falta um roteiro sentimental que possamos segurar nas mãos como arquivo seguro.

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