“Se”, quando a maior herança vem em forma de poesia

Por Nara Rúbia Ribeiro

Há um tempo recebi um livro chamado “O que o meu pai me ensinou”, de Naomi Wolf. Filha do poeta Leonard Wolf, a escritora norte-americana herdara de seu pai uma forma peculiar, a sua forma poética de olhar o mundo. Detentor da arte de escutar, ele auxiliava a cada um daqueles que se faziam próximos por acreditar que cada um encontraria a sua própria felicidade ao cultivar a arte da primazia do coração.

Por diversas vezes vi, também, o escritor Mia Couto dizer ter herdado, de seu pai, a sua visão poética de mundo. Sempre enfatizando que o seu pai vivia em poesia e via, no cotidiano, nas ocorrências banais e que passariam despercebidas pela maioria de nós, grandes inspirações poéticas.

Ontem me deparei com mais um exemplo dessa mesma magnitude. Ao comentar um poema publicado na Página Mia Couto, do Facebook, Waldemar José Solha narra talvez um dos mais significativos momentos de sua história com seu pai, relatando mais um caso de testamento poético. Registro aqui a emoção do relato e a grandeza da mensagem poética.

“Há poemas que realmente nos marcam. Quando visitei meu pai pela última vez, uma semana antes de sua morte, ele me pediu que eu procurasse no Tesouro da Juventude (que era meu e deixei para ele, que o lia sempre ) o poema Se (If) de Rudyard Kipling e o lesse para ele. Ao fazê-lo, emocionado, senti que era o testamento que ele, meu pai, me deixava.”

Se 

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!

Rudyard Kipling

Sem mais,

Nara Rúbia Ribeiro

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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Escritora, advogada e professora universitária.