Sou poeira de estrela

Por Nara Rúbia Ribeiro

Perdoa-me a indelicadeza de desnudar-me a ti. Talvez eu perceba que poucos me compreendam e saiba que podes compreender-me mais que todos os demais. Ademais, preciso revelar-te que já nos conhecemos.

Eu não sou destas paragens e estou neste planeta por breve passagem. Há muito soube que estrelas se desintegram. Soube ainda, ao ler os lábios de um anjo, que sou feita da poeira de uma estrela muito antiga e, em face de tal revelação, pude compreender o mundo e compreender-me em meu mundo.

Desprezo, sem pensar, tudo aquilo que me prende à matéria, ao chão, ao desejo de ter aquilo que vejo. Aprendi muito cedo que os sentidos não nos dão a perfeita dimensão das coisas e nada valoro que esteja ao alcance da mão. É que, feita de matéria etérea, eu sou o meu próprio castelo de ilusões intangíveis e emoções inventadas. Sou poesia que apronta, encantando, um verso que iluminará o dia que por certo nunca chegará, mas não se cansa (eu não me canso) de aprontar.

Os “nãos” que as vidas das minha vida, em suas idas e vindas, disseram, nem mesmo chegaram a machucar-me a alma. Sou a suficiência plena da simplicidade e da calma. Minha alma é leve e releva a gravitação da gravidade do mundo.
Ser poeira de estrela é ser pouco, rarefeita, imperfeita reestruturação de moléculas. Mas concedi à minha imperfeição a feição de obra prima e decidi amar-me acima da poesia de todas as coisas.

Saiba, é segredo, mas toda noite visito o firmamento, minha antiga morada, e ali consigo nutrir-me de alegria. Trata-se de um sítio sagrado, solo enluarado que pode ser cultivado sem sol e arado de sonho. Foi nesse outro mundo, (sei que não te lembras) que te conheci.

Do livro “Pazes”, no prelo.







Escritora, advogada e professora universitária.