Pessoas que assumem os próprios erros são mais confiáveis

Pessoas que assumem os próprios erros são mais confiáveis

Imagem da capa: LuckyImages/shutterstock

Errar conscientemente, sabendo da dor que trará ao outro, é antiético; errar tentando acertar, querendo o melhor, é necessário. Somente assumindo os erros é que estaremos aptos para aprender a não voltar para eles, bem como nos tornaremos mais confiantes e dignos de confiança.

Está aí uma espécie em extinção: pessoas que assumem o erro, que sustentam o que disseram e/ou fizeram, arcando com as consequências disso tudo. Infelizmente, prolifera-se, pelos vários ambientes de nossas vidas – trabalho, círculo de amizades, de familiares -, um comportamento extremamente danoso, por pautar-se pela fofoca, por atitudes destemperadas e impulsivas e pela omissão, quando as bombas explodem.

No ambiente de trabalho, muitos acabam fugindo furtivamente, quando se trata de assumir algum erro cometido, até mesmo negando veemente o que, como e quando fizeram algo que comprometa sua suposta eficiência. Não raro, chegam a acusar quem se encontra em nível hierárquico mais baixo, ou seja, colocam a culpa em alguém que raramente terá voz para se defender aos superiores.

Da mesma forma, existem aqueles que não demoram a acusar quem não esteja presente na roda de conversa, denegrindo a sua imagem, atribuindo-lhe falas e atitudes que nada mais são do que o retrato exato do próprio acusador. Com isso, tentam se proteger, de antemão, do que eles próprios fazem, mas não assumem, haja vista o medo que esse tipo de pessoa sempre tem de ser desmascarado.

Esteja onde estiver, a questão é que sempre haverá quem não tenha a coragem de confessar que errou, que se comportou de maneira inadequada, que agiu sem pensar, não trazendo para si a responsabilidade sobre os próprios atos. Talvez por se acharem perfeitos, ou por medo covarde, fato é que a estes será quase que impossível assumir os erros, mesmo para aqueles com quem tem mais proximidade, aqueles que nunca negam ajuda, que são compreensivos.

Não há que se temer o erro, assim como não há que se temer retratar-se, pois erra quem faz, quem se move, quem se lança e ousa sair do lugar. Errar conscientemente, sabendo da dor que trará ao outro, é antiético; errar tentando acertar, querendo o melhor, é necessário. Somente assumindo os erros é que estaremos aptos a aprender a não voltar para eles, bem como nos tornaremos mais confiantes e dignos de confiança.

Só permita que seu coração entre em um novo lar se ele já foi capaz de abandonar o antigo

Só permita que seu coração entre em um novo lar se ele já foi capaz de abandonar o antigo

Imagem de capa: Andrii Medvednikov/shutterstock

Há quem afirme que “para esquecer um grande amor é necessário encontrar outro” e isso é tão errado quanto cruel. Começar uma história com resquícios de sentimentos e traumas anteriores é, além de constrangedor um desgaste desnecessário.

Ficar falando e ouvindo do ex, ser comparado o tempo todo e ter o nome trocado é uma falta de respeito sem tamanho. Entenda: se o relacionamento continua presente dentro de você, ainda não é o momento de começar uma nova história.

Cada um de nós tem um tempo para a cura. Alguns superam mais rápido, outros precisam de um tempo maior, que envolve sessões de terapia, conselhos de amigos e grupos religiosos, tamanho o trauma envolvido na relação. E, tudo bem! Não é o caminho escolhido que importa, é o objetivo em comum que nos move: a cura.

É difícil esquecer quando ainda há sentimento. É difícil partir quando se quer ficar. É difícil esquecer quando se quer amar e perdoar quando se foi traído, mas, acredite, é possível. Se você lembrar o quanto era feliz antes desse amor, o quanto tem valores que deixou adormecido e o quanto tem sofrido sem necessidade, você é capaz de esquecer. Miguel Unamuno, romancista espanhol, escreveu que “é preciso esquecer para viver; a vida é esquecimento; cumpre abrir espaço para o que está por vir”.

Quando começamos uma relação queremos que ela dê certo (lógico), mas, esquecemos que, para que isso aconteça, o primeiro passo é não gerar expectativas. Não está nas mãos do outro a sua cura, está nas suas. Não será o outro que fará você esquecer seus traumas, será a sua mente e seu poder de autocontrole que farão isso. Não será o outro que te fará feliz, isso é um estado de espírito individual, não um presente que você ganha ao assinar um contrato de casamento. Aprenda: não se mede amor e respeito pelos olhos dos outros.
O que dói no processo de esquecimento não é saber que a presença do outro não será mais rotina, são os planos que foram destruídos, as expectativas que foram frustradas, o medo em não ser mais feliz. São essas as coisas que doem. A verdade é que nosso coração está preparado para amar, mas não para sentir saudade.

Dor traz amadurecimento emocional e consequentemente relacionamentos maduros e duradouros. Amadurecimento emocional não vem embalado para presente com uma fita dourada, pelo contrário, é adquirido depois de muito sofrimento e de muitos foras. Aceitar que esses momentos são naturais e que passar por ele é um privilégio, é sabedoria.
Então, desacelere e meça seus sentimentos. Nunca fique em uma relação por desejo alheio, a vida é sua, portanto, a opção de continuar ou não também é. Enfrente sua solidão, permita-se sofrer, curtir o luto do término e aprenda a se amar novamente. Depois, somente, depois, esteja disposto a amar.

“Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela, pela primeira vez na sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados”. (Do livro Comer Rezar e Amar de Elizabeth Gilbert)

Não permita ser julgado por quem não vive a sua história

Não permita ser julgado por quem não vive a sua história

Olhar de longe os acontecimentos, como mero espectador, não dá a ninguém autoridade suficiente para julgar o que vê. Frequentemente, as pessoas são julgadas pelas atitudes que tomam, sofrendo olhares de censura e comentários reprovadores de quem não conhece o que se passou de fato até que se chegasse àquela tomada de decisão. Um dos maiores favores que faremos aos outros será o de conhecer antes de julgar.

Quem rompe um relacionamento, quem larga o emprego, quem ama como quiser, quem fala o que pensa, são inúmeros os exemplos de comportamentos que acabam sendo alvo da maldade alheia, alvo do veneno de quem não consegue enxergar a si próprio e foge disso denegrindo o outro. Como podem emitir juízos de valor baseados somente no conhecimento superficial, sem ter vivido de perto nenhuma das histórias que não são suas?

Cada pessoa sente o mundo, os acontecimentos, a vida, de um jeito próprio, ajeitando aquilo tudo conforme o que possui dentro de si, de acordo com o que vem se tornando enquanto a vida lhe envia as bagagens. Ninguém sente igual, nem dor nem prazer, o que nos impede de querer que o outro aja como achamos que deveria ou como nós mesmos agiríamos. E quem disse que o que pensamos é o mais correto? É muita presunção mesmo.

Da mesma forma, bem como tanto se alerta, é preciso exercitar a empatia, colocando-se no lugar do outro, entendendo-o antes de criticá-lo. E é preciso coragem para se colocar nas dores alheias, porque isso dói, isso traz consciência de que, muitas vezes, estamos sendo injustos com quem apenas necessita de apoio. Atitudes extremas quase nunca são tomadas por quem está bem e tranquilo, mas sim por pessoas enredadas em meio à dor e ao desespero.

Portanto, não permita que ninguém o julgue sem ter vivido a sua história, sem ter compartilhado nada com você, sem nunca ter perguntado se precisava de algo. Ignore quem ataca sem entender, quem julga sem conhecer, quem fofoca sem saber, porque a maioria das pessoas só está preocupada com o que acham serem erros alheios que poderiam ser evitados, embora elas próprias errem e tentem se esconder, apontando o dedo para fora de si. Afinal, ninguém conseguirá ser tão implacável quanto a nossa própria consciência.

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O porquê da arte ser terapêutica

O porquê da arte ser terapêutica

Imagem de capa viki2win/shutterstock

“Vou escrever uma coisa que eu não sei o que, justamente para ficar sabendo. E que só eu posso me dizer, mais ninguém” disse Fernando Sabino.

Eis uma boa justificativa para a arte ser terapêutica. A autodescoberta. Através da arte (nesse caso, a escrita), tornamo-nos capazes de fazer descobertas sobre nós mesmos.

A linguagem artística é uma ferramenta importante para a promoção de autoconhecimento, essa capacidade de ver e conhecer a si mesmo que, por sua vez, advém do autodistanciamento, conceito do renomado psiquiatra judeu Viktor Frankl. O autodistanciamento diz respeito à prática de se distanciar de si mesmo.

Ao ler um poema meu, por vezes, descubro algo, entre as palavras, que disse sem perceber. Ao observar minha pintura, vejo parte do meu ser que se esconde entre as cores. Ao ouvir minha música, sou capaz de ouvir, também, o canto de minhas próprias emoções. Ao externar o que sou, sou capaz de apreender-me e, consequentemente, de me avaliar melhor.

A arte é também refúgio, porto seguro. Abrigo-me na poesia de Drummond, quando ninguém mais é capaz de me entender. Escondo-me entre os filmes de Woody Allen, quando não tenho a quem recorrer. Visto-me com a música de Chico, quando não tenho a que mais me agarrar.

A arte é volúvel. Está sempre aberta à interpretação de quem nela mergulha. Está à mercê, não necessariamente do artista, mas daquele que a aprecia. É possível, portanto, encontrar-se na arte do outro. Por isso, é frequente também nos refugiarmos na arte uns dos outros.

Ah! A arte é terapêutica, por guardar consigo aquilo que nos transborda: a emoção, o afeto, sentimento em seus limites. Danço, até que toda a minha tristeza e decepção se dissipem. Toco meu violão, até que o choro e a angústia que arranham minha garganta desapareçam. Atuo com efervescência, até que aquela dúvida e ansiedade cruéis me deixem. Desta perspectiva, a arte é também calmaria.

E de onde emana todo esse poder da arte?
Simples. Às vezes, o discurso racional que somos obrigados a adotar cotidianamente não abarca tudo aquilo que sentimos. A arte está nessas brechas que não conseguimos preencher com nossa – tão superestimada – razão. Leonardo Da Vinci tinha plena consciência disso: “A arte diz o indizível; exprime o inexprimível; traduz o intraduzível”.

É por essa e outras que a linguagem artística pode ser considerada um eficiente ansiolítico alternativo, um confortável abrigo para nossas angústias e um poderoso instrumento para autoconhecimento.

Acredite: pessoas ímpares dão ótimos pares

Acredite: pessoas ímpares dão ótimos pares

Imagem de capa: Atelier211/shutterstock

Drummond já dizia: “ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar”. Somos diferentes em opiniões, sonhos e vontades e é exatamente isso que nos torna únicos.

Tem-se por definição que pessoas ímpares são pessoas solitárias e amargas, mas isso é tão errado quanto contrário. Pessoas ímpares são pessoas reais, verdadeiras e simples. São pessoas que, embora saibam o valor da solidão, também, valorizam a companhia do outro.São pessoas que aprenderam a se amar, antes de despertar o amor ao próximo.

Chega a ser assustador essa necessidade em amar e ser amado que algumas pessoas apresentam, como se isso fosse um objetivo de vida e não e não um acaso. Muitos não entendem a diferença entre estar só e ser só e fazem dos momentos de solidão verdadeiros martírios para a alma.

Fernando Pessoa afirmava que o homem que não se encontra na própria solidão, não é verdadeiramente livre: “a liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.”

Artur da Távola tem uma das definições de amor mais realistas da literatura moderna: “é preciso entender que união não significa, necessariamente, fusão. E que amar, “solamente”, não basta. Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade.

Tem que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre, mas sozinho não dá conta do recado. O amor é grande mas não é dois. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência.”

O insucesso de muitos relacionamentos se dá exatamente por essa razão: além de idealizarem um amor romântico inexistente, não conseguem ser boas pessoas ímpares, logo não são boas pessoas pares.

Outro grande problema que envolve o relacionamento é a responsabilidade que se coloca no outro em fazer o relacionamento dar certo. É preciso entender que não está nas mãos de ninguém a sua felicidade. O grande amor da sua vida é você! Honre-se! Respeite sua história, sua vida, sua família. Não crie expectativas que o outro não poderá suprir. Seja ímpar antes de ser par!

Quando falamos em pessoas ímpares falamos em pessoas que sabem ser felizes nos momentos mais delicados da vida. Falamos de pessoas guerreiras, simples, reais e que, por terem enfrentado as dificuldades de peito aberto, estão prontas para serem e fazerem outras pessoas felizes.

Pessoas ímpares são boas porque acreditam no amor, mas sabem que ele não tem poder de vencer tudo. São fieis, constantes e responsáveis. Possuem endereço fixo, são fáceis de encontrar e não somem no meio da relação como o mestre dos magos.

Pessoas ímpares são fortes. Encaram os problemas de frente e não culpam os outros pelas cicatrizes que carregam. Sabem que o companheiro atual não tem culpa do que os anteriores fizeram. Sabem que a felicidade não possui fórmula mágica e encontram na rotina motivos para serem felizes.

Pessoas ímpares não temem o tempo, as rugas, a solidão. Esperam por seus milagres lutando e não acreditam em resultados sem esforços. Pessoas ímpares são imperfeitas, cometem erros e sabem o valor do perdão. Sabem que a mudança de comportamento tem mais valor que meia dúzia de rosas entregues sem arrependimento.

Pessoas ímpares perdoam traições, mas não ficam vítimas delas. Terminam relacionamentos, mas se curam dos traumas. Carregam cicatrizes, mas não carregam as dores.

Pessoas ímpares são gratas, felizes e doces. Eternas aprendizes da vida, acreditam que essa vida é apenas uma passagem e, por isso, conseguem ver além das dificuldades.
Pessoas ímpares são raras, mas existem e eu desejo que, antes de você encontrá-las, você saiba a importância de se tornar uma.

Meu bem, pra mim você é privilégio

Meu bem, pra mim você é privilégio

Imagem de capa: limonstrik, Shutterstock

Meu bem, você pode achar que é muita sorte sua, que o universo resolveu te presentear e que nada disso era para acontecer. Mas, sinto em dizer, melhor se acostumar. Porque não pretendo partir e andar sem que o seu sorriso esteja junto ao meu.

O nosso amor não é trapaça. Não estamos pulando a vez de ninguém por decidirmos assumir o protagonismo desse sentimento. Anota aí, queremos mais. É o pacote completo e autoral, construído um dia de cada vez. Sem pressa ou pressão. Do canto dos nossos abraços, sobra espaço para a simplicidade. Seja você e serei eu.

Façamos o acaso nos servir e deixemos a roleta da vida girar para os preguiçosos. Sobre o universo, ele sabe muito bem com que par se meteu. Fez birra, lançou umas tempestades mas, veja você, aqui estamos.

Independente do futuro que dure, o presente encontrou uma brecha de eternidade pra gente se amar. Meu bem, eu te amo e é um privilégio indiscutível poder ficar.

Ultimamente sou mais solidão do que companhia

Ultimamente sou mais solidão do que companhia

Gosto de ter gente ao meu redor. Gosto de estar em contato com diferentes pessoas e de passar um tempo aproveitando a vida. Gosto, inclusive, dos porres e interações com estranhos. Mas, de uns tempos pra cá, a solidão me cai bem. E acho importante assumir isso.

Não sei se é a época do ano ou os dias confusos em que vivemos, mas tenho optado pela solidão no lugar da companhia. É importante sentir-se só, algumas vezes. Ser silêncio dentro e fora. Não é que tenha decidido adotar uma postura solitária, mas não reclamo dos momentos reservados para um. Sabe a sensação de vazio que muitas pessoas sentem quando estão desacompanhadas? Não a tenho. Consigo respirar por mim. Ouço umas músicas, folheio livros, vejo filmes. Deitado, observo as paredes, toco o ar, planejo viagens, vislumbro paixões.

Coisas triviais que são almejadas, substituídas e concretizadas num único espaço, no meu. É aceitar o fato de que é preciso conhecer a si antes de colocar a cabeça em outro lugar. É também uma forma de massagear o coração. Solidão é terapia de amor próprio. Do tipo na qual você estabelece intimidade consigo, podendo ajeitar emoções e pensamentos do jeito que quiser. Não há impedimentos, prazos ou preocupações urgentes. No silêncio, você vive. Na solidão, você evolui.

Claro, aceito convites, abraços e histórias. Bons sentimentos compartilhados serão sempre benditos e bem-vindos. Mas também tenho paz na minha companhia. Também vejo graça nas conversas exclusivas dos meus eus. Interagir é importante.

Ultimamente sou mais uma nova fase. Ando redescobrindo o prazer da minha sanidade, da minha parceria. Gosto das companhias que me são oferecidas, mas nutro um amor incondicional pelo tempo cedido ao meu lado.

Imagem de capa: Eterno Amor (2004) – Dir. Jean-Pierre Jeunet

Visualizar a mensagem e não responder já é uma resposta

Visualizar a mensagem e não responder já é uma resposta

Imagem de capa:  Jacob Lund

Tudo bem que os dias estão por demais acelerados e corridos, deixando-nos sem tempo de fazer o que não estiver agendado, permitindo-nos poucos segundos de trégua, para nos dedicarmos ao lazer e ao nada fazer. Mesmo assim, há certas necessidades que não podemos deixar de lado, ainda que não se trate de compromisso de trabalho. Não somos reduzidos ao serviço, somos alguém que sonha além dos escritórios e dos compromissos sérios.

Estamos cansados de saber sobre a importância de regar os afetos que caminham conosco, sem perder tempo com os desafetos que nos rodeiam, mesmo à nossa revelia. É algo óbvio a necessidade de mantermos por perto quem se importa conosco, quem é sincero e nos espera ao final do dia, torcendo sempre por nossas conquistas, chorando junto, comemorando junto.

Da mesma forma, a importância das amizades certas não se contesta, uma vez que termos mãos amigas nos amparando e nos resgatando de nossos desvios, de nossas dores, fará toda a diferença em nossa jornada. Mesmo que seja um único amigo em quem possamos confiar, o retorno afetivo de quem gosta da gente com sinceridade fortalece e motiva, sendo um alento nas noites sem cor de nosso caminhar.

Querendo ou não, acabaremos nos esquecendo de gentilezas mínimas que deveríamos manter em nossas obrigações diárias, como um sorriso a quem acorda conosco, um elogio a quem nos faz bem, um carinho em quem faz parte de nossas vidas, uma resposta breve a quem nos manda mensagens, porque isso é importar-se, é mostrar que sabemos que o outro existe e é importante para nós. É fazer-se presente, mesmo quando há distâncias e obrigações ali no meio.

Não precisa responder às mensagens de imediato, não precisa ficar dizendo “eu te amo” o tempo todo, não precisa procurar sem parar, convidar para tudo, nem estar sempre presente. Mas precisa retornar no tempo certo e na medida exata das necessidades alheias, porque é bom e vital sabermos com quem podemos contar. Saber que o outro poderá vir, não a qualquer hora, mas bem quando precisarmos, tranquilizará tudo o que temos pela frente. É assim que as coisas duram.

Sabe aquela sensação de ter um buraco no peito?

Sabe aquela sensação de ter um buraco no peito?

Enquanto os ansiosos sofrem com a necessidade de viver alguns ou muitos passos à frente, e lutam com a aflição de não poder controlar tudo, sobretudo aquilo que ainda nem aconteceu, os angustiados penam com a sensação de estarem aprisionados em situações do presente, em função de estarem sempre às voltas com a impressão de não terem feito a escolha certa; ou ainda pior, com a pressão interna de não ser capaz de escolher.

A angústia pode produzir reações físicas palpáveis e absolutamente reais. Há pessoas que relatam dores de cabeça generalizadas do tipo que lateja, como se o coração estivesse pulsando dentro das orelhas. Outras vítimas desse mal, chegam ao pronto-socorro com dificuldades para respirar, como se estivessem sendo acometidas por uma crise de asma. Outros, ainda, referem dores agudas no peito que as fazem temer um ataque cardíaco.

Sentir-se angustiado pode parecer algo extremamente vago para quem nunca foi visitado por essa sensação de estar contido, de corpo e alma, em um lugar pequeno demais, apertado demais, estreito e sem saída. Muitas vezes, a angústia é interpretada como algo que possa ser resolvido com soluções prosaicas e conselhos do tipo “Tente pensar em outra coisa!”; “Tenha fé!”; “Tome um chá!”. Quem dera fosse tão simples… Quem dera!

O fato é que esse descompasso emocional que provoca a sensação de ter um buraco no peito, é confundido com frequência com o distúrbio de ansiedade e a síndrome do pânico, ou com frescura mesmo. Infelizmente, ainda é bastante comum haver convicções preconceituosas e reducionistas acerca dos transtornos afetivos. Não raras vezes, aqueles que sofrem com crises de angústia são estigmatizados como pessoas fracas, sensíveis demais ou incapazes de lidar com situações difíceis. E se sentir-se angustiado já não é nada fácil, imagine ter esse aperto na alma agravado pelo julgamento alheio.

É claro que todos nós estamos sujeitos a ter de lidar com algumas oscilações na forma como lidamos com as questões mais desafiadoras. Há dias em que situações que já foram enfrentadas antes com alguma habilidade, podem parecer demasiado custosas e dolorosas. No entanto, à media que essa inquietude e sofrimento passam a ser uma constante e começam a ocorrer sem uma razão suficiente, é preciso que se reflita e perceba a possibilidade de haver nesse comportamento um sinal de que algo não vai bem.

Angústia é doença e seu diagnóstico e tratamento precisa ser feito por um profissional especializado; no caso, um Psicólogo ou Psiquiatra. E a partir da detecção do quadro, proceder ao tratamento mais adequado para cada caso, que pode ser tanto medicamentoso quanto terapêutico.

Lamentavelmente, grande parte das pessoas que sofrem de angústia demoram bastante para procurar ajuda, principalmente pela variação de sintomas físicos e emocionais que esse distúrbio pode causar. Coloca-se a culpa na pressão que se está sofrendo no trabalho, na insegurança econômica e política do país, nos desafios advindos dos relacionamentos afetivos, na imensa carga de exigência social por exibir uma vida feliz e bem-sucedida.

O que não podemos perder de vista, nunca, é que todo e qualquer sentimento que tire da gente o prazer pela vida e que cause algum tipo de perda de mobilidade afetiva, precisa ser visto como um sinal de alerta. Esse buraco no peito, não é motivo de constrangimento, nem sinal de incompetência; é apenas o seu corpo pedindo de você alguma atenção, para que sua alma possa voltar a respirar. Pare. Escute-se. Acolha-se. Sua mente agradece.

Cena do filme “Apenas o fim do mundo

 

Na ânsia de esconder defeitos, acabamos omitindo também as virtudes

Na ânsia de esconder defeitos, acabamos omitindo também as virtudes

Imagem de capa: Jacob Lund/shutterstock

Primeira olhada no espelho de manhã e lá está aquela espinha gigantesca, pronta para destruir o look do dia. E dá-lhe creme, base, pó, argamassa, o que for para esconder a intrusa.

Um descosturado no casaco, a botão que caiu, a unha quebrada, a carteira pelada, tudo a gente faz para esconder, para evitar as situações de constrangimento que podem, e se Murphy colaborar, devem aparecer pela frente.

Válido, por que não? Tenho todo o direito de não publicar o que me envergonha, e de fato, nos dias de hoje, talvez esteja literalmente falando de publicações nas redes sociais, mais do que qualquer outra forma de exposição.

Tudo bem, se não está agradando, é melhor tirar da vitrine.

Mas, e se me equivoco e passo então a esconder e maquiar as minhas melhores virtudes? E se, para conseguir aceitação, admiração, pertencimento, viro as costas para minhas melhores qualidades e assumo um tipo, um personagem?

Sem nos dar conta, estamos ficando cada vez melhores nisso. Por conveniência, por indolência ou por simples incompetência, estamos escondendo o que nos identifica, não estamos conseguindo nos respeitar como somos e abafamos o que não gostamos e até o que gostamos, para caber nos cubículos de cada padrão.

Está na moda pedir mais amor por favor, Ouvir a opinião alheia com respeito e sem agressões, isso já saiu de moda faz tempo.

Deixamos de lado nossas qualidades únicas para repetir como papagaios os bordões do momento. Deixamos de jogar gamão para ter mais tempo para os joguinhos solitários do celular. Paramos de surpreender as pessoas queridas com uma ligação e enviamos uma mensagem com carinha feliz, sapinhos e corações.

Adoro as conquistas tecnológicas, já não vivo mais sem elas. Mas me assusta o tabuleiro em que a massa humana está mergulhando, para virar um bolo só, não assumindo suas espinhas e virtudes.

Afrodite e Perséfone – Caminhos para a iniciação feminina

Afrodite e Perséfone – Caminhos para a iniciação feminina

Imagem de capa: Fernando Cortes/shutterstock

Os Mistérios Elêusis, dos quais a deusa Perséfone e Demeter eram o foco central (e Afrodite indiretamente), era um culto que exaltava a figura da mulher em contraposição ao domínio do homem.

Os Mistérios abriam-se democraticamente a todos, até mesmo aos escravos, desde que falassem grego, pudessem entender e repetir as palavras sagradas e não estivessem condenados por homicídio. O Estado terminou por tolerar as práticas dos Mistérios, pois Deméter e Perséfone, afinal, eram responsáveis pelas sementes e pela fertilidade da terra, e destas dependiam os frutos e o bem-estar da coletividade (Brandão, 1986).

A arte do cultivo da terra, do conhecimento dos ciclos da natureza e a arte do amor, mitologicamente, são aspectos ligados ao feminino, por essa razão compreendo que Afrodite e Perséfone podem ser grandes aliadas na iniciação ao feminino mais profundo, em um mundo onde os valores masculinos são extremamente valorizados.

Afrodite é a deusa do amor, da fertilidade, das flores. Afrodite é a personificação do amor, da vida e mãe de Eros!
Perséfone é a rainha dos mortos, a soberana do mundo do inconsciente, a semente que morre para trazer nova vida. Como Coré, representa a primavera, sendo uma deusa associada aos ciclos da natureza.

Ambas são consideradas deusas da fertilidade. Afrodite é aquela que faz as flores e os frutos crescerem e Perséfone é a semente que morrer para semear a terra. Vida e morte!
Desde seu nascimento até suas características e mitos mais importantes, Afrodite nos aponta para a Ásia. Deusa tipicamente oriental, nunca se encaixou bem no mito grego (Brandão, 1986). Perséfone também é uma deusa complexa que também não se encaixa no mito grego.

Seu rapto e morte simbólicos possuem conotações profundas de uma iniciação feminina, e mostra aspectos de uma consciência feminina que se liga aos ciclos.

Brandão (1986) diz que o rapto de Perséfone trouxe benefícios incontáveis para a humanidade. Uma deusa olímpica, que passa a habitar apenas uma terça parte do ano o mundo dos mortos, encurta a distância entre os dois reinos: o Hades e o Olimpo. Como ponte entre os dois “mundos divinos”, podia intervir no destino dos homens mortais.

Esse mistério da vida e morte projetada na semente que morre e renasce é o ciclo feminino que a mulher passa todo mês em seu corpo.

O mito da descida cíclica de Perséfone ao Hades e seu retorno a superfície simbolizam as estações do ano e a fertilidade da terra, assim como os mistérios femininos, que inclui a espera pelo tempo certo para que algo amadureça.

Perséfone foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por dois mil anos antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos. Nos Mistérios de Elêusis os gregos experienciavam a volta ou renovação da vida depois da morte através da volta anual de Perséfone do Inferno (Bolen, 1990).

Ela era uma deusa tipicamente cretense, assim como Hera, ou seja, ela era uma transposição da Grande Mãe, que foi assimilada pelos gregos, mas mantendo seu aspecto de fecundidade. Por essa razão era chamada de Hera infernal.

Perséfone e Afrodite se ligam em sua rivalidade em beleza, formando um par de opostos divino: a deusa da morte dos grãos e a deusa da vida dos grãos. Ambas ainda se ligam no mito de Adônis, onde as duas deusas disputam o amor do jovem.
Mas como essas duas deusas podem representar a iniciação feminina mais profunda?

Afrodite e Perséfone foram as duas deusas mais perseguidas e reprimidas com o advento do patriarcado.

No período da Inquisição, que teve início na conversão do Império Romano ao Cristianismo e esse foi um movimento histórico dissociador e repressivo mais longo e terrível da humanidade. Durou do século IV ao século XVIII, cerca então de catorze séculos. Nesse período os componentes matriarcais mais reprimidos da consciência coletiva foram a sexualidade, o prazer, a vivência sensual, a vivência lúdica e a espontaneidade das emoções (principalmente a agressividade e inveja), o contato com o irracional e a vivência do campo intuitivo (mediunidade, premonição, magia, intuição e vivência oracular).

Componentes esses pertencentes a Afrodite e Perséfone. A repressão desses aspectos das duas deusas, mostram que elas são as duas mais propícias para a iniciação da mulher em um feminino mais profundo.

O patriarcado se agrada da mãe, representada por Deméter, pela cerebral Atena e pela esposa submissa Hera. Mas a sexualidade e os dons intuitivos e irracionais da mulher são perigosos para essa estrutura.

Atualmente nossa sociedade incentiva a mulher cada vez mais a ir ao mercado de trabalho. Cada vez mais Atenas são criadas de forma unilateral, em detrimento de outros aspectos importantes e iniciadores do feminino. Pois Atena nasceu da cabeça de seu pai Zeus, ou seja, ela nasce de um ideal paterno e se distancia dos aspectos maternos, sensuais e de fertilidade.

Além disso, Atena carrega em seu escudo a cabeça da Medusa, o que significa que a mulher fortemente identificada com os aspectos de Atena, sabe se articular bem no mundo patriarcal e se inserir no mercado de trabalho, mas acaba petrificando e matando a possibilidade de um encontro mais íntimo e profundo.

Com isso, as mulheres vêm se distanciando de sua capacidade de se tornar receptivas ao outro e ao irracional.

A iniciação com essas duas deusas pode ser vista no mito de Psique, onde a bela jovem precisa se submeter a Afrodite para reconquistar o filho dela, Eros. A deusa do amor então lhe impõe diversas provas, sendo a última o encontro com Perséfone no Inferno. A moça teria que pedir a Rainha do Hades seu creme de beleza e levar a Afrodite, mas ela foi avisada de que não poderia comer nada do banquete da Rainha e ser extremamente humilde diante dela.

Esse mito tem paralelos com o mito da descida da deusa suméria Inana – Ishtar, ao encontro de sua irmã infernal Ereshkigal.
Inana é – assim como Afrodite – a deusa da fertilidade, amor, do céu, das emoções. Ela e Afrodite se encontram no meio do caminho entre a maternidade e a virgindade. Mais a mescla de desejos assassinos, de fecundidade e animalidade. Ambas jamais se apresentam como a esposa e mãe estabilizada dentro do patriarcado. Ela é o magnetismo e tem a sua independência como amante (Perera, 1985).

Afrodite então traz para a mulher o senso de independência a mulher em relação ao seu desejo e a tira do papel de ser apenas esposa e mãe, e também dessa busca frenética de ser apenas profissional e de imitação do masculino, ou seja, do papel de “filhas do pai” e assim as levar ao encontro de sua verdadeira personalidade e com a sua alma.

Psique amadurece nesse confronto com Afrodite e também com Perséfone. Ela deixa de ser a “filha do pai” que se preocupa em transformá-la em esposa e assim servir ao patriarcado em um papel que lhe é agradável.

Ereshkigal, assim como Perséfone é a deusa do mundo dos mortos e do mundo subterrâneo.

Perséfone foi reprimida pois no patriarcado a morte é um tabu, é a violentação da vida. Mas esse é o lugar onde a vida jaz imóvel e aguardando o momento certo de nascer. É o lugar de transformação e de potencial de nova vida.

Psique nessa descida aprende sobre o ciclo morte – vida. A gestação e a decadência do corpo são um processo natural, incontrolável e lento.

Perséfone também é o irracional. Conhecida como Mãe das Fúrias, ela mostra os aspectos sombrios da personalidade e os traz para a consciência quando sobe a Terra. Ela é a depressão tão combatida em nossa sociedade, o recolhimento e o contato com o que é inferior em nós.

Ela também é o êxtase do orgasmo, que também como pequena morte, pois passou por essa iniciação com Hades, ao comer a romã (símbolo da sexualidade).

Ambas Afrodite e Perséfone representam aspectos da sexualidade feminina: o prazer sexual e o êxtase quase espiritual que leva a morte da personalidade na coniunctio alquímica.

No mito de Psique vemos que somente quando passamos pelo julgo de Afrodite, ou seja, de conhecer nossos desejos e sermos escravos de uma paixão por algo ou alguém, e quando somos reduzidas ás profundezas da dor e depressão e nos encontramos com o que é horrível e infantil em nós e deixamos morrer esses aspectos, aí nos defrontamos com uma personalidade mais profunda e um feminino seguro e profundo, que conhece a arte de esperar a semente germinar e que conhece o momento certo de deixar algo morrer.

Referências Bibliográficas:
BOLEN, J. S. – As Deusas e a Mulher. São Paulo: Paulus, 1990.
BRANDÃO, J. – Mitologia Grega Vol. 1, Petrópolis: Vozes, 1986
PERERA, S. B. Caminho para a iniciação feminina. São Paulo: Paulus, 1985.

“Capitão Fantástico”: quando o cinema nos convida a refletir

“Capitão Fantástico”: quando o cinema nos convida a refletir

Esses dias, Jout Jout (famosa Youtuber brasileira) publicou um vídeo contando sobre as reflexões que fez sobre “Capitão Fantástico”, o que despertou, em mim, a vontade de assistir novamente ao filme, que, entre os indicados ao Oscar do ano passado, tinha se tornado o meu preferido.

Para surpresa de todos, “Capitão Fantástico” não é um filme de super-herói. Todavia, inegavelmente, temos heróis nessa história: Ben e seus seis filhos – que vivem e são educados na floresta, por ele e sua esposa Leslie, que, por sua vez, devido a problemas de saúde, ausentou-se de seu lar.

Já de início, somos todos cativados pela família e seu modo de vida nada tradicional e entramos na trama, que, para começo de conversa, parece bem simples: a viagem que eles fazem à cidade grande para assistir ao enterro da mãe que se matou devido a complicações no seu estado mental.

Agora, é chegada a hora em que tento convencê-los a assistir ao filme, sem enchê-los de spoilers.

Começaria lhes dizendo “Capitão Fantástico” é um filme sobre união, sobre o trabalho em grupo, grupo este que, quando é uma família com membros com personalidades distintas, torna-se uma complexa rede de fios que, quando remexida, pode levar a alguns choques.

O longa-metragem, dirigido por Matt Ross, é uma crítica sutil (ou não) à educação tradicional. Aquela em que nos empurram conteúdo sem mais nem por quê. Aquela educação autoritária, que nos impõe regras e verdades. Aquela que não se interessa em despertar, no aluno, o olhar crítico, a consciência, a autonomia no pensar. Aquela educação que trata a criança como ser desprovido de pensamento e de conhecimento.

Essa é, portanto, também uma obra sobre as bolhas. A bolha em que Ben e sua esposa colocaram seus seis filhos. A bolha do capitalismo – fútil e superficial – em que estamos todos inseridos. As bolhas nas quais nos abrigamos para nos cegar àquilo que não queremos ver.

O filme é, ainda, um lembrete de que ninguém, NINGUÉM, é imune a erros e que, nessas horas, mais vale é ser humilde o suficiente para pedir perdão. Um lembrete de que o problema não é voltar atrás, é insistir no mesmo erro. De que o bom humor sempre ajuda.

De que o instinto de liberdade nos leva à esperança e a esperança, à possível mudança. Um lembrete de que extremos são perigosos e requerem renúncias, às vezes questionáveis, e de que o diálogo é um dos melhores meios para se resolver conflitos.

Ah! “Capitão Fantástico” também é um filme sobre amor (em todas as suas formas) e para aqueles que ainda acreditam e se encantam com ele. Finalizo o texto tentando lhes provar isso através de uma fala de Ben para Leslie (perdoem-me por esse spoiler, por favor): “Meu rosto é meu, minhas mãos são minhas, minha boca é minha, mas eu não. Eu sou seu”.

Então, o que você está esperando? Corre para assistir a essa maravilha!

“Torna-te quem tu és”

“Torna-te quem tu és”

Imagem de capa: sutham/shutterstock

 “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
– Friedrich Nietzsche.

Galeano, com a sua incrível arte de “galeanear”, diz que mais do que feitos de átomos, nós somos feitos de histórias. Não à toa, Drummond em um dos seus versos disse que “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”.

Sendo assim, não existem pessoas iguais, tampouco há como colocar todos em uma mesma forma e tentar estabelecer uma padronização de comportamento, gostos, sonhos e histórias.

Todavia, tenho a impressão de que há uma tentativa muito forte e eficiente de estabelecer uma certa “ordem” entre as histórias perambulantes que formam o ser presente no homem.
Não é raro ver pessoas tristes, desestimuladas, desanimadas, cansadas da vida; o que se reverbera nos índices cada vez mais altos de pessoas com depressão, ansiedade, síndrome do pânico e tantos outros transtornos psicológicos.

Essa conjuntura é um contrassenso ao alto grau de desenvolvimento tecnológico que a sociedade alcançou, afinal, o jargão diz que somos melhores que ontem, pois somos a geração do progresso, do mundo na palma da mão. E diante desse paradoxo fica a questão: será que precisamos disso tudo para sermos felizes? Ou melhor, essa estrutura em que o mundo se organiza permite que as pessoas sejam quem elas são?

Apesar de ser fundada sobre a liberdade, a sociedade contemporânea, em verdade, criou algo muito mais próximo de um mito do que da realidade. A liberdade que é colocada para que possamos usufruir é uma “liberdade” extremamente limitadora e direcional. Devemos seguir padrões rígidos de comportamento e se por ventura tentamos nos desviar, somos punidos e cobrados a retornar. Se livrar dessas amarras, então, é algo que cobra um alto preço psicológico, pois uma vez sendo seres sociais, é extremamente difícil nadar no sentido contrário ao que aponta a correnteza.

Dessa maneira, como é possível que os indivíduos possam ser de fato felizes se não são sujeitos? Isto é, não possuem autonomia sobre as suas próprias vidas. Não há possibilidade de vida feliz sem liberdade, ainda que esta diante da nossa precariedade não possa ser atingida em sua totalidade, o que também não significa que não possamos e devamos ter autonomia sobre as nossas próprias vidas, cabendo a cada indivíduo, assim, seguir o caminho que melhor apraz o seu espírito e traz vigor a sua alma.

Em outras palavras, é preciso que o indivíduo tenha autonomia suficiente para buscar a si mesmo, conhecendo as suas interioridades a fim de encontrar ou construir no mundo exterior pontes que se liguem a sua humanidade. Dessa forma, é insignificante termos diminuído as distâncias geográficas, se aumentamos a distância de nós mesmos, pois a viagem mais importante que ainda temos que fazer é o mergulho nas profundezas do nosso ser.

Assim sendo, não adianta estar de acordo com as normas, com os padrões ou caminhar pelas estradas mais “perfeitas” se ao longo dessa estrada enxergamos tão somente a sombra da nossa existência. Precisamos compreender que se somos feitos de histórias, então, cada um é uma história diferente, em que algumas se dão em poesia, outras se dão em prosa, mas cada um tem a necessidade de contar a sua própria história e, consequentemente, viver enxergando o que somos no que fazemos e o que fazemos no que somos, pois, lembrando mais uma vez Galeano, somos todos foguinhos, com vontade de por meio do nosso fogo iluminar noites escuras, aquecer corpos gelados e incendiar almas dormentes.

Eu já não miro as estrelas. Meu alvo na vida está ali na esquina.

Eu já não miro as estrelas. Meu alvo na vida está ali na esquina.

Tudo o que é grande já não me fascina, todo o esforço que me faz mudar toda o meu entorno e a minha rotina não me ativa por dentro.
Não sei se é velhice de alma, canseira dos passos, mas meus olhos já não se deslumbram com as conquistas homéricas, os amores arrebatadores, as histórias grandiloquentes.

Só de pensar em querer conquistar o que não está ao alcance fácil e genuíno das minhas mãos, dos meus pés e da minha alma simples, eu me canso, eu desisto mesmo antes do início. Porque eu quero o que me cabe e, mais importante, onde eu caibo sem ter que ser mais nem menos, sem ter que estufar esse meu peito franzino.

Só de pensar em me munir de ferramentas, atributos, armas de ataque pra sair à luta e conquistar recompensas grandiosas, corações dificílimos, amizades poderosas, posições profissionais-pessoais-sociais importantíssimas, já me canso e não me arrisco.

Ter um alvo lá nas nuvens, atirar nas estrelas para atingir o Monte Everest, não, isso já não me apetece. Meu alvo é aqui pertinho, está logo ali na esquina, deve se parecer comigo, é algo singelo e tranquilo.

Quero uma conversa boba, um ombro amigo, um amor pela vida mais do que pelos prêmios do mundo. Quero um pijama velho, uma janta simples, um pão com ovo bem feitinho, um chuveiro quente e um travesseiro com sonhos bonitos.

Glória pra mim é ver o manjericão virando arbusto no canteiro, é pagar as contas do mês, é ter tempo para escrever um poema inteiro.

Vida pra mim é a trégua, é o porto seguro onde minha alma pousa serena. Amor pra mim é o respiro de alívio, é uma companhia com menos exigências e mais carinho.

Eu já não me debato para conquistar algo mais alto, não quero nem o castelo nem o príncipe encantado. Eu já não me puno por sair de perto quando me sinto insegura, eu já não me saboto e me engano achando que eu tenho que cumprir tantos planos para me sentir mais satisfeita comigo mesma.

Está tão perto a minha riqueza. É o que cresce e se ajusta sem tanto esforço assim; tudo o que tem cheiro de lar, onde eu posso entrar e ficar à vontade. Onde eu não preciso mudar minha essência para poder me encaixar e merecer fazer parte. Porque o que eu sou já é o bastante.

E por isso eu posso ficar em paz e usar minhas energias para investir mais em crescer como ser humano.

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