A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”

A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”

“Sabendo-se onde mora o perigo e onde fica, o mundo se torna mais possível e tranquilo. O pior medo é despertado quando não conhecemos o contorno do que nos apavora, por isso, o terror habita na escuridão (Corso & Corso, 2006).

Com toques de suspense e terror, o curta-metragem “Alma” de Rodrigo Blaas (2009) é no mínimo instigante! Alma, a pequena personagem, trilha sua saga através de uma busca incessante pelo contato com uma boneca idêntica a ela e que ao final, acaba roubando a de si mesma.

A história desperta inúmeras reações em quem assiste: curiosidade, ansiedade, medo, espanto, aflição. Parece que sentimos em nossa própria pele o aprisionamento da personagem. Sua respiração ofegante de dentro da boneca nos aflige. Assim, nos identificamos com ela de maneira bastante instintiva e inconsciente. “Alma” nos impacta de modo profundo e assustador!

A história desperta inúmeras reações em quem assiste: curiosidade, ansiedade, medo, espanto, aflição. Parece que sentimos em nossa própria pele o aprisionamento da personagem. Sua respiração ofegante de dentro da boneca nos aflige. Assim, nos identificamos com ela de maneira bastante instintiva e inconsciente. “Alma” nos impacta de modo profundo e assustador!

O drama começa com “Alma” passeando distraída pelas ruas desertas e geladas até se deparar com uma parede repleta de assinaturas de outras pessoas e crianças. Nosso nome e nossa assinatura são símbolos da nossa identidade. Isso faz com que ela também sinta vontade de deixar sua marca naquele lugar. Neste momento, do outro lado da calçada surge na vitrine de uma loja, uma boneca idêntica a ela, que a seduz de modo surpreendente.

Lembramos aqui da personagem de contos de fadas Chapeuzinho Vermelho. A menina que deveria seguir o caminho orientado pela mãe até a casa da avó se distraí pelo caminho e por não ter consciência dos perigos, se envolve com o lobo, seu possível devorador. Assim, semelhante a esta personagem, a ingenuidade e a impulsividade também são marcas características de “Alma”.

Quantas vezes, mesmo já adultos, somos intensamente atraídos para situações perigosas que não conseguimos evitar ou nos desvencilhar. Seguimos nossos mais profundos impulsos e beiramos à inconsequência. Inicialmente, assim como foi para “Alma”, o cenário pode parecer somente instigante, curioso e não ameaçador. Mas, à medida em que a história evolui nos vemos numa verdadeira enrascada. Pode ser uma compra, uma aventura amorosa ou financeira, enfim, qualquer coisa que desejamos fortemente.

As doenças já foram comparadas ao roubo da alma, e portanto, o curta-metragem nos fala metaforicamente de uma enfermidade, associada ao desejo e a imagem.

No caso de “Alma”, quando a garota se depara com uma boneca idêntica a ela numa vitrine, sente uma curiosidade inicial. Passa a querer “possuir” o objeto a qualquer custo. Mesmo percebendo que a boneca mudava de lugar durante a sua procura, ela ainda insistia em ao menos ter o prazer de tocá-la.

Será que ao vermos uma “boneca idêntica a nós”, ficamos com a sensação de que aquele objeto desfruta de sentimentos parecidos com os nossos? De que, finalmente encontramos alguém ou alguma coisa com quem podemos nos identificar?

Neste caso, não há como não associar a personagem ao mito de Narciso. Em sua história, o belo jovem apaixona-se por sua própria imagem e ao tentar beijá-la cai na água e se afoga. Quando o personagem mitológico encontra sua imagem refletida na água se vê revelado por meio do seu reflexo. Porém, por não conseguir diferenciar e compreender o que vê, confunde sua imagem projetada fora de si como um OUTRO que deseja possuir e seu encantamento faz com que isso lhe custe sua própria vida.

O mesmo ocorre com Alma, que encantada com a boneca idêntica a ela não resiste a querer possuí-la. Ao tocá-la, a personagem é transportada para dentro do objeto e quando percebe o ocorrido, de dentro da sua nova casa, entende que outras almas também foram roubadas. Uma nova boneca é elevada na vitrine, à espera da próxima vítima.

Como ficamos quando atingimos algo que queremos tanto? O que acontece naquele momento do encontro entre o desejo e o alvo desejado. O que no curta-metragem é explicitado quando a mão da “Alma” toca a boneca idêntica a ela?

O toque físico, o encontro entre a matéria e a alma, faz com que a personagem seja tragada para um corpo sem vida. Será que não é isto que acontece, no momento que nossas almas tocam algo material que queremos muito, sem ao menos pensar o porquê queremos?

Hoje em dia, com a facilidade de acesso a tudo, acabamos nos confundindo entre o queremos e o que realmente necessitamos para a nossa sobrevivência. Aquele carro de luxo, a casa dos sonhos, os brinquedos mais variados e tecnológicos que nossos filhos tanto querem ou uma sensação de euforia e de adrenalina extremas que podem ser buscadas no consumo de substâncias psicoativas ou aventuras radicais. Objetos e situações em que depositarmos toda nossa felicidade. Quanto mais desejamos algo de fora de nós, menos estamos conectados com nossa essência.

Para C. J. Jung, “quem olha para fora sonha, quem olha para dentro, desperta.”

No curta, a garota olha para fora, a procura da boneca em quem ela depositou toda sua esperança, ao invés de sentir e procurar o que dentro dela poderia satisfazê-la. Ela poderia somente apreciar o fato de que existia uma boneca igual a ela. Mas, isto não era suficiente. Ela queria tomar posse daquele material parecido com ela. E ao possuir é possuída, perde o controle e a sua liberdade.

Na psicologia Junguiana, a palavra alma é compreendida como a totalidade humana, fonte de todo e qualquer princípio de vida e ação (Chevalier). A personagem perde sua capacidade de ação ao ser levada para dentro da boneca.

Nossa alma fica aprisionada quando ficamos enredados em gaiolas invisíveis de insegurança, medo e falta de amor próprio e projetamos fora de nós a solução para nossos conflitos e necessidades de amor e pertencimento.

Bibliografia:

BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1986, V. 2.

CHEVALIER, J. GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos – Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

Corso, D. L. & Corso, M. Fadas no divã: Psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.

JUNG, C. G. Obras Completas. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, [1971], 2011

TASHEN. Livro dos símbolos: Reflexões sobre Imagens Arquetípicas. Tashen, 2012.

Autoras:

contioutra.com - A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

 

contioutra.com - A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”Marina Pilar Reichenberger – Psicóloga e Psicoterapeuta graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Aconselhamento em Saúde Mental com especialidade em Terapia Expressiva pela Lesley University nos EUA. CRP: 06/ 119769

Não podemos ter a certeza de nada

Não podemos ter a certeza de nada

Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusões. As ambições que demorámos anos a acreditar que alcançávamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, não são nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo é visto daí, de onde estás. Depois, há os olhos que estão ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo é nada. Ou esse tudo é ainda mais tudo. Ou esse tudo é mil coisas vezes mil coisas que nos são impossíveis de compreender, apreender, porque só temos uma única vida.

— Porquê, pai?

— Não sei. Mas creio que é assim. Só temos uma única vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformámos as certezas que construímos na nossa própria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existência dependia delas e que não seríamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, é o nosso sangue. Mas, em consciência absoluta, não podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada, nem de nada de nada de nada. Assim, repetido até nos sentirmos ridículos. E sentimo-nos ridículos muitas vezes e, em cada uma delas, a única razão desse ridículo é não conseguirmos expulsar da nossa biologia, do nosso sangue, dos nossos órgãos, essas certezas injustificadas, ou justificadas por palavras sempre incompletas. Mas é bom que seja assim. Porque podemos continuar e, enquanto continuamos, continuamos. Estamos vivos. Ou acreditamos que estamos vivos, o que é, talvez, a mesma coisa.

— Porquê, pai?

— Porque o amor, filho.

José Luís Peixoto, escritor português,  in ‘Abraço’

http://www.joseluispeixoto.net/. Texto via: Citador

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A lenda da Vitória-Régia, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

A lenda da Vitória-Régia, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

Recontando as Lendas Brasileiras

Por Nara Rúbia Ribeiro

Narra a lenda que uma virgem índia, apaixonada e não correspondida, olhou as estrelas mergulhadas no céu e desejou, em seu íntimo, também ser estrela. Não sabendo outro modo de ver realizado o seu desejo, ao observar o céu refletido nas água do rio, nelas decidiu mergulhar até avistar as fronteiras do infinito.

E avistou. Iaci, a lua, tudo presenciara em silêncio, e não quis interferir. Mas, de súbito, apiedou-se da jovem que findara por conhecer o amor, e que nunca fora amada. Também mulher, a lua sentiu as dores da índia e julgou por bem imortaliza-la, não na terra, não nos céus, mas sobre o leito das águas.

Assim surgiu a estrela dos rios, cujas folhas espalmadas refletem as luzes dos céus e cujas pétalas exalam o perfume dos amores mais impossíveis e das dores imponderáveis. Sua beleza estelar reflete a alma de toda a mulher que se afoga nas águas do seu próprio ser e cuja força é capaz de fazer florir, nessas mesma águas, uma Vitória que seja Régia.

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Leia outras lendas em:  Recontando as Lendas Brasileiras

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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Tatiana Belinky: “A própria existência dos meus pais me educou”

Tatiana Belinky: “A própria existência dos meus pais me educou”

“A importância da Educação na minha vida? Qual é a importância da educação na vida de quem quer que seja?

Eu tive uma infância muito interessante, tive um pai performático que lia para mim, dizia poesia, falava cinco línguas! Minha mãe cantava em várias línguas também e lia livros de todos os assuntos, desde novelas até a revolução. Havia livros pela casa toda, nunca vi avôs e avós sem livro na mão. Aprendi a ler com quatro anos e a escrever com cinco, e isso para mim foi educação.

Quando vim para o Brasil, meus pais me levaram para ouvir música, ir ao balé, ao solista, à opereta, à orquestra. Tive uma vida muito interessante e agitada para criança. Comecei a ler e escrever muito cedo, em casa, de tanto ouvir meus pais, decorava. Meu pai lia uma vez e eu já sabia de cor. Aprendi brincando.

Sou canhota, comecei a escrever com a esquerda e meu pai disse para experimentar a outra. Experimentei e deu certo e hoje sou ambidestra: eu tenho a esquerda e a direita que escrevem, cortam o bife, ajudam.

Continuo agora com livros e crianças. Educação é isso. A própria existência dos meus pais me educou. Eles não me ensinavam nada. Eu via tudo. Lia e ouvia. Todo mundo lia e todo mundo conversava. Meus pais nunca me apontaram: faça isso, faça aquilo, era a vida de todo dia que era assim, educacional, naturalmente. Você me pergunta o que é Educação e não dá nem para responder. É só tudo!”

Fonte indicada: Educar para Crescer

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Tatiana Belinky (1919-2013) é um dos principais nomes de nossa literatura infanto-juvenil.  Com mais de 270 livros publicados entre traduções, adaptações e obras inéditas. Tatiana nasceu na Rússia em 1919, mas mudou-se para o Brasil com apenas dez anos de idade, acompanhando os pais.

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Nem o Alzheimer apaga o abuso infantil

Nem o Alzheimer apaga o abuso infantil

Alzheimers” é um comercial português premiado com o Leão de Ouro na categoria Educação Pública do Festival de Cannes 2006.

Agência: Leo Burnett Lisboa Anunciante: Institute for Support of Abused Children Produtora: Republika Brasil Diretor do filme: Carlos Manga Junior Música: Indigo

Fonte indicada: Gerontologia

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Uma lenda do Polo Norte: sobre a importância da palavra

Uma lenda do Polo Norte: sobre a importância da palavra

Conta uma lenda esquimó que na aurora do mundo não havia qualquer diferença entre homens e animais: todas as criaturas viviam em harmonia sobre a face da Terra, e cada uma podia transformar-se na outra, a fim de entendê-la melhor. Os homens viravam peixes, os peixes viravam homens, e todos falavam a mesma língua.

“Nesta época”, continua a lenda, “as palavras eram mágicas, e o mundo espiritual distribuía fartamente suas bênçãos. Uma frase dita ao acaso podia ter estranhas consequências; bastava pronunciar um desejo que este se realizava”.

Foi então que todas as criaturas começaram a abusar deste poder. A confusão se instalou, e a sabedoria se perdeu.

“Mas a palavra continua mágica, e a sabedoria ainda concede o dom de fazer milagres a todos que a respeitam”, conclui a lenda.

Essa lenda foi recontada pelo escritor Paulo Coelho em sua coluna no Globo.

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Meu nome é Lisa: uma filha de 13 anos que cuida da mãe com Alzheimer

Meu nome é Lisa: uma filha de 13 anos que cuida da mãe com Alzheimer

“Como uma menina de 13 anos pode lidar com a necessidade de ser a cuidadora da mãe com doença de Alzheimer? Nem sempre o cuidador familiar de um adulto  dependente é alguém que está preparado  para assumir esta função , mas quando se trata de uma criança a situação pode ser ainda mais especial.

Filmado em Pasadena na Califórnia, este curta-metragem de 6 minutos  retrata com grande sensibilidade , um cotidiano  que  pode ser mais  frequente do que se pensa: a necessidade de crianças lidarem com as emoções e a responsabilidade de cuidar de um familiar que apresenta transtornos cognitivos ou comportamentais.  Produzida pelos irmãos Ben e Josh Shelton, a obra foi premiada como o melhor curta do youtube em 2007 e já  teve mais de 3,5 milhões de acessos on line. Também recebeu indicações para premiação em Cannes e  no Chicago Intl. Children’s Film Festival dentre outros.” (Gerentologia em Pauta)

Ficam claros o desgaste frente à repetição, a luta para esclarecer os equivocos, a revolta em cuidar de quem deveria estar cuidando mas, acima de tudo, o zelo e a preocupação de alguém que saber que a pessoa amada precisa de ajuda.

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DESEJO-TE TEMPO, por Elli Michler

DESEJO-TE TEMPO, por Elli Michler

DESEJO-TE TEMPO
Elli Michler

Não te desejo todos os presentes do mundo.
Apenas te desejo aquilo que mais falta faz:
Desejo-te tempo para rires e seres feliz,
e, se ajudar, para dares também algo em troca.

Desejo-te tempo para ações e pensamentos,
não só para ti, mas também para os outros.
Desejo-te tempo, não para pressas e correrias,
mas tempo para que brote a verdadeira felicidade.

Desejo-te tempo, não apenas para esbanjares.
Desejo que os teus dias transbordem
de momentos maravilhosos e de confiança absoluta,
em vez de te fixares na lentidão dos ponteiros do relógio.

Desejo-te tempo para alcançares as estrelas,
e tempo para cresceres, para atingires a plenitude.
Desejo-te tempo para novas esperanças, para viver.
Pois não adianta deixar esse tempo para depois.

Desejo-te tempo para descobrires
felicidade em cada hora, em cada dia.
Desejo-te tempo e até pessoas para perdoar.
Desejo simplesmente que tenhas tempo para viver.

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Lolilas: um trabalho da artista plástica portuguesa Maria Rita

Lolilas: um trabalho da artista plástica portuguesa Maria Rita

A artista plástica portuguesa Maria Rita esbanja delicadeza em suas obras. Em seu atelier, em Minde, utiliza-se de diversos matérias e técnicas para dar dimensões aos seus mais variados sonhos.

Abaixo alguns exemplos de seu trabalho da coleção Lolitas. Para ver mais trabalhos e saber mais, visite seu site.

 

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DeclarAção, por Nara Rúbia Ribeiro

DeclarAção, por Nara Rúbia Ribeiro

Fica assegurado o direito à utopia.
E que as armas e os brasões da pátria respeitem
o nosso poder-dever de delírio.

Saibam que o nosso sonho
ganhou força em seus mil ocasos
e que hoje a sua voz
tem contornos de infinito.

Que o homem seja medido pela grandeza do que ama
e que sua estatura moral se registre
pelo tempo em que persevera
no estender de sua mão.

Que o sexo seja concebido sem pecado
e que todo homem seja nascido
do coração da Humanidade inteira.

Que tenhamos a decência de amar o humano
em sua grandeza ímpar, tenha ele a cor,
a dor ou nacionalidade que tiver.

E que nós, os loucos, os poetas
os sonhadores imprestáveis do mundo,
escrevamos um amanhã
que ainda pode ser hoje.

Nara Rúbia Ribeiro

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Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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Poesia através de parafusos

Poesia através de parafusos

Poesia através de parafusos: Um ferreiro evoca formas surpreendentemente humanas utilizando-se de parafusos. O Ferreiro e fotógrafo norueguês Tobbe Malm consegue criar esculturas extraordinariamente emocionantes usando parafusos antigos.

 

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Editorial CONTI outra.

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Amor sob medida

Amor sob medida

Por Luis Gonzaga Fragoso

A matéria do jornal informa que um grupo de cientistas americanos se debruçou sobre as respostas dadas à pergunta “Quanto tempo dura o amor?”. A pesquisa, realizada na Universidade de Wisconsin, ouviu moradores de 10 mil casas. Conclusão definitiva do estudo: o amor dura, no máximo, três anos. Determinada, portanto, a data de validade do deslumbramento, da paixão. Passada esta fase, garantem os cientistas, o arrebatamento dos primeiros meses se transforma em carinho, amizade, respeito, em qualquer outra coisa.

Lentamente, a ciência tenta derrubar as fronteiras entre a realidade objetiva e a alma. Há muito se canta este sentimento em prosa e verso; vãs tentativas de lhe dar sentido. Agora, colocado sob a lupa científica, ele recebe uma data de validade. Ultrapassada tal data, o “que não tem receita, nem nunca terá” corre o risco de embolorar, mofar.

Vivemos sob a ditadura das estatísticas e dos rankings. Hoje, uma partida de futebol ou um esporte qualquer é analisada à luz dos números. Na academia, o desempenho do docente ou pesquisador é medido pelo número de trabalhos publicados, pela quantidade de congressos de que participou. É a chamada “produtividade”. Você pode ser brilhante; se não produz, se arrisca a ficar fora do jogo.

Curiosa, a precisão da ciência ao determinar este período. O cara ou a garota fazem de tudo para a coisa dar certo, até que um dia deparam com o prazo categórico do cientista: três anos. Encontros tórridos, com troca de presentes e juras de amor podem se estender por mil e poucas noites, se tanto. Terminado este período, segundo os cientistas, a vida do casal será invadida pelo bafo quente da rotina.

Suponho que a geração atual esteja mais sossegada, neste sentido. Seguindo um carpe diem instintivo, talvez simplesmente namorem, e deixem rolar. Há quem opte por ficar – verbo recente em nosso léxico afetivo. Eu só fico curioso em saber a faixa etária de quem elabora esse tipo de pesquisa; saber mais sobre o perfil do leitor que realmente dá trela a tais conclusões científicas.

Em que medida a ansiedade e o medo de perder o parceiro são produtos da indústria de Hollywood, e de seus mitos do amor romântico?, talvez valha a pena perguntar. Afinal, sem o ideal do amor romântico, a indústria do cinema e da canção popular que se alimenta de temas como a ausência da pessoa amada, a dor de cotovelo e a “fossa”, simplesmente entraria em colapso.

Determinar a duração deste sentimento indefinível me soa como uma das muitas pretensões do ego. De tudo que já li sobre o amor, guardo o eco de uma frase de J. Krishnamurti, que provocou em mim uma ressonância de catedral. Não lembro as palavras exatas, mas a essência é esta: você é realmente capaz de amar alguém somente quando consegue eliminar da memória qualquer vestígio do passado desta pessoa. Endosso, e vou além: quando se livra de toda e qualquer ideia pré-concebida, de todos os preconceitos, da imagem cristalizada deste indivíduo, formada a partir de atitudes e comportamento do passado.

Ora, na medida em que o passado é constantemente destruído para ceder espaço ao amor, a própria concepção de tempo perde o sentido – o que, consequentemente, invalida este tal estudo científico. Assim, o verdadeiro amor nasce da intensa experiência do aqui-e-agora, que rompe qualquer vínculo com o passado (arrependimentos, culpa) ou com o futuro (ansiedade, expectativas).

Por trás desta obsessão em medir o tempo de tudo talvez esteja o desejo de controlar o curso dos acontecimentos, de atribuir alguma lógica às coisas do coração. A tentativa de explicar e dar sentido à vida e aos sentimentos traz uma sensação (ilusória) de segurança. Sensação que leva à preocupação com a estabilidade no emprego, o plano de saúde, o seguro de vida, a aposentadoria, e, por fim, com o tipo de jazigo. Basta saber quanta energia física e mental vale a pena investir neste processo. Pois a vida – corda bamba de riscos e aventuras – costuma ignorar planejamentos e qualquer tipo de certeza. E dá razão a Guimarães Rosa: “viver é muito perigoso”.

LUIS GONZAGA FRAGOSO

Tradutor e Revisor

[email protected]

Nota da CONTI outra: A publicação do texto acima foi autorizada pelo autor.

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Sou África…um poema de Énia Lipanga

Sou África…um poema de Énia Lipanga

sou África…

de olhos brancos
Que sente nos poros
A nascença da humanidade
Vidas do transacto tempo
Que nascem do rio da minha respiração
África sou
Meu pretérito ferido pela escravidão
Meus olhos com sonhos da imensidão
Outrora fustigada pela solidão
Sólida hoje, viva na vida dos meus filhos
África rasgada em lágrimas na então esfera
Renascida e cheia de esperança
Em meu ventre…
frutos da minha perseverança
Sou mãe…
pois ofereço a atmosfera
Bela e cheia de corres da natureza
Colorida de águas, banhada de infância
África de bela beleza
Sou África

Énia Stela Lipanga

Nota da CONTIoutra: O poema acima foi reproduzido com a autorização da autora.

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Lugar de Mulher, por Elika Takimoto

Lugar de Mulher, por Elika Takimoto

Por Elika Takimoto

Eu sou mulher, mas não tenho bundão, nem peito durinho nem coxas sem celulite. Eu sou mulher, mas não sirvo para embelezar estádios, para ser candidata a musa de torcida e aparecer em propaganda de cerveja. A minha sensualidade não pode ser vendida como atrativo porque ela está na minha inteligência. Entenda: não é a minha arquitetura que me define e sim a minha biblioteca. Sou mulher, mas a minha existência não gira ao redor da aprovação e da satisfação sexual masculina. Não deixo o mundo mais bonito quando uso uma roupa justa e sim quando falo, quando escrevo e quando trabalho.

Não vou negar que fico feliz quando alguém generosamente me acha bonita. Mas sei que a beleza enxergada o tempo já está levando e, em breve, pouco restará. Portanto, se me alegro quando elogiam a carcaça, regozijo-me quando enaltecem o que produzo intelectualmente: minhas aulas, meus textos e meus filhos.

Sou uma mulher madura pois gargalho por besteira. Sou delicada, não como um jarro de vidro mas tal e qual as manhãs: expulso a escuridão não somente ao colocar um salto alto e um vestido estampado de vez em quando, mas também – e principalmente – quando abro um livro ou a minha mente.

Sou mulher e não sou obrigada, por isso, a ter algum grau de parentesco com a Nossa Senhora. Sou dona de mim e rainha do meu Castelo. Não ostento jóias. Mereço mais profundidades. Sou o pássaro que canta não para comunicar-se e sim para permitir a primavera. De reta fiz-me curva ao olhar diariamente meu reflexo tão refratado e pleno de passados. Estou, paradoxalmente, cada vez mais presa aos que me libertam. Meu corpo carrega a história de tantas outras mulheres. Meu pretérito é imperfeito.

Meu tempo é hoje e ele não se mede por extenso. Mede-se pelas explosões e pela intensidade e complexidade dos momentos.

O meu lugar é onde eu quiser.

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Sérgio Ricciuto

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