Os anos, a beleza e a flor

Os anos, a beleza e a flor

O passar dos anos nos traz um olhar mais atento para o mundo. Aprendemos, ou ao menos deveríamos aprender, a valorizar coisas simples e a companhia de pessoas que não busquem o tempo todo ostentar uma posição que não lhes pertence. Desejamos menos aparências e mais do que for real, palpável, passível de ser colocado à prova do tempo e da convivência. Desejamos gente leve e genuína, que nos permita enxergar quem são por dentro cada vez que lhes brota um sorriso no rosto.

Preferimos a força bruta das interações diretas e francas nas quais possamos dizer e ouvir sentimentos nus às bajulações inúteis de amores e amizades fugazes; vazias. Aprendemos a delícia de viver sem máscaras e apreciamos o outro de cara limpa, sem idealizações infantis, sem expectativas irreais. Passamos a gostar de não ter de se esforçar o tempo todo para provar o que não somos, permitindo-nos o choro, a imperfeição e a fragilidade, vez ou outra. Passamos a nos definir mais, não permitindo que alguém que não mora dentro de nós, nos defina por seus critérios e valores que tantas vezes nada tem a ver com os nossos.

O passar dos anos nos traz firmeza, pés no chão e uma percepção mais clara de qual espaço ocupamos no mundo, mas também traz a dura constatação de que, enquanto a alma enriquece e nossos anseios enobrecem, o corpo simplesmente oxida e muda de modo implacável e já não encontramos no espelho a jovialidade e beleza física de outros tempos.

E nessa luta constante entre a decadência física e o brilho interior que se intensifica lá dentro à medida que ganhamos um quilo ou uma ruga a mais, penso na flor Amorphophallus Titanumanos, que floresce apenas duas ou três vezes a cada 40 anos, surgindo gigante, linda e enigmática, como se vivesse longas gestações de beleza e reconstrução de si mesma, e deixo escapar um sorrisinho que diz: me aguardem, os próximos 40 ainda me reservam algumas gestações.

Imagem de capa: Reprodução

O que a infância nos diz sobre corações partidos.

O que a infância nos diz sobre corações partidos.

Quando eu era criança, e eu me lembro perfeitamente disso como se fosse há um segundo, eu não tinha esse medo dos adultos. Eu tinha medinhos bobos, inofensivos mesmo… Como do escuro de um quarto “assombrado”, ou do muro mais alto quando eu tentava pular pra catar goiabas alheias. Medinhos que arrepiavam minha espinha, mas de um jeito delicado, gostoso de sentir, acho que por isso toda criança é sapeca. Cai e aprende sim, mas quer cair de novo porque é delicioso sentir aquela adrenalina no coração e mesmo que se esfole, o carinho da mãe é o melhor remédio.

Na casa da maioria das vovós tem aquela geléia de jabuticaba, aquela almofada com cheiro de naftalina, creme de farmácia e farinha de trigo do bolo que vai ficar pronto daqui a pouquinho. Aquele “daqui a pouquinho” que é uma eternidade aos olhos brilhantes e sinceros de um pequenino. Pés descalços na rua, na terra… E mãos livres passando o barro sem querer no rosto. Picada de formiga, como dói! Mas você aprende que arder a pele é menos dolorido do que arder o coração. Essa máquina pulsante que se esconde dentro do peito, devia arder somente por felicidade: como segurar um filho nos braços pela primeira vez, um amor eterno e sincero, a família com cheiro de pipoca em dia de jogo, o soprar da maresia em um final de tarde na praia, que delícia isso! Mas esse músculo teimoso e solitário, gosta de nos pregar peças, e doer de forma insistente nos fazendo curvar diante do abismo. Mas não é um abismo propriamente dito, aquele buraco escuro e sem fim, mas aquele temido desconhecido, aquela barreira invisível que bate em nossa cara quando tentamos dar o primeiro passo. Esse medo é O MEDO, e não sabíamos sobre ele quando ainda tínhamos joelhinhos tortos e pés descalços.

Quando eu era criança, invisível pra mim era o campo de força do Capitão Planeta e não o meu invisível medo. Cortar o dedo ao descascar uma cenoura para então comê-la crua ( imitando o Pernalonga ), era uma aventura! Amarrar bonecas no barbante e jogar na goiabeira fazendo a coitada “escalar” e irritar a vizinha com isso… Nossa, era meu prazer! Mas depois eu pulava o muro, baixo, e ia dar um beijinho naquelas bochechas rosas que traziam biscoito pra mim mais tarde.

Criança… Eu ainda tenho um pouco dela, e não quero perder, porque é ela que me faz acordar com sede de vida, de amor e de batalha. Alguns dias estamos vulneráveis e viramos “comida de gente”, mas aprendi a não tropeçar nesse tipo de coisa. Aprendi a desviar sem chutar. Cultive amigos, brigue menos, não vale a pena. A raiva é momentânea, estamos sujeitos a ela, mas contar até dez ( que você aprendeu na tabuada ) é mais divertido e acredite, mais proveitoso depois.

Suspiro e agradeço por ter meus olhos infantis… Preciso deles em mim, como você também deveria precisar e conservar os seus. Feche os olhos, sinta o perfume velho da vovó, o cachimbo do vovô, os tombos engraçados e doloridos, as festas de fim de ano, a dor de barriga da Páscoa, o beijo de despedida do primo que demora só um mês pra voltar ( mas é muito ), a escola que era chata mas que você sente muita falta ( confesse ). Cuide da sua vida, do seu interior, dos amores que passam e ficam quando tem que ficar, e por isso, não machuque nunca um coração. Essa é uma lição que poucos costumam seguir, mas esses poucos com certeza possuem a criança em si, juntamente com o coração mais doce do que açúcar queimado na panela.

Imagem de capa: Denijal photography/shutterstock

Sentir-se mal ou triste não torna ninguém mais fraco e sim mais humano

Sentir-se mal ou triste não torna ninguém mais fraco e sim mais humano

Mergulhar na tristeza, sem demora exagerada, traz entendimento e liberta, reorganizando os sentimentos, de maneira a nos trazer de volta a luz da esperança.

Existe uma mania de as pessoas quererem parecer fortes o tempo todo, como se tristeza fosse fraqueza, como se não pudéssemos nos sentir mal de vez em quando. Não somos obrigados a sorrir o tempo todo, isso não existe, ninguém consegue ser feliz desde o amanhecer ao anoitecer. O dia é carregado de surpresas, que nem sempre são boas. Além disso, a gente também fica amuado sem uma razão específica.

Há dias em que a gente acorda mais cabisbaixo, sem ânimo, sem nem saber o porquê daquilo que se sente. Talvez acumulemos tantas decepções e dissabores ao longo de nossa jornada, que chega uma hora em que tudo acaba pesando. Trata-se de uma questão de sobrevivência emocional, pois, caso deixássemos enterrado o que entristece, sem enfrentar e sentir aquilo alguma vez na vida, muito provavelmente iríamos explodir e implodir em algum momento.

Isso ainda fica pior em meio a essa ditadura da felicidade que os meios midiáticos e as redes sociais nos impõem, através de propagandas que atrelam a felicidade ao consumo desenfreado e de postagens de gente feliz, rica, bonita e viajada. Então, como nos é praticamente impossível alcançar aquele patamar material exorbitante veiculado diariamente, acabamos, muitas vezes, sentindo-nos menos capazes, menos afortunados. Sem contar o tanto de batalhas que cada um de nós enfrenta nessa lida cotidiana.

Não adianta, não há pílula, viagem, roupa ou smartphone capaz de afastar de nós a tristeza, a não ser o enfrentamento do que nos abala, para que reelaboremos, dentro de nós, os sentimentos e os afetos que nos constituem a essência. O sofrimento não deve ser temido e sim encarado, sentido, vivenciado, para que o entendamos e consigamos conviver com ele, superando-o aos poucos. É assim que ele nos transforma, tornando-nos mais fortes e seguros quanto ao que necessitamos para continuar prosseguindo.

Às vezes, você pode ficar triste, sim, pode se sentir mal, desanimado e sem vontade de ver ninguém. Mergulhar na tristeza, sem demora exagerada, traz entendimento e liberta, reorganizando os sentimentos, de maneira a nos trazer de volta a luz da esperança. Ninguém é fraco por se sentir triste algumas vezes; trata-se, simplesmente, de uma de nossas características humanas. Não podemos nos demorar na tristeza, mas é essencial vivenciá-la, quando necessário, para que não acumulemos pesos inúteis em meio à esperança que nos motiva diariamente.

Imagem de capa: pathdoc/shutterstock

Não espere conhecer a dor da perda para aprender o privilégio de ter

Não espere conhecer a dor da perda para aprender o privilégio de ter

A gente não tem somente o que se vê, o que se compra, o que se acumula materialmente. A gente junta muita coisa aqui dentro, em nossa carga afetiva: momentos, lembranças, músicas, sorrisos, bem como o que espalhamos por aí.

Soa a clichê, a conversa de botequim, mas valorizar o que possuímos, enquanto ainda o temos, parece ser algo não tão comum. Infelizmente, temos a mania de ficar pensando e lamentando acerca de coisas que não obtivemos e pessoas que não ficaram junto de nós. Enquanto isso, perdemos tempo e gastamos energia com o que não é, deixando de lado o que já é, deixando de aproveitar cada conquista que galgamos, cada pessoa que se mantém ao nosso lado com verdade.

E a gente não tem somente o que se vê, o que se compra, o que se acumula materialmente. A gente junta muita coisa aqui dentro, em nossa carga afetiva: momentos, lembranças, músicas, sorrisos, bem como o que espalhamos por aí. Sim, tudo o que sai de nós na forma de amor se multiplica em nossos corações. É preciso valorizar como nos sentimos e a forma como fizemos os outros se sentirem também. Isso ninguém nos tira.

Se pararmos, mesmo que por alguns instantes, e olharmos à nossa volta e dentro de nós, poderemos perceber o quanto já somos afortunados, o tanto de conquistas e de presentes que a vida nos tem trazido. Aquele amigo que nos ouve, aquele irmão que nos entende, o banho quentinho, o lar que aconchega, o alimento que sustenta, a cama que nos renova. Não teremos tudo o que queremos, mas teremos muita coisa e pessoas que nos bastam, que nos completam, que nos revigoram.

Logicamente, querer mais, de uma forma ética e coerente, nunca será ruim, porque é assim que alimentamos os nossos sonhos, é assim que planejamos o nosso futuro, é assim que a felicidade se torna a cada dia mais próxima. No entanto, jamais poderemos focar tão somente o que ainda são hipóteses, o que ainda é distância e quimera, ou não conseguiremos tranquilizar a nossa essência, junto ao que já faz parte de nossas vidas. Isso nos tornaria incapazes de sorrir com sinceridade.

Muito se fala em gratidão, em agradecer, e é isso mesmo. Quando nos sentimos gratos, nós nos abrimos para tudo de bom que existe vindo em nossa direção, expandindo nossas ações a mais pessoas, ajudando, confortando, fazendo com que o bem alcance o maior número de indivíduos. O ódio fica na gente, mas o amor se espalha e continua se multiplicando, lá fora e dentro de nós. Não deixe para se lembrar dos privilégios lá na frente; desfrute-os aqui e agora, enquanto é tempo. Tempo é já.

Imagem de capa: Olena Andreychuk/shutterstock

Não seja raso. A vida é mesmo profunda.

Não seja raso. A vida é mesmo profunda.

Pare de se sabotar! Há mil e uma possibilidades aparecendo no seu caminho todos os dias e você aí achando que não merece ou que vai dar tudo errado ou, nem percebe. Não adianta nada ter fé na vida e quando a sorte vem a seu encontro, você foge achando que ela não foi feita pra você. Sorte na vida azar pra quem fica. É importante saber reconhecer seus méritos e aceitá-los, deixar a oportunidade entrar e mover-se a ela, aprofundar-se nas experiências, gozar a liberdade de uma vida sem frescura – roubando descaradamente a frase do Jota Quest.

De que vale viver uma vida rasa, na superficialidade das experiências e não gozar dela por completo ? É importante chegar ao fundo do pote sem se sentir frustrado pelo o que não aconteceu. Esgote as possibilidades! Sorte é um presente sem merecimentos. Acontece, e você deve saber reconhecer. Ela pode estar escondida dentro de uma oportunidade como um bônus da vida por você ter tentado. Vai lá e arrisca!

Ainda reverberamos a frequência do medo que afeta diretamente todas as atuações do humano. Ele deixa de evoluir porque o medo paralisa o caminho da ascendência pessoal. Deixam de se entregar aos processos pessoais e amorosos por medo da rejeição, não mergulham nas oportunidades por medo de falharem. Você já experimentou tentar um dia de cada vez ? E quando o primeiro embate surgir, saiba transformar aquilo em aprendizado. Se não foi como pensava , repense.

Percebo certa resistência do humano em aceitar o novo e fazer dele uma nova opção. Entenda que existe um movimento natural e perfeito acontecendo diariamente. Tudo faz um grande sentido no final. Existe beleza e encantamento na vida. Perceba. Permita viver, se apaixonar, se aprofundar, mergulhar nas experiências que a vida oferece. Existe magia na evolução e sabedoria em cada vivência. Não seja raso. A vida é mesmo profunda .

Imagem de capa:/shutterstock

A solidão é capaz de ensinar aquilo que nenhum relacionamento consegue proporcionar…

A solidão é capaz de ensinar aquilo que nenhum relacionamento consegue proporcionar…

Já tive medo de ficar sozinha, descartada como uma pessoa que não pudesse acrescentar em nada a vida de outra. Mas a solidão me ensinou onde está o tesouro da verdadeira relação à dois.

Carência, desespero ou insegurança, não importa os motivos que levam o ser humano a buscar cada vez mais o aconchego “à dois”, mesmo que seja genérico ou superficial. Nessa trilha pelo plural modo de se relacionar, vamos passo à passo nos esquecendo da nossa essência inicial, bruta, nua e desprendida de qualquer respiro conjugado.

O medo de viver sozinho se tornou crônico, as pessoas se contentam com carinhos inoportunos, porque preferem exaltar o capricho ao invés de fortalecerem primeiramente seus ideais. Como saber o que sentir consigo mesmo, se repetidamente nos entranhamos com uma segunda pessoa? Onde se encontra aquele “brio” impetuoso que faz de nós, seres únicos sem acréscimos de personalidade e defeitos que não nos pertence?

Somente dispensamos de plenitude quando transbordamos em nós mesmos, para então, podermos avaliar onde entraria um agregado de almas para compor nossa existência. Algumas receitas básicas de amadurecimento só obtemos através da nossa própria companhia.

É na solidão que nos encontramos, que nos conhecemos… que resgatamos qualidades encobertas ou libertamos defeitos quase permanentes. Na solidão contamos quantas lágrimas conseguimos dispensar pelo rosto, como também aprendemos a hora de prendê-las.

Sozinhos descobrimos qual cobertor nos aquece, qual palavra basta e descartamos o que nos parece desnecessário. Estar com si próprio é algo desafiador, uma batalha interna…

O momento de solidão pode ser diferente, momentâneo, até mesmo uma passagem nebulosa, mas  que se mostra imprescindível para o autoconhecimento, pois valoriza o encontro pessoal com nossas virtudes e presenteia-nos com uma sabedoria única que nos fará mais encantados pela vida.

Não seja sozinho se isso te deixa triste, contudo, saboreie a solidão no seu mais profundo silêncio.

Quando a gente se encharca de nós mesmos, quando nos reencontramos com a nossa vivacidade interior e aprendemos a lidar com todos os defeitos que respeitamos em nós, estamos prontos para novas etapas, para começos imprevisíveis, e todo tipo de escolhas coloridas que surgirem em nossa frente. Dessa maneira a insegurança acaba, o tédio sucumbe, e a indiferença com a vida não pode mais se nutrir.

Quando aprendemos a nos amar por dentro,  o amor pelo outro será consequência do que emana de mais precioso dentro de nós.

Imagem de capa: Kichigin/shutterstock

9 critérios indicadores do Transtorno da Personalidade Narcisista

9 critérios indicadores do Transtorno da Personalidade Narcisista

Bem diverso da história mitológica de Narciso, narcisistas patológicos não são pessoas que se amam demais. São, ao invés disso, pessoas com baixíssima autoestima, uma autoimagem deturpada e uma mau caráter brutal, mais comum na sociedade moderna do que se imagina. Há quem diga que esse transtorno é epidêmico, tamanha sua incidência na população mundial.

E quem são? Segundo o DSM-V, há nove critérios que indicam a presença de transtorno da personalidade narcisista num indivíduo. Bastariam a presença de 5 para um eventual diagnóstico, feito, obviamente, por profissional qualificado.

Sem banalizar eventuais diagnósticos, saber quais são e o que cada um significa pode livrar você de muita perda material e imaterial. Vale saber!

1. Noção exagerada de importância pessoal não baseada na realidade.

Uma visão inflada de si mesmo é uma das principais maneiras pelas quais narcisistas dão permissão a si mesmos para dominar e controlar os outros. Narcisistas acreditam que suas prioridades, interesses, opiniões e convicções têm mais valor e são mais importantes do que os de qualquer outra pessoa. Nem todos os narcisistas exibem ao mundo sua grandiosidade; alguns, na verdade, dão a impressão de ser muito humildes ou até mesmo tímidos para o mundo exterior, mas, quando estão em intimidade, essa característica vai dominar a convivência.

2. Preocupação com fantasias de sucesso, riqueza, poder, beleza e amor acima do normal.

Narcisistas com frequência têm uma vida repleta de fantasias e quase nunca se satisfazem com o meramente ordinário, por mais satisfatório ou maravilhoso que possa ser. Essa preocupação com a fantasia impede a personalidade narcisística de levar uma vida real e estável. Alimentam desejos de riqueza, fama, poder ou status obsessivamente.

3. Convicção de que é um indivíduo especial e único, e só pode ser comprometido com ou compreendido por pessoas especiais.

Esta ideia é parte integrante de um mecanismo de sobrevivência que os ajuda a lidar com o mundo. Com frequência, eles se definem em função do que consideram suas qualidades especiais e nos informam acerca dessas qualidades tão logo os conhecemos.

4. Intensa necessidade de admiração.

Ame-me, observa-me, preste atenção em mim. Narcisistas tendem a se engrandecer e ser sua própria referência.

5. Sentimento de merecimento.

Regras, regulamento e padrões esperados de comportamento enfurecem os narcisistas, que se julgam tão especiais a ponto de não precisar obedecer às expectativas normais nem respeitar os limites apropriados. Eles podem ficar igualmente atormentados pelo trabalho árduo, por uma doença ou uma lesão. Por outro lado, as regras que são impostas por eles aos outros devem ser sempre respeitadas.

6. Tendência a explorar os outros sem sentir culpa ou remorso.

Dependendo das outras características de sua personalidade, o narcisista pode nos induzir a fazer todo seu trabalho por ele ou, por exemplos, tirar nosso dinheiro, permitir que paguemos suas contas, receber presentes sem nunca dar, cobrar mais por serviços e pagar menos, deixar-nos esperando durante horas em uma esquina, na chuva, sem considerar que esse comportamento é desrespeitoso. Seu sentimento de merecimento transforma esses comportamentos em coisas normais, impedindo que sintam culpa ou remorso.

7. Ausência de empatia significativa.

O narcisista tem muito pouca capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa. Sua dor, seus problemas e seu ponto de vista dominam o universo. Talvez nada reflita mais o comportamento do narcisista do que a incapacidade de compreender e identificar-se com a experiência dos outros. Este fato é particularmente verdadeiro quando a pessoa que precisa de compreensão é alguém que o narcisista esteja explorando, ou seja, seu alvo atual (amoroso, de trabalho, familiar ou amigo).

8. Tendência a ser invejoso ou de se imaginar alvo da inveja dos outros.

O narcisista tem dificuldade em se ajustar a um mundo no qual as outras pessoas parecem ter “mais” coisas ou coisas “melhores”. Os narcisistas, com frequência, deixam de reconhecer que são invejosos e transformam o sentimento em desprezo.

9. Arrogância.

Narcisistas com frequência têm uma atitude esnobe com relação às pessoas que eles julgam não estar à altura de seu “elevado” padrão de inteligência, competência, realização, valores, moral ou estilo de vida. Acreditar que o outro é inferior os ajuda a reforçar e inflar a convicção que têm da própria superioridade. Criticar e diminuir os outros os faz se sentir bem com relação a si mesmos. Não raro, são homofóbicos, racistas, preconceituosos de todo tipo, simplesmente porque se acham superiores a um certo grupo.

Lucy Rocha, com observações da Sociedade Americana de Psiquiatria

Às vezes, precisamos lamber o chão para saber que gosto tem a lama

Às vezes, precisamos lamber o chão para saber que gosto tem a lama

Sobre nossa teimosia de nos comportarmos de forma nociva a nós mesmos, o sofrimento extremo que ela pode causar e a chance de libertação que esse sofrimento representa.

Observo, não somente na vida dos outros, mas também na minha própria, que às vezes precisamos sofrer para aprender e mudar nosso comportamento.

Recordo-me de um colega de trabalho que fumava muito, muito mesmo. Qualquer tentativa de conversar com ele sobre isso era imediatamente rebatida, pois ele não queria saber. Ele sofria com o fumo, tossia muito, dormia mal, mas não parava de fumar ou pelo menos reduzia o número de cigarros diários. E dizia que iria continuar fumando e que isso não era da conta de ninguém.

Um dia, caminhávamos juntos, voltando do almoço e tivemos que subir uma escada. No meio da subida, ele parou, se apoiou na parede e depois caiu como uma jaca madura escada abaixo. Eu corri para ajudá-lo e ele estava consciente, mas tinha dificuldade de respirar, sentia-se fraco e reclamava de dor no peito, nas costas e no braço. Chamei uma ambulância e ele foi levado para o pronto-socorro. Fiquei sabendo depois que meu colega, aos 36 anos, tinha tido um infarto.

Um tempo depois, quando ele voltou a trabalhar, me contou a conversa que teve com o médico, que havia deixado claro: se ele não parasse de fumar, não viveria por muito mais tempo. Ele nunca mais tocou em um cigarro e admitiu que morria de medo de passar novamente pelo que passou. Aqui o sofrimento extremo ajudou.

Em outras palavras, ele precisou afundar, ir até o fundo mesmo, e lamber o chão para sentir o gosto da lama. Só assim ele aprendeu, abriu mão da insistência de fumar e mudou seu comportamento nocivo a si mesmo. E esse é só um exemplo de muitos que conheço.

Sei de gente que come, come e come, se entope de gordura e açúcar, engorda, se sente “feia”, tem problemas digestivos, muitas vezes também de pele, sofre com dor nas articulações, mas nada disso basta. Essa gente, mesmo sofrendo, continua comendo e comendo e comendo. Parece que se reluta em aprender enquanto o sofrimento não for grande o suficiente, enquanto a comilança e os abusos não se manifestarem na forma de pressão alta, diabetes ou outras enfermidades.

Tenho um amigo que bebe muito. Na verdade, ele bebe sempre, todos os dias. Uma cerveja no almoço, mais um chope (ou vários!) com amigos antes de voltar para casa, um vinho antes de dormir e assim por diante.

Seu consumo de álcool é extremamente alto e ele sofre com isso. Já teve problemas no trabalho, já teve confusão no trânsito – até atropelou uma pessoa (por sorte, só ferimentos leves) – e tem problemas de saúde por causa da bebida, mas você acha que ele aprendeu? Não, ainda não. Pelo jeito, o sofrimento dele ainda não foi suficiente para isso. Conversar com ele sobre o assunto de nada adianta. Ao invés de reconhecer seu vício e que precisa de ajuda, ele preferiu ir para um terreiro de candomblé para tirar o mau-olhado, já que atribui os problemas que tem à inveja alheia, o que é sempre bem mais fácil que corrigir o próprio comportamento. Parece-me que ele precisa de mais sofrimento para perceber o mal que está fazendo a si mesmo.

É como se fôssemos crianças teimosas, que insistem em brincar com fogo e não param com isso até o dia que se queimam. É como se fôssemos cachorros que adoram roer fios elétricos, só parando no dia que tomam um choque forte e um susto ainda maior.

Sim, insistimos em dar cabeçadas na parede e repetimos comportamentos que nos fazem mal, muitas vezes sabendo que são ruins, mas prosseguimos assim mesmo porque aquilo que nos leva a tais comportamentos ainda é mais forte que o sofrimento causado.

Parece-me que, em certos casos, principalmente quando nosso comportamento nocivo já nos acompanha por muitos anos ou mesmo por toda a vida, precisamos sofrer extremamente para entender que algo precisa ser mudado. Sofrimentozinhos não bastam. O sofrimento tem que ser forte!

O bom disso é que um momento de extremo sofrimento pode ser uma chance de finalmente nos libertarmos de coisas que nos prejudicam, nos aprisionam e nos impedem de viver uma vida saudável e feliz.

O ruim disso é que é perigoso, pois nossa teimosia pode ser tão grande que termine demorando muito até percebermos o problema e, no final das contas, pode ser tarde demais.

O que pode ajudar aqui é manter os olhos abertos, observar-se bem e ter a coragem de “puxar o freio de mão” ainda cedo, antes que a coisa fique feia. Sofrimento extremo pode nos fazer crescer, mas crescemos ainda mais quando somos inteligentes e corajosos o suficiente para reagir a tempo e evitá-lo.

Imagem de capa: Kichigin/shutterstock

Naquele tempo, quando não existia WhatsApp

Naquele tempo, quando não existia WhatsApp

Naquele tempo, quando ainda não existia o whastapp, a gente mandava bilhetinho quando tava afim. Mandava pela amiga que enviava paro o amigo até chegar nas mãos de quem a gente queria. A gente quase não dormia a noite pensando se viria uma resposta e quando vinha, era como se fosse o papel mais precioso do mundo, que chegava a se rasgar de tanto abrir e fechar.

Naquele tempo, a gente mandava cartas com canetas de glitter coloridas e cheia de adesivos tirados da primeira página do caderno. Escrevia sobre sentimentos com desenhos de coração ao lado, e tinha até envelope de cor . A gente ia nos Correios e esperava o carteiro! A gente passou a ter o carteiro como aliado.

Naquele tempo, quando ainda não existia o Facebook, a gente inventava uns questionários malucos com perguntas absurdas pra saber mais da vida do outro. Naquele tempo, quando não tinha foto digital disponível pra ficar olhando o tempo todo, a gente pegava aquela amiga cúmplice e passava na frente da casa da pessoa esperando que ela aparecesse na janela só para trocar uns olhares. A gente passava de novo e de novo e essa esperança nunca terminava.

Naquela época, marcar de beijar era o maior evento do ano. Tinha que ser tudo armado e tinha sempre os amigos para fechamento. Depois de um tempo, quando chegou o sms, nós não tínhamos a confirmação de leitura da mensagem, mas tinha aquele um toque de chamada que queria dizer ” estou pensando em você”!

As coisas mudaram mas uma coisa ainda ficou: o frio na barriga do primeiro beijo, a expectativa dos encontros, e os medos que envolvem em se apaixonar. Modernidades à parte, ainda somos movidos a paixões, atualizando constantemente as formas de comunicar os nossos sentimentos. E que eles jamais se percam no meio dessa velocidade e praticidade de comunicação.

Imagem de capa: MRProduction/shutterstock

Tire o pé. Até a alma que é eterna não vive sem férias.

Tire o pé. Até a alma que é eterna não vive sem férias.

Procuro casa na praia para merecido remanso. Não precisa ser grande, não. Quarto, sala, uma cozinha no jeito, um banheirinho. Perfeito. Carece mais nada. Vou sozinho. Quer dizer, vou com esta alma cansada. Mas ela não conta, não quebra torneira, não suja nada. Ninguém a vê. Não ocupa outro espaço senão aqui dentro. Não quer outra coisa senão descansar, sossegada, pertinho do mar.

Ali no arredor, se tiver uma quitanda, melhor. Minha alma aprecia cheirinho de fruta. Sendo ao lado, a gente caminha até lá, cedinho, comprar abacaxi descascado, laranja, banana, mamão, maçã, lichia. Essas coisas pra comer de manhã, todo dia.

Vizinhança se for tranquila, a gente agradece. Nada contra o barulho da juventude, as festas de madrugada. Mas minh’alma anda esgotada, carecida de quietude. Não por nada, a gente prefere lugar recatado. Um predinho de aposentado, uma vila escondida, com síndica velhinha e guarida.

De frente pro mar é exagero. Decerto seria um encanto, mas a grana não dá para tanto. Se da janela se avistar o poente, pronto. Já tá bom pra gente.

Perto da praia, sim. Pra ir a pé de manhã, pensando na vida, sem hora, sem pressa, sem culpa de nada, sem medo de tudo, e voltar só de tardinha, descalço, cansado, o corpo pesado, os chinelos nas mãos, e a alma aqui dentro dormindo levinha, feito criança no banco de trás, benzida de sal e de sol, de céu e de mar. Em paz.

Em casa nada há de ser mais urgente que banho e jantar. Nosso macarrão com sardinha espirrando no pijama até o sono, enfim, nos levar para a cama.

Em meu sonho, minha alma e eu voltaremos à infância brincar na areia, correr das ondas, fazer castelo, caçar conchinha. Sentir alegria. E amanhã, logo de manhãzinha, vai ser outro dia.

Assim será em breve. Só um tempo na praia tornará esta alma leve. Princesa que vive só, e sozinha será até o fim, trancada numa torre, dentro de mim.

Imagem de capa: crazymedia/shutterstock

Amor é laço, não nó

Amor é laço, não nó

Sou a favor dos relacionamentos laços, daqueles que existe parceira, muito envolvimento, confiança e liberdade. Sim, liberdade! Do parceiro ir e vir, ter suas coisas, sua vida em paralelo com a sua. Ninguém pertence a ninguém. Casal é soma, não subtração.

Li recentemente um artigo de uma garota dizendo que não namora porque ama a sua liberdade. Ora, se relacionamento é usurpar a liberdade então fiquemos solteiros para sempre! Ninguém quer perder seus movimentos porque está preferindo alguém na vida. Respeitar o espaço do outro, deixar este ser humano ser, e ter isso em troca une ainda mais duas pessoas afins.

Do contrário, vira uma relação de posse, dependência, cárcere e de um jogo emocional que anda na contramão do amor. Não há necessidade de privar o parceiro de suas atividades, dos seus hobbys e paixões. Casal que se ama e vive bem, se apoia, incentiva e não limita. Acho triste aqueles casais que só saem juntos, não fazem nada separado, que vivem de obrigações e permissões. Isso não é parceria, é medo, é dependência emocional. É preciso bom senso e tolerância.

Dos amores laço que devem viver os relacionamentos. Se apertar muito, vira nó! E nó em cima de nó vira um emaranhado difícil de desatar, sendo necessário arrebentar para não mais sufocar. Conhecer o tamanho da linha, aprender a desatar e saber como enlaçar faz toda a diferença.

Sempre que escolhemos estar com alguém, esta vontade parte de uma livre escolha, portanto, é deste princípio que a relação deve ser guiada, dentro do respeito e cumplicidade. Relação é união e não fusão e além disso não há necessidade de se acorrentar almas.

A individualidade é o nosso bem precioso, perder isso é abrir mão de quem somos. Desta forma não há encontro, não há reconhecimento do ser. Perde-se a espontaneidade, as paixões e no fim, ficam dois estranhos numa relação, se estranhando. Respeitar o outro ser humano é fundamental.

Isso significa amor incondicional. Amar um ser livre, sem posse, sem dependência que estão juntos pelos laços que os unem. Quanto mais liberdade na relação, mais preso a ela ficamos, por livre e espontânea vontade.

Imagem de capa: Sjale/shutterstock

“Cada final de amor é uma pequena morte”

“Cada final de amor é uma pequena morte”

Ontem, assistindo à série Grey’s Anatomy, me deparei com um episódio em que uma recém nascida tinha que ser operada de um tumor no coração. Após a retirada do tumor, seu coração começou a falhar, e enquanto os médicos assistentes se preparavam para a reanimação, a chefe da cardiologia disse: “Meu plano é dar um minuto a ela. Ela acabou de perder algo enorme que estava com ela desde o começo. O coração precisa aprender a bater sem a carga extra. Ela só precisa de um tempo para se adaptar.” 

Ok, a série é uma ficção muito bem escrita, mas o fato é que precisamos encarar o fim do amor como uma pequena morte, uma perda que deve ser sentida e vivida como um pequeno luto. Temos que viver nosso “um minuto” de tempo para nos adaptarmos a uma outra forma de vida, completamente nova. E se não encararmos a dor do fim do amor como uma despedida definitiva em vida, não seguimos em frente como deveríamos.

Há muitos anos, após um rompimento que me fez sofrer muito, recebi a visita de uma grande amiga e fomos ao cinema assistir ao drama “Lado a Lado”. Pra quem não sabe, o filme é triste e melancólico, e arranca lágrimas com facilidade. Pois bem. Eu estava sofrendo pelo fim do meu namoro, chorando escondida no chão frio do banheiro, mas não me permiti derramar uma lágrima sequer durante a exibição do filme para não “dar o braço a torcer” para minha amiga (e quem quer que fosse) que eu estava mal. Eu não queria demonstrar que também enfrentava um luto.

Existe uma censura muito grande que não nos permite demonstrar nosso sofrimento pela despedida do amor tal qual a despedida provocada pela morte. Porém, em ambos os casos, é preciso admitir que dói, que restou um vazio, que perdemos algo que amávamos. É claro que não precisamos anunciar nossa aflição por aí, mas talvez ajudasse sermos honestos com nossos sentimentos, reconhecendo que de vez em quando é preciso dar trégua ao discurso do pensamento positivo e simplesmente expressar nossa tristeza, nossa indignação, nosso abandono e abatimento.

A literatura está cheia de estatísticas a respeito do tempo de recuperação de um coração partido. Porém, tenho aprendido que para as dores do coração, cada um tem seu próprio tempo de recuperação. E ela depende de inúmeras variáveis, mesmo porque a dor da perda pode estar misturada à dor da rejeição, à raiva da traição, ao desmoronamento dos sonhos e planos. Seguir em frente depois da desistência do amor é entender que não se “cura” o fim de uma relação importante. O que acontece é que a gente aprende a conviver com as perdas, a não enrijecer com as tristezas, a ter fé de que pouco a pouco tudo se ajeita, dentro e fora de nós.

Dure o tempo que durar, entenda que vai passar. Só não tenha pressa. Não saia por aí reanimando um coração que ainda não está pronto para acelerar. Tenha paciência e espere seu tempo de recuperação. A vida não é uma corrida para ver quem supera mais rápido ou disfarça melhor.

Dizem que a dor do amor é semelhante ou ainda maior que uma dor física. Porém, ela vai permanecer o tempo que você permitir. E uma hora você terá que autorizar que ela vá embora. Terá que estar disposto a abrir mão daquilo que lhe integrava e não integra mais. Terá que aprender a desapegar, a se despedir, a transformar a dor da perda numa saudade bonita, que poderá lhe acompanhar indefinidamente, mas com certeza não lhe fará mais mal.

Para comprar meu novo livro “Felicidade Distraída”, clique aqui.

Imagem de capa:  Axel Bueckert/ Shutterstock

A solidão e o orgulho: uma relação bem íntima.

A solidão e o orgulho: uma relação bem íntima.

Diga o que disserem, o mal do século é a solidão, canta a extinta banda Legião Urbana, em sua canção “Esperando por mim”. O tema solidão tem servido de inspiração para inúmeros compositores, poetas, escritores, etc. Esse sentimento tão assolador  faz-se presente nos mais variados estilos literários e musicais. Particularmente, acho a solidão tão paradoxal nos nossos dias.

É algo que vai na contramão, visto que o mundo está cada vez mais populoso. É tão estranho isso, as cidades superlotadas, os condomínios cheios de moradores e, as pessoas cada vez mais sozinhas. Alguém concorda comigo? É complicado compreender que o que separa você do vizinho ao lado seja apenas uma parede, e no entanto, vocês não se conhecem, não sabem o nome um do outro e mal se cumprimentam com um “bom dia” robotizado dentro do elevador.

Tanta gente ao nosso redor e não podemos contar com ninguém. Ninguém para tomar uma xícara de café, ninguém para bater na sua porta e oferecer um chazinho caso te escute tossindo muito, ninguém para propor um revezamento para levarem as crianças à escola, já que são vizinhas e estudam na mesma sala. Nos dias atuais, a autossuficiência tem sido cada vez mais buscada. Parece que o que as pessoas mais temem é a possibilidade  de precisarem de alguém, de um vizinho ou de um familiar.

Não precisar de ninguém é o que uma pessoa tem de mais admirável, parece. Tudo bem, ser independente e não precisar de ninguém pode até ter um lado bem positivo, talvez a tranquilidade e a sensação de não incomodar, entretanto, há um ônus nisso. Quando nos garantimos em nossa autossuficiência, perdemos a oportunidade de construirmos vínculos significativos. Quando nos mostramos na condição de necessitados de um auxílio, estamos dando ao outro a oportunidade de nos servir e isso cria uma atmosfera de gratidão para quem é ajudado, bem como um sentimento de utilidade  àquele que ajudou.

Então teremos aí dois ingredientes perfeitos, indispensáveis ao estabelecimento de um vínculo de amizade. Considerando algumas exceções, acredito que a solidão anda de mãos dadas com o orgulho. Sim, o orgulhoso percebe como humilhante a ideia de precisar de alguém, e vai se isolando cada vez mais, na tentativa de transmitir uma imagem de superioridade, afinal, para ele, precisar de alguém é contrair uma dívida impagável.

Percebem que nos contextos sociais mais pobres, as pessoas são mais próximas? Um vizinho tem a liberdade de viajar e pedir para o outro vigiar sua casa, algo impraticável em contextos sociais mais elitizados. Vejo como preocupante esse cenário, tanta gente se esbarrando e ninguém se tocando, ninguém se olhando, ninguém interagindo. Um monte de seres encapuzados de orgulho, se escondendo uns dos outros.

Tanta máscara…tanto vazio. A realidade de cada um, só quem conhece é o travesseiro, encharcado pelas lágrimas quando um corpo se despe das máscaras sociais e se deita ao final de um dia.

Imagem de capa: Kalamurzing/shutterstock

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia, sem estar verdadeiramente comigo, sem prestar atenção no que falo, sem se importar com o que sinto, sem sensibilidade para perceber quando quero chorar e sem graça para rir junto comigo.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer um abraço, daqueles bem apertados que estralam os ossos e nos deixam seguros. Odeio ter conversas rasas com pessoas que falam sempre as mesmas coisas, que não conseguem ser profundas e têm medo de expor as suas dores.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer um olhar sincero, daqueles tipo isca no anzol da alma. Odeio ter que estar com pessoas que não conseguem olhar nos meus olhos e ficam sempre a procurar um outro horizonte, como se o que eu dissesse não fizesse o menor sentido.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer inquietação, sem provocar a minha curiosidade, a minha fome em saber mais, o meu desejo de devorar tudo de forma antropofágica.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer sua nudez, suas dores mais profundas, escondidas nos cantos longínquos da alma, as frustrações que angustiam e esmagam o peito, as feridas das quedas que teve tentando subir a montanha.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer sua loucura, suas alegrias mais simples, seus desejos mais profundos, seus sonhos impossíveis, seus pequenos pecados, seus segredos mais ocultos, seus momentos de maior felicidade, suas piadas menos engraçadas.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer uma canção espontânea, sem me oferecer uma boa dose de existencialismo para que possamos divagar sobre o tempo, sobre o sentido da vida, sobre os homens, sobre o amor, sobre Deus.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer seu ouvido para que eu saiba que existe alguém disposto a me escutar, disposto a me entender, disposto a sentir a minha dor e gozar a minha alegria.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer até logo para que eu sinta saudade e nunca perca a vontade de estar junto. Odeio quem chega à minha vida e logo se vai, por vontade própria, como se eu fosse apenas uma ponte para se chegar a um lugar.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer a verdade. A verdade que às vezes assusta e outras tantas machuca. A verdade que precisa ser dita, ainda que se chore. A verdade corajosa que quer ser sincera e não gosta de falar desviando os olhos. Odeio relações de mentira, porque a verdade, mesmo quando dói, é una.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer profundidade, para que eu possa mergulhar sem medo de me esbarrar em alguma pedra, para que eu possa dançar na chuva sem medo de pegar um resfriado, para que eu possa sentir a vulnerabilidade inesgotavelmente valente de quem não quer lutar, mas vencer junto.

Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia, sem me fazer sonhador querendo ludibriar o tempo, para que possa esconder memórias tão belas onde Cronos não possa acessar. Quando isso acontece, amo quem me rouba a solidão, que se transforma em unidade, um pássaro encantado, que corta o céu e, sob a sombra serena de uma árvore, busca repousar.

Imagem de capa: Masson/shutterstock

INDICADOS