“Não há tempo para nada que não seja essencial”: trechos da carta de despedida de Oliver Sacks

“Não há tempo para nada que não seja essencial”: trechos da carta de despedida de Oliver Sacks

Existem 2 grandes paixões na minha vida que foram contempladas pelas obras de Oliver Sacks: O estudo da neurologia e a paixão pela literatura.

Como escritor, esse grande neurologista sempre foi capaz de fazer com que os casos mais raros e os conceitos mais complexos fossem compreensíveis lhes fornecendo toques de romance e belíssimas descrições bibliográficas como a que fez com a autista savant  dra Temple Graudim em “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu” ou mesmo em “Tempo de Despertar, romance baseado em fatos reais que deu origem ao filme e descreve as mudanças acarretadas em alguns pacientes de uma casa de repouso após a inserção de uma medicação específica.

Abaixo, um texto publicado originalmente publicado em: New York Times, em 19 de Fevereiro. traz uma notícia muito triste: a carta de despedida de Oliver Sacks que descobriu recentemente um câncer terminal no fígado.

Compartilho com pesar, emoção e profundo agradecimento. Mesmo no fim da vida, Oliver Sacks transmite as características que fazem com que o admiremos e respeitemos hoje e sempre: sua inteligência, humildade e ternura.

Josie Conti

***

contioutra.com - “Não há tempo para nada que não seja essencial”: trechos da carta de despedida de Oliver Sacks

Do original: Oliver Sacks, neurologista e escritor, anuncia câncer terminal e afirma: “Não há tempo para nada que não seja essencial”.

Em trechos de sua “carta”, Sacks afirma: “Não há tempo para nada que não seja essencial”. “Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.”

Oliver Sacks (81 anos), neurologista e escritor britânico ficou conhecido, dentre outras realizações, pelos livros “Tempo de despertar” e “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”. A primeira obra, datada de 1973 é um relato baseado em suas próprias experiências como médico e foi posteriormente adaptada e protagonizada por Robert Williams e Robert DeNiro no cinema, obtendo três indicações ao Oscar. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas e são sucesso de vendas, conquistando diversos prêmios pelo mundo. O neurologista também é membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia das Ciências de Nova Iorque.

Nesta semana, Sacks anunciou a descoberta de um câncer em estágio terminal no fígado. O anúncio se deu por meio de um artigo intitulado “Minha própria vida”, originalmente publicado pelo New York Times no dia 19 de fevereiro.

Ele inicia o texto contando como foi a descoberta da doença:

“Há um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Há nove anos, encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2% azarados.

Sinto-me grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse tipo específico não pode ser destruído.”

Sacks ainda fala de como pretende viver de agora em diante:

“Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava também com uma doença terminal aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria Vida”.

Ainda inspirado em Hume: “Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor. Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.”

 

Sacks conta que Hume, no texto citado acima escreve que era “um homem de disposição moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto, afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as paixões.” Relata a seguir que aí se distancia do filósofo: “apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões.”

O médico conta ainda:

“Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.

Pelo contrário, eu me sinto intesamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento.

Isso vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice).”

E continua: “Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.

Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.

Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.”

E Oliver Sacks conclui seu texto:

“Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.

Acima de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.”

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado neste site com a autorização da autora.

***

Fonte indicada em português 

contioutra.com - “Não há tempo para nada que não seja essencial”: trechos da carta de despedida de Oliver Sacks

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe

Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto

Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto

Por Nara Rúbia Ribeiro

Mia Couto é conhecido internacionalmente por suas extraordinárias histórias. Seus contos e seus romances são lidos em todos os continentes, em línguas, culturas e credos diversificados.

Valendo-se de uma linguagem marcadamente poética, essas histórias encantaram o mundo.

Como se não fosse o bastante, Mia é também autor de quatro livros de poesia: “Raiz de orvalho e outros poemas” (1999), “Idades, cidades, divindades” (2007), “Tradutor de Chuvas” (2011) e “Vagas e Lumes”, este publicado em 2014.

Selecionamos dez poemas dessas quatro obras de sorte a trazer a todos um indício valioso da genialidade poética desse escritor.

contioutra.com - Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto
Mia Couto por Maria José Cabral

1 – O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

No livro “Idades cidades divindades”

2 – Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

3 – Destino

à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos

vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso

conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso

agora
que mais
me poderei vencer?

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

4 – Espiral

No oculto do ventre,
o feto se explica como o Homem:
em si mesmo enrolado
para caber no que ainda vai ser.

Corpo ansiando ser barco,
água sonhando dormir,
colo em si mesmo encontrado.

Na espiral do feto,
o novelo do afecto
ensaia o seu primeiro infinito.

No livro “Tradutor de Chuvas”

5 – Saudade

Que saudade
tenho de nascer.
Nostalgia
de esperar por um nome
como quem volta
à casa que nunca ninguém habitou.
Não precisas da vida, poeta.
Assim falava a avó.
Deus vive por nós, sentenciava.
E regressava às orações.
A casa voltava
ao ventre do silêncio
e dava vontade de nascer.
Que saudade
tenho de Deus.

No livro “Tradutor de Chuvas”

6 – Mudança de Idade

Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.

No livro “Tradutor de chuvas”

7 – Idade 

Mente o tempo:
a idade que tenho
só se mede por infinitos.

Pois eu não vivo por extenso.

Apenas fui a Vida
em relampejo do incenso.

Quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso.
Mia Couto

No livro “Vagas e lumes”

8 – Companheiros

quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris

em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros

9 – Promessa de uma noite

cruzo as mãos
sobre as montanhas
um rio esvai-se

ao fogo do gesto
que inflamo

a lua eleva-se
na tua fronte
enquanto tacteias a pedra
até ser flor

No livro  “Raiz de orvalho e outros poema”

10 – O Espelho

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

No livro “Idades Cidades Divindades”

contioutra.com - Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

contioutra.com - Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto

Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

No espelho de suas vontades o que aparece refletido?

No espelho de suas vontades o que aparece refletido?

Coisas para se dizer, um desejo de ajudar, sem intromissões: foi assim que a ideia deste texto começou. Deve haver verdade na frase que diz que a gente não precisa saber muitas coisas: já fica de bom tamanho e renova as energias se conseguir vivenciar algumas delas com naturalidade e paz interior.

Reside certo encanto no gesto de se permitir um olhar para o espelho das suas vontades: o que de você aparece nele refletido? Pretende-se falar aqui de obviedades que, sorrateiras, costumam passar despercebidas à nossa frente.

Podem ser vistas como desejos que querem um pouco mais de atenção. Mesmo sabendo que no reino das vontades sempre há espaço para o silêncio, para o deixar tudo como está, deve valer a pena exibir alguma vontade de mirar-se, de vez em quando: assim, muita coisa poderá surpreendê-lo, ao acontecer de maneira natural e prazerosa.

Para cada tópico desponta uma palavra-guia: pode-se, antes da leitura do restante do texto, deter-se um pouco para observar se eles fazem sentido isoladamente e se há harmonia em seu conjunto, respondendo a indagações internas sobre o que possam ter a ver com você.

Se nada disso lhe disser respeito diretamente, por se constatarem obviedades em seu mundo, quem sabe não traz algum chamamento que poderá ser útil a alguma pessoa em especial dentre aquelas com quem convive? Vamos lá, que o passeio pelas verdades interiores começou:

  1. AUTODIRECIONAMENTO: Concentrar-se mais nas ações, esforços e tentativas de aprendizado, refletindo a respeito e tomando decisões com base na realidade que lhe diz respeito diretamente, tirando o foco das conversas miúdas sobre a vida alheia, principalmente os deslizes e as transgressões deles que não lhe dizem respeito, por estarem no campo da subjetividade.
  1. TRANSPARÊNCIA: Reservar à Ética um espaço significativo nas diversas formas de se relacionar, a começar com uma boa convivência consigo mesmo: dizer menos vezes “sim” quando o seu desejo é negar irá poupá-lo de tensões, contrariedades, somatizações, todos com risco de desagradáveis consequências ao seu metabolismo.
  1. REVERÊNCIA: Quando fizer parte de uma roda de conversa, entender que quem está fazendo uso da palavra é, naquele momento, a pessoa mais importante do grupo, merecendo o respeito e a atenção de todos: convém, assim, controlar o ego e a ansiedade, não interrompendo quem fala, apenas para mostrar que sabe alguma coisa sobre o assunto.
  1. FOCO: Controlar a natural autodispersão (preguiça, não-priorização) quando a situação pede que direcione as energias na análise e resolução daquele problema em discussão. Cuidar, nesses momentos, para não atrapalhar quem está produzindo: fugir das brincadeiras bobas ou levianas inferências que em nada ajudam no dimensionamento e na compreensão do que está sendo discutido.
  1. COMPARTILHAMENTO: Difundir textos interessantes com habilitadas fontes no seu grupo de relacionamento é uma maneira afetiva de buscar maior participação na vida das pessoas. Nessa ação ajuda muito se for acompanhada de posicionamentos e indicadores de cenários, possibilidades, tendências, ou até mesmo indicação de leituras complementares.
  1. VALIDAÇÃO: Desenvolver a habilidade e entender a importância de fazer pertinentes elogios: em um processo de carência natural as pessoas tendem a necessitar ser validadas no dia a dia (os que parecem dispensar essa mesura apenas disfarçam melhor). Mostra uma grandeza e uma generosidade do ser e funciona como elemento balizador de suas condutas e do desejo de feliz
  1. CONSCIÊNCIA: Avaliar a pertinência de assumir – sempre que a situação o pedir – publicamente as suas posições, harmonizando o pensar, o falar e o agir: constitui uma maneira saudável de colocar em debate e fortalecer as suas convicções, além de manter distância da alienação (isolamento no mundo interior). Se convencido da inviabilidade da sua proposta, saber reconhecer o fato e dar méritos e créditos a quem o merece.
  1. CONSISTÊNCIA: Evitar fazer prejulgamentos: se resolver fazê-lo, por entender que a situação pede alguma ação sua, reunir um mínimo de evidências com consistência. Ter como propósito passar ao largo das leviandades que envolvem críticas negativas, depreciativas, incriminatórias ou ridicularizantes: o sofrimento alheio pede respeito.
  1. COMEDIMENTO: Ao ser atingido por comentários ou sentir-se prejudicado em algum acontecimento, procurar controlar a impulsividade e o ego: dificilmente a primeira ideia que vem à mente no caso mostra-se ponderada, adequada, abrangente. Antes do impulso de fechar questão bruscamente, correndo o risco de tornar pior a situação, oferecer à pessoa envolvida a chance do esclarecimento ou reposicionamento. Assim, a chance de injustiça e de arrependimento diminui consideravelmente.
  1. ABERTURA: Ao se abrir para o diálogo terá oportunidade de revisitar conceitos: podem naturalmente, por extensão, surgir aí algumas oportunidades de rever posturas que contribuam para o seu crescimento pessoal e paz interior, permitindo participar, por extensão, do crescimento de outros, no mínimo sendo uma referência.
  1. GRATIDÃO: Reservar olhares e gestos de reverência e agradecimento às pessoas e às experiências vivenciadas, tanto as que trouxeram felizes desdobramentos, como as que apresentaram frustrantes resultados. Talvez elas todas se justifiquem na linha do tempo e queiram ser vistas como necessárias etapas de um natural processo de maturação.

Cada possibilidade gosta de ser apreciada com distinção e delicada atenção, com espaços para as pausas subjetivas e reflexões. Ao final da leitura pode abrir-se um leque para entrarem em cena propósitos e acenos no campo das divagações que fomentam novas deliberações.

Quem se permite olhar para si pode despertar, também, alguns de seus adormecidos elementos para renovar os encantos com a sua realidade e o seu jeito de ser, como quem se redescobre: “Olhe só quantas virtudes eu cultivo e as pratico, sem me dar conta disso!”.

Reúne, por extensão, possibilidades de se abrir um pouco mais para o outro, havendo lirismo no gesto de dizer, uma vez mais, de diferentes maneiras, “sim” à vida, que se revigora, pulsando intensamente.

 

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - No espelho de suas vontades o que aparece refletido?Paulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

Se os tubarões fossem homens – Bertold Brecht (interpretação Antonio Abujamra)

Se os tubarões fossem homens – Bertold Brecht (interpretação Antonio Abujamra)

Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais.

Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias, cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.

Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos.

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.

Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.

Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.

As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que entre eles os peixinhos de outros tubarões existem gigantescas diferenças, eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos

Da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nos quais se poderia brincar magnificamente.

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.

A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos .

Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.

Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.

Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante.

Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

***

Sobre o(a) autor:
Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas pelo seu comunismo militante.

Interpretação Antonio Abujamra

Fonte do texto: Rizomas

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

Celebração da amizade, por Eduardo Galeano

Celebração da amizade, por Eduardo Galeano

Juan Gelman me contou que uma senhora brigou a guarda-chuvadas, numa avenida de Paris, contra uma brigada inteira de funcionários municipais. Os funcionários estavam caçando pombos quando ela emergiu de um incrível Ford bigode, um carro de museu, daqueles que funcionavam a manivela; e brandindo seu guarda-chuva, lançou-se ao ataque.

Agitando os braços abriu caminho, e seu guarda-chuva justiceiro arrebentou as redes onde os pombos tinham sido aprisionados. Então, enquanto os pombos fugiam em alvoroço branco, a senhora avançou a guarda-chuvadas contra os funcionários.
Os funcionários só atinaram em se proteger, como puderam, com os braços, e balbuciavam protestos que ela não ouvia: mais respeito, minha senhora, faça-me o favor, estamos trabalhando, são ordens superiores, senhora, por que não vai bater no prefeito?, senhora, que bicho picou a senhora?, esta mulher endoidou…
Quando a indignada senhora cansou o braço, e apoiou-se numa parede para tomar fôlego, os funcionários exigiram uma explicação.

Depois de um longo silencio, ela disse:

— Meu filho morreu.
Os funcionários disseram que lamentavam muito, mas que eles não tinham culpa. Também disseram que naquela manhã tinham muito o que fazer, a senhora compreende…
— Meu filho morreu — repetiu ela.
E os funcionários: sim, claro, mas que eles estavam ganhando a vida, que existem milhões de pombos soltos por Paris, que os pombos são a ruína desta cidade…
— Cretinos — fulminou a senhora.
E longe dos funcionários, longe de tudo, disse:
— Meu filho morreu e se transformou em pombo.
Os funcionários calaram e ficaram pensando um tempão. Finalmente, apontando os pombos que andavam pelos céus e telhados e calcadas, propuseram:
— Senhora: por que não leva seu filho embora e deixa a gente trabalhar?
Ela ajeitou o chapéu preto:

— Ah! Não! De jeito nenhum!
Olhou através dos funcionários, como se fossem de vidro, e disse muito serena:
— Eu não sei qual dos pombos é meu filho. E se soubesse, também não ia levá-lo embora. Que direito tenho eu de separá-lo de seus amigos?

Eduardo Galeano
Em, O livro dos Abraços, página 239. 
contioutra.com - Celebração da amizade, por Eduardo Galeano

Nota da CONTIoutra: esse conto me lembrou de um filme francês de beleza ímpar que começa do encontro de de duas belas almas em um banco de praça ao lado de pombos: Minhas Tardes com Margueritte, com Gérard Depardieu e Gisèle Casadesus.

Sinopse:

Imagine o encontro de duas forças. De um lado, mais de 100 quilos de pura ignorância  e do outro menos de 50, carregados de ternura. Entre eles, uma diferença de décadas de idade e em comum, o encanto pelos livros. Esta é a história de um cinquentão pobre com as palavras e uma idosa inversamente rica com elas.

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

Pelo reencantamento do mundo: Mia Couto

Pelo reencantamento do mundo: Mia Couto

Pelo reencantamento do mundo: Mia Couto

Mia Couto, escritor moçambicano conhecido em todo o mundo, fala sobre de importância de não podarmos o encantamento, a capacidade de fascinação, de êxtase diante das pequenas coisas.

Fala da necessidade de reencantarmos o mundo, tomando por empréstimo o olhar das crianças.

contioutra.com - Pelo reencantamento do mundo: Mia Couto

Quais são os seus sentimentos favoritos?

Quais são os seus sentimentos favoritos?

Por Stephanie Gomes

Outro dia eu – não lembro por que – estava pensando sobre o quanto gosto de sentir nostalgia. Esse sentimento, pra mim, nada mais é do que uma saudade boa misturada com gratidão por ter vivido coisas que valeram a pena. Nostalgia é um sentimento que gosto de ter e que me deixa feliz. Isso acabou me gerando uma reflexão: quais são os meus sentimentos favoritos?

Pensei que eu gosto muito também de sentir empolgação, surpresa e liberdade. Sentir que estou progredindo também é algo que me deixa muito feliz. Mas o meu sentimento favorito acima de todos é um só: paz interior.

E você, quais são os seus sentimentos favoritos? Que emoções você mais gosta? Dedique algum tempo para pensar nisso e não se prenda a definições prontas ou de uma palavra só. Pense nas coisas que você adora sentir. A resposta para essa reflexão é muito pessoal e pode ser que você encontre até algumas respostas estranhas, mas não se prenda ao óbvio. Deixe-se ser sincero com você mesmo e livre para pensar o que quiser.

Saber quais são seus sentimentos favoritos é tão importante quanto saber o que você gosta de fazer e quais são seus sonhos e objetivos. Ter consciência sobre o que você mais gosta de sentir funciona como um guia para suas escolhas e ações. Além de ser mais uma peça que se encaixa no quebra-cabeça do seu autoconhecimento.

Pense nisso com calma. Quando já tiver uma listinha de seus favoritos, é hora de questionar: estou investindo nestes sentimentos? Que atividades, atitudes e pensamentos fazem com que eu os sinta? E quais me afastam deles? O que posso começar a fazer (ou fazer mais) para que essas emoções que adoro sejam mais frequentemente sentidas? Quais sentimentos eu gostaria de sentir com mais frequência e ando sentindo pouco?

A ideia final é te fazer levar o resultado dessa reflexão para o seu dia a dia. Pra escolher o que vai fazer no fim de semana, como você age com as pessoas, quais pensamentos você cultiva, o que faz nas horas livres, quem você quer ter ao seu lado, em que investe seu dinheiro… O que você pode fazer para que estes sentimentos estejam cada vez mais presentes?

***

Nota da CONTIoutra: os textos de Stephanie Gomes são publicados neste site com o conhecimento e autorização da autora.

Sugestão de vídeo CONTioutra: O QUE PODEM OS AFETOS?

NELSON LUCERO E VIVIANE MOSÉ

contioutra.com - Quais são os seus sentimentos favoritos?
Leia mais artigos

Stephanie Gomes

Uma desassossegada de 22 anos. Paulistana, formada em jornalismo. 

Blog Desassossegada

Tudo agora, já, ao mesmo tempo, junto: considerações de Mário Sérgio Cortella sobre a geração Y

Tudo agora, já, ao mesmo tempo, junto: considerações de Mário Sérgio Cortella sobre a geração Y

Cortella fala, aqui, acerca da falta de noção de autoridade dos nossos jovens e sobre o que isso representa a eles como indivíduos sociais, especialmente quando ingressam no mercado de trabalho. A empresa tem hoje que ensinar noções de autoridade e hierarquia que são tão necessárias à maturidade e que, muitas vezes, foram perdidas na falta de convívio em família com as avós, tias e mesmo com os pais.

Fala, ainda, sobre a importância de se juntar gerações de forma de harmônica para que o que falta ao jovem seja compensado pelo que possui uma pessoa mais velha, e vice-versa.

Sem dúvida uma excelente reflexão.

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

Quanto lhe é suficiente?

Quanto lhe é suficiente?

Por Tatiana Nicz

Existe uma fábula antiga* que me marcou muito. Ela conta a história de dois amantes que não tinham nenhuma riqueza aparente e acabam descobrindo de maneira inusitada que seu amor era suficiente para eles. Essa fábula trouxe pela primeira vez uma reflexão sobre algo que nunca me ensinaram: o que exatamente seria “suficiente”?

Acho que ninguém define o que é suficiente, porque suficiente é demasiadamente relativo. O que basta para mim não é a mesma quantidade do que basta para você, sendo assim, apesar da definição existir no dicionário ela me parece um tanto quanto utópica no contexto de sociedade. Mas apesar de utópica no contexto plural, ela se faz fundamental para evolução espiritual de qualquer indivíduo. Buda chegou a fazer essa reflexão, na verdade ela é um dos pilares mais importantes do budismo onde (no meu entendimento) “suficiente” pode ser chamado de “o caminho do meio”. Sabiamente e não por acaso que não encontramos nas escrituras budistas uma definição do que seria esse caminho na prática, portanto o convite é que cada pessoa trabalhe para encontrar o seu próprio caminho do meio.

É difícil falar de suficiente para uma geração que conhece muito bem a abundância, sabemos que abundância é algo crucial para que a roda do capitalismo gire, em um mundo onde necessidades são criadas, onde quantidade é melhor que qualidade, não é interessante para o sistema que aprendamos sobre “suficiente”, então o que nos ensinam desde muito cedo é sobre a importância de acumular. Portanto acumulamos. Acumulamos amigos e amores. Acumulamos diplomas. Acumulamos dores. Acumulamos bens.

Nessa busca incessante e seguindo “à risca” o que nos é ensinado, queremos sempre mais: comemos mais do que precisamos, temos mais roupas do que necessitamos, compramos mais coisas do que precisamos, moramos em lugares maiores, gastamos mais do que precisamos e consequentemente precisamos de mais dinheiro para dar impulso à esse ciclo sem fim. Nada parece nos bastar.

E se para a matéria é um pouco mais fácil entender o conceito de suficiente (talvez uma muda de roupa seja suficiente para vencer o dia, um carro seja suficiente para me transportar, etc), o mesmo não vale para as emoções. O que acontece é que na era da abundância a sociedade te exige mais, sua família te exige mais, você se exige mais. Muito mais. Seja mais feliz, mais magro, mais rico, obtenha mais sucesso, seja mais bondoso, mais paciente, tenha mais amigos, seja sempre mais. Nada, absolutamente nada, nos convida ou incentiva a bastar. Se contentar é quase sinônimo de fracassar.

E ao abordar suficiente é ainda fundamental que tomemos um momento para olhar para o “copo menos cheio”, porque suficiente significa equilíbrio e no equilíbrio igualmente não há espaço para a escassez. Na lista de 72 nomes de Deus da Kabbalah encontramos no número 50 “IUD NUN DALED” (ou YOD NUN DALET), que com sabedoria aborda o conceito de suficiente e nos convida a meditar sobre o que nos é dado de menos: “Desperto a persistência e a paixão para nunca – nunca mesmo – contentar-me com menos!”.

É paradoxal que apesar de vivermos em uma aparente era de abundância, vivenciamos cada vez mais um período de muita falta. E assim nos acostumamos a viver com menos. Menos amor. Menos cumplicidade. Menos tolerância. Menos olho no olho. Menos honestidade. E como menos realmente não deve bastar à ninguém, mais uma vez nos ensinam a buscar mais. Então desde que contei a tal fábula pela primeira vez, e talvez muito antes disso, venho refletindo sobre meus limites:

Quanto me é suficiente?

Quanto amor é suficiente? Quanto do que dou é suficiente? Quanto do que recebo é? Quanta luta basta? Quanta alegria é suficiente? Quanta dor me basta? Qual a linha entre a persistência e o desapego? Quanto de ambição me basta? Qual é o tanto que me preenche? Qual é a gota d´agua? Quanto de informação é suficiente?

Se como já disse anteriormente “suficiente” é algo muito pessoal, seria tolice então dar respostas prontas para essas perguntas. O que posso fazer é falar de algumas descobertas apenas: que a linha do suficiente além de pessoal é ajustável; que nós vivemos adaptando-a de acordo com nossos interesses e dos outros; que geralmente nos esforçamos mais do que devíamos nesse processo, talvez na esperança de que um dia o que temos realmente nos baste ou talvez buscando reconhecimento; que ninguém nos ensina sobre a beleza do bastar; que somos imprudentes e vivemos ultrapassando o limite do que seria saudável para nós e para os outros; que frequentemente nos esquecemos de respeitar e até celebrar nossas limitações e com isso sofremos.

Então se assim como eu, também não lhe ensinaram sobre a importância desse conceito, faço aqui um convite à reflexão: quanto lhe é suficiente?

E o meu palpite é que no momento que passarmos a olhar com mais cuidado e atenção para nossas limitações e aprendermos a respeitá-las, nos liberaremos de muita carga e culpa e então descobriremos que é provável que “suficiente” more em quantidades muito maiores ou menores do que aquelas que nos foram ensinadas.

***

 

* A Fábula do que era suficiente

contioutra.com - Quanto lhe é suficiente?

 

“O amor, como eu o sinto” um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga

“O amor, como eu o sinto” um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga

Por Josie Conti

As pinturas de Kathe Fraga evocam as paredes gastas , pintadas à mão de uma grande mansão antiga parisiense. Painéis decorativos trazem uma mistura do romântico vintage francês e pinturas chinesas.

Os Escritos De Nara Rúbia Ribeiro trazem delicadeza, encantamento e a poesia.

Na cominação abaixo: o tom poético é agraciado pela beleza estética.

Convido-os para um passeio pelas letras e pelas cores da sensibilidade.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

O AMOR, ASSIM O SINTO

Por Nara Rúbia Rbeiro

Quando menina, o Amor era o peito presente da minha mãe. Ou o meu pai chegando suado, sujo e cansado
dos seus trabalhos braçais, dizendo-me: “Eô!!! O papai chegou!!!”

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Um pouco maior, o amor era um grande circo, com malabares, palhaços engraçados e poemas flutuantes ou um grupo fadas-madrinhas, em suas asinhas translúcidas.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Aos quinze, o Amor era um príncipe que chegaria, tomar-me-ia em seus braços e me conduziria a uma terra de sonho e palácios, onde as rosas me reverenciassem e as estrelas me nutrissem de alguma  seiva mágica, numa incandescente alegria.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Já adulta, o Amor tornou-se uma fera a rosnar pelos poros, a cegar-me o sentido no desejo de fundir-me ao outro. Furacão de desejos… Um cheiro libidinoso infiltrado na alma. O amor era o desespero da perpetuação da espécie.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Hoje, o Amor é tecelão a tecer-se em mim. É um sino que retine e me ensina o que não sei. É uma fresta na porta de minha ignorância e que me faz ver o quão mais sábia fui quando era uma pequena criança.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Hoje o Amor é um andarilho que me percorre a alma: sem pouso certo, sem forma fixa, sem afixação ao que vê.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Hoje o Amor é um lago a refletir a soma dos afagos que não tive, a amplidão dos corações que não amei, mas que estão ali, eu sei.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Hoje, o Amor é mais que dor, mais que emoção, muito maior que a razão.
O Amor é a pilastra que arrima o meu peito. É a rima que ritima o meu verso. É um cipreste que se alastra pelos astros do peito e faz com que eu me firme nas paragens etéreas.

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

É assim que eu o sinto. O Amor é o sangue da alma. É a maior metáfora da Suprema Alquimia a levar o oxigênio da vida a quem padeceu em extrema agonia.


NARA RÚBIA RIBEIRO

contioutra.com - "O amor, como eu o sinto" um texto de Nara Rúbia Ribeiro, obras de Kathe Fraga
Kathe Fraga

Nota da CONTIoutra: As lindas gravuras de Kathe Fraga foram encontradas no blog Modos de Olhar, indicado por Beatriz Arte Confeitaria. Nara Rúbia Ribeiro faz parte da equipe de colunistas do site e a artista Kathe Fraga reconheceu e autorizou a publicação.

Site oficial de Kathe Fraga

Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

Pedras da infância

Pedras da infância

Por Gustl Rosenkranz

Veja como as coisas vividas na infância atrapalham nossa felicidade

Bom, você com certeza leu o título e se pergunta agora: o que ele quer dizer com “pedras da infância”?

Chamo de “pedras da infância” tudo aquilo que foi colocado em nossa “mochila” quando ainda éramos pequenos e à medida que fomos crescendo, coisas que nos foram dadas ou mesmo impostas como condição para sobreviver e para ser aceito no seio da família e da sociedade. Essas pedras não são boas, mas foram necessárias, pois precisamos delas na infância para que possamos crescer, ficar fortes e adultos e caminhar com as próprias pernas.

Acredito que todo ser humano nasce com um espírito livre, mas um corpo frágil, pequeno, indefeso e dependente (em primeira linha dos pais). E nosso espírito sabe que é preciso proteger esse corpo para que ele um dia se torne robusto o suficiente para finalmente ser igualmente livre, como nosso espírito. E assim aceitamos as regras, tropeçamos nas pedras colocadas em nossos caminhos e carregamos nas costas aquelas depositadas em nossa “mochila”. Essas pedras são praticamente as estratégias que desenvolvemos para que possamos sobreviver, como, por exemplo, aquela pedra que uma criança recebe do pai colérico, que não gosta que a criança fale alto e dá bronca gratuita quando isso acontece. Assim, a criança aceita a pedra “fale baixo para não levar bronca do pai”, se tornando então alguém que fala baixo e que estremece só de ouvir alguém falando alto. Ou mesmo a pedra que uma criança recebe dos pais quando conta uma história fictícia, fruto da fantasia inerente à infância, mas é repreendida por estar “mentindo”. Assim a criança recebe a pedra “fantasia é mentira!”. Ou mesmo quando uma criança chega em casa com o boletim da escola com notas boas. Essa criança vê então a alegria dos pais, que saem mostrando o boletim a todo mundo, aos parentes, aos vizinhos, para que todos vejam o quanto seu filho ou sua filha é inteligente. Assim, sem que se perceba e mesmo que a intenção dos pais seja boa, a criança recebe a pedra “seja boa na escola para ver seus pais felizes!”.

Fico no exemplo da criança com boas notas na escola. Poderíamos pensar que esse elogio dos pais seria uma coisa boa e, em princípio, isso é verdade. Mas o que acontece então quando a criança não consegue manter suas notas boas e termina “fracassando” em uma ou outra matéria? Bom, depende então do tamanho assumido pela pedra do elogio dos pais: se ela for pequena, a criança pode até sentir um pouco de vergonha, mas sem maiores complicações. Mas se o elogio dos pais tiver se tornado para a criança uma pedra grande e pesada, a vergonha será enorme e a criança fará de tudo para esconder a nota ruim dos pais, mentindo, disfarçando e fugindo da realidade, sem perceber que com isso a pedra só fica ainda maior e mais pesada. E é esse crescimento que é problemático, pois, a depender do meio no qual vivemos quando crianças e do nível de maturidade de nossos pais e das pessoas à nossa volta, ele pode se tornar um crescimento selvagem, uma excrescência, fazendo com que uma pedra (ou mesmo várias) cresça tanto que um dia, mesmo já adultos, nos encontremos praticamente embaixo dela, tendo então muita dificuldade de se livrar novamente desse peso.

contioutra.com - Pedras da infância
Quero dizer que nosso sofrimento como pessoas adultas tem muitas vezes sua origem nessas pedras da infância, que recebemos e que tivemos que carregar conosco durante muitos anos, na verdade décadas, na verdade nossa vida inteira até aqui, sem que muitas vezes percebamos que nosso corpo já cresceu, não é mais tão frágil, que já nos tornamos adultos e, ao invés de finalmente juntar essa liberdade do corpo à liberdade do espírito do momento em que nascemos e sermos finalmente livres em plenitude, mantemos nosso corpo preso a essas pedras, prendendo assim igualmente o espírito, e aquele ser humano que nasceu “meio livre”, com espírito livre e corpo dependente, se torna um prisioneiro completo, encarcerado em sua infância, detido por suas próprias pedras. A solução para muitos de nossos problemas atuais seria então reconhecer que estamos carregando essas “pedras da infância”, que não são mais necessárias, pois já ficamos adultos, abrindo a mochila, esvaziando-a e continuando a caminhar, ou melhor ainda: voando, livre, leve e solto, começando finalmente a ser feliz.

Há pedras de todas as cores, formas e tamanhos. Umas são pequenas e fáceis de carregar, outras são grandes e são carregadas com muito sacrifício. Umas são tão pequenas que passamos sem problemas por cima delas, outras são tão enormes que bloqueiam nosso caminho. Umas são feias, outras são brilhantes e lindas e já outras são muito feias, mas parecem bonitas porque queremos vê-las assim. Mas todas elas têm algo em comum: elas pesam e, como tudo que pesa, elas atrapalham nossa andança neste mundo.

Há vários tipos de “pedras da infância” que costumamos carregar conosco, umas menos, outras extremamente pesadas, umas lisas, outras extremamente ásperas. Aqui apenas algumas delas:

– É aquela pedra que uma menina recebe da mãe, que mesmo mal casada e sofrendo, defende a tese de que casamento não pode ser desmanchado de forma alguma. A criança cresce então com essa pedra, casa-se mais tarde com o homem errado, mas não se separa por causa da pedra “casamento é eterno, mesmo que se sofra” recebida da mãe;

– É aquela pedra que um garoto sensível recebe do pai quando esse diz que “homem não chora”, fazendo com que o menino perca realmente essa capacidade ou passe a chorar escondido, mesmo mais tarde, como homem adulto;

– É aquela criança que cresce em um ambiente violento e recebe a pedra “violência é normal”;

– É aquela pedra que uma menina recebe da mãe frustrada quando essa diz que “todo homem não presta!”;

– É aquela “pedra da decepção” e a “pedra da perda de confiança” enorme que uma criança recebe quando confia em uma pessoa adulta de sua família, mas é abusada sexualmente;

– É aquela “pedra do medo” que uma criança recebe quando tem um pai ou mãe altamente cuidadosa, que nunca a deixa brincar do lado de fora;

– É aquela “pedra da rejeição” dada pela mãe ou pelo pai quando a criança se comporta de uma forma diferente da esperada e o pai ou a mãe diz então que “preferia não ter um filho (ou filha)”;

– É aquela “pedra da fofoca e da inveja” recebida pela criança que cresce em uma família fofoqueira e invejosa;

– É a “pedra do racismo” quando uma criança escuta constantemente em casa que pessoas com outra cor de pele não têm o mesmo valor;

– É a pedra “não vale a pena ser honesto” quando uma criança rouba e os pais passam a mão pela cabeça, deixando valer a desonestidade;

– É a pedra “não há justiça no mundo” quando pais tratam filhos de forma diferente, favorecendo uns, prejudicando outros.

Essas pedras são nossos medos, nossa solidão, nossa insegurança. nossos conceitos errados, nossa frustação, enfim, todas essas coisas que adquirimos na infância.

 

Exemplos não faltam. Mas prefiro contar uma história concreta, que ilustra bem como as pedras de nossa infância podem nos fazer sofrer como adultos:

Conheci uma mulher muito inteligente, com um coração do tamanho do mundo, uma pessoa muito agradável e que teria de tudo para ser feliz. Mas não era. Ela tinha problemas sérios de saúde e sofria de muito de problemas físicos, sem que nenhum médico descobrisse o que ela tinha, restando somente a possibilidade dela sofrer de um mal psicossomático. Bom, como ela tentava de tudo para parar de sofrer, ela aceitou esse diagnóstico e iniciou uma psicoterapia. Muitos meses depois, após passar por uma fase difícil de autoconhecimento e reflexão com ajuda do psicoterapeuta, ela descobriu o que a fazia sofrer:

Quando criança, ela sentia muita falta de receber carinho do pai, que era uma pessoa extremamente intelectual, distante emocionalmente e muito severa com os filhos. Ainda pequena, ela colocou na cabeça que queria escutar do pai que ele a amava e fazia de tudo para agradá-lo, sem sucesso, pois o pai se mantinha reservado nesse sentido. Pois bem, ela foi tentando, tentando, tentando… E a “pedra” foi crescendo… Um dia ela se tornou uma mulher adulta, mas o comportamento era o mesmo, pois ela continuava tentando agradar ao pai e pior ainda: também ao marido, ao chefe e a todas as figuras masculinas em sua vida (até mesmo ao filho!) – aqui vemos como a pedra cresceu! Mas nada adiantou: um belo dia, o pai faleceu sem dizer à filha que a amava e, como ela então sabia inconscientemente que jamais escutaria o que esperava, ela adoeceu, teve uma forte depressão e seus problemas físicos pioraram. Hoje, essa mulher tem 45 anos de idade e continuava sofrendo com isso, sem entender direito por que. Com ajuda da terapia, ela descobriu que estava tão agarrada a essa “pedra da infância” que não conseguia ser feliz. E essa infelicidade fez com que ela terminasse adoecendo, já que a pedra a prendia e evitava que ela fosse livre, tanto no nível espiritual como no nível físico. Somente após reconhecer isso é que ela teve a coragem e a força de simplesmente largar a pedra que recebera do pai (através de sua incapacidade de dizer que a amava!), percebendo que era uma “pedra da infância” não mais necessária na vida adulta, que a segurava em sua caminhada, evitando que ela pudesse ser realmente feliz. Foi um processo difícil e doloroso, mas que valeu a pena, pois hoje ela está bem, mais feliz, mesmo que a “pedra” do pai tenha deixado marcas, mesmo que a tristeza de nunca ter escutado do pai o que tanto queria escutar ainda exista. Largar uma pedra não significa esquecer o motivo de sua existência, mas sim aceitar que ela existe, fazendo parte,porém, do passado e não tem mais importância no presente e muito menos no futuro. Sua decisão de largar essa pedra (= aceitar que teve um pai que nunca disse que a amava!) permitiu que ela finalmente conseguisse deixar de carregar consigo um sofrimento do passado, voltando a sentir a liberdade de seu espírito e assim voltando também a se sentir saudável, livre fisicamente, e feliz.

Pode ser você prefira insistir em carregar as suas “pedras da infância”, talvez por costume ou medo. Não haveria nada de errado nisso, pois cada um tem o direito de carregar suas pedras pelo tempo que quiser ou precisar, mas talvez valesse a pena refletir que sentido faz carregar uma mochila pesada, cheia de coisas (pedras) que não lhe têm (mais) qualquer utilidade. Assim, lhe peço: dê uma parada você também. Verifique em você e em sua vida quais as “pedras” que você ainda carrega consigo e perceba quais delas lhe fazem mal e lhe impedem de caminhar e quais as que não atrapalham. Depois, abra a “mochila” e tire uma por uma, livrando-se do que lhe prende, evitando que você seja feliz. Vou até mais longe e proponho um exercício prático: pegue realmente uma mochila, procure pedras e coloque-as dentro da mochila, dando a cada uma delas um nome: esta pedra é a “pedra do medo” que eu sentia quando era criança, esta outra é a “pedra da solidão”, já que me senti muito só na infância, já esta outra é a “pedra da expectativa de minha mãe”, que fez com que eu vivesse minha vida de acordo com o que ela esperava e não conforme meus sonhos e desejos, e assim por diante. Depois, escolha um lugar especial, o lugar da despedida, vá até lá com a mochila e se livre das pedras, uma por uma, deixando-as lá e voltando para casa com a mochila vazia. Isso não vai resolver seus problemas completamente, já que é preciso tempo para consertar o que foi quebrado por uma vida inteira, mas será um bom começo para seu crescimento e para sua libertação pessoal.

O Cântico da Terra, poesia de Cora Coralina

O Cântico da Terra, poesia de Cora Coralina

O Cântico da Terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

Cora Coralina

contioutra.com - O Cântico da Terra, poesia de Cora Coralina
Goddess of earth by ~phungvulienphuong on deviantART

 Você achou esse conteúdo relevante? Compartilhe!

Do lado de dentro

Do lado de dentro

Por Joana Nascimento

Resiliência. Desde que conheci o significado dessa palavra, introjetei-a no meu imaginário, sem me desapegar dela. Usaria quando fosse necessário. Era o meu curinga. E todo ser humano que se deixa ser humano vai precisar recorrer a esse imponente vocábulo em determinada(s) etapa(s) da vida.

O senso comum que dita que a nossa felicidade é conquista individual, talvez seja uma das únicas verdades absolutas da vida. Ser feliz tem como lastro movimentos muito mais internos do que externos.

Para absorver bem os pulsos positivos que os acasos da vida nos oferecem, o nosso introspectivo deve estar afiado. Assim como o organismo da mãe precisa estar preparada para gestar um bebê; como a terra deve estar arada para que as raízes cresçam; como a vela do barco deve estar na posição certa para chegar ao destino almejado.

Nessa mesma lógica, nós precisamos estar com o coração limpo e leve, com a mente em plena atividade, com as sinapses acontecendo de forma efetiva e harmônica para que, consequentemente, as boas possibilidades que a vida nos proporciona sejam apreendidas com todo fulgor. O sorriso é nossa grande assinatura, mas é bom lembrar que, os sinceros, que estampam nosso rosto, vêm do lado de dentro.

Imbuída da frase que eu mesma fiz para ser meu talismã – nunca estou sozinha, tenho minha cabeça e meu coração – busquei nas minhas referências exemplos – ficcionais ou não – que endossassem todo essa delonga de raciocínio. Me lembrei de vários filmes aos quais assisti, livros que li, músicas que ouvi e, em vários casos, reconheci peculiaridades que aproximaram personagens e eu líricos da minha idiossincrasia.

Para indicar alguns: Sofia, que tinha um mundo todo dentro de sua imaginação (O mundo de Sofia – Jostein Gaarder); Andy Dufresne (Tim Robbins), de Um sonho de liberdade (1994) que aturou anos numa prisão, onde ficou, injustamente, sofrendo mazelas de alto grau, porque tinha dentro de si utopias tangíveis. Ou ainda o protagonista do fantástico ‘Peixe grande e suas histórias maravilhosas’ (2003 – Tim Burton), que, em suas fantasias, vivenciava seus mais valiosos sonhos.

A mistura dos conceitos resiliência e felicidade neste texto foi proposital. São termos que têm relação sucessiva: primeiro a resiliência, depois a felicidade, embora os dois também possam caminhar lado a lado.

***

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.

contioutra.com - Do lado de dentroJoana Nascimento

Sou jornalista e aspirante a produtora e crítica cultural, e, bem incipiente, roteirista de cinema.
Acredito piamente no conhecimento do maior número de textos teóricos, narrativos e imagens como forma de evolução mental e espiritual.
Embora tenha vontade, sei que uma pessoa não muda o mundo, mas creio que cada cabeça individual é um universo diferente, e este, nós podemos melhorar sempre. O impacto positivo no todo externo será sempre progressivo e crescente.
Gosto de escrever sobre existencialismo e condutas de vida, sempre fazendo analogias com filmes, livros, música e teatro.

Posturas do facilitador na condução de dinâmicas de grupo

Posturas do facilitador na condução de dinâmicas de grupo

São possibilidades que lhe são apresentadas: o propósito é você conduzir uma reflexão sobre como se comporta quando está à frente de um grupo em atividades que pedem para ser lúdicas, instigantes, plenas de reflexões de oportunidades de aprendizado.

Deixe claro aos participantes que eles se encontram em um laboratório de vivências – um ambiente propício para se exercitar um diversificado repertório de experimentos-, tendo o direito de testar possibilidades, cometer erros e refletir, depois, sobre a experiência e seus aprendizados.

Não se deve iniciar a atividade dizendo: “Agora nós vamos fazer um “quebra-gelo”, ou então: “Para vocês descontraírem um pouco, nós vamos…”. Ao proferir uma dessas frases poderá acabar com o encanto da situação e com o suspense no grupo (a surpresa pode constituir um forte aliado).

Antes de solicitar voluntários – se for o caso -, explique o tipo de atividade a ser desenvolvida, principalmente se for uma técnica que exija habilidades especiais (esforço físico, encenação, capacidade de memória, agilidade corporal, exercícios de solo), deixando-os à vontade para decidir se irão participar.

Aqueles que não quiserem ou puderem participar convide-os a serem observadores com o compromisso de percorrerem os diferentes grupos, anotando o que lhes despertar o interesse, além de algumas instruções específicas suas: virtudes de cada participante e do grupo, abordagens e posturas inadequadas, lideranças, omissões, conflitos.

Explicite as regras do jogo: em que consiste a atividade, o grau de participação esperado. Você pode omitir os possíveis mecanismos de avaliação (às vezes, falar antes acaba estragando a surpresa).

Atue como observador: não queira ser um participante. Não diga “Nós” como se você fizesse parte daquele grupo: você é um Facilitador, que deve interagir com o grupo, dentro das possibilidades do papel que desempenha, ficando, porém, do “lado de fora”. É uma maneira de manter a isenção, além de se preservar na hora de eles vivenciarem papéis e, assim, não se deixar contagiar pela disputa.

Se a atividade for por tempo determinado, informe que você sinalizará quando faltarem alguns minutos para o seu término. Se você quiser enfatizar a importância da gestão do tempo não informe a duração da atividade, por uma das razões abaixo, pois você quer:

– avaliar o grau de maturidade ou de conhecimento do grupo;
– esperar a maioria dos grupos terminar a tarefa para informar que se esgotou o tempo para a execução da tarefa;
– observar se os participantes tentam negociar a duração da atividade;
– observar mais um pouco, já que a atividade está tão interessante;
– usar o fator surpresa para informar o término da atividade como forma dos treinandos se educarem para a utilização racional do tempo (depois, sugira ao treinando que lance mão de algumas estratégias para o bom uso do tempo disponível, tais como: fazer um Brainstorming, elaborar um planejamento mínimo e desenvolver de forma concisa o que se pede para, caso o tempo o permita, voltar ao assunto e complementar o conteúdo);
– interromper a atividade antes que todos consigam concluí-la, para verificar em que estágio chegaram e qual a velocidade de resposta de cada um;
– observar a reação/postura emocional do grupo diante de diferentes desafios, ou ao ter a atividade interrompida abruptamente.

Após o final da dinâmica, depois de ouvir os participantes, você passa a palavra aos observadores, informando-lhes o foco a ser dado e o tempo disponível para as observações.

Não use palavras no diminutivo (“filminho”, “joguinho”), pois são autodesqualificantes. Cuidado com frases que revelam autodepreciação: “Vou tentar…”, “Não sou o mais indicada para estar aqui…”, “Vai ser meio chato”; “Acho que não vai ficar bom”.

Nesse papel de observador terá melhores condições de chegar a pertinentes conclusões (anotações e observações). Escreva sinteticamente as observações e conclusões mais interessantes: a memória pode falhar. Em certos momentos você pode delegar a um participante a condução da atividade (será um treino para ele, ao mesmo tempo em que você terá mais liberdade para observar).

Seja um discreto diretor do espetáculo, com forte atuação nos bastidores. Avise-lhes que, se julgar necessário, você interromperá a atividade, para repassar novas informações, como se fosse um diretor de um espetáculo.

Sempre que possível, delegue a um treinando a condução da atividade, repassando-lhe as regras: é uma forma de deixar os holofotes para eles, além de permitir que vivenciem papéis de liderança. Escolha para liderar, algumas vezes, treinandos que não fiquem à vontade nesse papel (por não gostarem ou por timidez). Deixe que eles aconteçam do jeito que souberem ser, independente de estarem sendo bem-sucedidos (cuidado apenas com excessos, para não trazer riscos à imagem deles ou constrangimentos).

Nos casos em que a atividade irá transcorrer em várias rodadas, e há espaço para um clima de “competição”, informe resultados parciais dos grupos, como forma de:

– estimular quem está à frente para garantir a liderança;
– instigar a reação dos que não estão se saindo muito bem;
– observar a reação dos grupos quando trabalham sob pressão;
– observar que tipo de resposta os grupos oferecem à medida que são informados de suas performances;
– descobrir quais grupos apresentam flexibibilidade e resiliência, conseguindo mudar suas estratégias e serem mais bem sucedidos daí em diante na empreitada;
– permitir aos grupos saberem qual o referencial de uma boa performance.

Se constatar que a atividade está perdendo a graça em função dos extremos (grupo que dispara na liderança ou grupo que fica muito para trás) crie novas regras e novas formas de pontuação para revigorar a atividade e dar chance de reação aos que não estão sendo produtivos.

Fique atento nas observações feitas pelos participantes, para poder incluí-las em seus comentários alguns aspectos interessantes a serem valorizados: para ser produtivo em grupo é preciso se conhecer bem, fazer bom uso da autocrítica, ser criativo, saber fazer concessões, ter humildade, valorizar o planejamento, a pesquisa, ter consciência das suas limitações e das suas possibilidades, ser participativo, questionador, saber respeitar os limites do outro, ter espírito de corpo, contribuir para a sinergia do grupo.

Ao final de cada vivência reúna os participantes em um círculo e abra espaço para os depoimentos. Busque a participação valorizando a espontaneidade: deixe-os, durante um certo tempo, livres para abordarem o que julgarem mais relevante. Assim você poderá observar a capacidade de autocrítica e o nível de percepção da realidade dos participantes, além do grau de maturidade do grupo.

Extraia do grupo o máximo de significados em cada atividade desenvolvida. À medida que os depoimentos acontecem, corrija as possíveis distorções de foco de abordagem, direcionando-os para os propósitos a serem atingidos.

Enfatize os casos em que grupos criaram obstáculos na execução da atividade (“Isso não é permitido”), com “barreiras” não verbalizadas por você e que tiveram impacto limitante no resultado. Evidencie que, em termos de regras, é teoricamente permitido tudo o que não é claramente proibido.

Escolha um momento de passar a palavra aos observadores. Conforme o caso informe-lhes o foco a ser dado e o tempo disponível para as observações.

Caso a discussão não evolua para o propósito da sua realização, eis algumas sugestões de tópicos a serem incluídos na discussão – pode ser, também, por escrito – , como forma de conduzir a uma maior reflexão:

– qual o propósito da atividade;
– como foi a participação dele;
– como foi a liderança do grupo;
– o que contribuiu para o bom resultado;
– o que atrapalhou para o resultado;
– quais os aprendizados;
– o que faria de diferente se tivesse a oportunidade de participar novamente da atividade.

Uma reflexão sobre um princípio sociológico muito interessante e apropriado para as dinâmicas e vivências: “Quanto pior, melhor”: quando estiver conduzindo alguma vivência comportamental não se assuste se o resultado for caótico ou deixar a desejar: aprende-se muito com o que “não se deve fazer” no ambiente de trabalho.

Se houver inadequações na condução, prepare-se para saber extrair o melhor de cada um desses aspectos: confusão no desempenho dos papéis, precipitação e imaturidade, não-conclusão da atividade, dificuldade na compreensão do que era para ter sido feito, performance pífia, egoísmo exacerbado.

Quando as coisas dão errado torna-se, pois, muito mais fácil se trabalhar o conteúdo e as dificuldades do grupo (em termos de relacionamento, liderança, gestão, comunicação, etc.): ficarão mais claramente identificáveis os pontos nevrálgicos de postura, comportamento, liderança, relacionamento, de gestão, que merecerão, daí em diante, uma abordagem diferenciada.

Afinal de contas cada participante tende a deixar transparecer muito do seu modo de ser nessas atividades: se ele não se organiza, se não planeja suas atividades na vivência, é muito provável que faça e aja da mesma forma na sua vida pessoal e, principalmente, no seu ambiente de trabalho. Aí estará sua preciosa chance de fazê-lo ver as inadequações, propiciando-lhe uma chance de reflexão e uma forma prática de aprendizado.

Limite-se, encerradas as participações do grupo, a complementar as idéias relevantes não abordadas, os ganhos e os aprendizados, dando um fecho estruturado ao assunto, deixando, de preferência, para o final da atividade, um desfecho de impacto – uma mensagem, sugestões de possíveis aplicações práticas, ganhos do grupo.

O propósito da reciclagem é de todos, incluindo você; não perca de vista que também está ali para aprender. Aproveite da melhor forma as oportunidades que aparecerem: poderá ser alguém melhor para si mesmo e estará mais bem preparado e à vontade nas próximas oportunidades semelhantes de intervenção.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - Posturas do facilitador na condução de dinâmicas de grupoPaulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

INDICADOS