Não deixe seu coração tomar decisões. Ele não é tão inteligente assim…

Não deixe seu coração tomar decisões. Ele não é tão inteligente assim…

Somos românticos assumidos e dramáticos por opção. Gostamos de supervalorizar a dor e acreditamos ser mais fácil curar um coração ferido à poupá-lo de sofrer sem necessidade. Isso explica, talvez, porque encaramos nossos erros como hábito e não como um acidente de percurso.

Diferente do que dizem, inteligência emocional não é algo que pode ser adquirido por conselhos, exemplos ou dado como presente de aniversário. Adquire-se depois de muitos nocautes e depois de muitas quedas.

Na definição, inteligência emocional é deixar suas ações serem dirigidas pela razão e não pelas emoções. Na prática, como dizia Freud, “é o único meio que possuímos de dominar nossos instintos”.

Para Gikovate, “uma característica da maturidade é o senso de responsabilidade sobre si mesmo, assim como o desenvolvimento de uma sólida disciplina: isso significa controle racional sobre todas as emoções. (…).

Controlar não significa reprimir e muito menos sempre deixar de agir de acordo com as emoções; significa apenas que elas passam pelo crivo da razão e só se tornam ação quando por ela avalizadas. Esse é mais um motivo para que sejam criaturas confiáveis, uma vez que exercem adequado domínio sobre si mesmas”.

Ser inteligente emocionalmente é respeitar a decisão dos outros, mas não permitir ser vitima delas. É deixar ir quem quer ir e entender que nem todos merecem seu sofrimento. Ser inteligente é saber que ninguém é tapa buraco de ninguém e que somos responsáveis pelos relacionamentos que atraímos.

Ser inteligente é ser sensível e forte ao mesmo tempo. Sensível para entender que um fim de relacionamento não é o fim da vida e, forte, para seguir sem mágoas, discussões e cobranças. É saber que um relacionamento abusivo não é o melhor para você e que, respeitar os limites criados pelo amor próprio e pela razão, é um direito que você não deve abrir mão, em hipótese alguma.

Ser inteligente é entender que, nem todos, merecem seu sofrimento e que, como dizia Shakespeare “nem toda nuvem gera tempestade”. É saber discernir entre o bem e o mal, entre o necessário e supérfluo e entre aquilo que merece sua atenção e o que exige seu esquecimento.

Ser inteligente é respeitar a opinião do coração, mas deixar que as decisões da vida sejam tomadas pelo cérebro.

Imagem de capa: sun ok/shutterstock

Frozen nos ensina: precisamos descongelar os icebergs das emoções

Frozen nos ensina: precisamos descongelar os icebergs das emoções

Ficha técnica:

Filme: Frozen  

Direção: Cris Buck e Jennifer Lee

Produção: Disney – EUA

Ano: 2013

Frozen foi e é um sucesso unânime entre crianças e adultos. E, apesar de já haver um tempo do seu lançamento, o enredo segue encantando a todos e sendo alvo de inúmeras reflexões. O que será que faz este filme ser tão irresistível?

Trata-se de uma espécie conto de fadas moderno, que carrega um significado psicológico essencial e nos convida a dois tipos de conhecimento: um intelectual, que nos ajuda a refletir sobre o enredo e dele tirar determinado proveito ao compreendê-lo intelectualmente; e um conhecimento vivencial, ou seja, que se realiza por meio dos nossos órgãos do sentido, que nos toca intuitivamente e nos provoca reações afetivas e emocionais. Um conto de fadas é sempre um convite a entrarmos em um outro mundo, cheios de encantos e magias, com desafios e obstáculos que chamam heróis e heroínas à mais profunda realização do seu potencial escondido ou não aprimorado, ou seja, à realização do próprio Self.

É neste mundo subjetivo e inconsciente que entramos quando assistimos a saga das irmãs Ana e Elsa, e neste ponto os produtores foram muito felizes ao escolherem abordar o relacionamento amoroso entre familiares, fugindo do antes tradicional par romântico.

A relação entre as irmãs e a importância dos laços de sangue são temas centrais não só do filme, como também do cotidiano. Aprender a amar e o amor em si são vivências muito primárias em nossas vidas e determinam futuras relações.

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Este texto foi produzido por Marcia Berman Neumman e Marcela Alice Bianco, membros da Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em março de 2017, com os comentários da Professora e Psicoterapeuta Junguiana Maria Helena Mandacarú Guerra e da Psicóloga e Psicoterapeuta Junguiana Rosângela Victor Marconi.

O Cine Sedes Jung e Corpo é uma atividade extracurricular do curso Jung e Corpo: Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

É um evento gratuito e aberto ao público geral organizado pelos professores do curso em conjunto com ex-alunos e ocorre todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos do curso.

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Na psique, o simbolismo das irmãs pode representar os pares de opostos, as polaridades consciente e inconsciente, subjetividade e objetividade, razão e emoção, sensação e intuição, entre tantas outras. Todas elas são complementares entre si, e podem ser assim experimentadas quando funcionam de maneira dinâmica, harmonizada e integrada dentro psique. Porém, quando por ventura há algum tipo de conflito que causa uma fixação de uma polaridade em detrimento de outra, a psique vive um período de estagnação, repressão, fixação, que se exterioriza no surgimento de inúmeros sintomas. A resolução desta fixação e a ultrapassagem da atitude unilateral, com o estabelecimento de uma relação entre as polaridades de maneira dialética e integrada, alcançada por meio da função afetiva, ou seja, do amor, pode ser a via para se chegar a um novo equilíbrio e a um novo patamar de amadurecimento psíquico, seja na vivência pessoal ou relacional e coletiva. Esta será a tônica apresentada em Frozen, uma aventura congelante.

No filme, as princesas Elsa e Ana viviam felizes num lindo reino. Elsa detinha poderes secretos e os usava de forma lúdica para se divertir com a irmã. Criavam brincadeiras juntas, e nelas Elsa fazia surgir, com sua magia, neve, tobogãs e bonecos de neve, explorando o mundo da fantasia e criatividade junto com Ana. Eram próximas e cúmplices, até que certo dia, num acidente, Elsa atinge com um raio a cabeça da irmã, ferindo-a.

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 Ao perceberem a situação, os pais se apavoram, repreendem Elsa e levam as duas para verem os trolls (os especialistas em amor), que no filme aparecem como seres elementares e totalmente ligados à natureza e, portanto, têm papel de curandeiros/sábios da floresta. Estes falam que por sorte o raio atingiu a cabeça e não o coração: “a cabeça é mais fácil de convencer; já o coração, não”, dizem eles.

A partir deste evento, os reis decidem que o melhor é esconder os poderes de Elsa. Tomam medidas para isolar a filha e protegerem a todos. Decidem fechar os portões do castelo, reduzir o número de funcionários e instruir a filha a não sentir e a esconder e não mostrar mais seus poderes. Para o bem comum, Ana não lembrará de nada, e como marca do incidente só restará uma mecha branca em seus cabelos. Os trolls ainda avisam: “o medo será o grande desafio a ser vencido por Elsa”.

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A porta carrega o simbolismo da passagem, do acesso, da discriminação entre que está deste e o que está do outro lado, entre o conhecido e o desconhecido, entre um mundo e outro mundo. Quando elas estão abertas ou são acessíveis, há um convite para o relacionamento entre o que está de de cada lado da porta, há um convite para a troca, para a intimidade, para a atividade criativa, para a participação. No entanto, quando elas se encontram impossibilitadas de serem abertas, ou inacessíveis, funcionam como limite, defesa, separação e o relacionamento direto fica inviabilizado. Assim, o evento traumático leva a uma grande repressão na vivência emocional familiar e as portas são fechadas, separando as irmãs e as formas de viver (introversão e extroversão, razão e sentimento, poder e ingenuidade, saber e não saber). Por trás das portas passam a existir grandes segredos, que levam toda a família à estagnação e à ausência da vivência criativa.

Elsa passa a sentir medo e se tranca em seu sofrimento; teme ferir ou revelar seu segredo à irmã. A experiência, vivida como traumática e negativa, torna-se motivo de afastamento entre as irmãs, antes companheiras e amigas. Ana não entende o que houve para tudo mudar repentinamente e, durante anos, insiste em chamar Elsa para brincar. Ambas se sentem solitárias e angustiadas, cada uma de um lado da porta, de um lado da realidade.

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Aqui cabe uma pausa para uma reflexão. Como ficamos quando somos impedidos de sentir? O que significa um coração congelado?

Os sentimentos e as emoções são funções estruturantes que contribuem para o desenvolvimento da personalidade. O medo, por exemplo, dispara um mecanismo instintivo de ataque-defesa ligado à sobrevivência e que permite que nos defendamos dos perigos que nos cercam. Diante dele, uns fogem, outros paralisam ou congelam.

Distanciar dos sentimentos e das emoções faz com que nos afastemos da força e do potencial humanos, inclusive de nossa capacidade de amar e ser amado. Um coração congelado, o não contato, evidencia traumas, defesas rígidas e dificuldades no desenvolvimento da afetividade e dos relacionamentos.

Por isso, como mencionamos acima, devemos nos atentar para a importância das relações parentais durante a primeira infância. O ambiente, a amorosidade, a qualidade do vínculo afetivo criado pela relação entre a criança e quem cuida dela são essenciais para a formação da personalidade.

É muito comum psicoterapeutas receberem em seus consultórios indivíduos com questões amorosas. Pessoas que estão marcadas com feridas de rejeição, abandono, negligência e perdas precoces e que, muitas vezes, fantasiam que a solução é se fechar para o amor como mecanismo de autoproteção. Indivíduos que pensam: “se eu não amar, controlo melhor, não sofro”. São corações congelados que temem o sofrimento, mas que só se aquecerão com o amor, com o enfrentamento, com a coragem de arriscar entrar em contato com a dor.

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A transformação verdadeira implica num sentimento modificado. Para elaborar um complexo, uma dor profunda, não basta só o intelecto. É preciso vivenciar, sentir no coração e ressignificar a vivência.

A experiência de Elsa ainda na infância foi de exclusão, “bronca” dos pais, o que gerou muita culpa e resultou numa defesa muito bem estruturada. Aprendeu que é perigosa, que pode fazer mal ao outro a quem ama e por isso deve se isolar: “não sentir, não deixar saber”. Ninguém a ensinou a lidar com a questão de outro modo, a usar seu dom de maneira construtiva e criativa, mas a se isolar, se fechar, se distanciar, fazendo com que ela acreditasse que era perigosa e destrutiva. E assim, a defesa se solidificou. Estar sozinha foi o modo aprendido. Porém, ser feliz sozinho, quando a solidão é fruto de uma defesa tão arraigada, é uma ilusão, que custou no enredo do filme o impedimento de convívio entre as irmãs e com o mundo. Trancar-se no castelo foi a solução ensinada. O par de luvas que lhe foi dado significando: “reprima ao invés de lidar com a questão”. Com estes ensinamentos os pais de Elsa, crendo fazer o melhor à família, estigmatizaram as duas irmãs. Elas tornaram-se jovens sem repertório, impedidas de sentir o amor, isoladas do convívio social e, por consequência, com baixa autoestima e autoconfiança. Ambas sentiam solidão.

A criança aprende a se reconhecer com o olhar do outro durante seu desenvolvimento. O olhar dos pais é fundamental e estruturante nesta primeira infância. Devemos levar em conta que pais fazem o que julgam melhor para seus filhos, dentro de um quadro de referências culturais e sociais. Antigamente, por exemplo, crianças especiais e pacientes psiquiátricos eram isolados, presos. Este era o movimento que traduzia a sociedade até então: isolar o que é diferente, como no filme. Este movimento reflete o pouco desenvolvimento da consciência coletiva da época.

Mas a primazia do poder dos pais sobre a vivência psíquica dos filhos, um dia perde força. Os pais de Ana saem para uma viagem e acabam naufragados no próprio mar revolto do inconsciente coletivo. Ou seja, a energia ligada a eles imerge a um nível inconsciente e impessoal. É chegado o momento de o reino ser liderado pela nossa heroína Elsa, cujo poderes cresceram de maneira sombria e desenfreada pela falta de oportunidade para elaboração. Por conta disso, ela e sua irmã, terão que enfrentar inúmeros desafios que ainda estão por vim.

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É impossível mantermos tudo dentro de um controle rígido, acreditando que ele será suficiente para não nos comprometermos ou não deixarmos vir à tona quem realmente somos. As luvas mostram como as defesas de Elsa são frágeis e o quanto ela está despreparada para a vivência interpessoal. É como se quiséssemos esconder toneladas de sujeira embaixo de um ínfimo tapete. Basta que ela tenha que tirar as luvas por poucos instantes e seja de alguma forma incitada a ter uma reação emocional, para que toda a força reprimida no inconsciente venha à tona, liberando uma energia descontrolada e cujas consequências são difíceis de medir.

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Amedrontada pelo mesmo medo que vê refletido nos olhares de seus súditos e convidados no castelo, Elsa foge. A reação aprendida é a de isolar e se afastar, portanto, neste momento não há outra saída. O isolamento parece garantia de que tudo ficará bem.

Tanto na realidade como na ficção, é muito comum vermos indivíduos defendidos iludirem-se e sentirem-se felizes isolados. Em Frozen, quando Elsa foge imaginamos que ela se libertou. É um momento encantador para quem assiste. Ela canta, experimenta seus poderes, solta o cabelo, suas vestimentas e maquiagem se transformam. A personagem cria uma nova moradia bem longe: um castelo de gelo. A perfeita “redoma de gelo”, onde parece estar feliz. Uma ilusão se pensarmos na voz da defesa, que tenta convencê-la que está feliz, livre. Porém, na realidade, é uma estagnação, o não crescimento, não estar conectada com sua alma, com sua essência, não perceber que tudo que mais importava ficou para trás, congelado como seu coração/sentimentos/emoções.

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Quando Elsa foge, Ana vai atrás e, ao contrário de todos, não teme a irmã. Quer protegê-la e vai de coração aberto. Em sua empreitada de resgate se dá conta da gravidade dos acontecimentos: um reino inteiro congelado. Ana acha que a culpa é sua, pois provocou a irmã querendo se casar com alguém que acabara de conhecer. Mais uma vez, podemos ver aqui o despreparo e falta de experiência causados pelo isolamento. A irmã mais nova despreparada para discriminar entre um amor verdadeiro e uma emboscada interesseira. Assim, Ana também precisa iniciar uma jornada pessoal, movida pelo desejo de ajudar a irmã, e se aventura sozinha frente ao desconhecido, para o seu próprio bem.

Na jornada para encontrar a irmã, Ana relaciona-se com Olaf, Sven e Cristofer. Olaf (boneco de neve) e Sven (alce) representariam a fantasia e os instintos, respectivamente. O reino interior sempre envia os seus auxiliares, os símbolos, que aqui se manifestam como elementos complementares que ajudam a enfrentar os desafios e que serão essenciais para o autoconhecimento. Cristofer (vendedor de gelo) em certo momento fala à Ana que não confia nela, pois: “como confiar em alguém que casa com um desconhecido! ”  

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As irmãs se reencontram no castelo de gelo e Elsa não quer voltar. Elsa cria um mostro de neve para protegê-la, mas afasta as pessoas que ela ama e afasta a irmã. Podemos pensar aqui na autonomia da Sombra. Muitas vezes ficamos presos em um complexo autônomo, mas o que significa isso em termos práticos? Significa que existe uma autonomia que se manifesta em ações que são contra nossa vontade, como neste trecho, onde tudo o que Elsa mais queria era voltar e estar perto de quem ama, mas faz o contrário, criando um mostro ainda mais amedrontador que ela própria para afastar a todos e proteger sua defesa.

No enredo, Elsa teme pela segurança de todos e acaba acidentalmente atingindo Ana, pela segunda vez, com um raio congelante. Porém, desta vez no coração. Cristofer a leva para seus amigos, os especialistas em amor. Os Trolls falam que, desta vez, somente um ato de amor verdadeiro poderá salvar e aquecer o coração de Ana. Logo imagina-se que um beijo de seu noivo, Hans, poderá salvá-la e levar a estória a um final feliz.

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Porém, aqui devemos fazer outra pausa e retomar a questão levantada no início do texto: Frozen é inovador porque os autores captaram uma mudança muito grande de paradigmas. No filme não é o homem ou o par romântico que salvam. O masculino dá lugar ao empoderamento do feminino que cura. O amor conjugal, idealizado com frequência nos contos de fadas e filmes, dá lugar ao amor fraterno, entre irmãs, no caso.

Podemos pensar num resgate do feminino, da mulher, e na modificação na relação masculino-feminino, homem-mulher, com este novo paradigma. Antes de Frozen, muitos contos de fadas e filmes, mostravam que só por meio do casamento a mulher seria salva e feliz para sempre. Podemos citar como exemplo: Bela e Fera, Bela Adormecida, Cinderela, entre tantos outros…

A animação captou muito bem esta mudança do feminino e da posição da mulher em nossa época. Ana não é salva pelo outro, pelo masculino, pelo homem. Ao contrário, ela salva Cristofer, bate em Hans quando descobre que seu amor por ela era uma farsa, um golpe. Em seu amadurecimento e aprendizado, ela descobre que não está à mercê do masculino, do homem: toma decisões de um feminino ativo, uma mulher forte: é determinada, suas escolhas são genuínas e conectadas com sua essência. Mesmo sem repertório inicial, é guiada por uma coragem, um impulso de vida interno que a faz desbravar o mundo e querer ter relacionamentos. Ela não suportava mais ficar trancada, isolada. Podemos pensar aqui na individuação como um projeto, uma perspectiva a ser alcançada, e não um ponto de chegada.

A história das irmãs nos mostra um trajeto de sofrimento como ocorre em nossas vidas reais, pois os percalços, angústias e dores fazem parte do desenvolvimento humano. Por isso nos identificamos tanto com ela.

No desfecho do filme, Ana salva a irmã da morte. Entra na frente para defender Elsa de Hans, que planeja matá-la para ocupar o lugar de Rei.

Neste momento, Ana congela e Elsa chora em cima de sua estátua de gelo. Este é o ato de amor verdadeiro ao qual os Trolls se referiam. Somente quando Ana prova o amor verdadeiro pela irmã, Elsa percebe o quanto a ama, sente a dor da perda e deixa sair seus sentimentos verdadeiros pela irmã, chora e liberta seu coração do gelo. Assim, o antidoto para uma ferida nem sempre pode ser encontrado longe daquele que inoculou o veneno, ou seja, a salvação de Ana e, por que não dizer de Elsa, ocorre juntamente no resgate da relação amorosa e genuína entre ambas. E neste momento ambas se salvam pela vivência do amor!

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Ana e todo o Reino descongelam quando aprendem que podem amar e ser amadas. Elsa não precisa mais temer suas emoções. O que sente agora é genuíno, verdadeiro e não mais defensivo. Quando estava dentro da defesa, as emoções reprimidas explodiam e ultrapassavam a si mesma, atingindo seu entorno (reino congelado, família, amigos).

Podemos pensar no medo na vida real também. O medo nos protege enquanto função, porém, quando ultrapassa seu limite funcional, dispara defesas (medo de amar, de se frustrar, de sofrer, de demonstrar, crises de pânico). Afinal, de que temos tanto medo? Poderíamos arriscar dizer que tememos o que (ainda) não podemos curar!  Tememos o que é sombrio em nós mesmos, ou seja, o que rejeitamos, não gostamos, desconhecemos e reprimimos. Porém, esquecemos que estas forças só são sombrias enquanto dissociadas. Uma vez elaboradas e integradas, geram criatividade!

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Aqui cabe uma última consideração: pensar no porquê do grande encantamento e identificação com Elsa. Nossa heroína detém um grande poder: congelar a água. O simbolismo da água está diretamente ligado às emoções. Existe uma analogia entre a água que transmuta os estados e os sentimentos e emoções neste caso. A água é um elemento da Natureza de muito poder, tanto construtivo (essencial para a vida), como destrutivo (enchentes, chuvas, nevascas). Podemos levantar também a questão da identificação das pessoas com a dificuldade de Elsa para demonstrar e comunicar os sentimentos, para se relacionar, o sentir-se diferente e excluída.

Por último vamos olhar para o desfecho, em que o amor reina absoluto e permite um novo padrão de consciência e de relação. Quando o poder supressor e congelante da Sombra desaparece, Ana e Elsa se salvam e com elas, todo o reino é salvo, ou seja, toda a consciência coletiva pode florescer.

Amor e poder são temas já muito estudados e merecem atenção. Quando tratados de maneira unilateral e opostas, o amor precisa sempre vencer o desejo de poder, em nós mesmos e no outro. Jung já dizia: “Quando o poder entra por uma porta, o amor sai pela outra”. No filme, temos um exemplo deste tipo de relação entre amor e poder no drama amoroso de Ana e Hans e o príncipe deseja o poder, o reino. Para isso, engana, mente e tenta matar Elsa e Ana. Falha e acaba unindo as irmãs.

O amor vence neste caso e o Reino agora é aberto e acolhe a todos. O poder passa então a ser exercido com muito amor, acolhendo a diversidade e apontando para uma nova dinâmica de funcionamento, a alteridade, Ou seja, o poder vivido como autoritarismo e unilateralidade não cabe em uma relação de amor. É preciso que se encontre uma nova atitude, que não sirva para aprisionar, abusar, fechar, reprimir e separar. Dentro de uma relação de alteridade, ou seja, quando todos os elementos têm o mesmo valor e são considerados dignos para existir, esse poder ganha uma nova força, a do empoderamento, que juntamente com o amor valoriza o ser, a relação e poder e amor passam então a agir de maneira construtiva e transformadora, seja na própria vida interior, seja nas relações interpessoais e na relação do homem com a Natureza.

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Este texto foi produzido por Marcia Berman Neumman e Marcela Alice Bianco, membros da Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em março de 2017, com os comentários da Professora e Psicoterapeuta Junguiana Maria Helena Mandacarú Guerra e da Psicóloga e Psicoterapeuta Junguiana Rosângela Victor Marconi.

O Cine Sedes Jung e Corpo é uma atividade extracurricular do curso Jung e Corpo: Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

É um evento gratuito e aberto ao público geral organizado pelos professores do curso em conjunto com ex-alunos e ocorre todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos do curso.

Material reproduzido na CONTI outra com autorização.

Se uma pessoa trata você como se não desse a mínima, ela genuinamente não dá a mínima

Se uma pessoa trata você como se não desse a mínima, ela genuinamente não dá a mínima

A maioria de nós já se apaixonou. Foi correspondido. Achou que era correspondido. Foi rejeitado. Achou que poderia dar certo e não deu. Amou e foi amado. Achou que seria pra sempre e não foi. A maioria de nós já foi vítima dos próprios enganos, da própria necessidade de se sentir amado mesmo quando não havia sinais de amor, da própria vontade de dar certo mesmo quando não havia certeza de nada.

A maioria dos relacionamentos é precedida por um período de dúvidas e suposições. Enquanto sentimos o coração acelerar e as pernas bambearem, nos perguntamos se será ou não pra valer. Ainda não há sinais nem certezas que garantam a permanência, o vínculo, a solidez. Mas ainda assim, pouco a pouco afrouxamos nossas defesas e, conscientes ou não, nos tornamos vulneráveis ao que o outro sente por nós. Se somos correspondidos, bingo! Se não, a história se complica.

Estar vulnerável aos sentimentos de outra pessoa é uma das piores sensações que existem. Pois nessa situação ficamos dependentes de um sinal, de um emoji banal no whatsapp, de uma frase clichê no Facebook, de um comentário suspeito numa página em comum… para nos sentirmos bem. Nada mais tem sentido se aquela pessoa está quieta, sem comunicar nada, sem dar a mínima. Nos agarramos a pequenos indícios de interesse e tentamos encaixar as peças de um quebra cabeça que não se completa.

Agora preste atenção. Existe um sinal que nunca deveria ser desprezado. Um sinal que deveria ser levado em consideração a qualquer hora, em qualquer circunstância: “Se uma pessoa trata você como se não desse a mínima, ela genuinamente não dá a mínima”. E você precisa aprender a enxergar isso com clareza. A aceitar isso com convicção e firmeza. A colocar limites para seu espírito sonhador e coração de manteiga. Porque se você não entende isso, se conta mentiras para si mesmo várias vezes ao dia e tem necessidade de fazer castelinhos com as migalhas que recebe, está faltando respeito por si mesmo. Está faltando maturidade para aceitar que as coisas são como são, o resto é só divagação pra iludir o coração.

Se uma pessoa some, responde mensagens longas com um simples sinal de “joinha”, não te procura, ignora sua presença e age como se nunca tivessem tido algo em comum, essa pessoa não tem o mínimo interesse em você. E mesmo que de vez em quando ela oscile o comportamento e dê sinais vagos e esperanças miúdas de mudança, nunca, jamais, de forma alguma caia nessa.

Ok, você diz. Mas como a gente faz para esquecer?

Esquecer alguém que se ama não acontece da noite para o dia, num estalar de dedos. Esquecer começa com a vontade de colocar um ponto final e o empenho em não olhar pra trás. Mas também requer respeito pelos próprios sentimentos, que vez ou outra podem resgatar uma saudade. Porque no fundo a gente nunca esquece completamente. O que acontece é que a lembrança vai ficando menor, distante, apagada… mas de qualquer jeito, sempre presente em nossa vida. E vamos ter que conviver com isso, entendendo que alguns amores funcionam melhor quando são só saudade.

A maioria de nós já foi vítima dos próprios enganos, da necessidade de se sentir amado a todo custo, de insistir num buraco sem fundo, de tentar salvar um barco que se afunda. Mas chega uma hora em que é preciso dar um basta. Entender que, se um sapato não está te servindo, ele genuinamente não é para você. E com isso sentir-se pronto para recusar o que te fere e abraçar o que te faz bem.

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Imagem de capa: Vadim Georgiev / Shutterstock

Somos todos um

Somos todos um

Estamos todos conectados, a todo momento, numa grande malha consciencial. Cada ser humano é um elemento conectado a esse campo energético mental e isso nos torna um.

Não é clichê nem modinha dizer que SOMOS TODOS UM porque somos mesmo uma grande mente humana operando junto a uma consciência ainda maior e ordenada. Somos parte dessa pulsação inteligente.

Nossos pensamentos estão todos interligados. Uma inspiração pode ser resultado de uma conexão com esta malha, um insight, uma sensação estranha ou boa também podem ser resposta dessa conectividade. Nesses casos, ocorrem também as telepatias – estar pensando em alguém e esse alguém ligar, ou virar a esquina e encontrar essa pessoa.

Coincidência? Se a mente humana não fosse tão ruidosa, essa ferramenta poderia ser usada com mais frequência já que faz parte do potencial humano.

Em grandes centros e cidades é possível se sentir mais exausto mentalmente e até fisicamente, pois somos bombardeados com uma carga maior de informações e sensações. Além de muitas mentes operando juntas num descuido com o conteúdo mental, há também as interferências eletrônicas, que refletem diretamente no nosso organismo. Podemos sentir raiva, tristeza, angústias e medos que não são nossos. Herdamos.

Esta reação em cadeia ocorre também no aspecto positivo. E é aí que está a grande transformação. Vibrar amor, alegria, abundância, nos conecta a uma onda bastante poderosa que influencia às pessoas a nossa volta. Há mesmo pessoas que transformam ambientes, aquelas que gostamos de ficar perto, nos sentimos bem… As ondas emitidas pelo nosso coração podem radiar a quilômetros de distância e assim contagiar mais e mais pessoas com sensações positivas.

Você pode ser sim um agente transformador apenas sintonizando seu canal vibracional e auxiliando nessa carga energética. A vibração do amor têm um acesso incrível e pode ser mesmo transformadora.

Aquilo que você emite, você recebe. Quando você emite uma carga positiva, ela vai para o todo e é refletida de volta pra você em abundância. Existe aquela famosa frase que ratifica o raciocínio: “se não gostas do que estás recebendo, percebes o que estás emitindo.”

Não tem como dar errado, esta é uma lei universal, a do retorno.

Quanto mais sentimentos positivos você emitir e vibrar, mais disso irá receber. Quanto mais sentimentos negativos você vibrar, mais disso será revertido a você.

Claro que não estamos imunes aos sentimentos de raiva, medo, angústias, mas é importante buscar um entendimento emocional, codificar e entender. Inteligência emocional!

As energias da alegria, abundâncias e das bênçãos estão aí também, todas disponíveis, basta sintoniza-las e vibra-las.

Quando criamos consciência desse potencial criamos também responsabilidade. Podemos ser uma gota nesse oceano de consciência, mas somos uma gota transformadora quando colaboramos com o coletivo.

Imagem de capa: DisobeyArt/shutterstock

Aprecio quem diz que tudo vai dar certo, mas amo quem diz que ficará comigo, mesmo que tudo dê errado

Aprecio quem diz que tudo vai dar certo, mas amo quem diz que ficará comigo, mesmo que tudo dê errado

Não basta ter alguém apenas nos falando frases feitas, dizendo que tudo vai passar. Bom mesmo é saber que teremos alguém do nosso lado, haja o que houver, mesmo que nada dê certo, ainda que tudo desmorone de vez.

Ninguém há de negar que a vida costuma vir com tudo, atropelando-nos os sonhos, as certezas, as expectativas, muitas vezes nos deixando sem chão, totalmente desesperançosos e tristes. Cada dia é uma luta e, assim, vamos sobrevivendo em meio a essa gangorra emocional que nos consome, equilibrando-nos entre o que é prazer e o que é dor – infelizmente, nem sempre o peso recai do lado mais fácil dessa equação.

De repente, alguém que amamos muito se vai, o parceiro arruma as malas, o chefe nos dispensa, a saúde nos dá um susto, um filho se mete em encrencas, um irmão se vê sem saída. De repente, temos que enfrentar um passado mal resolvido que vem nos assombrar, temos que encarar as consequências de péssimas sementes escolhidas por nós mesmos, ou abrir mão de conforto material em favor de um familiar que adoece.

Dentre as vinte e quatro horas que compõem os nossos dias, nem ao menos um milésimo de segundo é previsível, pois tudo pode mudar drasticamente no próximo instante, num piscar de olhos. Logicamente, não poderemos pensar nisso o tempo todo, ou acabamos não nos permitindo desfrutar dos bons momentos que sempre pontuarão nossa jornada. Porém, o apego demasiado ao que pensamos ser certo e nosso possivelmente nos enfraquecerá quando das tempestades que se abatem sobre nossas cabeças.

Daí a importância de termos pelo menos uma pessoa com quem possamos contar, com quem estejamos à vontade para nos abrir e em quem nos apoiar durante as escuridões de nossa alma. Será vital, em nosso reerguimento, poder estender as mãos e encontrar braços que se estendem para nos trazer de volta à vida, com amor sincero. E não basta ter alguém de quem ouvir as frases feitas de apoio, alguém dizendo que tudo vai passar. Bom mesmo é saber que teremos alguém do nosso lado, haja o que houver, mesmo que nada dê certo, ainda que tudo desmorone de vez.

Qualquer um é capaz de nos dizer palavras de consolo, dando tapinha nas nossas costas, no entanto, somente quem nos ama verdadeiramente será capaz de permanecer ao nosso lado durante nossas batalhas mais difíceis, quando nada tivermos a oferecer, quando só precisarmos receber, ainda que sem merecermos. Isso é amor de fato, sem senões, sem rodeios. Isso é o que faz valer a pena tudo o que tivermos para viver, faça chuva, faça sol ardente.

Imagem de capa: Cookie Studio/shutterstock

Existem pessoas que ferem…e pessoas que curam.

Existem pessoas que ferem…e pessoas que curam.

Existem pessoas que tem o dom de curar, outras, o dom de machucar. Lendo esse texto, acredito que, naturalmente virão à sua mente algumas pessoas, tanto curadoras, como ofensoras. Imagine alguém que está sempre sorrindo e que tem sempre uma fala positiva, que sempre elogia, que tem um abraço gostoso. Quem veio à sua lembrança? E agora, imagine alguém rabugento, que adora jogar um balde de água fria na empolgação das pessoas. Lembrou de alguém? Não tem como passarmos pela vida sem nos depararmos com esses dois perfis de pessoa. As pessoas amargas sentem-se fortemente recompensadas quando percebem que machucou alguém. Parece que a alegria delas é nutrida pelo desgosto do outro.

Quer acabar com o dia de uma pessoa amargurada, compartilhe uma alegria sua com ela. Ela vai tratar de te convencer de que você está delirando, que sua alegria não é para tanto, que você pode “cair do cavalo”…que você precisa manter os pés no chão…etc. É como se a alegria do outro fosse um espinho na alma dela. São pessoas com as quais, se pudéssemos, evitaríamos qualquer contato. E quando estamos fragilizados, essas pessoas causam um verdadeiro estrago no nosso emocional,agindo como verdadeiros vampiros, parece que elas captam a nossa vulnerabilidade e fazem a festa. Se você emagreceu e está feliz, ela vai fazer questão de te dizer que você ficou com cara de doente e que estava melhor quando estava gorda. Se você foi aprovado num concurso público, ela vai te dizer que ouviu dizer que o concurso teve fraude e que vai ser anulado. Enfim, ela vai ter sempre um problema para cada solução.

Somente quando nos tornamos mais maduros é que vamos adquirindo uma espécie de imunidade à essas pessoas, daí elas não exercem mais nenhuma influência sobre as nossas emoções, pois passamos a enxergá-las como elas de fato são, verdadeiros enfermos espirituais e emocionais. Pessoas feridas ferem outras. Simples assim. Em contrapartida, existem aquelas pessoas que são puro bálsamo, são um verdadeiro sol mesmo nos dias nublados das nossas vidas. Pessoas que nos estendem a mão, que nos encorajam, que nos trazem à memória o que temos de bom e o que deu certo em nossas vidas. São verdadeiras bússolas divinas que nos norteiam quando estamos desorientados. É uma delícia ter por perto quem acredita em nós, quem nos aceita e quem nos acolhe. Essas pessoas serão as primeiras a serem lembradas por nós quando estamos em alguma dificuldade. Elas nos encorajam e elas nos lembram que a dificuldade vai passar. Por vezes, só precisamos nos lembrar disso, que nada é eterno e que dias bons e ruins passam. Quando alguém compartilha algo delicado conosco, nos sentimos honrados, afinal, no mínimo, essa pessoa confia em nós. Que sejamos dignos dessa confiança. Que saibamos lidar com a vulnerabilidade do outro. Que sejamos calmaria em dias de tempestade.

Imagem de capa: Pop Paul-Catalin/shutterstock

14 séries com roteiros surpreendentes

14 séries com roteiros surpreendentes

A rápida ascensão no consumo de séries de TV mostra que os serviços streaming atendem à demanda mais desejada para esse tipo de produto. O cliente escolhe o quê, quando e como assistir, em vez de torcer para que uma programação aleatória e mal planejada sirva a seus interesses culturais de momento.

Menos gente têm suportado a chatice, previsibilidade e falsidade das novelas brasileiras, que pouco ou nenhum compromisso com a realidade têm. Os enredos até variam, mas as mensagens transmitidas são basicamente as mesmas e no final os espectadores terão todas as respostas que procuram, o que no mundo real está longe de acontecer.

Na internet, há mais listas com indicações de séries do que séries para indicar. Como se não bastasse, aqui está mais uma, com a promessa de ter sido preparada com carinho.

As 14 séries a seguir são dignas de maratonas e fortíssimas candidatas a entrar num hall da fama de conteúdo televisivo, se já não estiverem. Algumas foram finalizadas, outras canceladas antes do previsto, outras ainda estão em exibição. Vamos a elas:

Hannibal (2013 – 2015)

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Os amantes de psicologia têm em Hannibal um vasto repertório de conceitos interessantes para discorrer em suas rodas de debate. Baseada no livro Dragão Vermelho, de Thomas Harris, a série é, seguramente, a melhor adaptação audiovisual sobre o famoso psicopata canibal. A performance artística formidável de Mads Mikkelsen como Hannibal Lecter fez muitos em Hollywood se esquecerem de Anthony Hopkins. Os diálogos são inteligentes e envolventes, e a mente do espectador se vê compelida a penetrar na dos atores com intensidade.

The Borgias (2011 – 2013)

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Imperdível para quem gosta de séries históricas. A narrativa é centrada nas engenhosas, mas imorais artimanhas políticas de uma das famílias mais poderosas da Renascença, os Borgia. Intriga, manipulação, luxúria, corrupção, guerra e superstição marcaram fortemente aquela época em que a Igreja se sobrepunha ao Estado. A influência dominante do então Papa Rodrigo Borgia (Alexandre VI) encontrou fortíssimas resistências dogmáticas, inclusive dentro do próprio círculo religioso, o que fez toda a sociedade inflar por revoluções radicais nas esferas política, cultural e econômica. Interessante do início ao fim.

Black Mirror (2011 – atual)

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A série é conhecida pela distopia crítica e veia humorística negra no tratamento de teses de ficção científica que, hoje, estão mais perto de se concretizar do que em outrora. O avanço imparável da tecnologia oferece inspiração em abundância para os roteiristas. Muitas pessoas têm certeza que os contos futuristas narrados em Black Mirror são profecias fidedignas à realidade. Os episódios não são complementares e podem ser vistos aleatoriamente; todos eles captam a atenção das máquinas, quer dizer, das pessoas e mostram possíveis consequências da evolução tecnológica desenfreada para a saúde da humanidade. O entretenimento na tecnologia tem sido utilizado como poderoso instrumento de controle das massas e devastação em larga escala. Esse vício de estar conectado em dispositivos eletrônicos acarreta em efeitos colaterais indisfarçáveis. A sociedade do espetáculo de Guy Debord foi bem adaptada para a TV.

O Nevoeiro (2017 – atual)

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Das séries baseadas em obras de Stephen King, esta merece o maior crédito. Apesar de pecar nos quesitos fotografia e efeitos especiais, o que importa é a alta densidade da trama. As obras do escritor americano são repletas de mensagens profundas, mas a grande maioria dos roteiristas as propaga de forma superficial. O nevoeiro é a metáfora para o medo irracional do desconhecido – morte, religião, liberdade, eternidade – que diferencia o ser humano do resto dos animais. Quando o homem é cegado pelo terror, seu bom senso se transforma na substância da loucura. Atuações extraordinárias não se verá, apenas (e é o suficiente) como o comportamento coletivo condiciona-se, quer queira quer não, pelas leis empíricas da natureza.

Bates Motel (2013 – 2017)

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Tendo Alfred Hitchcock escrito e dirigido o filme Psicose em 1960, várias adaptações foram feitas, com destaque para Bates Motel. A série narra como Norman Bates, jovem com distúrbio dissociativo de identidade e complexo de Édipo, regride de ser humano a monstro. O ator, Freddie Highmore, tem sido muito elogiado por seu desempenho.

Penny Dreadful (2014 – 2016)

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Penny Dreadful explora as origens e características mentais de personagens de terror clássicos da literatura, como Van Helsing, Dorian Gray, Dr. Jekyll, Drácula e Frankestein. Enredo permeado de fantasia, cenários e figurinos vitorianos e uma atmosfera de suspense.

Dexter (2006 – 2013)

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Dexter (Michael C. Hall) trabalha no departamento policial de Miami e sua função é servir a lei, mas o problema é que ele segue um código de conduta individual e personalizado. Os seres humanos não têm um senso organizado de justiça, e aí está o motivo de tamanha atenção direcionada à série. O público se atrai por vilões com déficit de caráter, talvez porque na vida real falha-se muito em identificar quem são os verdadeiros heróis. O fato do desfecho de Dexter ter sido decepcionante não elimina a boa avaliação geral de seu conteúdo.

Vikings (2013 – atual)

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Todos os interessados em mitologia nórdica são atraídos por essa série produzida pelo canal History. O universo primitivo dos vikings oxigenava-se em adrenalina e selvageria. Aqueles seres pareciam viver sem medo algum. A guerra era seu entretenimento, e o tédio se resolvia com violência, carne, cerveja e sexo à vontade. O criador da série é o estudioso de história medieval Michael Hirst, que também se responsabilizou por parte do conteúdo de The Borgias, The Tudors e Camelot, entre outras produções.

Breaking Bad (2008 – 2013)

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O que se destaca aqui é o argumento-chave do roteiro. Um professor de química e pai de família devotado descobre que está com câncer em estado terminal. O que ele faz? Entra no submundo criminoso do tráfico de drogas para enriquecer rapidamente e deixar a família em boas condições financeiras para depois que ele morrer. Se o modelo tradicional familiar é, em teoria, o exemplo mais comum de moralidade, o argumento foi uma ótima aposta.

Sherlock (2010 – atual)

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Benedict Cumberbacht encarnou Sherlock Holmes com tanta personalidade que, se Arthur Conan Doyle estivesse vivo, ficaria orgulhoso do que fizeram com sua invenção. A BBC parece ser a emissora ideal para transmitir esse tipo de série. Vale a pena mergulhar nos casos criminais de complexa resolução e na velocidade de raciocínio do mais icônico detetive do mundo.

Homeland (2011 – atual)

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Trama cativante sobre confrontos geopolíticos envolvendo fanatismo religioso. A protagonista, Carrie, motiva-se de um grande senso de dever e patriotismo para com sua nação, mas seus distúrbios psiquiátricos prejudicam severamente sua capacidade de juízo racional e, por tabela, a eficiência no trabalho. Prato cheio para quem gosta da temática de guerra aplicada a um contexto social moderno.

Orange Is The New Black (2013 – atual)

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Mulheres infratoras, cheias de hormônios pululando e com muitas histórias dramáticas na cabeça precisam se unir para sobreviver em uma penitenciária feminina administrada por autoridades machistas. O passado sombrio das detentas e o choque entre culturas divergentes faz de suas revoluções libertárias um desafio para a disciplina que tanto almejam restabelecer em suas vidas. A roteirista, Jenji Kohan, usa e abusa de jargões e frases de efeito nos diálogos para transmitir visões de mundo inquisidoras. Uma série convidativa para as feministas comprometidas com sua causa, e um choque de realidade para os homens que desejam rever condutas que condizem a uma sociedade patriarcal agudamente preconceituosa.

Oz (1997 – 2003)

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Os fãs de Prison Break têm grandes chances de gostar de Oz, antiga série da HBO que retrata as histórias alarmantes dos detentos da penitenciária de segurança máxima Oswald. Lá dentro, todos lutam contra seus pecados capitais e possuem motivos infinitos para confissão. Uns estão preocupados com dinheiro, outros em manter-se drogados, outros em matar quem lhes comprar inimizade, outros em estuprar, outros em voltar para o seio da família, e um punhado já desistiu de reaver a tão sonhada liberdade perdida muito antes do encarceramento.

Game Of Thrones (2011 – atual)

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O fato de ser impossível assistir todas as séries de TV já produzidas no mundo – até por limitação de tempo e critérios de gosto – não atrapalha a opinião que aqui será registrada: Game Of Thrones possui uma qualidade de produção em todos os aspectos tão espetacular que nenhuma outra série ameaça ou ameaçará seu império. Esse privilégio absoluto se deve em especial ao trabalho da vida do gênio George R. R. Martin, que, há de se convir, só não é o pai da literatura fantástica porque Tolkien nasceu antes dele. Realismo na série é gritante, e o fator surpresa característico faz com que todas as teorias imaginadas não passem de hipóteses duvidosas. Os personagens são muitíssimos bem arquitetados e, se há buracos na trama, ou eles serão preenchidos ou nunca existiram senão na cabeça de quem os criou.

*Com informações do IMDb

É preciso se perder para voltar a se encontrar

É preciso se perder para voltar a se encontrar

“Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: Como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?”
— Friedrich Nietzsche.

É impossível compreender a vida em sua totalidade. Isso é completamente apavorante. Nos assusta. Nos deixa acuados. Nos deixa impotentes, indecisos, boquiabertos, paralisados. Paralisados com o susto da liberdade. De um mundo em que temos, como diria Sartre, que nos equilibrar o tempo inteiro entre escolhas e consequências.

Um mundo que ao mesmo tempo que nos puxa para baixo e pesa o nosso coração com o nada, engrandece-nos e permiti-nos dançar entre as nuvens com os seus recantos de poesia. Essa é a vida, com suas contradições e ambivalências, a qual buscamos com a nossa finitude compreender.

Por mais que busquemos, há sempre algo que nos escapa na imensidão da vida. O tempo controla as suas próprias coordenadas, de modo que não temos como compreender todos os seus caminhos, as suas escolhas e o que ele quer de nós. É como se tivéssemos tanto para fazer, tanta potência de vida dentro de nós, mas não soubéssemos bem o que, de fato, fazer, como fazer, por onde andar. E, diante dessa incognoscibilidade do tempo, é como se ele escorresse pelas nossas mãos, deixando-nos cada vez mais assustados.

Como se não bastasse, quantas vezes acreditando estar no caminho certo, não nos damos conta de que tomamos a estrada errada e, então, temos que recalcular a nossa rota a partir da nossa bússola interna? É o momento das travessias das tormentas, em que é necessário deixar tudo que não for essencial de lado, juntar o que realmente importa em uma mochila e tornar a se meter a andar pelas ruas solitárias da vida. É o momento do desencontro, da perda, do desassossego, da ruína, da entrega. É o momento em que a escuridão do universo parece maior e nós ainda mais fugazes e pueris.

Entretanto, são exatamente nestes instantes que a vida também proporciona viradas e possibilita encontros, chegadas, sossegos, construções. Bem como, a reprodução de vagalumes, que se espalham como luzes harmoniosas para celebrar as nossas contradições. Celebrar a fusão do homem com o mundo. Do finito com o infinito. Do transitório com o duradouro. Do instante com o eterno. Do profano com o divino.

E a partir da compreensão das nossas contradições, passamos a melhor entender as contradições do universo, as quais invariavelmente estamos submetidos. É como se passássemos a entender a não-linearidade do tempo como algo que nos é próprio e, portanto, cognoscível. Porque a nossa vida é como um quebra-cabeça temporal, que vai se formando aos poucos, de tal maneira que muitas das peças que em determinado momento parecem inúteis, em outros são as chaves para elucidar grandes problemas.

Assim, passamos a nos lambuzar no jubilo da perdição, porque às vezes é preciso que nos percamos para que possamos nos encontrar e, então, transformar – como escreveu Galeano – medos em coragens, dúvidas em certezas, sonhos em realidades, delírios em razão, perdas em achados. Transformar o fio da navalha, por onde a vida sinuosamente caminha, em espaço lúdico de nossas astúcias, porque é preciso se queimar para se tornar fogo, já que o renascimento só acontece por meio das cinzas.

Imagem de capa: AstroStar/shutterstock

“Talvez o amor não seja para todos. Talvez ele não seja para mim”

“Talvez o amor não seja para todos. Talvez ele não seja para mim”

“Talvez o amor não seja para todos. Talvez ele não seja para mim” – Gabriela Santos

Talvez o amor não seja para todos, essa coisa de: “quando menos se espera vem” pode ser até verdade, mas acredito que a regra não se aplica necessariamente a todos.  Já cansei das inúmeras vezes em que achei que daria certo. Das vezes em que eu, mesmo com medo, tentei. Lembro- me dos tombos e de como tudo aquilo me machucou. Meu coração se fechou para o tal do amor e levei fama de coração de pedra.

Já havia decidido que minha vida tomaria determinado rumo e que essa historia de vida a dois não era para mim. Mas, às vezes, acho que a vida gosta de nos testar e lá vem alguém com a ideia de que tudo será diferente. Depois de muito relutar decido dar uma nova chance para o amor. Mais uma chance, porém, que não passou de uma tentativa frustrante e ainda mais dolorosa. Sabe, talvez o amor a dois não seja para todo mundo e muito se engana quem acredita que a felicidade se resume a isso.

Quanto mais eu me distancio dessa ideia, mais percebo o quanto outras coisas me fazem bem também. Continuo chorando em casamentos, continuo achando filmes de romance uma gracinha e vibro quando alguém que gosto decide tomar a decisão de unir sua vida com a de quem ama. O amor é bonito demais e não podemos negar. Mas, há amor em tantas outras coisas que pode ser que o amor a dois não seja para todo mundo, por alguma razão qualquer. Prender-de a ideia de que necessariamente eu PRECISO ter alguém é frustrante demais: é chamar a felicidade pelo nome errado e depositar toda a sua energia em algo que pode simplesmente não acontecer. Descobri que viagens me deixam com o coração tão feliz e que as pequenas conquistas do meu dia a dia me tornam mais forte. Tenho aproveitado esse tempo para rever minhas prioridades e, ter mudado o foco do tal do amor, me fez ver que há muitas coisas que também nos fazem transbordar.

Já sofri demais e já questionei a Deus e a todos. Já achei que o problema era eu e já tentei mudar milhares de vezes. Sabe, essa busca incansável pelo tal do amor ainda irá te machucar muito. Muitas coisas simplesmente acontecem na vida da gente e o amor a dois é uma delas. Não dá para simplesmente forçar ou insistir. A vida não se resume a isso.

O desespero e a carência podem nos levar a aceitar muito pouco e achar que isso é suficiente. Isso faz com que a gente acredite que estar acompanhado é não estar só quando, na maioria das vezes, estamos vivendo uma solidão a dois. Talvez o amor não seja para todos e talvez não seja para mim. E sabe? Tudo bem. Tudo bem mesmo. Eu não vou me tornar um coração de pedra e detestar saber de como tem sido a vida de casada de tal amiga ou de vibrar com o pedido de noivado da outra. Não vou me tornar a chata que odeia falar sobre o amor e que diz não acreditar nele. Eu acho sim que o amor existe e que, embora seja uma raridade uma história a dois, é algo bonito e nobre. O amor é como aquela roupa que a gente acha linda nos outros, mas quando provamos em nós não gostamos. É aquela bolsa cara que alguém consegue comprar e você prefere gastar o seu dinheiro com viagem. É aquela bota que fica bem na sua amiga, mas não combina com o seu estilo. O amor é algo singular. E o amor a dois talvez não seja para todos, talvez ele não seja para mim.

Imagem de capa: LenaSunny/shutterstock

A nova geração é mais liberal, mimada e ansiosa que a de seus antepassados

A nova geração é mais liberal, mimada e ansiosa que a de seus antepassados
Serious old man talking with grandson and explaining by hand

A nova geração é mais liberal, ansiosa e mimada que a de seus antepassados. Antes, trabalho duro sem qualidade de vida era algo aceito pelos que não tinham uma opção melhor; agora, isso é quase inadmissível pela infinidade de opções profissionais disponíveis.

Estuda-se de 10 a 15 anos na escola e mais um punhado de tempo na universidade – para os que podem – sem a tal garantia do emprego estável – para os que querem.

O indivíduo finalmente conclui sua graduação para depois ganhar incríveis mil e duzentos reais mensais, o que sustenta o aluguel num apartamento corroído por traças na periferia da cidade, ração para o cachorro, hambúrgueres do Mc Donald’s e passagens de transporte público.

Se em tempos atrás qualquer ofício que levasse a um bom gerenciamento de dívidas bastava para dormir de consciência tranquila, hoje trabalhar usando a justificativa principal de não morrer de fome virou símbolo de uma existência desperdiçada para muitos que querem um “algo a mais”.

O ditado “Tudo que vem fácil vai fácil” está na boca dos pais que guardam todas as suas gotas de suor num recipiente de nobreza. A maioria hoje bebe do néctar dos frutos que foram plantados por outrem; enquanto uns agradecem por esse privilégio delicioso e tratam de trabalhar em benefício de sua reputação, outros se chafurdam na lamentação da falta de independência.

Não é nada vergonhoso poder usufruir de uma vida confortável que não foi conquistada por mérito pessoal; ninguém escolhe sua família original. O que envergonha é a submissão ao conforto, agir como os abutres preguiçosos que só se alimentam de restos de carniça a curto alcance.

A real autonomia está no que Immanuel Kant chamou de “esclarecimento”, a saída do homem de sua menoridade. O ser menor carece de disposição e coragem para usar do próprio entendimento sem uma orientação externa; o ser maior, por sua vez, não possui maior entendimento, e sim mais vontade de assumir os riscos de obtê-lo.

“É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase que uma segunda natureza.”

Sim, é muitíssimo complicado sustentar todos os ideais individuais sem um sentimento de insegurança. Mais cômodo é seguir caminhos conhecidos, apoiar em bases já construídas, consumir em vez de produzir.

Como viver uma vida nos moldes de Peter Pan e ao mesmo tempo ser levado a sério é um enigma que os adultos saudosos de sua infância gostariam de resolver, talvez mais do que todos seus anseios de maturidade. Os adultos mais infelizes insistem em silenciar a criança dentro de si nas ocasiões que convém o senso lúdico. As crianças, enquanto inocentes, ainda não sabem a vantagem que têm sobre a idade.

Uma característica intuitiva do ser moderno é o grande apreço pelo valor de sua liberdade, da possibilidade imanente de escolher e perder, da responsabilidade de voar. Em sua obra A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera, muito inspirado na leitura de Kierkegaard, escreve:

“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas por que sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda da qual logo nos defendemos aterrorizados.”

O nada possível chama a atenção da indiferença, o tudo possível chama a atenção do terror. A libertação máxima significa desespero, mas abster-se do poderio decisório acarreta em menos fruição. Toda escolha requer uma exclusão, como o ex-anjo Lúcifer compreendeu ao gananciar o poder absoluto de um reino que está fora da sua inteligibilidade e competência.

Quando os homens das planícies de Sinear resolveram se unir para construir uma torre (a de Babel) à altura dos céus, sedentos para experimentar o paraíso que acreditavam ter lhes sido prometido, Deus, em sua ironia cáustica, presenteou aqueles trabalhadores obstinados com a confusão generalizada de linguagens, de modo que eles não puderam mais se comunicar nem se entender, e o empreendimento teve que ser imediatamente cancelado. Os espíritos da atualidade querem chegar ao topo do modo mais fácil, tentando driblar os ocasos do destino antes que ele lhes teste.

Inegável que a liberdade passou a ser um valor impassível de perda, intransferível por excelência, até mesmo em circunstâncias que exigem o desprendimento do eu. A insegurança inerente à vertigem da liberdade tem sido considerada pelos modernos um mal menor ao possível arrependimento futuro de uma vida inautêntica.

Autenticidade é não deixar guiar-se pelo não-ser, parar de querer ser outro e fazer comparações levianas. Duas pessoas não leem o mesmo livro, nem levam a mesma vida. Cada qual tem seu tempo e sua medida. Uns casam aos 26 anos, outros nunca casarão. Uns têm o primeiro filho aos 42 anos, outros morrerão sem deixar herdeiros. Uns trabalham na mesma empresa há 35 anos, outros já passaram por 14 empresas em 48 anos de carreira. Uns se aposentam aos 75 anos, outros só param de trabalhar quando a vida acaba. Uns conseguem comprar a casa própria aos 31 anos, outros só morarão em residências alheias por caridade. Uns contam com um amor maior para o além, outros nem sabem o que é isso.

Algo que não se aguenta mais ouvir dos sociólogos pessimistas é que o amor está em crise, ou melhor, que a morte do amor vive uma fase áurea. O amor nocivo tem a ver com a falha administrativa da tal leveza do ser – do orgulho idiota em não se assumir frágil para que o amor lhe empodere. O que se encontra hoje é um apego hediondo ao mimo, calor que protege aqui e acomoda lá. Seria generalização presumir que os atuais netos têm menos tutano nos ossos que seus avós tiveram? O amor necessita de mimo, mas o excesso de mimo conduz à imaturidade amorosa.

Sempre que o amor falha, o peso existencial mostra como somos leves e, por isso, sua busca é interminável, até mesmo para os misantropos assumidos. Talvez esse problema esteja em enxergar o amor como uma commoditie propensa à negociação e oscilação de valores, e não uma arte a ser tratada como arte.

O sentimento de posse em relação ao amado é o ódio se aproveitando da situação. “Eu te amo” é querer enriquecer ao ser libertado da prisão do isolamento. “Eu te tenho” é querer se destruir ao ser atraído pela possessividade amorosa. É mortal a vontade de alguém só para preencher a lacuna da solidão, e orgásmico encontrar alguém que ajude a iluminar a sombra dentro de si.

Se a vontade de querer alguém for motivada apenas por um sentimento de carência, a pessoa estará assinando um tratado de incompletude. Tendo achado esse alguém, o vazio não é resolvido, da mesma forma que tapar o sol com a peneira apenas reflete a intolerância à claridade da própria visão. Os sonhos amorosos são muito substanciados pelo desapego à solidão. Ninguém evolui sozinho, mas todos tendem a regredir se dependerem unicamente de ajuda externa para seu sustento.

Foi dito à Amélie Poulain que “São tempos difíceis para os sonhadores”. Sonhar nunca foi tão barato, e o fazê-lo mais, tão incentivado. Mas o educador Mário Sérgio Cortella já alertou para a confusão entre sonho e delírio. O sonho é o “desejo factível”; delírio, “ideal impossível”.

Beethoven, mesmo surdo, compôs sinfonias brilhantes – sua Nona Sinfonia, ou Ode à Alegria, foi classificada pela Unesco como patrimônio cultural mundial. O que parecia impossível (fazer música sem o aparelho auditivo) se concretizou, mas claro que não se trata de um caso sobrenatural. Desde cedo, Beethoven foi apaixonado por música e, todos os dias, atentava às habilidades artísticas de seu pai, um tenor. Antes de se tornar músico, ele estudou dezenas de orquestras e com determinação apurou sua sensibilidade, a ponto de adquirir um conhecimento robusto que o fez transformar em sonho realizado o que para a maioria não passava de uma pretensão ridícula. Não foi fácil para o alemão, que sofria de depressão, paranoia persecutória e crises de pânico. Em 1801, aos 31 anos, Beethoven escreveu em carta para o amigo Franz Wegeler:

“Há quase 2 anos me afastei de todas as atividades sociais, principalmente porque me é impossível dizer para as pessoas: Sou surdo! […] Se minha profissão fosse outra, talvez poderia me adaptar à minha doença, mas no meu caso a surdez representa um terrível obstáculo. Para meus amigos e aqueles que pensavam que eu era antissocial, distraído e ermitão, me julgaram mal. Vocês não conheceram a causa secreta disso tudo. Nascido com um temperamento ardente e ativo e sensível às atrações da sociedade, bem cedo tive que me isolar e transcorrer a vida em solidão […] Para te dar uma ideia desta estranha surdez, no teatro eu tenho que me colocar pertíssimo da orquestra para entender as palavras dos atores, e a uma certa distância não consigo ouvir os sons agudos dos instrumentos e do canto […] Quase coloquei fim à minha vida algumas vezes. Foi a música que me entreteve. Parecia-me impossível abandonar este mundo antes de criar todas as óperas que sentia imperiosa necessidade de compor.”

Como alguém que vive de música e se torna surdo consegue manter-se em atividade? Todos os mais próximos de Beethoven, incluindo seu pai, julgaram que seu sonho era um delírio juvenil, mas a arte está repleta de casos de gente improvável que melhorou a humanidade.

Mentirosos, porém, os que dizem que histórias de superação como essa apoiam todas as motivações humanas imagináveis. Alguns delírios são definitivos, e as pessoas menos desiludidas sabem que determinados sonhos devem ser abandonados, coisa que a nova geração mal suporta, do que decorre seu mal lidar com a frustração.

Muitas pessoas não querem, sob hipótese alguma, sacrificar sua juventude temporária com atividades a elas desprovidas de significado. Querem, sim, aproveitar o gozo do descompromisso libertário, fazer o que gostam, em superação a certas obrigações que julgam ser descartáveis. Contudo, para fazer o que se quer deve-se fazer muitas coisas que não se quer. O desejo vem sendo colocado à frente do dever, e a necessidade, considerada um impedimento do prazer.

A importância do ócio criativo não é um segredo às mentes preocupadas em elaborar estratégias que as façam diferenciar um trabalho maçante, mas efetivamente necessário, de um divertido, mas absolutamente infrutífero.

Outra coisa bem repartida hoje é a definição de sucesso. Ser milionário, entretanto, ainda é uma meta clichê para “vencer na vida”, apesar de o dinheiro estar sendo menos perseguido como queijo no labirinto, informação extraída de muitas pesquisas sobre critérios de satisfação no trabalho.

O velho Stephen King é conhecido pela altíssima eficiência na escrita; produz com ambas velocidade e qualidade. Seu sucesso na mídia é assim por ele justificado:

“Talento é mais barato que sal. O que separa a pessoa talentosa da bem-sucedida é muito trabalho duro.”

Trata-se de uma fórmula antiga que sempre funciona? Não, para controvérsia entre profissionais de recursos humanos. Labuta diária não garante recompensa futura de sucesso, tampouco a preguiça intimiza com a sorte. Maquiavel disse que a sorte é mulher: complexa, imprevisível, fascinante e amiga dos mais jovens.

Trabalho duro está para o sucesso assim como a ética está para a felicidade. Uma vida segura da virtude moral não é garantia de uma vida feliz, pois, embora a fuga da moralidade vá diretamente contra o bom senso por natureza, a distribuição entre a ação adequada à ação virtuosa e o sentimento feliz varia de pessoa para pessoa. Dever moral e felicidade relacionam-se, mas não de forma simétrica. Se causa e efeito sempre fossem, a imoralidade estaria resolvida; a paz, universalmente perpetuada; e a felicidade, facilmente previsível, isto é, tornada em mera banalidade e indigna de conquista. A pessoa consciente de ter cumprido seu dever não necessariamente sentirá contentamento em aspecto de felicidade, mas decerto terminará desiludida se sacrificar o dever por pensar que ser feliz independe de cumpri-lo. A maioria raciocina que o sucesso deva ser procurado como um fim definitivo da atitude trabalhadora, mas isso seria petulância demasiada. A sensação de sucesso é subjetiva e moldável, e não deveria servir como único incentivo do trabalho, visto que, se a motivação para trabalhar for somente sucesso, a virtude do esforço não será nada mais que reação ao medo do fracasso, quando na realidade sem a possibilidade de fracasso não haveria como perceber-se bem-sucedido.

Se às vezes há um conflito injusto entre trabalhar pesado e falta de realização, e se estar feliz marca os indivíduos altamente produtivos, o trabalho não será sempre satisfatório, porque não abrange todos os motivos para se levantar da cama.

Um serviço que acrescente em valor e que promova o ânimo pela sua própria causa passou de um conceito antiquado reservado à uma elite privilegiada a requisito para quase todos os trabalhadores da nova safra, que especialistas em gestão categorizam como da “geração Y”.

Nunca se usou tanto a palavra “equilíbrio” em capas de revistas sobre bem-estar e livros de autoajuda, uma tática comercial bastante apelativa. O balanceamento perfeito entre vida profissional, social e romântica só ocorre se o homem estiver apaixonado por seu trabalho, produtivo no romance e, fundamentalmente, poder abdicar desses papeis quando sua mente precisa de repouso. A desarmonia nasce quase sempre da inflexibilidade em relação a este último quesito pessoal, que, destarte, nunca deve ser deixado de fora da lista de prioridades.

A partir da nada saudável premissa de que a vida fora do escritório é mais importante, trabalhar passa a ser um exercício de sofrimento a ser aliviado com toda sorte de vícios – vinho, sexo, tabaco, meditação, yoga, dança, luta livre, jogatina –, domingo à noite vira um prelúdio da lástima, segunda de manhã um tormento psicológico digno de pedir socorro, e sexta à noite um pretexto para a libertinagem. Canalizando-se as energias do espírito não somente depois, mas também durante a execução do ofício profissional, os vícios não atacam com tanta brutalidade, e as ressacas perdem um pouco seu caráter sacrificial.

Outro elemento indisfarçável na sociedade é a baixíssima resistência à ofensa, aquela reação parcial à crítica tão conhecida. Algumas críticas são de fato destrutivas, e o agressor deseja que a vítima se desgrace justamente entrando no seu jogo.

Uma coisa é ter humildade para reconhecer besteiras ocasionais no pregar atitudes idealíssimas, e as pessoas que a têm são admiráveis. Outra coisa é ter a prepotência de achar que todas as críticas são um atentado à importância da sua autoimagem.

Certo que, se o problema estiver na pessoa criticada, e ela não quiser resolvê-lo, ou ter o crítico em descrédito, não só não ouvirá a crítica, mas defenderá seu orgulho com a própria vida. Certo também que, se o problema não estiver na pessoa criticada, mas no crítico, e este quiser negá-lo, o fará criticando, pois dessa maneira pensa que se protege, enquanto está se escondendo.

Os pais se sentem no dever de dizer a seus filhos que, se estes agirem como hedonistas impulsivos, sem planejamento e gestão de riscos, nunca terão um futuro. Para contar essa verdade, oferecem lições baseadas na sua experiência. O confronto de gerações, nesses casos, surge de dois possíveis equívocos: por parte dos pais, que presumem que seus filhos cometerão exatamente os mesmos erros que eles cometeram, tanto em grau quanto em espécie; por parte dos filhos, que ignoram o fato de que seus pais obrigatoriamente carregam nas costas uma bagagem mais pesada de conhecimentos das leis empíricas da vida. Ao projetarem seus fantasmas na cabeça dos filhos, os pais estão com medo de se sentir culpados pela segunda vez. Ao descartarem conselhos de seus pais, os filhos querem mostrar que têm força para aliviar sua consciência por si mesmos.

A falta de paciência

As coisas na natureza não acontecem na mesma velocidade do pensamento civilizado, instintos selvagens não correspondem à organização sistemática das máquinas que o homem cria para otimizar suas demandas, a temperatura do ambiente não muda conforme os humores internos. Tudo isso faz emergir a relevância de uma das virtudes que permitem uma existência mais autocentrada ou menos perdida: a paciência. Se há algo a ser ilustrado por uma teoria da escassez capitalista, é a inabilidade do homem de ser paciente.

Ter paciência é saber quando, como e por que esperar, uma das coisas mais difíceis do mundo. Quem espera demais padece em apatia, procrastinação e impotência. Quem espera de menos padece em loucura, hostilidade e esgotamento. Quem espera moderadamente exerce aquela temperança que Aristóteles tanto manifestava em seus discursos, e da qual até se duvida (por inveja) que o mesmo tenha tão bem se aproveitado.

Ao ouvirem uma pessoa dizer “Tenha calma”, muitos se sentem tentados a mandá-la à merda, perguntando: “Na real, em que mundo você vive?”. Toda a gente recomenda calma, mas age como se a calma fosse um besouro chato zumbindo na orelha. O ilustre Sêneca informava seus discípulos com sermões sobre a brevidade da vida, no intuito de prepará-los à moderação do senso de urgência. Todos solicitam tempo, e esquecem de que são o tempo. “Parece que nada se pede e nada é dado”.

De acordo com os budistas, paciência é o comportamento virtuoso do ser humano que nem foge da ação em circunstâncias que exigem seu controle, nem se mantém estático sobre as circunstâncias que lhe fogem. Portanto, a impaciência é uma luta estéril contra a imperfeição do futuro.

O estresse é natural até o ponto que ajuda a evitar a desatenção em situações emergenciais reais; para além, há severas represálias psíquicas. A paciência, por si só, não resolve necessidades urgentes, mas ajuda a evitar problemas desnecessários.

Dos males que acometem a modernidade, a ansiedade está em primeiro lugar, basta verificar a quantidade de benzodiazepínicos vendida diariamente, empregos sendo largados pela falta de reconhecimento imediato, suicídios sendo cometidos pela recusa em abandonar uma solução final do absurdo existencial, potenciais amizades sendo desnutridas porque o frágil ego foi ferido pelo silêncio de uma mensagem a mais de dois dias não respondida, namoros e casamentos sendo aniquilados a partir do período em que sua representação se torna menos conveniente, e psicólogos, psiquiatras e psicanalistas enriquecendo aos montes.

A virtude da paciência precisa ser uma tarefa exercida com disciplina ascética pelos ansiosos crônicos, do mesmo jeito que os diabéticos não podem ignorar a necessidade de controlar a ingestão abusiva de açúcar sem correrem o risco de sofrer de ataques glicêmicos.

Adiar a gratificação parece a muitos um sacrifício temporal negligente, como se partissem da convicção de que amanhã acabará a comida no supermercado ou o sol perecerá no oeste. Porque o gozo não é para sempre, torna-se inaceitável o desprazer presente. Aproveitar o momento, sentir o coração suspirando e as pupilas dilatadas frente às delícias da vida é um comportamento estimulado pelos hedonistas, que explicam a ansiedade e o estresse como decorrentes da privação de prazeres sensoriais. Ora, já que o mundo não espera por ninguém, o ato de esperar é visto como um defeito a ser varrido pela felicidade aqui e agora. A questão que não quer calar é que o desejo, quando insubordinado aos escrutínios da razão, domina o bom senso e está livre para assassinar reputações.

Todos já ouviram falar de Baco, o deus do vinho, da orgia e das festas. Seus admiradores enxergam-no como um guru que os inspira a lidar com as angústias da vida usando de um certo subterfúgio: álcool. Essa promessa tem pavio curto, porque os bêbados, passado o período de embriaguez, retornam a viver os mesmos temores de sempre. Baco seria mais amado se ensinasse a seus súditos estratégias para um melhor relacionamento com a sobriedade. Os bêbados menos degenerados procuram sair do palácio de sua realidade de vez em quando, não antes de checar se as coisas estão no lugar. Como administrar a ansiedade fóbica sem recorrer a remédios desesperados é algo que os psiquiatras são suscitados a esconder para manterem sua fonte de renda.

Necessidade de estímulo constante, agigantamento do tédio, alto nível de intolerância à realidade e ânsia desesperada por conectividade digital fazem com que o estresse olhe para o espelho e se sinta vaidoso, enquanto os estressados apelam para a criação desenfreada de válvulas de escape e são desafiados a fortalecer sua capacidade de resiliência, fator cada vez mais procurado pelos líderes e nos líderes.

A crescente impaciência vem da redução da eficácia da gestão do tempo, que significa a redução da eficácia do ser humano. Tanto impulsividade na tomada de decisões quanto falta de firmamento da estratégia têm sido apontados como hábitos clássicos dos sabotadores profissionais, que contrariam Sun Tzu e vão à guerra em primeiro lugar para depois buscarem a vitória.

Aquela calma dos ermitões da floresta, que dizem ouvir, a um quilômetro de distância, o som das águas dos lagos chacoalhando, o bater de asas dos condores e o sussurro das árvores agitadas, é uma incógnita para quem mora em metrópoles urbanas movimentadas pelo barulho das buzinas, cheiro de fumaça negra e pessoas aceleradas aos milhares.

Em um universo tecnológico eufórico, as oportunidades para a sabotagem são autossuficientes, por isso é tão bom procrastinar em redes sociais, por exemplo. Enquanto um serviço sem pausas leva ao definhamento físico, a inércia prolongada promove o ostracismo psicológico. Inúmeros executivos em cargos de liderança têm reclamado da epidêmica improdutividade associada às distrações dos seus funcionários; inclusive, algumas culturas de trabalho já incluíram no código de conduta que se mantenha os celulares desligados durante o expediente, não importa se o marido sofreu um ataque cardíaco ou se a casa está pegando fogo com as crianças dentro. Se não é certo levar problemas caseiros para o escritório, também é errado esquecer que uma organização é composta de sangue, carne e osso. As máquinas desumanizam tanto que sem elas já não há humanidade.

Com poucos cliques no mouse do computador ou toques no celular tem-se ao poder dos olhos informações infinitas. Dá para saber se João está namorando, se Maria atualizou no perfil a efetivação que tanto esperava, se o labrador da tia está melhorzinho da infecção estomacal, se a colega de academia morando nos EUA está fininha ou engordou, se o amigo de infância está vivo. Um sintoma primário da perda de paciência está na substituição emocional (contato, fricção, tesão) pela contemplação tecnológica (achismo, teses vazias, frigidez), algo que não deve ser feito por quem preza um relacionamento genuíno.

Hoje em dia, caem por terra os defensores da ideia de que a distância nada significa para amigos e familiares que se amam de coração. Afeto exige toque, carinho, estímulo e risada ao vivo. Isso evoca um dos diagnósticos de Ludwig Feuerbach (tirado de seu contexto religioso original):

“E sem dúvida nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.”

Os dias são muito melhores quando estou com você

Os dias são muito melhores quando estou com você

E como são melhores. É como se a vida tivesse nos proporcionado um largo sorriso, onde podemos mergulhar em cada momento de nós. Não tem outra explicação. Com você, além de ser leve, é também inesquecível.

Cansei de enumerar os amores nos quais recebi tamanha tranquilidade em troca. Não foram muitos, sinceramente. Mas com você, preciso confessar, não me lembro de experimentar nada igual. Porque não atropelamos o que o outro sente. Sabemos o que é preciso para somarmos. Você fica sem obrigação. Eu vou até você sem peso. Você me escuta porque gosta. Eu te admiro porque não posso ignorar. A nossa troca é sinal de franqueza.

Quem dera se todos os amores tivessem essa simplicidade que escolhemos carregar. Nenhum dia ao seu lado é motivo para desviar o olhar. De um jeito ímpar, a gente se esbarra ao acordarmos e também ao irmos dormir. Há sempre algo a ser dito e demonstrado. Parece que, mesmo na distância, reconhecemos os afetos um do outro. Isso é sintonia. É sorte estar com você.

Os dias são muito melhores quando estamos juntos e nenhum de nós se preocupa em negar. Pelo contrário, caímos de coração nesses instantes em que estivemos entrelaçados. Por isso é tudo tão sob medida, porque já passamos da fase de procurarmos o que acontece naturalmente, bem assim, entre a sua chegada e a minha permanência.

Imagem de capa: Hrecheniuk Oleksii, Shutterstock

Farinha do mesmo saco

Farinha do mesmo saco

Por Fabíola Simões

Outro dia, um amigo de longa data se referiu a mim e a uma amiga em comum como “farinhas do mesmo saco”. E ri da expressão, orgulhosa de ser o mesmo tipo de pessoa que minha amiga.

Dizem que os opostos se atraem. Talvez porque eu busque no outro o que me falta, ou aquilo que desejo revelar, mas só ele consegue exteriorizar.

Porém, em se tratando de amizades, felicidade é ser farinha do mesmo saco, do tipo que engrossa o mesmo caldo ou dá consistência ao fermento que fomenta a vida.

Quero ser farinha do mesmo saco de quem mora longe, mas se faz sempre perto, e não deixa a saudade distanciar. De quem cuida da amizade com vontade de estar presente, sem correr o risco de que o tempo apazigue a memória do que sempre queremos lembrar;

Desejo ser farinha do mesmo saco de quem não tem medo de ser imperfeito, e trata com carinho seus deslizes, compreendendo que nossas incompletudes são partes do mesmo saco também;

Sou farinha do mesmo saco de quem compartilhou um tempo bom, e fez da trilha sonora e cinematográfica de sua vida parte da minha também, eternizando “Grease”, os clássicos de Woody Allen, “Moon River”, Legião e “Go Back” _ na versão linda com Fito Paez;

Sou farinha do mesmo saco de quem me viu modificar com a idade, e transformou-se comigo, superando as dificuldades do caminho e prosseguindo lado a lado, compreendendo que ainda que os roteiros sejam distintos, permanece aquela linha invisível ligando os mundos;

Quero ser farinha do mesmo saco dos amigos que inventam grupos no whatsapp, e espalham videos, fotos e outras bobagens só pelo pretexto de nunca mais deixarem a distância apartar;

Sou farinha do mesmo saco de quem não consigo esconder um segredo, e partilho mesmo correndo o risco de chorar; entendendo que no mesmo saco encontro amparo para meus medos e conflitos também;

Sou farinha do mesmo saco de quem entende minha reserva de tempos em tempos, a necessidade de encontrar abrigo em meu universo particular, de quem supera meu contraste e introspecção;

Sou farinha do mesmo saco de quem não se fragiliza diante de minha alegria, mas partilha do mesmo sorriso quando a vida floresce em meu canteiro;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem compartilha sua alegria sem rodeios, e não se intimida quando o tempo traz a poda de suas _ e minhas _ mudas ou estruturas;

Sou farinha do mesmo saco de quem não tem medo de chegar, e não vive com receio de que a proximidade derrube as portas que construiu pra se blindar. De quem entende que a amizade é um sentimento mútuo, que só cresce reciprocamente;

Sou farinha do mesmo saco de quem perdoa a si mesmo, e aprende a não se culpar em demasia. De quem me ensina a relevar meus próprios julgamentos e entende minhas pequenices, tombos e fraquezas, sem usar isso pra me desconcertar;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem ama sem impôr condições, e permite que lhe amem na mesma proporção. De quem não evita a possibilidade de ser melhor com o tempo, mas tenta se aprimorar com a passagem dos momentos;

Sou farinha do mesmo saco de quem sabe dirigir o olhar com delicadeza e serenidade, acreditando que é merecedor de dádivas e milagres diários. De quem sabe agradecer o presente que é a própria vida e tolera os imprevistos com ginga e sabedoria;

Quero ser farinha do mesmo saco de quem tem tanto a me ensinar, pois meus pés ainda trilham terra barrenta, que tem tanto a se transformar.

A vida nos pede ânimo novo todos os dias. Precisamos ser farinhas do mesmo saco. Precisamos de quem nos ajude a lapidar nossas arestas e arredondar nossos cantos ou esquinas.

Bom mesmo é encontrar quem nos acolha. Quem tem tanto a oferecer e nos enxerga com olhos generosos. Quem nos abraça e convida a ser assim, simplesmente… Farinhas do mesmo saco…

Imagem de capa: savageultralight/shutterstock

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“Sons que confortam”, crônica de Martha Medeiros

“Sons que confortam”, crônica de Martha Medeiros

Eram quatro da manhã quando seu pai sofreu um colapso cardíaco. Só estavam os três na casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de 13 anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E aguardaram. E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É ele que conta, hoje, adulto: Nunca na vida ouvira um som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio.

Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na mesma hora em que li esse relato, imaginei um sem-número de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que possuem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.

E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros, mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.

Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sons cotidianos: a voz no alto-falante do aeroporto dizendo que a aeronave já se encontra em solo e o embarque será feito dentro de poucos minutos.

O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão apagadas e o espetáculo irá começar.

O telefone tocando exatamente no horário que se espera, conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansiedade para se falar com alguém distante.

O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando você está no quentinho da sua cama.

Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua, provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou, fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.

O toque do interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.

O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.

A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de trabalho.

O sinal da hora do recreio.

A música que você mais gosta tocando no rádio do carro. Aumente o volume.

O aplauso depois que você, nervoso, falou em público para dezenas de desconhecidos.

O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.

E o mais raro de todos: o silêncio absoluto.

Martha Medeiros no livro Felicidade Crônica

Indicação dos nossos parceiros Psique em Equilíbrio.

Imagem de capa: Olena Yakobchuk/shutterstock

A alma do outro, por Lya Luft

A alma do outro, por Lya Luft

“No relacionamento amoroso, familiar ou amigo
acredito que partilhar a vida com alguém que
valha a pena é enriquecê-la. Permanecer numa
relação desgastada é suicídio emocional, é
desperdício de vida”

“A alma do outro é uma floresta escura”, disse o poeta Rainer Maria Rilke, meu único autor de cabeceira.

A vida vai nos ensinando quanto isso é verdade. Pais e filhos, irmãos, amigos e amantes podem conviver décadas a fio, podem ter uma relação intensa, podem se divertir juntos e sofrer juntos, ter gostos parecidos ou complementares, ser interessantes uns para os outros, superar grandes conflitos – mas persiste o lado avesso, o atrás da máscara, que nunca se expõe nem se dissipa.

Nem todos os mal-entendidos, mágoas e brigas se dão porque somos maus, mas por problemas de comunicação. Porque até a morte nos conheceremos pouco, porque não sabemos como agir. Se nem sei direito quem sou, como conhecer melhor o outro, meu pai, meu filho, meu parceiro, meu amigo – e como agir direito?

(…)

Amor e amizade transitam entre esses dois “eus” que se relacionam em harmonia e conflito: afeto, generosidade, atenção, cuidados, desejo de partilhamento ou de vida em comum, vontade de fazer e ser um bem, e de obter do outro o que para a gente é um bem, o complicado respeito ao espaço do outro, formam um campo de batalha e uma ponte. Pontes podem ser precárias, estradas têm buracos, caminhos escondem armadilhas inconscientes que preparamos para nossos próprios passos em direção do outro. O que está mergulhado no inconsciente é nosso maior tesouro e o mais insidioso perigo.

Pensar sobre a incomunicabilidade ou esse espaço dela em todos os relacionamentos significa pensar no silêncio: a palavra que devia ter sido pronunciada, mas ficou fechada na garganta e era hora de falar; o silêncio que não foi erguido no momento exato – e era o momento de calar.

Mas, como escrevi várias vezes, a gente não sabia. É a incomunicabilidade, não por maldade ou jogo de poder, mas por alienação ou simples impossibilidade. Anos depois poderá vir a cobrança: por que naquela hora você não disse isso? Ou: por que naquele momento você disse aquilo?

Relacionar-se é uma aventura, fonte de alegria e risco de desgosto. Na relação defrontam-se personalidades, dialogam neuroses, esgrimem sonhos e reina o desejo de manipular disfarçado de delicadeza, necessidade ou até carinho. Difícil? Difícil sem dúvida, mas sem essa viagem emocional a existência é um deserto sem miragens.

No relacionamento amoroso, familiar ou amigo acredito que partilhar a vida com alguém que valha a pena é enriquecê-la; permanecer numa relação desgastada é suicídio emocional, é desperdício de vida. Entre fixar e romper, o conflito e o medo do erro.

Somos todos pobres humanos, somos todos frágeis e aflitos, todos precisamos amar e ser amados, mas às vezes laços inconscientes enredam nossos passos e fecham nosso coração. A balança tem de ser acionada: prevalecem conflitos ásperos e a hostilidade, ou a ternura e aqueles conflitos que ajudam a crescer e amar melhor, a se conhecer melhor e melhor enxergar o outro? O olhar precisa ser atento: mais coisas negativas ou mais gestos positivos? Mais alegria ou mais sofrimento? Mais esperança ou mais resignação?

Cabe a cada um de nós decidir, e isso exige auto-exame, avaliação. Posso dizer que sempre vale a pena, sobretudo vale a pena apostar quando ainda existe afeto e interesse, quando o outro continua sendo um desafio em lugar de um tédio, e quando, entre pais e filhos, irmãos, amigos ou amantes, continua a disposição de descobrir mais e melhor quem é esse outro, o que deseja, de que precisa, o que pode – o que lhe é possível fazer.

Em certas fases, é preciso matar a cada dia um leão; em outras, estamos num oásis. Não há receitas a não ser abertura, sinceridade, humildade que não é rebaixamento. Além do amor, naturalmente, mas esse às vezes é um luxo, como a alegria, que poucos se permitem.

Seja como for, com alguma sorte e boa vontade a alma do outro pode também ser a doce fonte da vida.

Lya Luft

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