Somos os infernos dos outros? – Leandro Karnal

Somos os infernos dos outros? – Leandro Karnal

“Toda e qualquer violência praticada contra um ser humano é um ato reprovável.

Mas não é só o corpo que se pode violentar. Afinal, o homem não é só a matéria corpórea que veste.

É o infinito de suas abstrações. Assim, podemos violentar o pensamento do outro. A vontade do outro. A sua liberdade.”

Nara Rúbia Ribeiro

8 passos para tirar zero na redação do ENEM

8 passos para tirar zero na redação do ENEM

Por Nara Rúbia Ribeiro

Tirar um dez em redação não é fácil. Mas tirar zero também é um feito.

Mais de 500 mil alunos zerando a redação no ENEM? É hora de comemorar a dizer a receita desse sucesso às avessas. Seguem as dicas de como tirar um zero bem redondo em qualquer redação.

1 – Faça as suas pesquisas na internet copiando e colando os conteúdos.
2 – Não elabore as respostas de suas tarefas escolares. Sempre há alguém de quem você pode copiar.
3 – Não leia os livros indicados na escola. Jogue vídeo-game. É muito melhor.
4 – Quando tiver a infeliz obrigação de ler algo, só passe os olhos. Nunca tente entender ou interpretar nada.
5 – Faça caretas para poesia. Não se envolva com isso.
6 – Use sempre a linguagem digital, na qual palavras inteiras são substituídas por códigos como “sqn”, acentos são elididos e frases emotivas são substituídas por “carinhas/emotions”.
7 – Se o seu amigo disser que leu um livro com a história muito boa, não leia. Espera que, se prestar mesmo, o cinema logo tratará de gravar.
8 – Despreze totalmente gramática. A genialidade desta geração não precisa dela.

E sabe qual foi a maior descoberta? Os alunos, em sua maioria, não tiraram zero porque não foram bem e sim porque viram a área da redação “ENEM” começaram. A redação foi entregue em branco.

Espero que, mais que consternação e brincadeiras, essa analogia da reação de nossos jovens frente à folha em branco seja um indicador da necessidade de reformulação de todo um sistema de modo a inibir o crescente analfabetismo funcional da nação.

Isso mostra que muitos dos nossos jovens, embora tenham acesso online a conhecimento de todo o mundo, talvez não enxerguem nessas informações, por não saberem interpretá-las, algo além de “uma folha em branco”.

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

contioutra.com - 8 passos para tirar zero na redação do ENEM

Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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A receita para arrancar poemas presos de Viviane Mosé

A receita para arrancar poemas presos de Viviane Mosé

Viviane Mosé (Vitória, 16 de janeiro de 1964) é uma poetisa, filosofa, psicóloga, psicanalista e especialista em elaboração e implementação de políticas públicas. Mestre e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou sua tese de doutorado Nietzsche e a grande política da linguagem em 2005 pela editora Civilização Brasileira.

Escreveu e apresentou, em 2005 e 2006, o quadro Ser ou não ser, no Fantástico, onde trazia temas de filosofia para uma linguagem cotidiana. Tem diversos livros de poesia, filosofia e psicanálise publicados. Hoje é sócia e diretora de conteúdo da Usina Pensamento, comentarista do programa Liberdade de Expressão, na Rádio CBN, com Carlos Heitor Cony e Artur Xexéo e palestrante.

Doenças

Muitas doenças que as pessoas têm são poemas presos
abscessos tumores nódulos pedras são palavras
calcificadas
poemas sem vazão
mesmo cravos pretos espinhas cabelo encravado
prisão de ventre poderia um dia ter sido poema
pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa
palavra boa é palavra líquida
escorrendo em estado de lágrima
lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema
palavra suor é melhor do que palavra cravo
que é melhor do que palavra catarro
que é melhor do que palavra bílis
que é melhor do que palavra ferida
que é melhor do que palavra nódulo
que nem chega perto da palavra tumores internos
palavra lágrima é melhor
palavra é melhor
é melhor poema

Viviane Mosé

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Você viu a cena do filme do Tim Maia que não passou na TV?

Você viu a cena do filme do Tim Maia que não passou na TV?

Josie Conti

Há cerca de 15 dias uma das mais importantes emissoras de TV nacionais (mencionar o nome é dispensável) exibiu uma reedição de “Tim Maia”, filme do cineasta Mauro Lima lançado em dezembro de 2014 e baseado no livro “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta.

Entretanto, a versão que foi apresentada em dois capítulos apresentou cortes que causaram grande polêmica na mídia nacional. Abaixo, a cena que foi o principal alvo das críticas (contém spoilers).

Nela está representada a luta de Tim Maia para conseguir falar com Roberto Carlos e a humilhação sofrida ao ganhar um par de botas de numeração menor. Também aparece o momento em que um membro da equipe do cantor amassa e joga dinheiro no chão. Depois disso Roberto foi ao lugar onde Tim tocava e lhe deu a oportunidade de mostrar seu talento.

O próprio diretor do filme, após a exibição, renegou a forma como a mesma foi feita com cortes e edições.

Fontes: Sedentário, Pipoca Moderna, Claudio Giliolli

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“Hugh” curta metragem baseado em uma lenda apache.

“Hugh” curta metragem baseado em uma lenda apache.

Por Josie Conti

Baseado em uma lenda apache, esse curta metragem francês encanta ao nos lembrar da magia de ouvir uma boa história.

O  xamã , próximo a fogueira,  conta para as crianças da tribo sobre como era quando o céu era baixo demais e os homens não conseguiam andar eretos…

Muito significado pela beleza, pela simbologia e pela riqueza de que hoje somos tão carentes: a transmissão da cultura oral.

Créditos: MATHIEU NAVARRO, SYLVAIN NOUVEAU, AURORE TURBE, FRANCOIS POMMIEZ

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Invictus: o poema que inspirou Nelson Mandela em seus 27 anos de de prisão

Invictus: o poema que inspirou Nelson Mandela em seus 27 anos de  de prisão

Willian Ernest Henley, ao escrever o poema abaixo, jamais sonharia que os seus versos poderiam inspirar um homem com grandeza de Nelson Mandela a suportar, por vinte e sete anos, o cativeiro, condenado por sua luta contra o apartheid.

Foi esse mesmo poema que deu o título ao filme de 2009 com Morgan Freeman e Matt Damon.

Declamado por Alan Bates e legendado em Português para uso da Academia Ubuntu.

INVICTUS
William Ernest Henley

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

***

INVICTO
William Ernest Henley

Da noite escura que me cobre,
Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,
Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,
Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,
Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.

***

Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta

William Ernest Henley (23/08/1849 – 11/07/1903)

Nelson Mandela (18/07/1918 – 05/12/2013)

Fonte das tradução: A Magia da Poesia

Nota: Se as legendas não aparecerem automaticamente, lembre-se de ativá-las no canto inferior direito do vídeo.

E o bullying? Também não seria “liberdade de expressão”?

E o bullying? Também não seria “liberdade de expressão”?

Por Nara Rúbia Ribeiro

Vejo que hoje muitas pessoas demonstram um entendimento equivocado acerca da livre manifestação de pensamento. Por exemplo. Se o coleguinha do seu filho o chama, de modo recorrente, de “gordo”, “crente burro”, “idiota católico”, “branquelo azedo”, isso é “bullying”. Mas se um jornalista faz isso, o nome é outro: é liberdade de expressão.

Precisamos, então, ponderar acerca desse direito tão importante às bases democráticas, mas devassador quando tem exorbitados seus limites.

Ocorre que a liberdade de expressão não é absoluta. Essa liberdade, assim como todos os outros direitos, é relativa. Precisa amoldar-se, no contexto social, a várias outras garantias que a lei dá ao indivíduo.

Aquilo que você pensa, é algo seu. Inerente a você e isso é indiferente à sociedade. A partir do momento em que você manifesta o seu pensamento, ele terá repercussão em dado local, num determinado período de tempo e, se ferir direito de terceiros, teremos que colocar na balança o que vale mais: o seu direito de dizer ou o direito que foi ferido pela sua fala. A sociedade estabelece leis para que possamos aferir o que é mais importante.

Por exemplo, talvez você não goste de negros. Conheço muitos que não gostam. É um direito seu. Cada um cultiva internamente aquilo que bem lhe aprouver: flores ou abrolhos. Pavimenta estradas de esperança ou  margeia lamaçais de podridão. Ser preconceituoso é um direito íntimo seu. Agora, se você disser que não gosta de negros, aí a coisa muda de figura. Afinal, você externou uma opinião sua que qualifica homens e mulheres não por sua essência, mas por  sua cor. E isso é racismo e trata-se de um crime passível de severa punição.

Você pode achar o seu vizinho esnobe e feio. E se isso ficar com você, que problema há? Mas se você o disser, ele poderá se sentir ofendido, e isso poderá caracterizar um crime de injúria.

contioutra.com - E o bullying? Também não seria “liberdade de expressão”?Talvez você não goste do credo de alguém. Direito seu. Mas se você ridicularizar esse credo, você pode ferir intimamente o outro. E ele possui, assegurado constitucionalmente, o direito ao livre exercício de seu credo, de modo a garantir que sua crença não seja um motivo de escárnio. Se você fizer isso, pode infringir o art. 208 do Código Penal, que diz que é crime “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa”.

Você pode achar que, por exemplo, todo político é ladrão. Pode achar (veja que pensamento vulgar, mas tem gente que até pensa) que todo padre é pedófilo. Mas se você o disser, assim mesmo: genericamente, incorre em crime tanto de injúria quanto de calúnia. Como são ações penais de natureza privada, (aquelas situações em que é a própria pessoa ofendida e não o ministério público leva o caso a julgamento) se qualquer político ou padre se ofender (seguindo com o exemplo acima mencionado), você responde por esses crimes. Afinal, é crime mesmo.

E não interessa se quem achincalha, ofende, agride ou calunia é você, um menininho que estuda com o seu filho ou se é um jornalista de uma grande revista internacional. Ninguém tem o direito de usar o verbo para humilhar e ofender gratuitamente, movido por preconceito, pela necessidade de hierarquizar o humano, de colocar o outro em um patamar inferior ao seu (ou aos seus). Afinal, assim como os indivíduos coexistem e devem conviver harmonicamente, assim também a integralidade dos nossos direitos, e não apenas o direito à liberdade de expressão, deve ser respeitado.

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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Beatles Selfie- paródia

Beatles Selfie- paródia

“Muitas vezes ficamos tão ocupados controlando a imagem, que iremos revelar ao mundo que acabamos perdendo o verdadeiro contato com os momentos que constituem a singularidade da vida concreta.

Quando capturar algo que na câmera tem a prioridade sobre o que acontece à nossa volta, isso pode ser indicativo de um problema real, ou seja, passamos a ficar conectados com as imagens, mas desconectados de nós mesmos, ao criar um verdadeiro dilema: como eu posso esperar que os outros prestem atenção a mim se nem eu mesmo consigo descrever o que está acontecendo à minha volta?…

Documentar a experiência não pode, jamais, ser mais importante do que vivê-la.” Dr Cristiano Nabuco

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O Rio de Hoje

O Rio de Hoje

Por Adriana Vitória

Por que temos a tendência a sempre tapar o sol com a peneira mesmo que os pequenos furinhos desta já tenham se transformado em um gigantesco rombo deixando tudo a mostra? Quem, em sua absoluta consciência, não consegue enxergar o processo destrutivo que o Rio vem vivendo nas últimas décadas? Só o “novo” carioca não percebe a devastação da cidade que um dia tão e sempre tão querida. Não tenho nenhuma dúvida de que temos, hoje, uma da piores qualidades de vida do planeta.

Em 1977, minha mãe queria mais “tranquilidade”. Saímos então de Ipanema, onde cresci e nos mudamos para o Pontal no Recreio dos Bandeirantes. Lindo ! Praias desertas e casa a beira mar, mas não tinha nada, absolutamente nada por perto, o que tornou nossa vida muito difícil, nos forçando a ir para a outra ponta dos 13 km da praia, o Quebramar já então na Barra.

Lembro que fechávamos a rua pra fazer a festa junina da escola. Andávamos sozinhos pra lá e pra cá nos encontrando na praia, nas rodas de capoeira e na escola. As ruas eram de terra, só a Olegario Maciel tinha calçamento de paralelepípedo e os prédios não podiam ter mais de cinco andares. Na praia, não raro, podíamos ver baleias, grandes arraias, caranguejos e muitos tatuís na areia. Vida feliz de “interior”.

Hoje, Recreio e Barra têm milhares de condomínios que mudaram não só a paisagem, mas a natureza daquela região tão frágil. Seus esgotos são despejados no mar e nos canais sem nenhuma cerimônia. Ao longo dos anos até os windsurfistas tiveram que abandonar o esporte nas lagoas pela contaminação e nós voltamos para Ipanema.

Na minha infância íamos também muito ao parque da cidade, hoje tomado pela favela da Rocinha que atravessou o Dois Irmãos e desceu pela Gávea, até destruir completamente o parque. Casas da região que valiam em torno de alguns milhões hoje valem alguns milhares de reais se conseguirem vende-las, mas nem vamos falar dos IPTUs, já que estes continuam em alta, demonstrando a total fala de respeito dos governantes com os cidadãos deste cidade. Vergonha!

A Lagoa Rodrigo de Freitas tinha seus momentos de horror quando os gases causados pelo esgoto dos imóveis que eram despejados em suas águas causando a morte em massa de peixes causando um mal cheiro digno da baia de Guanabara. A situação não mudou muito.

A entrada da cidade cheira a lixo em estado de decomposição . Milhões foram “doados” a cidade para despoluir a baia de Guanabara. Nada, nunca foi feito. Onde o “dindin” foi parar?

O aluguel de um quarto na caótica Copacabana pode custar de mil a mil e quinhentos reais por mês. Quanto aos imóveis, nem falemos, basta consultar qualquer classificado com imóveis do Rio pra se ter uma ideia do absurdo.

O calor insuportável só piora a cada ano, mas as favelas aumentam de tamanho descontroladamente, invadindo as áreas florestais, uma vez que não existe nenhum planejamento urbano.

Tudo isto pode ser observado por qualquer turista. Estamos falando da zona sul, pois a norte, sempre passou despercebida pelos governantes, e para grande parte dos moradores da zona sul, tanto faz, do túnel Rebouças pra lá, vivem os invasores indesejáveis de suas praias, um dia, tão preciosas.

Eduardo Paes, desde que assumiu a prefeitura do Rio, em 2009, tornou a vida impraticável pra qualquer cidadão comum sair de carro a não ser que tenha dinheiro suficiente sobrando para pagar cerca de 35,00 de estacionamento privado por algumas horas, isto quando existir um por perto. Retiraram milhares de vagas por toda a zona sul da cidade, mas os transportes continuam os mesmos. Os únicos com vagas garantidas em qualquer lugar são os carros da prefeitura.

Ambulantes sempre existiram na cidade, fazendo a alegria dos cariocas. O cara do milho, da tapioca, da empada, do açaí… São trabalhadores incansáveis, cheios de alegria e bom humor que enfrentam o calor de quase 50 graus sempre sorrindo, cheios de boas histórias. Estão ali, todos os dias, faça sol ou chuva, tentando sobreviver, mas a prefeitura não permite e os caça impiedosamente, recolhendo suas mercadorias e ferindo a sua dignidade.

Alguém ainda quer viver aqui? Eu e a minha família nos mudamos pra serra, a 85km do Rio, mas tenho que confessar, o estado vai de mal a pior. O horizonte perdido daqui da serra também já não existe, e em nenhum outro lugar deste estado lindo por natureza e destruído pela ganância e falta de amor.

Mais do que uma crítica, esse foi um desabafo.

contioutra.com - O Rio de Hoje
Ipanema e Leblon em 1904
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Imagem atual

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“A Língua das Coisas”, curta metragem inspirado na obra de Manoel de Barros

“A Língua das Coisas”, curta metragem inspirado na obra de Manoel de Barros

Curta-metragem selecionado pelo programa Curta Criança do MINC e TV Brasil, livremente inspirado na obra de Manoel de Barros, exibido e premiado em festivais de cinema no Brasil e no exterior.

Sinopse

Em um sítio, distante de tudo, vivem o menino Lucas e seu avô. O avô só sabe a língua do rio, dos bichos e das plantas. Lucas está cansado da rotina de pescar e das histórias inventadas pelo avô, que diz pescá-las no rio: palavra por palavra. Um dia, a mãe de Lucas vem buscá-lo para morar na cidade. Mesmo contrariado, o avô o encoraja a ir para aprender a falar língua de gente. Na escola, a nova língua não entra na sua cabeça. Não cabe. E pra piorar, ele começa a escrever uma língua inventada, só dele. Todos pensam que ele tem um parafuso a menos. Em seguida, sua mãe recebe a notícia da morte do avô. De volta ao sítio, Lucas corre em desespero na esperança de encontrá-lo, na ilusão daquela notícia ser uma história inventada. Mas não é. Desolado, ele se senta a margem do rio, e sem se dar conta, dezenas de palavras são trazidas pela correnteza.

E, aquele que não morou nunca em seus próprios abismos nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas, não foi marcado. Não será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.

Manoel de Barros

A Língua das Coisas – The Language of Things from Caraminhola Filmes on Vimeo.

Dica da Conti outra: Saiba mais sobre a obra do poeta e conheça os projetos sociais da Fundação Manoel de Barros.

Espero que você seja feliz, mas bem longe de mim.

Espero que você seja feliz, mas bem longe de mim.

Por Nina Spim

Há algum tempo, presenciei uma situação com alguns conhecidos meus. Estávamos numa palestra na faculdade e, na fileira à nossa frente, havia duas meninas que, provavelmente, eram amigas. Elas conversavam e, é, às vezes elas tocavam os cabelos uma da outra. Ali, vi duas amigas sendo amigas. A gente toca em quem gostamos, certo? Até mesmo eu, que sou uma pessoa que se esquiva de contato físico, toco nos meus amigos, simplesmente porque é uma reação natural.

No entanto, alguns dias depois, qual foi a minha surpresa por pescar um assunto entre meus conhecidos que também viram a relação das duas meninas à nossa frente. Basicamente, eles estavam abominando o que presenciaram. Porque “só faltou que as meninas se beijassem” e, provavelmente, isso seria um escândalo.

Duas coisas vieram à minha mente. Primeiro: acho incrível o quanto as pessoas exageram em certos aspectos só para tentarem chamar à razão as outras. Como supracitado, as garotas estavam apenas sendo garotas amigas. E, segundo: quando foi que nos permitimos reprimir os outros pelas felicidades deles?

É provável que, se fossem um garoto e uma garota, a situação teria passado batida. Afinal, a gente vê um casal heterossexual em todos os lugares e nos habituamos a beijos públicos e demonstração de carinho de forma comedida. Raramente alguém reprime esses casais. Mas é comum encontrarmos pessoas que se incomodem com o amor alheio, quando ele é diferente do que esperam. Às vezes, a repressão vem em forma de uma olhadinha enojada, ou de um comentário preconceituoso (e equivocado) numa rodinha de amigos.

Quem coíbe não entende que está suprimindo a liberdade do próximo – ou talvez entenda, saiba exatamente o que está fazendo e não se sente culpado por tal ato. E não há como compreender esse tipo de gente. Se você está feliz, tudo bem demonstrar isso para quem quiser e tenho certeza de que, se alguém lhe dizer para “se comportar”, você se ofenderá. Então, por que praticar o que não quer que façam contigo? Por que se permitir ser aquela pessoa intolerante que não compreende que a felicidade alheia não é da sua conta? E que, acima de tudo, a sua liberdade termina quando começa a do outro?

Se ser feliz é se policiar o tempo inteiro e ficar se justificando por seus atos, talvez, muita gente precise repensar em seus conceitos e preconceitos. Ninguém deveria aceitar ser diminuído por outrem. E, se você não quer que te diminuam, comece a não diminuir as pessoas ao seu redor. Por mais que o “diferente” não agrade a muitos, o respeito é muito mais do que dizer que tem amigos gays, negros, gordos, ruivos, baixos (e de muitos outros jeitos), mas que prefere não tocar neles, ou sair com eles. Respeitar é compreender que vocês são diferentes e que essa pessoa merece ser tratada com tanta consideração quanto você é tratado.

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.

contioutra.com - Espero que você seja feliz, mas bem longe de mim.

 Nina Spim

contioutra.com - Espero que você seja feliz, mas bem longe de mim.É uma escritora sonhadora dotada de blue feelings. Cursa Jornalismo na PUCRS, adora as palavras, mora nos livros, gosta de cinema como um esporte, é seriadora aos fins de semana e escritora compulsiva. Autora dos contos “Heart and Love” e “Coisas, definitivamente, de Amélia” das Antologias Amor nas Entrelinhas e Aquarela, respectivamente, pela Adross Editora.

Dona do blog http://ninaeuma.blogspot.com/

ReLOVution – por uma revolução do amor pelo o amor

ReLOVution – por uma revolução do amor pelo o amor

Por Tatiana Nicz

“Pessoalmente, desejo que o século XXI seja chamado de “século do amor”, porque necessitamos desesperadamente de amor, o tipo de amor que não produz sofrimento. Se não tivermos suficiente bondade e compaixão, não seremos capazes de sobreviver enquanto planeta. Há um Buda que supostamente nascerá para nós chamado Maitreya ou Bondade Amorosa, o Buda do Amor. Cada um de nós é uma célula no corpo do Buda do Amor.”

Thich Nhat Hanh no livro Eu Busco Refúgio na Sangha – um caminho espiritual

O século XXI segundo o monge budista Thich Nhat Hanh será marcado pela busca espiritual. Segundo ele, o século XX que foi marcado pelo individualismo, violência, confusão e medo, e nós temos uma grande missão para esse novo século: trazer consciência e atenção para nossas escolhas e atos, fazer com o coração. E é no coração que mora o remédio para salvar o mundo que está em um sentimento bem simples, mas que engloba uma complexidade enorme em si, o amor.

Se quisermos mesmo viver em um mundo melhor precisamos também com urgência, ressignificar o amor. O amor ou afeto, como dizem os psicólogos, é um dos sentimentos primordiais do ser humano, é instintivo, assim como todos os outros seres do planeta, nascemos programados para amar, isso está em nosso DNA. Mas o amor de hoje não é o mesmo que Jesus pregava, que o budismo se refere, o amor de Eros na mitologia Grega. Esse amor (juntamente com muitas outras palavras) é erroneamente confundido com outros elementos, e tornou-se tudo, menos amor.

O amor é um sentimento inerente ao ser humano, um bebê já nasce instintivamente amando e buscando a face da mãe, e sem nunca antes tê-la visto, ele já sabe reconhecê-la. Darwin quando escreveu a “Descendência do Homem” mencionou duas vezes a sobrevivência do melhor e 95 vezes a palavra amor. Mas Darwin, assim como muitos outros, foi mal interpretado, ou melhor, interpretado para ser utilizado como instrumento de domínio. A religião também fez esse papel, a essência da palavra pregada por Jesus ou Maomé é de amor puro e cooperação, não é de punição, nem pecado, nem sofrimento, nem guerra.

Os contos, livros e filmes fizeram seu papel construindo o mito do amor romântico e, ao mesmo tempo que isso é belo e “feliz para sempre” na ficção, na vida real é um tanto utópico. A maneira como as sociedades foram se organizando e criando uma gama de polarizações ao longo dos séculos acabaram por condicionar o amor. Hoje em dia fatores como crenças, religião, cor da pele, traços culturais, opção sexual, posicionamento político, aparência física e dinheiro são condições para amar e ser amado.

E assim, por buscarmos algo tão utópico e condicionado, amar hoje pode gerar muito sofrimento criando pessoas angustiadas, ansiosas, inseguras, deprimidas, que se sentem rejeitadas. O sentimento de posse que permeia os relacionamentos “românticos” é uma espécie de “cereja do bolo” na receita de um relacionamento fadado a ruir. O século mudou, o estilo de vida mudou, o mundo está em profunda “ebulição”, as sociedades estão se reorganizando com uma rapidez absurda, as distâncias encurtaram, mas ainda buscamos o mesmo modelo de união de séculos atrás. Está mais do que na hora de reiventarmos também esse formato de união (in)estável.

Para trazer mudança nesse padrão, inicialmente precisamos reaprender a amar nossas crianças. Ensiná-las a amar. Uma criança que cresce sentindo-se rejeitada, sem amor e acolhimento, torna-se um adulto inseguro e dissociado. Uma criança que cresce sem referências de amor puro, tem dificuldades para amar e muito medo, aprende logo cedo que amar é sofrer e recria esse padrão constantemente em sua vida e acredita que amor exige de sua parte muito esforço. Mas o amor puro vem de graça, sem grandes esforços e sem sofrimento, ele apenas é.

Também precisamos amar a nós mesmos, é um clichê que poucos realmente seguem, sim amar a si próprio, aprender a perdoar-se, a ser menos crítico e mais gentil com nossas imperfeições e a aprender a amá-las também. Depois que nós nos amamos incondicionalmente tudo fica mais leve, também o amor pelo outro fica mais leve. Quando entendemos que todos nós somos passíveis de sermos amados e merecedores de receber amor de graça pelo (muito) que somos, todos os relacionamentos se tornam mais leves. E então aprenderemos a amar apenas por amar, sem direito de posse, sem julgamentos e pre(-)conceitos, sem cobranças, sem condicionamentos, sem expectativas, sem culpa e sem medo, pois o amor precisa ser livre de tudo isso para ser puro.

Nesse contexto atual, drenamos do amor o seu elemento primordial e que o torna tão especial: a liberdade. A liberdade de apenas ser, a liberdade de escolher, a liberdade de fluxo e movimento, a liberdade de viver livre de sofrimentos e apegos. Sim, o amor é a lei maior, o remédio para todos os nossos males e só ele pode salvar o mundo, mas antes que o amor possa revolucionar o mundo, precisamos ainda revolucionar o amor.

“#Somos todos Baga?” Será que essa pega?

“#Somos todos Baga?” Será  que essa pega?

Não bastasse a profunda dor causada pelo terrorismo em solo francês, mais de dois mil nigerianos foram vítimas, na cidade de Baga, de ato terrorista praticado por radicais islâmicos. O massacre se deu, conforme afirma a Anistia Internacional, no dia 8 de janeiro, enquanto o mundo voltava os seus olhos para a França.

Afirmou o responsável pelo distrito, Baba Abba Hassan, que a maioria das vítimas são crianças, mulheres e idosos que não conseguiram fugir quando o grupo terrorista invadiu Baga, com granadas e fuzis.

Até a data de ontem, as centenas de corpos ainda estavam espalhados pela cidade, posto que, pelo elevado número, foi impossível ao povo e às autoridades providenciar os enterros.

Então, pergunto: Será que a comunidade internacional se mobilizará, comovida, também em defesa dos mortos na Nigéria? Ou será que a dor de milhares de pessoas só merece holofote quando as vítimas são brancas, cultas e faz parte do dito “Primeiro Mundo”?

contioutra.com - “#Somos todos Baga?” Será  que essa pega?
O grupos radical islâmico Boko Haram tem cometido uma série de atentados na Nigéria

Fonte:  Vermelho

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Reflexo turvo

Reflexo turvo

Por Marcela Picanço

Talvez eu seja mesmo um caso à parte, como todo mundo sempre me diz, mas eu custo a acreditar. Sinto-me complemente encaixada e igual às outras pessoas. Com os mesmos dilemas e situações reversas. Por isso, acho que consigo falar de mim e ser ouvida por muitos. A identificação é reciproca. Mas, em alguns momentos em que eu me desligo, sinto-me parte de outro lugar. Como se eu pudesse comandar um mundo feito com as minhas ideias. Sinto-me como a lua em suas nuances. Às vezes, minguo; outras vezes, quero aparecer por inteira. Mas esse processo de transformação me destrói por dentro. Como uma lagarta que vira borboleta ou a cigarra que canta desesperadamente antes de sair da sua casca para encontrar outra dimensão.

Vou tentando, aos poucos, adaptar-me a mim mesma, sem entender muito esse processo. Quando eu mudo, passo os dias refletindo e me testando, até eu dizer chega. Uma hora acaba e eu me acostumo com esse novo “eu”, pronto para dar mais um jeito na vida. Pronta para pegar as malas de novo, sair por aí procurando um lugar que me mantenha sempre viva. Sempre tive muito medo de amar, porque amar era a certeza que eu tinha de que estaria estagnada. Mas amar é só mais uma forma de voar, mantendo a cabeça em algo fixo. E, às vezes, eu sinto que tem um buraco dentro de mim. E, em vez de sair procurando algo que faça essa dor parar de arder, eu me procuro por todos os cantos, até concluir que eu faço parte de todos os lugares. Eu faço parte de mim, mas não há nada no mundo que consiga preencher esse abismo que existe aqui dentro, ou algo que cesse essa fome pelo presente, pelo inconstante.

Se tentam me definir, eu viro bicho. Sempre fui o indecifrável, por mais que tente interpretar minhas ações constantemente. Sempre me confundo entre minhas verdades, porque, para ser tão eu, é preciso ser vários ao mesmo tempo. Desafio-me o tempo todo, dentro da minha cabeça, fazendo um nó que se expande até meus cabelos e os deixam completamente embaraçados. Fico embriagada diante de tanta euforia, ao tentarem me entender. Eu sou o avesso do questionamento, mas também sou o contrário da resposta. Se um dia me encontrar, eu volto pra tentar lhe explicar e deixo de ser tão louca, tão solta, tão eu.

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