O Rio de Hoje

Por Adriana Vitória

Por que temos a tendência a sempre tapar o sol com a peneira mesmo que os pequenos furinhos desta já tenham se transformado em um gigantesco rombo deixando tudo a mostra? Quem, em sua absoluta consciência, não consegue enxergar o processo destrutivo que o Rio vem vivendo nas últimas décadas? Só o “novo” carioca não percebe a devastação da cidade que um dia tão e sempre tão querida. Não tenho nenhuma dúvida de que temos, hoje, uma da piores qualidades de vida do planeta.

Em 1977, minha mãe queria mais “tranquilidade”. Saímos então de Ipanema, onde cresci e nos mudamos para o Pontal no Recreio dos Bandeirantes. Lindo ! Praias desertas e casa a beira mar, mas não tinha nada, absolutamente nada por perto, o que tornou nossa vida muito difícil, nos forçando a ir para a outra ponta dos 13 km da praia, o Quebramar já então na Barra.

Lembro que fechávamos a rua pra fazer a festa junina da escola. Andávamos sozinhos pra lá e pra cá nos encontrando na praia, nas rodas de capoeira e na escola. As ruas eram de terra, só a Olegario Maciel tinha calçamento de paralelepípedo e os prédios não podiam ter mais de cinco andares. Na praia, não raro, podíamos ver baleias, grandes arraias, caranguejos e muitos tatuís na areia. Vida feliz de “interior”.

Hoje, Recreio e Barra têm milhares de condomínios que mudaram não só a paisagem, mas a natureza daquela região tão frágil. Seus esgotos são despejados no mar e nos canais sem nenhuma cerimônia. Ao longo dos anos até os windsurfistas tiveram que abandonar o esporte nas lagoas pela contaminação e nós voltamos para Ipanema.

Na minha infância íamos também muito ao parque da cidade, hoje tomado pela favela da Rocinha que atravessou o Dois Irmãos e desceu pela Gávea, até destruir completamente o parque. Casas da região que valiam em torno de alguns milhões hoje valem alguns milhares de reais se conseguirem vende-las, mas nem vamos falar dos IPTUs, já que estes continuam em alta, demonstrando a total fala de respeito dos governantes com os cidadãos deste cidade. Vergonha!

A Lagoa Rodrigo de Freitas tinha seus momentos de horror quando os gases causados pelo esgoto dos imóveis que eram despejados em suas águas causando a morte em massa de peixes causando um mal cheiro digno da baia de Guanabara. A situação não mudou muito.

A entrada da cidade cheira a lixo em estado de decomposição . Milhões foram “doados” a cidade para despoluir a baia de Guanabara. Nada, nunca foi feito. Onde o “dindin” foi parar?

O aluguel de um quarto na caótica Copacabana pode custar de mil a mil e quinhentos reais por mês. Quanto aos imóveis, nem falemos, basta consultar qualquer classificado com imóveis do Rio pra se ter uma ideia do absurdo.

O calor insuportável só piora a cada ano, mas as favelas aumentam de tamanho descontroladamente, invadindo as áreas florestais, uma vez que não existe nenhum planejamento urbano.

Tudo isto pode ser observado por qualquer turista. Estamos falando da zona sul, pois a norte, sempre passou despercebida pelos governantes, e para grande parte dos moradores da zona sul, tanto faz, do túnel Rebouças pra lá, vivem os invasores indesejáveis de suas praias, um dia, tão preciosas.

Eduardo Paes, desde que assumiu a prefeitura do Rio, em 2009, tornou a vida impraticável pra qualquer cidadão comum sair de carro a não ser que tenha dinheiro suficiente sobrando para pagar cerca de 35,00 de estacionamento privado por algumas horas, isto quando existir um por perto. Retiraram milhares de vagas por toda a zona sul da cidade, mas os transportes continuam os mesmos. Os únicos com vagas garantidas em qualquer lugar são os carros da prefeitura.

Ambulantes sempre existiram na cidade, fazendo a alegria dos cariocas. O cara do milho, da tapioca, da empada, do açaí… São trabalhadores incansáveis, cheios de alegria e bom humor que enfrentam o calor de quase 50 graus sempre sorrindo, cheios de boas histórias. Estão ali, todos os dias, faça sol ou chuva, tentando sobreviver, mas a prefeitura não permite e os caça impiedosamente, recolhendo suas mercadorias e ferindo a sua dignidade.

Alguém ainda quer viver aqui? Eu e a minha família nos mudamos pra serra, a 85km do Rio, mas tenho que confessar, o estado vai de mal a pior. O horizonte perdido daqui da serra também já não existe, e em nenhum outro lugar deste estado lindo por natureza e destruído pela ganância e falta de amor.

Mais do que uma crítica, esse foi um desabafo.

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Ipanema e Leblon em 1904
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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.