3 passos para expandir seus poderes de observação

3 passos para expandir seus poderes de observação

Ser mais atento a pessoas, situações e eventos nos ajuda a pensar criticamente sobre o que vemos e a ter novas ideias. No entanto, prestar mais atenção a nossos arredores não é sempre uma coisa fácil a se fazer. A boa notícia é que podemos treinar para conseguir isso.

Nossos cérebros não são feitos para ver tudo. Nós geralmente nos concentramos em coisas específicas, e filtramos todo o resto. Isso é ótimo na maioria dos casos, porque se tentássemos observar tudo, deixaríamos passar o que é importante. No entanto, é possível sintonizar o cérebro a prestar atenção a coisas novas com um pouco de prática.

Você pode começar com essas três dicas:

Desafie-se a prestar atenção a coisas novas

Não tem como simplesmente dizer para si mesmo: “Vou observar o mundo com novos olhos hoje” e esperar que isso aconteça. Em vez disso, para conseguir prestar atenção a coisas novas, é mais fácil dar a si mesmo uma série de desafios.

Esses desafios podem ser qualquer coisa. Confira algumas ideias nas quais se basear:

  • Observe pessoas em áreas populosas: Se a primeira coisa que você faz quando se senta em um lugar lotado é pegar seu telefone, pare. Passe algum tempo absorvendo tudo e observando pessoas. Veja como elas agem em espaços cheios, como interagem com os outros etc.
  • Brinque de caça ao tesouro: Escolha algo e procure por ele durante todo o dia. Pode ser qualquer coisa de janelas quebradas, câmeras de segurança a grafite na rua. Quando encontrar essa coisa, tire uma foto ou tome nota. Procure mais. No fim do dia, analise as conclusões que pode tirar do que encontrou.
  • Confira notícias locais: Notícias locais são uma ótima maneira de conhecer sua cidade e aprender o que está acontecendo na sua região. Isso, por sua vez, te ajuda a prestar atenção a todos os tipos de coisas novas.
  • Ande com um especialista: Você deve ter amigos com diferentes carreiras e hobbies que você. Dê um passeio com eles para aprender coisas novas.
  • Faça um “passeio sonoro”: Parece um pouco bobo, mas um passeio sonoro para encontrar pontos de origem dos sons, explorar a área de uma maneira nova e treinar seus ouvidos para ouvir coisas novas pode ser inspirador e te fazer pensar diferente.
  • Tome notas de campo: Escolha um lugar, sente e escreve ou desenhe tudo que você vê. Isso treina o seu cérebro a prestar mais atenção e observar mais do mundo.
  • Desafio dos 365 dias em imagens: Se você não tem certeza por onde começar, pode experimentar o desafio das 365 fotos. A ideia básica é tirar uma foto por dia durante um ano inteiro, com desafios diferentes a cada dia para manter as coisas interessantes.

Você pode escolher qualquer desafio que se adapte às suas necessidades. Se você é um desenvolvedor de aplicativo, é melhor prestar atenção ao que as pessoas precisam; se é um escritor, ao que as pessoas estão fazendo, e assim por diante. Não tenha medo de deixar sua zona de conforto.

Aprenda a ler as pessoas melhor

Objetos inanimados são uma coisa, mas observar e entender pessoas é uma ciência em si mesmo.

Geralmente, somos bons em observação durante situações de alta tensão, por exemplo, durante uma briga, um primeiro encontro ou uma entrevista de emprego, mas relaxamos durante interações cotidianas.

Você pode se perguntar de vez em quando: “Como é que esta situação ou essa pessoa me fazem sentir?”. Como já dissemos acima, as pessoas são boas em detectar perigo. Se estamos andando em direção a nosso carro à noite em uma área deserta e vemos que tem alguém se aproximando, ficamos alertas e apertamos o passo.

Mas avaliar o conforto também pode abrir nossos olhos. Quando você está com alguém novo, se pergunte: “Será que essa pessoa faz-me sentir confortável o tempo todo?”. Se ela não faz, então a questão é “por quê?”. Nunca ignore pistas que dizem que algo está errado, não importa o quanto você queira uma amizade ou namoro dê certo.

Seu subconsciente está sempre trabalhando para protegê-lo, mas você tem que estar preparado para observar e reconhecer o que você sente.

Leitura da linguagem corporal, detecção de mentiras e leitura de expressões exigem todas o ato mais geral da observação. Não é apenas sobre manter-se seguro ou encontrar inconsistências. Quando você observa as pessoas e prestar atenção nelas, aprende e percebe todo o tipo de coisas novas sobre elas.

Procure padrões

Observar só te leva até certo ponto, no entanto. Se torna útil uma vez que você pode encontrar padrões no que observou. É preciso ter uma visão mais ampla de como o mundo funciona.

Detecção de padrões e análise de como eles se encaixam com a sua experiência é o que permite prever o que acontecerá em seguida. Quanto mais você observar o mundo e as pessoas, melhor você se tornará na detecção de padrões.

Por exemplo, linguagem corporal não é uma coisa universal. Ao observar alguém por um tempo, você pode encontrar os seus tiques individuais e o que eles representam. Por exemplo, uma pessoa pode esfregar o nariz quando está blefando no pôquer, enquanto outra esfrega o nariz quando está com raiva.

O mesmo vale para qualquer coisa que você vê no mundo. Observá-lo é apenas o primeiro passo. Até você começar a remendar tudo em algo maior, é difícil descobrir qualquer coisa com a informação que você recolher. Quanto mais você presta atenção e se pergunta por quê, mais você aprende e chega a novas ideias.

Do original LifeHacker, via Hipescience

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“Se”, quando a maior herança vem em forma de poesia

“Se”, quando a maior herança vem em forma de poesia

Por Nara Rúbia Ribeiro

Há um tempo recebi um livro chamado “O que o meu pai me ensinou”, de Naomi Wolf. Filha do poeta Leonard Wolf, a escritora norte-americana herdara de seu pai uma forma peculiar, a sua forma poética de olhar o mundo. Detentor da arte de escutar, ele auxiliava a cada um daqueles que se faziam próximos por acreditar que cada um encontraria a sua própria felicidade ao cultivar a arte da primazia do coração.

Por diversas vezes vi, também, o escritor Mia Couto dizer ter herdado, de seu pai, a sua visão poética de mundo. Sempre enfatizando que o seu pai vivia em poesia e via, no cotidiano, nas ocorrências banais e que passariam despercebidas pela maioria de nós, grandes inspirações poéticas.

Ontem me deparei com mais um exemplo dessa mesma magnitude. Ao comentar um poema publicado na Página Mia Couto, do Facebook, Waldemar José Solha narra talvez um dos mais significativos momentos de sua história com seu pai, relatando mais um caso de testamento poético. Registro aqui a emoção do relato e a grandeza da mensagem poética.

“Há poemas que realmente nos marcam. Quando visitei meu pai pela última vez, uma semana antes de sua morte, ele me pediu que eu procurasse no Tesouro da Juventude (que era meu e deixei para ele, que o lia sempre ) o poema Se (If) de Rudyard Kipling e o lesse para ele. Ao fazê-lo, emocionado, senti que era o testamento que ele, meu pai, me deixava.”

Se 

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!

Rudyard Kipling

Sem mais,

Nara Rúbia Ribeiro

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

contioutra.com - "Se", quando a maior herança vem em forma de poesia

Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

ANDREY REMNEV, um convite à imaginação e a estética

ANDREY REMNEV, um convite à imaginação e a estética

As obras do artista russo Andrey Remnev trazem em sua técnica única uma combinação de métodos da pintura russa medieval dos séculos XV e XVII e XVIII com um toque de magia dos contos de fadas. Para alcançar as tonalidades desejadas utiliza velhas receitas da  Renascença para fazer suas próprias cores feitas à mão com pigmentos naturais misturados com gema de ovo.

O resultado? Você confere abaixo.

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Religião para ateus, comentários sobre a obra de Alain de Botton

Religião para ateus, comentários sobre a obra de Alain de Botton

Por Josie Conti

Uma das obras mais interessantes que li nos últimos anos foi o livro “Religião para ateus”  do escritor suíço radicado em Londres Alain de Botton.

Alain de Botton tornou-se famoso por popularizar a filosofia e divulgar seu uso na vida quotidiana. Em “Religião para ateus” ele demonstra uma profunda capacidade de direcionar seu olhar para os conceitos e práticas religiosas no que elas trouxeram de útil às pessoas e comunidades ao longo dos séculos.

Botton é ateu, filho de judeus não praticantes, e comenta no livro:

“Eu jamais hesitei na minha certeza de que Deus não existe. Eu simplesmente fui libertado pelo pensamento de que pode haver uma maneira de me relacionar com a religião sem precisar endossar seu conteúdo sobrenatural — uma maneira, para colocar de forma mais abstrata, de pensar em Pais sem perturbar minha respeitosa memória do meu próprio pai. Eu reconheci que minha resistência persistente às teorias sobre vida após a morte ou sobre habitantes do céu não podia justificar o abandono de música, edificações, orações, rituais, festividades, santuários, peregrinações, refeições comunais e manuscritos ilustrados das fés.”

Em outros trechos esclarece:


“É possível não sentir atração pela doutrina da Santíssima Trindade cristã e pelo Nobre Caminho Óctuplo budista e, ainda assim, interessar- se pelas maneiras como as religiões fazem sermões, promovem a moralidade, engendram um espírito de comunidade, utilizam a arte e a arquitetura, inspiram viagens, exercitam as mentes e estimulam a gratidão pela beleza da primavera. Num mundo ameaçado por fundamentalistas religiosos ou seculares, deve ser possível equilibrar uma rejeição da fé e uma reverência seletiva por rituais e conceitos religiosos.

É quando paramos de acreditar que as religiões foram outorgadas do alto ou que são totalmente insanas que as coisas ficam mais interessantes. Podemos então reconhecer que inventamos as religiões para servirem a duas necessidades centrais, que existem até hoje e que a sociedade secular não foi capaz de resolver por meio de nenhuma habilidade especial: primeiro, a necessidade de viver juntos em comunidades e em harmonia apesar dos nossos impulsos egoístas e violentos profundamente enraizados. E, segundo, a necessidade de lidar com aterrorizantes graus de dor, que surgem da nossa vulnerabilidade ao fracasso profissional, a relacionamentos problemáticos, à morte de entes queridos e a nossa decadência e morte. Deus pode estar morto, mas as questões urgentes que nos impulsionaram a inventá-lo ainda nos sensibilizam e exigem resoluções que não desaparecem quando somos instados a perceber algumas imprecisões científicas na narrativa sobre o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.”

***

A sociedade secular tem sido injustamente empobrecida pela perda de uma série de práticas e de temas com os quais os ateus geralmente acham impossível conviver, por parecerem associados demais com, para empregar a frase útil de Nietzsche, “os maus odores da religião”. Desenvolvemos um medo em relação à palavra moralidade. Nós nos irritamos com a perspectiva de ouvir um sermão. Fugimos da ideia de que a arte deveria inspirar felicidade ou ter uma missão ética. Não fazemos peregrinações. Não podemos construir templos. Não temos mecanismos para expressar gratidão. A noção de ler um livro de autoajuda tornou-se absurda para o erudito. Resistimos a exercícios mentais. Estranhos raramente cantam juntos. Somos presenteados com a escolha desagradável entre abraçar conceitos peculiares sobre deidades imateriais ou abrir mão totalmente de um conjunto de rituais reconfortantes, sutis ou apenas encantadores para os quais temos dificuldades de encontrar equivalentes na sociedade secular.

Ao desistir disso tudo, permitimos que a religião reivindicasse como seu domínio exclusivo áreas da experiência que deveriam pertencer a toda a humanidade — as quais não deveríamos ter vergonha de restituir ao campo secular. O próprio cristianismo primevo era bastante adepto de se apoderar das boas ideias dos outros, apropriando-se agressivamente incontáveis práticas pagãs que os ateus modernos tendem a evitarcontioutra.com - Religião para ateus, comentários sobre a obra de Alain de Botton na equivocada crença de que são indelevelmente cristãs. A nova fé incorporou as celebrações de inverno, do hemisfério norte, e as repaginou como o Natal. Absorveu o ideal epicurista de viver junto numa comunidade filosófica e o transformou no que hoje conhecemos como monasticismo. E, nas arruinadas cidades do antigo Império Romano, inseriu-se alegremente nos espaços vazios de templos outrora devotados a heróis e temas pagãos.

Como tudo que envolve a temática religiosa, Alain de Botton sabe que a estratégia de abordagem do livro irritará partidários de ambos os lados:

Os religiosos se ofenderão com uma reflexão aparentemente brusca, seletiva e não sistemática de seus credos. Religiões não são bufês, eles protestarão, em que elementos particulares podem ser escolhidos de forma aleatória. Todavia, a ruína de muitas fés tem sido sua insistência pouco razoável em que os adeptos precisam comer tudo o que está no prato.

Entretanto, o que me mobiliza no livro é, longe da opção pela crença ou descrença em um Deus, é a capacidade do autor de tratar o tema com imparcialidade e bom senso, coisa raríssima em 99% dos debates sobre o assunto.

Acredito piamente na intersecção dos pensamentos e na expansão de nossos horizontes para além de conceitos de “bom” e “mau” estereotipados como em filmes de Bang Bang . Recusar um outro olhar nos impede de ver novas perspectivas, nos torna preconceituosos.

O que, na minha opinião, muitas vezes acontece com pessoas ditas “intelectualizadas” é que elas julgam que o outro, menos preparado,  não será capaz de também criar caminhos de conhecimento próprio.

Ao contrário do que muitos pensam, ter um olhar humanista não é o mesmo que ter uma visão simplista das coisas.

Religião para ateus não é um livro para ateus e nem um desrespeito a fé e sim um livro para quem sabe que, para toda história, existem dois pesos e duas medias.

OS SETE SAPATOS SUJOS, por Mia Couto

OS SETE SAPATOS SUJOS, por Mia Couto

Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo no ISCTEM

OS SETE SAPATOS SUJOS 

Começo pela confissão de um sentimento conflituoso: é um prazer e uma honra ter recebido este convite e estar aqui convosco. Mas, ao mesmo tempo, não sei lidar com este nome pomposo: “oração de sapiência”. De propósito, escolhi um tema sobre o qual tenho apenas algumas, mal contidas, ignorâncias. Todos os dias somos confrontados com o apelo exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e patriótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo da dificuldade de nós pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.

Falarei aqui na minha qualidade de escritor tendo escolhido um terreno que é a nossa interioridade, um território em que somos todos amadores. Neste domínio ninguém tem licenciatura, nem pode ter a ousadia de proferir orações de “sapiência”. O único segredo, a única sabedoria é sermos verdadeiros, não termos medo de partilhar publicamente as nossas fragilidades. É isso que venho fazer, partilhar convosco algumas das minhas dúvidas, das minhas solitárias cogitações.

Começo por um fait-divers. Há agora um anúncio nas nossas estações de rádio em que alguém pergunta à vizinha: diga-me minha senhora, o que é que se passa em sua casa, o seu filho é chefe de turma, as suas filhas casaram muito bem, o seu marido foi nomeado diretor, diga-me, querida vizinha, qual é o segredo? E a senhora responde: é que lá em casa nós comemos arroz marca…(não digo a marca porque não me pagaram este momento publicitário).

Seria bom que assim que fosse, que a nossa vida mudasse só por consumirmos um produto alimentar. Já estou a ver o nosso Magnifico Reitor a distribuir o mágico arroz e a abrirem-se no ISCTEM as portas para o sucesso e para a felicidade. Mas ser- se feliz é, infelizmente, muito mais trabalhoso.

No dia em que eu fiz 11 anos de idade, a 5 de Julho de 1966, o Presidente Kenneth Kaunda veio aos microfones da Rádio de Lusaka para anunciar que um dos grandes pilares da felicidade do seu povo tinha sido construído. Não falava de nenhuma marca de arroz. Ele agradecia ao povo da Zâmbia pelo seu envolvimento na criação da primeira universidade no país. Uns meses antes, Kaunda tinha lançado um apelo para que cada zambiano contribuísse para construir a Universidade. A resposta foi comovente: dezenas de milhares de pessoas corresponderam ao apelo. Camponeses deram milho, pescadores ofertaram pescado, funcionários deram dinheiro. Um país de gente analfabeta juntou-se para criar aquilo que imaginavam ser uma página nova na sua história. A mensagem dos camponeses na inauguração da Universidade dizia: nós demos porque acreditamos que, fazendo isto, os nossos netos deixarão de passar fome.

Quarenta anos depois, os netos dos camponeses zambianos continuam sofrendo de fome. Na realidade, os zambianos vivem hoje pior do que viviam naquela altura. Na década de 60, a Zâmbia beneficiava de um Produto Nacional Bruto comparável aos de Singapura e da Malásia. Hoje, nem de perto nem de longe, se pode comparar o nosso vizinho com aqueles dois países da Ásia.

Algumas nações africanas podem justificar a permanência da miséria porque sofreram guerras. Mas a Zâmbia nunca teve guerra. Alguns países podem argumentar que não possuem recursos. Todavia, a Zâmbia é uma nação com poderosos recursos minerais. De quem é a culpa deste frustrar de expectativas? Quem falhou? Foi a Universidade? Foi a sociedade? Foi o mundo inteiro que falhou? E porque razão Singapura e Malásia progrediram e a Zâmbia regrediu?

Falei da Zâmbia como um país africano ao acaso. Infelizmente, não faltariam outros exemplos. O nosso continente está repleto de casos idênticos, de marchas falhadas, esperanças frustradas. Generalizou-se entre nós a descrença na possibilidade de mudarmos os destinos do nosso continente. Vale a pena perguntarmo-nos: o que está acontecer? O que é preciso mudar dentro e fora de África?

Estas perguntas são sérias. Não podemos iludir as respostas, nem continuar a atirar poeira para ocultar responsabilidades. Não podemos aceitar que elas sejam apenas preocupação dos governos.

Felizmente, estamos vivendo em Moçambique uma situação particular, com diferenças bem sensíveis. Temos que reconhecer e ter orgulho que o nosso percurso foi bem distinto. Acabamos recentemente de presenciar uma dessas diferenças. Desde 1957, apenas seis entre 153 chefes de estado africanos renunciaram voluntariamente ao poder. Joaquim Chissano é o sétimo desses presidentes. Parece um detalhe mas é bem indicativo que o processo moçambicano se guiou por outras lógicas bem diversas.

Contudo, as conquistas da liberdade e da democracia que hoje usufruímos só serão definitivas quando se converterem em cultura de cada um de nós. E esse é ainda um caminho de gerações. Entretanto, pesam sobre Moçambique ameaças que são comuns a todo o continente. A fome, a miséria, as doenças, tudo isso nós partilhamos com o resto de África. Os números são aterradores: 90 milhões de africanos morrerão com SIDA nos próximos 20 anos. Para esse trágico número, Moçambique terá contribuído com cerca de 3 milhões de mortos. A maior parte destes condenados são jovens e representam exatamente a alavanca com que poderíamos remover o peso da miséria. Quer dizer, África não está só perdendo o seu próprio presente: está perdendo o chão onde nasceria um outro amanhã.

Ter futuro custa muito dinheiro. Mas é muito mais caro só ter passado. Antes da Independência, para os camponeses zambianos não havia futuro. Hoje o único tempo que para eles existe é o futuro dos outros.

Os desafios são maiores que esperança? Mas nós não podemos senão ser optimistas e fazer aquilo que os brasileiros chamam de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. O pessimismo é um luxo para os ricos.

A pergunta crucial é esta: o que é que nos separa desse futuro que todos queremos? Alguns acreditam que o que falta são mais quadros, mais escolas, mais hospitais. Outros acreditam que precisamos de mais investidores, mais projetos econômicos. Tudo isso é necessário, tudo isso é imprescindível. Mas para mim, há uma outra coisa que é ainda mais importante. Essa coisa tem um nome: é uma nova atitude. Se não mudarmos de atitude não conquistaremos uma condição melhor. Poderemos ter mais técnicos, mais hospitais, mais escolas, mas não seremos construtores de futuro.

Falo de uma nova atitude mas a palavra deve ser pronunciada no plural, pois ela compõe um conjunto vasto de posturas, crenças, conceitos e preconceitos. Há muito que venho defendendo que o maior factor de atraso em Moçambique não se localiza na economia mas na incapacidade de gerarmos um pensamento produtivo, ousado e inovador. Um pensamento que não resulte da repetição de lugares comuns, de fórmulas e de receitas já pensadas pelos outros.

Às vezes me pergunto: de onde vem a dificuldade em nós pensarmos como sujeitos da História? Vem sobretudo de termos legado sempre aos outros o desenho da nossa própria identidade. Primeiro, os africanos foram negados. O seu território era a ausência, o seu tempo estava fora da História. Depois, os africanos foram estudados como um caso clínico. Agora, são ajudados a sobreviver no quintal da História.

Estamos todos nós estreando um combate interno para domesticar os nosso antigos fantasmas. Não podemos entrar na modernidade com o atual fardo de preconceitos. À porta da modernidade precisamos de nos descalçar. Eu contei sete sapatos sujos que necessitamos deixar na soleira da porta dos tempos novos. Haverá muitos. Mas eu tinah que escolher e sete é um número mágico.

O primeiro sapato: a  ideia que os culpados são sempre os outros e nós somos sempre vítimas

Nós já conhecemos este discurso. A culpa já foi da guerra, do colonialismo, do imperialismo, do apartheid, enfim, de tudo e de todos. Menos nossa. É verdade que os outros tiveram a sua dose de culpa no nosso sofrimento. Mas parte da responsabilidade sempre morou dentro de casa.

Estamos sendo vítimas de um longo processo de desresponsabilização. Esta lavagem de mãos tem sido estimulada por algumas elites africanas que querem permanecer na impunidade. Os culpados estão à partida encontrados: são os outros, os da outra etnia, os da outra raça, os da outra geografia.

Há um tempo atrás fui sacudido por um livro intitulado Capitalist Nigger: The Road to Success de um nigeriano chamado Chika A. Onyeani. Reproduzi num jornal nosso um texto desse economista que é um apelo veemente para que os africanos renovem o olhar que mantém sobre si mesmos. Permitam-me que leia aqui um excerto dessa carta.

Caros irmãos: Estou completamente cansado de pessoas que só pensam numa coisa: queixar-se e lamentar-se num ritual em que nos fabricamos mentalmente como vítimas. Choramos e lamentamos, lamentamos e choramos. Queixamo-nos até à náusea sobre o que os outros nos fizeram e continuam a fazer. E pensamos que o mundo nos deve qualquer coisa. Lamento dizer-vos que isto não passa de uma ilusão. Ninguém nos deve nada. Ninguém está disposto a abdicar daquilo que tem, com a justificação que nós também queremos o mesmo. Se quisermos algo temos que o saber conquistar. Não podemos continuar a mendigar, meus irmãos e minhas irmãs.

40 anos depois da Independência continuamos a culpar os patrões coloniais por tudo o que acontece na África dos nossos dias. Os nossos dirigentes nem sempre são suficientemente honestos para aceitar a sua responsabilidade na pobreza dos nossos povos. Acusamos os europeus de roubar e pilhar os recursos naturais de África. Mas eu pergunto-vos: digam-me, quem está a convidar os europeus para assim procederem, não somos nós? (fim da citação)

Queremos que outros nos olhem com dignidade e sem paternalismo. Mas ao mesmo tempo continuamos olhando para nós mesmos com benevolência complacente: Somos peritos na criação do discurso desculpabilizante. E dizemos:

  • Que alguém rouba porque, coitado, é pobre (esquecendo que há milhares de outros pobres que não roubam)
  • Que o funcionário ou o polícia são corruptos porque, coitados, tem um salário insuficiente (esquecendo que ninguém, neste mundo, tem salário suficiente)
  • Que o político abusou do poder porque, coitado, na tal África profunda,  essas praticas são antropologicamente legitimas

A desresponsabilização é um dos estigmas mais graves que pesa sobre nós, africanos de Norte a Sul. Há os que dizem que se trata de uma herança da escravatura, desse tempo em que não se era dono de si mesmo. O patrão, muitas vezes longínquo e invisível, era responsável pelo nosso destino. Ou pela ausência de destino.

Hoje, nem sequer simbolicamente, matamos o antigo patrão. Uma das formas de tratamento que mais rapidamente emergiu de há uns dez anos para cá foi a palavra “patrão”. Foi como se nunca tivesse realmente morrido, como se espreitasse uma oportunidade histórica para se relançar no nosso quotidiano. Pode-se culpar alguém desse ressurgimento? Não. Mas nós estamos criando uma sociedade que produz desigualdades e que reproduz relações de poder que acreditávamos estarem já enterradas.

Segundo sapato: a ideia de que o sucesso não nasce do trabalho

Ainda hoje despertei com a notícia que refere que um presidente africano vai mandar exorcizar o seu palácio de 300 quartos porque ele escuta ruídos “estranhos” durante a noite. O palácio é tão desproporcionado para a riqueza do país que demorou 20 anos a ser terminado. As insônias do presidente poderão nascer não de maus espíritos mas de uma certa má consciência.

O episódio apenas ilustra o modo como, de uma forma dominante, ainda explicamos os fenômenos positivos e negativos. O que explica a desgraça mora junto do que justifica a bem-aventurança. A equipe desportiva ganha, a obra de arte é premiada, a empresa tem lucros, o funcionário foi promovido? Tudo isso se deve a quê? A primeira resposta, meus amigos, todos a conhecemos. O sucesso deve-se à boa sorte. E a palavra “boa sorte” quer dizer duas coisas: a proteção dos antepassados mortos e proteção dos padrinhos vivos.

Nunca ou quase nunca se vê o êxito como resultado do esforço, do trabalho como um investimento a longo prazo. As causas do que nos sucede (de bom ou mau) são atribuídas a forças invisíveis que comandam o destino. Para alguns esta visão causal é tida como tão intrinsecamente “africana” que perderíamos “identidade” se dela abdicássemos. Os debates sobre as “autenticas” identidades são sempre escorregadios. Vale a pena debatermos, sim, se não poderemos reforçar uma visão mais produtiva e que aponte para uma atitude mais activa e interventiva sobre o curso da História.

Infelizmente olhamo-nos mais como consumidores do que produtores. A ideia de que África pode produzir arte, ciência e pensamento  é estranha mesmo para muitos africanos. Ate aqui o continente produziu recursos naturais e força laboral.

Produziu futebolistas, dançarinos, escultores. Tudo isso se aceita, tudo isso reside no domínio daquilo eu se entende como natureza”. Mas já poucos aceitarão que os africanos possam ser produtores de ideias, de ética e de modernidade. Não é preciso que os outros desacreditem. Nós próprios nos encarregamos dessa descrença.

O ditado diz. “o cabrito come onde está amarrado”. Todos conhecemos o lamentável uso deste aforismo e como ele fundamenta a ação de gente que tira partido das situações e dos lugares. Já é triste que nos equiparemos a um cabrito. Mas também é sintomático que, nestes provérbios de conveniência nunca nos identificamos como os animais produtores, como é por exemplo a formiga. Imaginemos que o ditado muda e passar a ser assim: “Cabrito produz onde está amarrado.” Eu aposto que, nesse caso, ninguém mais queria ser cabrito.

Terceiro sapato- O preconceito de quem critica é um inimigo 

Muitas acreditam que, com o fim do monopartidarismo, terminaria a intolerância para com os que pensavam diferente. Mas a intolerância não é apenas fruto de regimes. É fruto de culturas, é o resultado da História. Herdamos da sociedade rural uma noção de lealdade que é demasiado paroquial. Esse desencorajar do espírito crítico é ainda mais grave quando se trata da juventude. O universo rural é fundado na autoridade da idade. Aquele que é jovem, aquele que não casou nem teve filhos, esse não tem direitos, não tem voz nem visibilidade. A mesma marginalização pesa sobre a mulher.

Toda essa herança não ajuda a que se crie uma cultura de discussão frontal e aberta. Muito do debate de ideias é, assim, substituído pela agressão pessoal. Basta diabolizar quem pensa de modo diverso. Existe uma variedade de demônios à disposição: uma cor política, uma cor de alma, uma cor de pele, uma origem social ou religiosa diversa.

Há neste domínio um componente histórico recente que devemos considerar: Moçambique nasceu da luta de guerrilha. Essa herança deu-nos um sentido épico da história e um profundo orgulho no modo como a independência foi conquistada. Mas a luta armada de libertação nacional também cedeu, por inércia, a ideia de que o povo era uma espécie de exército e podia ser comandado por via de disciplina militar. Nos anos pós-independência, todos éramos militantes, todos tínhamos uma só causa, a nossa alma inteira vergava-se em continência na presença dos chefes. E havia tantos chefes. Essa herança não ajudou a que nascesse uma capacidade de insubordinação positiva.

Faço-vos agora uma confidência. No início da década de 80 fiz parte de um grupo de escritores e músicos a quem foi dada a incumbência de produzir um novo Hino Nacional e um novo Hino para o Partido Frelimo. A forma como recebemos a tarefa era indicadora dessa disciplina: recebemos a missão, fomos requisitados aos nossos serviços, e a mando do Presidente Samora Machel fomos fechados numa residência na Matola, tendo-nos sido dito: só saem daí quando tiverem feito os hinos. Esta relação entre o poder e os artistas só é pensável num dado quadro histórico. O que é certo é que nós aceitamos com dignidade essa incumbência, essa tarefa surgia como uma honra e um dever patriótico. E realmente lá nos comportamos mais ou menos bem. Era um momento de grandes dificuldades …e as tentações eram muitas. Nessa residência na Matola havia comida, empregados, piscina… num momento em que tudo isso faltava na cidade. Nos primeiros dias, confesso nós estávamos fascinados com tanta mordomia e ficávamos preguiçando e só corríamos para o piano quando ouvíamos as sirenes dos chefes que chegavam. Esse sentimento de desobediência adolescente era o nosso modo de exercermos uma pequena vingança contra essa disciplina de regimento.

Na letra de um dos hinos lá estava reflectida essa tendência militarizada, essa aproximação metafórica a que já fiz referência:

Somos soldados do povo

Marchando em frente

Tudo isto tem que ser olhado no seu contexto sem ressentimento. Afinal, foi assim, que nasceu a Pátria Amada, este hino que nos canta como um só povo, unido por um sonho comum.

Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade

Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc…

Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer “negro” ou “preto”. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé.

Há toda uma geração que está aprendendo uma língua – a língua dos workshops. É uma língua simples uma espécie de crioulo a meio caminho entre o inglês e o português. Na realidade, não é uma língua mas um vocabulário de pacotilha. Basta saber agitar umas tantas palavras da moda para falarmos como os outros isto é, para não dizermos nada. Recomendo-vos fortemente uns tantos termos como, por exemplo:

– desenvolvimento sustentável

– awarenesses ou accountability

– boa governação

– parcerias sejam elas inteligentes ou não

– comunidades locais

Estes ingredientes devem ser usados de preferência num formato “powerpoint. Outro segredo para fazer boa figura nos workshops é fazer uso de umas tantas siglas. Porque um workshopista de categoria domina esses códigos. Cito aqui uma possível frase de um possível relatório: Os ODMS do PNUD equiparam-se ao NEPAD da UA e ao PARPA do GOM. Para bom entendedor meia sigla basta.

Sou de um tempo em que o que éramos era medido pelo que fazíamos. Hoje o que somos é medido pelo espectáculo que fazemos de nós mesmos, pelo modo como nos colocamos na montra. O CV, o cartão de visitas cheio de requintes e títulos, a bibliografia de publicações que quase ninguém leu, tudo isso parece sugerir uma coisa: a aparência passou a valer mais do que a capacidade para fazermos coisas.

Muitas das instituições que deviam produzir ideias estão hoje produzindo papéis, atafulhando prateleiras de relatórios condenados a serem arquivo morto. Em lugar de soluções encontram-se problemas. Em lugar de acções sugerem-se novos estudos.

Quinto sapato A vergonha de ser pobre e o culto das aparências

A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Recordo-me que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um ataque. “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.

Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.

É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos.

A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.

Sexto Sapato A passividade perante a injustiça 

Estarmos dispostos a denunciar injustiças quando são cometidas contra a nossa pessoa, o nosso grupo, a nossa etnia, a nossa religião. Estamos menos dispostos quando a injustiça é praticada contra os outros. Persistem em Moçambique zonas silenciosas de injustiça, áreas onde o crime permanece invisível. Refiro-me em particular à:

– violência domestica (40 por cento dos crimes resultam de agressão domestica contra mulheres, esse é um crime invisível)

– violência contra as viúvas

– à forma aviltante como são tratados muitos dos trabalhadores

– aos maus tratos infligidos às crianças

Ainda há dias ficamos escandalizados com o recente anúncio que privilegiava candidatos de raça branca. Tomaram-se medidas imediatas e isso foi absolutamente correcto. Contudo, existem convites à discriminação que são tão ou mais graves e que aceitamos como sendo naturais e inquestionáveis.

Tomemos esse anúncio do jornal e imaginemos que ele tinha sido redigido de forma correcta e não racial. Será que tudo estava bem? Eu não sei se todos estão a par de qual é a tiragem do jornal Notícias. São 13 mil exemplares. Mesmo se aceitarmos que cada jornal é lido por 5 pessoas, temos que o numero de leitores é menor que a população de um bairro de Maputo. É dentro deste universo que circulam convites e os acessos a oportunidades. Falei na tiragem mas deixei de lado o problema da circulação. Por que geografia restrita circulam as mensagens dos nossos jornais? Quanto de Moçambique é deixado de fora ?

É verdade que esta discriminação não é comparável à do anúncio racista porque não é não resultado de acção explícita e consciente. Mas os efeitos de discriminação e exclusão destas práticas sociais devem ser pensados e não podem cair no saco da normalidade. Esse “bairro” das 60 000 pessoas é hoje uma nação dentro da nação, uma nação que chega primeiro, que troca entre si favores, que vive em português e dorme na almofada na escrita.

Um outro exemplo. Estamos administrando anti-retro-virais a cerca de 30 mil doentes com SIDA. Esse número poderá, nos próximos anos, chegar aos 50 000. Isso significa que cerca de um milhão quatrocentos e cinquenta mil doentes ficam excluídos de tratamento. Trata-se de uma decisão com implicações éticas terríveis. Como e quem decide quem fica de fora? É aceitável, pergunto, que a vida de um milhão e meio de cidadãos esteja nas mãos de um pequeno grupo técnico?

Sétimo sapato – A ideia de que para sermos modernos temos que imitar os outros

Todos os dias recebemos estranhas visitas em nossa casa. Entram por uma caixa mágica chamada televisão. Criam uma relação de virtual familiaridade. Aos poucos passamos a ser nós quem acredita estar vivendo fora, dançando nos braços de JanetJackson. O que os vídeos e toda a sub-indústria televisiva nos vem dizer não é apenas “comprem”. Há todo um outro convite que é este: “sejam como nós”. Este apelo à imitação cai como ouro sobre azul: a vergonha em sermos quem somos é um trampolim para vestirmos esta outra máscara.

O resultado é que a produção cultural nossa se está convertendo na reprodução macaqueada da cultura dos outros. O futuro da nossa música poderá ser uma espécie de hip-hop tropical, o destino da nossa culinária poderá ser o Mac Donald’s.

Falamos da erosão dos solos, da deflorestação, mas a erosão das nossas culturas é ainda mais preocupante. A secundarização das línguas moçambicanas (incluindo da língua portuguesa) e a ideia que só temos identidade naquilo que é folclórico são modos de nos soprarem ao ouvido a seguinte mensagem: só somos modernos se formos americanos.

O nosso corpo social tem a uma história similar a de um indivíduo. Somos marcados por rituais de transição: o nascimento, o casamento, o fim da adolescência, o fim da vida.

Eu olho a nossa sociedade urbana e pergunto-me: será que queremos realmente ser diferentes ? Porque eu vejo que esses rituais de passagem se reproduzem como fotocópia fiel daquilo que eu sempre conheci na sociedade colonial. Estamos dançando a valsa, com vestidos compridos, num baile de finalistas que é decalcado daquele do meu tempo. Estamos copiando as cerimónias de final do curso a partir de modelos europeus de Inglaterra medieval. Casamo-nos de véus e grinaldas e atiramos para longe da Julius Nyerere tudo aquilo que possa sugerir uma cerimónia mais enraizada na terra e na tradição moçambicanas.

Falei da carga de que nos devemos desembaraçar para entrarmos a corpo inteiro na modernidade. Mas a modernidade não é uma porta apenas feita pelos outros. Nós somos também carpinteiros dessa construção e só nos interessa entrar numa modernidade de que sejamos também construtores.

A minha mensagem é simples: mais do que uma geração tecnicamente capaz, nós necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica. Uma juventude capaz de repensar o país e o mundo. Mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas. Moçambique não precisa apenas de caminhar. Necessita de descobrir o seu próprio caminho num tempo enevoado e num mundo sem rumo. A bússola dos outros não serve, o mapa dos outros não ajuda. Necessitamos de inventar os nossos próprios pontos cardeais. Interessa-nos um passado que não esteja carregado de preconceitos, interessa-nos um futuro que não nos venha desenhado como um receita financeira.

A Universidade deve ser um centro de debate, uma fábrica de cidadania activa, uma forja de inquietações solidárias e de rebeldia construtiva. Não podemos treinar jovens profissionais de sucesso num oceano de miséria. A Universidade não pode aceitar ser reprodutor da injustiça e da desigualdade. Estamos lidando com jovens e com aquilo que deve ser um pensamento jovem, fértil e produtivo. Esse pensamento não se encomenda, não nasce sozinho. Nasce do debate, da pesquisa inovadora, da informação aberta e atenta ao que de melhor está surgindo em África e no mundo.

A questão é esta: fala-se muito dos jovens. Fala-se pouco com os jovens. Ou melhor, fala-se com eles quando se convertem num problema. A juventude vive essa condição ambígua, dançando entre a visão romantizada (ela é a seiva da Nação) e uma condição maligna, um ninho de riscos e preocupações (a SIDA, a droga, o desemprego).

Não foi apenas a Zâmbia a ver na educação aquilo que o naufrago vê num barco salva-vidas. Nós também depositamos os nossos sonhos nessa conta.

Numa sessão pública decorrida no ano passado em Maputo um já idoso nacionalista disse, com verdade e com coragem, o que já muitos sabíamos. Ele confessou que ele mesmo e muitos dos que, nos anos 60, fugiam para a FRELIMO não eram apenas motivados por dedicação a uma causa independentista. Eles arriscaram-se e saltaram a fronteira do medo para terem possibilidade de estudar. O fascínio pela educação como um passaporte para uma vida melhor estava presente um universo em que quase ninguém podia estudar. Essa restrição era comum a toda a África. Até 1940 o número de africanos que frequentavam escolas secundárias não chegava a 11 000. Hoje, a situação melhorou e esse número foi multiplicado milhares e milhares de vezes. O continente investiu na criação de novas capacidades. E esse investimento produziu, sem dúvida, resultados importantes.

Aos poucos se torna claro, porém, que mais quadros técnicos não resolvem, só por si, a miséria de uma nação. Se um país não possuir estratégias viradas para a produção de soluções profundas então todo esse investimento não produzirá a desejada diferença. Se as capacidades de uma nação estiverem viradas para o enriquecimento rápido de uma pequena elite então de pouco valerá termos mais quadros técnicos.

A escola é um meio para querermos o que não temos. A vida, depois, nos ensina a termos aquilo que não queremos. Entre a escola e a vida resta-nos ser verdadeiros e confessar aos mais jovens que nós também não sabemos e que, nós, professores e pais, também estamos à procura de respostas.

Com o novo governo ressurgiu o combate pela auto-estima. Isso é correcto e é oportuno. Temos que gostar de nós mesmos, temos que acreditar nas nossas capacidades. Mas esse apelo ao amor-próprio não pode ser fundado numa vaidade vazia, numa espécie de narcisismo fútil e sem fundamento. Alguns acreditam que vamos resgatar esse orgulho na visitação do passado. É verdade que é preciso sentir que temos raízes e que essas raízes nos honram. Mas a auto-estima não pode ser construída apenas de materiais do passado.

Na realidade, só existe um modo de nos valorizar: é pelo trabalho, pela obra que formos capazes de fazer. É preciso que saibamos aceitar esta condição sem complexos e sem vergonha: somos pobres. Ou melhor, fomos empobrecidos pela História. Mas nós fizemos parte dessa História, fomos também empobrecidos por nós próprios. A razão dos nossos actuais e futuros fracassos mora também dentro de nós.

Mas a força de superarmos a nossa condição histórica também reside dentro de nós. Saberemos como já soubemos antes conquistar certezas que somos produtores do nosso destino. Teremos mais e mais orgulho em sermos quem somos: moçambicanos construtores de um tempo e de um lugar onde nascemos todos os dias. É por isso que vale a pena aceitarmos descalçar não só os setes mas todos os sapatos que atrasam a nossa marcha colectiva. Porque a verdade é uma: antes vale andar descalço do que tropeçar com os sapatos dos outros.

 Fonte: Macua

contioutra.com - OS SETE SAPATOS SUJOS, por Mia Couto

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Além do convencional: textos de Eduardo Galeano e obras de Marc Chagall

Além do convencional: textos de Eduardo Galeano e obras de Marc Chagall

Por Josie Conti

Enxergar além do óbvio é o trabalho das mentes criativas. Ver além do que convém é um exercício crítico de quem não se conforma com o que percebe. Assim foi Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio que, com mais de 40 obras já publicadas,  transcendeu gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História.

Para ilustrar algumas de suas reflexões, o surrealismo de Marc Chagall estimula a atividade criativa e destrói o olhar convencional

Convido-os para um passeio.

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Eduardo Galeano- citando Fernando Birri

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La vie paysanne, 1925- Marc Chagall

“Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus.”

Eduardo Galeano

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John Myatt – Wedding Flowers in the style of Marc Chagall

“Assovia o vento dentro de mim.
Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara.”

Eduardo Galeano

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The Blue Violinist , 1947- Marc Chagall

“Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre.”

Eduardo Galeano

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Eu e a Aldeia, 1911- Marc Chagall

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”

Eduardo Galeano

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Circus Horse, 1964- Marc Chagall

“Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.”

Eduardo Galeano

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Cow with parasol, 1946- Marc Chagall

“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”

Eduardo Galeano

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Imagem do filme de animação Marc Chagall

“Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.”

Eduardo Galeano

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Over the town, 1918- Marc Chagall

E, para encerrar, o escritor conta a história sobre a definição de utopia.

Para que serve a utopia? – Eduardo Galeano

Para que serve a utopia? – Eduardo Galeano

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Eduardo Galeano citando Fernando Birri

Veja também:  Além do convencional: textos de Eduardo Galeano e obras de Marc Chagall

9 crianças de 9 religiões dizem o que pensam de Deus

9 crianças de 9 religiões dizem o que pensam de Deus

Por Nara Rúbia Ribeiro

Eu sempre digo que criança não tem religião. A criança tem pais deste ou daquele grupo religioso. Pelo menos para mim, influenciar um filho ainda em formação para que siga esta ou aquela verdade religiosa é cerceá-lo, limitá-lo em sua livre escolha em matéria que poderá ser muito importante em sua vida.

Também não critico quem ensine a sua fé aos seus filhos. Acho que pode ser a forma encontrada  pelos pais para transmitir muitas das suas verdades.

A Folha de São Paulo ouviu, então, crianças que crescem no seio de nove grupos religiosos diversos. Eles disseram o que para eles é fundamental, no seu credo. Ou seja, a ideia do sagrado, da divindade. E disseram ainda o que esperam de seu Deus.

Foram ouvidas crianças de 6 a 11 anos de idade cujos pais são ligados ao: budismo, candomblé, judaísmo, rastafári, islamismo, cristianismo protestante, catolicismo, união do vegetal e espiritismo.

Manuella Araújo da Costa, 10 anos, candomblé, afirmou que para ela Deus é Oxum. “Oxum é a santa que me protege. Ela tá no mato, para curtir a vida”. A pequena ainda relatou um caso de intolerância religiosa que sofreu na escola: “Uma professora uma vez contou que um lobo ia na porta da criança que não é batizada [como cristã]. Fiquei com medo, chorando“.

Luke Saul Jospa, 9 anos, judeu, que deu sua visão sobre Deus de uma forma bem diferente.

Para nós não tem inferno, só céu. Assim: vamos fingir que você está no teatro. Se foi uma boa pessoa, ficaria na frente, mais perto de Deus. Se foi uma ruim pessoa, ficaria lá atrás”.

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Núbia Selassie Cestaria Granello, 6 anos, é da religião rastafári e fala no deus Jah se referindo à ele como sendo as batidas de seu coração. “Ele e o meu coração e fica batendo em todos os momentos. Peço a Jah que o mundo fique bem limpinho”

Núbia Selassie Cestaria Granello, 6 anos, é da religião rastafári e fala no deus Jah se referindo à ele como sendo as batidas de seu coração. “Ele e o meu coração e fica batendo em todos os momentos. Peço a Jah que o mundo fique bem limpinho”, disse Núbia.

Pertencente à religião União do Vegetal (dissidência do Santo Daime), Darah Cally Patrício, 8 anos, diz que é legal beber ayahuasca e que a bebida dá vontade de dar risada. “É muito legal beber. Tem gente que vomita, mas eu não sinto medo, sinto amor. E vontade de rir muito! Já vi árvores falando comigo“.

Para o  muçulmano Mohamed Hussein Abid Ali, 8 anos, deu uma resposta direta sobre o que Deus representa para ele. “Deus é tudo para mim”. O pedido mais comum do garoto nos últimos dias é para que chova.

Para Ariom Scheffler, 11 anos, budista, Deus não é um ser físico. “Não tem um Deus físico, Deus é tudo e tudo é Deus”, disse. “Ele é feito de luz. O arco-íris, no budismo, representa uma pessoa com coração iluminado“.

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Ariom Scheffler, 11 anos, budista, Deus não é um ser físico. “Não tem um Deus físico, Deus é tudo e tudo é Deus”, disse. “Ele é feito de luz. O arco-íris, no budismo, representa uma pessoa com coração iluminado”.

Pietra Hanna Castanho, 10 anos, é evangélica e definiu Deus como alguém que a ama e a ilumina. “Deus nos ama e nos ilumina. Ele me ajuda quando alguém briga comigo”, afirmou.

A católica Beatriz Dias Samuel, 8 anos, diz que “Deus estão no meio do coração de todo mundo e que para ela, Ele é um ser com cabelo longo porque “no antigo tempo não cortavam cabelo”.

Já a espírita Clara Veiga Carvalho, 10 anos, compara a reencarnação com a metamorfose da borboleta. “Deus criou a borboleta. Ela é bonita e feliz. Começa como se fosse um bicho horroroso, gosmento, e vira uma borboleta linda. É como o espírito que reencarna: você vai crescendo e evoluindo”.

Toda religião é boa quando os seus ensinamentos inspirarem os seguidores a serem pessoas melhores.

Que as nossas crianças, e nós adultos, meditemos nas palavras de Madre Teresa de Calcutá:

“Podemos nos tornar um Hindu melhor, um Muçulmano melhor, um Católico melhor.”  E que nisso esteja o nosso esforço. Ser um humano melhor.

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Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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GANDHI – Um contraste entre a fraqueza física e a força interior

GANDHI – Um contraste entre a fraqueza física e a força interior

Vivemos num mundo marcado pelo culto à forma, onde a aparência se sobrepõe à essência, onde a beleza física vale mais, aos olhos da maioria, que o intelecto e o sentimento de cada um.

Mahatma Gandhi foi uma antítese disso tudo. Dono de um caráter inabalável, de uma fé obstinada, de uma força moral gigantesca, o homem que, por meio da desobediência civil e da resistência pacífica conseguiu libertar a Índia do jugo britânico era fisicamente frágil, vestia-se com simplicidade, andava de chinelos ou descalço mesmo quando representava a Índia em eventos internacionais.

Veja Gandhi nessa rara entrevista na qual ele fala de sua luta pela libertação da Índia e diga-nos, será que temos mesmo a capacidade, ao olhar a aparência de alguém, de dimensionar a sua grandeza interior?

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Menos é mais: entenda a inteligência por trás da poesia

Menos é mais: entenda a inteligência  por trás da poesia

Por Josie Conti

“Um poema é a projeção de uma ideia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão-somente o meio de que a ideia se serve para se reduzir a palavras.” Fernando Pessoa

É, meus amigos, poesia não é coisa para qualquer um, não. É coisa de gente inteligente, gente criativa e sensível.

Sintetizar em versos curtos todo um contexto é trabalho complexo. O poeta vai lá, olha para algo e em 10 palavrinhas faz um verso que poderia arrebatar todo um capitulo de livro, senão o próprio livro. A poesia tem poder, é enigmática e atiça a fantasia. Desvendá-la exige atividades mentais nas áreas humanamente mais superiores do cérebro. Mas o poeta, assim como quem lê a poesia,  tem olho treinado para sintetizar distâncias, desvendar a idade oculta das coisas, seus sentimentos, seus enigmas. É só ler uns versinhos e os amantes da poesia preenchem suas lacunas com seus desejos, ensejos e a própria biografia.

A poesia empresta sentimento e sentido ao mundo. Tem jeito não, o poema emociona, arrebata e escorre dentro da gente.

Abaixo, para estimular os sentidos, poemas de Paulo Becker justapostos com fotografias de Tom Chambers.

Onde estão?

Me colocaram a guardar o fogo.
Sozinho no pátio.
Era Semana da Pátria?
Era Semana Farroupilha?
O simbolismo se desfez em cinzas.
O próprio fogo há muito jaz extinto.

Onde andará a professora Olívia?
Meus amigos Hilário e Adalberto?
A princesa Anelise? A Ângela cigana?
Grito ou riso nenhum corta o pátio deserto.

Só eu estou lá, de pé, guardando o fogo.

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Tom Chambers

Do Parnaso ao pão nosso

Fogos de artifício
no céu do papel
espocam e se apagam.

Cadê os poetas do nosso tempo?
Dos nossos sonhos, ossos, esperas?
Da nossa língua dividida em classes?

Jogam seu frio dominó?
Extraem faturas ou notas?
Voltaram ao parnasianismo?

Atarefados, compilam
manuais de esoterismo
e metafísicas sem dor?

Garimpam rimas pra vida
no dicionário de rimas?
Produzem releases, layouts?

Autografam? Infestam coquetéis?
Alagam livros e suplementos
com destroçamentos gratuitos?

Cadê os poetas, pergunto,
que possam nutrir nossas almas
com alguma emoção do mundo?

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Tom Chambers

Poeminha à maneira de Emily Dickinson

Para a minha velhice
Só espero merecer
Um quintal para a horta
E tempo para escrever.

Se faltar a horta,
Bastará a memória
Dos dias bem vividos.

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Tom Chambers

Manuel Bandeira, não eu

Manuel Bandeira, não eu, confesso,
escreveu o poema sobre a estrela,
que entre as colegas da escola me deu glórias de poeta.
Também de Bandeira, a declaração de amor
que fiz num bilhete para a Alice
– mas ela, insensível, não devia gostar de poemas…

De Bandeira, os versos torrenciais, dilacerados e alegres
sobre a alegre vida pungente,
que repercutiam no meu cérebro como numa câmara de ecos,
como eram invenção dele todas as verdades simples
que eu mesmo queria ter descoberto.

E, mais que meus, eram de Bandeira os suspiros
que eu dava, presa de futuras nostalgias,
humildemente pensando na vida e nas mulheres que amaria.

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Tom Chambers

Fim de festa

Não se brinca mais
quando a carne e os nervos se foram
e a faca raspa o osso

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Tom Chambers

Gaiota

Como não tinha
um pintor expressionista
naquele instante
a atravessar a avenida?

Como não tinha
um fotógrafo que fosse?
Um repórter de tevê
com a câmera a postos?

Só cruzou por ali
um poeta novato
e registrou a cena
em versos telegráficos:

O anjo nu dormita
sobre sacos de lixo
na gaiota. A mãe
é tração animal.

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Tom Chambers

Final feliz

Morte, minha princesa,
somos poeira de estrelas.
Vem deitar-te comigo.
O círculo se fecha.
Volto a ser o que eu era

antes de haver nascido.

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Tom Chambers

O poeta:

PAULO BECKER graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e é mestre e doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Leciona na graduação e no mestrado em Letras da Universidade de Passo Fundo. Participa das comissões organizadora e executiva das Jornadas Nacionais de Literatura e da coordenação da Jornadinha Nacional de Literatura. É roteirista e consultor de textos do programa televisivo infantil Mundo da Leitura, que integra, desde 2005, a grade nacional do Canal Futura e é retransmitido para 105 países pela Globo Internacional.

Blog do autor Meus demônios cantam

Seleção de Poemas Nara Rúbia Ribeiro

O fotógrafo:

TOM CHAMBERS nasceu e foi criado em uma fazenda no país Amish de Lancaster, Pensilvânia. Tom completou um BFA em 1985 a partir de Ringling School of Art, Sarasota, Florida, com ênfase em design gráfico e forte interesse em fotografia. Por muitos anos, Tom trabalhou como designer gráfico, incluindo o design de embalagens e de revistas. Desde 1998, Tom dedicou-se a fotomontagem para compartilhar as histórias intrigantes não ditas, que refletem a sua visão do mundo e provocam sentimentos no espectador. Atualmente, Tom é representado por um número de galerias nos Estados Unidos e na Europa. Seu trabalho tem sido mostrado nacional e internacionalmente através de exposições individuais e coletivas, bem como em uma ampla gama de publicações impressas e online.

Site oficial Tom Chambers

Filho de vítimas do holocausto mostra que uma barbárie não justifica outra

Filho de vítimas do holocausto mostra que uma barbárie não justifica outra

“Diante das mais tristes tragédias pessoais ou coletivas, podemos tirar diferentes lições de vida. Veja a lição que Norman Finkelstein*, judeu cujos pais estiveram em campos concentração nazistas, aprendeu do holocausto.

Você vai se surpreender.”

*Norman Finkelstein é autor de “A Indústria do Holocausto” entre outras obras de grande valor para o conhecimento acadêmico real do conflito EUA/Israel versus Palestina.

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“Vida Maria”, impactante por sua profunda realidade

“Vida Maria”, impactante por sua profunda realidade

“VIDA MARIA” é um curta altamente premiado de 2006 dirigido por Márcio Ramos.

Produzido em computação gráfica 3D e finalizado em 35mm, o curta-metragem mostra personagens e cenários modelados com texturas e cores pesquisadas e capturadas no sertão cearense, no nordeste do Brasil, criando uma atmosfera realista e humanizada.

O filme mostra a história do que mais se vê no interior do nordeste (e não só lá):  crianças que têm sua infância interrompida para ajudar a família a sobreviver.

Imagem de capa via Livres Pensadores

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O valor das coisas

O valor das coisas

“Nunca dê as pessoas coisa alguma que peçam, até que ao menos um dia tenha se passado”, disse Nasrudin.

“Por que não, Nasrudin?”

“A experiência mostra que só dão valor a algo, quando têm a oportunidade de duvidar se irão ou não consegui-la.”

contioutra.com - O valor das coisas

Fonte: Os conselheiros

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