O leão, segundo se conta, tinha a capacidade de voar, e naquele tempo nada escapava dele. Como ele não queria que os ossos de suas presas fossem quebrados em pedaços, ele fez com que um par de corvos brancos vigiasse os ossos, deixando-os para trás no seu covil, enquanto ele ia para a caça.
Mas um dia Sapo Grande foi até lá, e quebrou todos os ossos em pedaços, e disse: “Por que os homens e animais não podem viver muito?” E acrescentou estas palavras: “Quando ele vier, diga a ele que eu vivo naquele lago, se ele quiser me ver, ele deve vir aí.”
O Leão, estava caçando na floresta, e quis voar, mas ele descobriu que não podia voar. Então ele ficou com raiva, pensando que alguma coisa no covil estava errado, e voltou para casa. Quando ele chegou, ele perguntou: “O que você fez que eu não voasse?” Então, respondendo, os corvos disse: “Alguém veio aqui, quebrou os ossos em pedaços, e disse: “Se ele me quiser, ele pode procurar por min naquele lago lá longe!”
O Leão se foi, e chegou quando sapo estava sentado na margem, e ele tentou saltar furtivamente em cima dele. Quando ele estava prestes a pegá-lo, o Grande Sapo disse: “Ah!” e mergulhou, foi até o outro lado da piscina, e sentou-se lá. O Leão o perseguiu, mas como ele não conseguiu, ele voltou para casa.
Conheça a Claro TV e aproveite o NOW e a programação com os melhores canais com filmes, séries e muito esporte!
A partir desse dia, se diz, o Leão caminhou somente sobre seus pés, e também começou a se arrastar (quando espreitava e caçava), e os Corvos Brancos tornaram-se totalmente mudos desde o dia em que disseram: “Nada pode ser dito sobre esse assunto.”
A ideologia da vergonha é um termo usado por Christophe Dejours, um dos mais importantes estudiosos sobre psicodinâmica e psicopatologia do trabalho para falar de uma ideologia elaborada coletivamente e defensivamente contra a ansiedade de estar doente ou de estar num corpo incapacitado.
Ela é o reflexo da dificuldade de se aceitar a doença no espaço de trabalho. Pois, o corpo só é aceito quando saudável e produtivo.
Isso ocorre para qualquer tipo de doença, mas o peso é maior quando se trata de uma dor ou de problemas emocionais.
Diferente de uma doença física que pode ser comprovada por exames de sangue, imagens, etc., as doenças emocionais são muitas vezes, invisíveis aos olhos e por isso carregam um grande estigma e preconceito. Em muitos casos, a pessoa é desacreditada em sua dor, sua depressão é tratada como frescura, sua fobia e comportamentos compulsivos ganham apelidos e viram motivos de piadas. Outras vezes, os sintomas são confundidos com uma personalidade excêntrica, ou a agressividade como um comportamento competitivo e até desejado no ambiente de trabalho. Estresse até virou algo comum, como se fizesse parte da rotina e da normalidade da vida!
Quando alguém adoece mentalmente, muitas vezes se sente ainda pior por ter que esconder dos outros a sua dor e parecer bem ou forte. As exigências sociais, os papéis que devemos desempenhar, o risco da exposição e até a perda do emprego podem provocar isolamento e fazer com que a pessoa resista em procurar ajuda.
– Vai passar! – ela pensa.
– Levanta essa cabeça! Se anima! Olha as coisas que você tem! Vai passar! – ela ouve.
E se passa, o sofrimento era então uma invenção, era frescura! E se continua, a pessoa pode passa a ser mal vista no trabalho, piorando ainda mais o cenário estabelecido. Sente-se um “Fraco”!
A negação do próprio sofrimento leva a pessoa a uma dificuldade em ter uma atitude terapêutica que ajude na luta contra o problema. E o que vemos no consultório é que, muitas vezes, quando a pessoa procura um tratamento a situação já está muito mais exacerbada. O limite já foi excedido levando a um sofrimento maior que pode alcançar o corpo físico.
O que acontece é que não se trata apenas de evitar as doenças, mas de domesticá-las, contê-las, controlá-las e viver com elas. Tenta-se evitar ao máximo a constatação de que corpo e mente não estão mais sadios, até porque um não está separado do outro, o Ser adoece por inteiro!
O afastamento do corpo do trabalho, as mudanças decorrentes da doença e o desemprego tornam-se um fantasma que assombra em tempo integral. Traz a consciência que somos apenas humanos e como tal, temos nossos limites!
As empresas cobram produção, metas, acertos e não toleram falhas. O funcionário sente-se apenas mais um, igual à todos os outros colegas de trabalho. Corre atrás de cumprir suas metas, trabalha de 10 a 12 horas por dia para atingir o que lhe é exigido e não demonstrar fraqueza. Ao chegar em casa, cansado, continua com o pensamento no trabalho e não consegue se desligar sentindo-se ainda sob pressão. Acaba por isolar-se da família, pois esta não o compreende e “atrapalha” seu raciocínio. Ele precisa cada dia, mais e mais, mostrar seu comprometimento no trabalho sob o risco de perder o emprego e não conseguir arcar com suas despesas e manter o status. Pagar uma excelente escola particular para os filhos, a casa na praia, os carros, as viagens, e tudo mais. Não pode falhar, mas negligencia a si próprio.
Até que soa um alarme! Algo não vai bem! O que fazer? A empresa precisa de alguém produtivo e não de alguém adoecido e em sofrimento.
Temos aqui a doença como sendo o aspecto contrário do trabalho. E assim, o profissional sente-se envergonhado por não se sentir encaixado, por sentir-se improdutivo, não pertencer ao grupo dos “normais”.
Mas precisamos encarar os fatos reais! As pessoas estão adoecendo cada vez mais! As doenças emocionais já estão entre as três maiores causas de afastamento do trabalho nos últimos anos e a expectativa esse percentual aumente ainda mais.
Precisamos repensar a maneira como tratamos a saúde emocional nas organizações e na nossa sociedade. Precisamos evitar o sub tratamento ou a eclosão de atitudes desmedidas e desesperadas porque não houve espaço para a escuta e para o acolhimento.
Do mesmo jeito que “o trabalho enobrece o homem”, a saúde física e emocional é imprescindível para que ele desempenhe bem sua tarefa e possa contribuir para o futuro da nossa sociedade.
Nota da página: Psique em Equilíbrio é uma parceria Conti outra.
Autoras:
Lilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768
Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338
Rafal Olbinski é um artista polonês que imigrou para os Estados Unidos em 1981, onde logo se estabeleceu como um pintor de destaque, ilustrador e designer.
O trabalho de Olbinski é muito semelhante ao trabalho do famoso surrealista belga René Magritte; Olbinski descreve sua abordagem à pintura como um “surrealismo poético”.
Observe a imagens que a Conti outra selecionou para você e delicie-se com a poesia das abordagens.
Em março de 1964, a primeira página do new york times estampava : “durante mais de meia hora, 38 cidadãos respeitáveis, cumpridores da lei, no queens, viram um assassino perseguir e esfaquear uma mulher, em três investidas separadas e sucessivas, no Kew Gardens, ninguém chamou a polícia durante o assalto; uma testemunha telefonou depois que a mulher estava morta.“. O episódio do assassinato de Kitty Genovese, ficou mundialmente famoso e acabou gerando mais estudos sobre a apatia humana do que o próprio holocausto.
Estudiosos de todas as áreas das ciências sociais se debruçaram sobre o caso em questão, e assim nasceu o que foi chamado de ‘Efeito Espectador’, segundo o qual a presença de vários voyeur’s durante espetáculos questionáveis pode efetivamente inibir intervenções. É o famoso ‘deixa que o outro faz’. Acho que o brasileiro hoje em dia sofre disso.
Perdemos a capacidade de nos admirarmos frente à corrupção. Perdermos a capacidade de nos admirarmos frente à impunidade. O ‘jeitinho brasileiro’ tornou-se regra ao invés de exceção. E todas as pequenas e profícuas condutas dominadas pela antiética diária começaram a se tornar normais. E aí meu caro cidadão, o resultado da equação não poderia ser outro, senão o nosso cenário político atual.
Uma das grades maravilhas de ser criança, e um dos motivos pelos quais as suas mentes são tão perceptivas é a capacidade de se admirar. Isso ocorre porque elas vivem em um mundo no qual tudo é novidade, possuem a mente livre de pré-conceitos e ideologias e reconhecem que estão ali para absorver e criticar o que o mundo está lhe oferecendo.
É devido a esta capacidade de se admirar que elas conseguem aprender o certo e o errado. Mas além disso, conseguem distingui-los com precisão e sagacidade, muitas vezes colocando os seus pais frente a posições embaraçosas por não entenderem que podem existir mentiras boas, por exemplo.
Porque comecei o texto falando de um assassinato e agora estou falando sobre a benção de ser criança? Porque acredito que os dois exemplos traçam os limites antagônicos entre a apatia e o afã. Porque hoje milhares de brasileiros viraram crianças novamente. Pararam de olhar pela janela imobilizados enquanto o governo se apoderava despropositadamente e desmedidamente dos recursos públicos. Pararam de esperar dos outros telespectadores ação e decidiram agir por conta própria.
Que a apatia não faça mais parte das nossas vidas. Não só para ir a rua e protestar. também para não perdermos a capacidade de nos impressionarmos com aquilo que nos causa aversão. mas acima de tudo para termos a esperança renovada e a coragem de agir pelo que acreditamos.
Eu acredito em um Brasil melhor.
Nota da página: O texto acima foi escrito no último 15 de março, quando o povo se uniu apartidáriamente e por autoconvocação para demonstrar a insatisfação com a atual conjuntura econômica e política.
Texto reproduzido com a autorização da autora.
Marcella Starling
É mineira e paulista de coração. É advogada e estudante de economia. Está tentando ser aquela pedra jogada ao rio, que gera pequenas ondas ao redor.
Amanhã vai ser um dia complicado aqui, há movimentações a leste e o inimigo deve estar próximo. Temos muitas baixas no nosso batalhão e eu sou um dos poucos soldados com forças suficientes para pegar numa arma. Mas a pátria estará sempre em primeiro e a minha vida vem depois… se houver lugar. Mas a minha arma agora é apenas um bocado de madeira e grafite com que disparo palavras de amor, na esperança de te atingir o coração e deixar-te a morrer de saudades minhas.
Sabes amor, não te amava menos quando me zangava contigo e te desejava, sem querer, o pior do mundo. Não te amava menos quando acordavas com aquela cara de sono e um mau humor que afugentava meio mundo. Não te amava menos quando passavas o dia despenteada e com aquele pijama em que cabiam duas de ti. Não, nunca te amei menos em nenhum desses momentos e sabê-lo é a prova de que realmente te amei. Só sabia amarte mais, mais e mais, sabes que nunca fui inteligente como tu, deram-me uma arma para a mão em vez de um livro, mas amar-te cada vez mais é tudo o que eu preciso de saber. O teu olhar, o teu toque, o teu abraço, o teu beijo, foram as melhores batalhas que conquistei, e se algum dia venci uma guerra, essa guerra foi o teu amor.
Desculpa não estar aí ao teu lado, desculpa não poder levar-te o pequeno-almoço à cama naqueles dias de preguiça, desculpa não estar aí para apagar a luz do quarto quando está muito frio fora dos lençóis. Desculpa não estar aí para te contar aquelas piadas sem graça mas que te faziam sempre rir. Desculpa não estar aí para te amar de perto.
Pareço um parvo a falar, não é? Deixa-me ser parvo desta vez, só desta vez, deixame parecer uma criança a escrever uma carta de amor com aquelas frases simples, que na sua inocência e ingenuidade transmitem tanto carinho. Tu sabes que eu nunca fui muito bom com as palavras, gostava muito de saber escrever bem tudo o que sinto, já que as palavras são a única forma de te amar daqui.
Queria cometer uma loucura contigo, sabes? E que tal vivermos juntos para sempre? Parece-me uma boa loucura já que amar-te foi a forma mais saudável que encontrei de ser louco. O amor é sempre uma boa desculpa para cometer loucuras. Sim, chama-me doido, chama-me parvo, chama-me infantil, chama-me louco, acho que o amor tem de tudo isso um pouco. E é amor, que mais poderia ser? E é tão grande que o universo ao lado dele ficaria envergonhado. Tão grande que precisaríamos de uma outra pessoa para o transportar, uma daquelas bem pequenininhas de pegar no colo. Tu sabes que eu gostava muito de ter um filho, pelo menos um, mas teríamos todos aqueles que quisesses, e não te preocupes com as estrias que isso pode causar, prometo que eu iria gostar, pois seriam a lembrança das novas vidas que criamos. Desculpa a minha parvoíce, mas sou um parvo sincero. Amo-te tanto e o tanto que te amo parece tão pouco.
Estou a chorar princesa, estou a chorar porque tenho uma má notícia para te dar. Se estás a ler esta carta é sinal de que eu não poderei mais apagar-te a luz do quarto nas noites frias, levar-te o pequeno-almoço à cama ou dar-te um filho que tanto queria. Mas não fiques triste, estava a cumprir o meu dever. Posso já não estar cá mais, mas lembra-te que tu foste a melhor oportunidade de viver que a vida me deu. Não chores princesa.”
Nota da Conti outra: Agradecemos ao autor português Raul Minh´alma por nos enviar esse texto e autorizar a publicação nesse espaço.
A partir do momento em que perdemos a dimensão simbólica de algo ou alguma coisa tudo se torna concreto e ao mesmo tempo superficial.
Assim também ocorre com os símbolos pertencentes as datas comemorativas como a Páscoa, por exemplo. Neste caso, o Ovo de Páscoa, símbolo de nascimento e vida, torna-se um mero produto comercial e mercadológico, dos quais muitos aderem e outros fazem discursos contrários a sua compra.
Mas, se formos resgatar nossas memórias infantis, o que representava para nós o Ovo da Páscoa, trazido pelo coelhinho numa data esperada?
No meu caso, lembro-me de esperar todos os anos pelo tal coelhinho que traria um Ovo bem grande e gostoso – no caso meu pai – é claro! Imaginava qual seria o sabor, se realmente seria o meu preferido como eu desejava ou seria algum outro novo que também poderia me surpreender. O momento em que acolhia o grande ovo de chocolate nas mãos e abria o lacinho para desembrulha-lo era mágico. Abrir as duas partes para me deparar com os ovinhos ou bombons então, nem se fale! Lembro-me do barulho da embalagem, do sabor e do cheiro e me deliciar e me divertir enquanto comia aquela dádiva.
Podíamos pensar que era somente um chocolate qualquer, mas o fato de ser num outro formato e recheado de todo o ritual que o envolvia fazia com que ele se transformasse no Ovo da Páscoa, símbolo que transcendia sua concretude e trazia um sentido totalmente vívido à experiência.
Através de uma vivência aparentemente concreta eu experimentava o simbolismo do Ovo da Páscoa através desse processo, mesmo sem ter a menor consciência.
Na medida em que vamos perdendo essa dimensão simbólica, a sensação que eu tenho é que tudo também vai perdendo sua graça, a essência e com isso, a própria vida.
Então, o convite que eu faço a vocês é que recuperem dentro de cada um, e dentro de cada família essa capacidade inata e infantil que temos em “animar” a vida, trazendo a ela uma alma, um significado.
Retomemos os rituais como símbolos que transcendem a concretude dos objetos e das coisas para que possamos renascer para uma nova experiência e para uma nova vida!!
Você já parou para pensar sobre qual é o sentido da vida? Eu já, e muito. Eu não lembro exatamente quando foi que comecei a questionar a nossa existência aqui na Terra, mas foi aos 27 anos que resolvi colocar para fora minha inquietação. A solução que encontrei foi sair por aí perguntando a desconhecidos a resposta e compartilhar os depoimentos em um blog, o Vidaria (www.vidaria.com.br). Batizei o projeto de “Vidaria” em alusão a uma livraria, como se fosse uma “coletânea de sentidos da vida”.
Eu me formei em jornalismo em 2007. Quando comecei o blog, em 2013, eu já tinha bastante experiência em redações e em entrevistar pessoas. Mesmo assim, confesso que fiquei um pouco insegura ao fazer tão profunda indagação a desconhecidos. Não dá para abordar alguém na rua, de repente, com um: “oi, tudo bem, você sabe qual é o sentido da vida?”
Percebi a necessidade de criar intimidade com os entrevistados e conhecer suas histórias antes de fazer o filosófico questionamento. Com isso, tive contato com “vidas” que jamais conheceria se não fosse o projeto. Eu fui à prisão falar com detentas. Falei com moradores de rua. Conversei com milionários. Entrevistei artistas, empresários, pessoas que adquiriram doenças graves, como um câncer ou o vírus do HIV. Indaguei idosos e crianças. Falei com os turistas que vieram pro Brasil na Copa. Conversei com quem perdeu os pais ou um filho único. Com travestis, homossexuais, líderes religiosos. Questionei qual é sentido da vida aos meus próprios pais e familiares.
Há pessoas humildes que enxergam na vida uma forma de evolução. Outras que entregam a existência a Deus. Pessoas que citam fazer o bem, ser honesto, amar os demais, cuidar de familiares como o propósito da vida. Quem perdeu os pais ou um filho conta como encontrou motivo para superar a perda e seguir em frente. Ex-criminosas que se arrependeram de crimes e afirmam que querem melhorar. Há também quem não vê mais sentido na vida e apenas espera a morte. Quem se arrependeu de não ter vivido mais intensamente.
Com o passar do tempo, após ouvir tantas respostas, eu comecei a questionar: afinal de contas, qual é o sentido da minha própria vida?
Confesso que mergulhar no tema tem causado uma reviravolta em minha própria vida. Afinal de contas, quando paramos para pensar verdadeiramente “qual é o sentido da nossa vida”, a probabilidade de não encontrarmos uma resposta clara de imediato é muito grande. Também podemos perceber que a vida que levamos não é bem aquela que gostaríamos.
Longe de mim querer dar qualquer resposta. O meu intuito é apenas provocar a reflexar e mostrar respostas para nos inspirar e nos fazer refletir sobre a vida. Quem sabe assim não podemos dar um ponto inicial para direcionarmos nossas trajetórias para onde sinceramente queremos ir?
Para quem quiser acompanhar, vou compartilhar alguns dos mais de 100 depoimentos que já colhi aqui no Conti Outra. É claro que eles também estão no meu blog, o www.vidaria.com.br. E deixo aqui a reflexão: qual é o sentido da vida para você?
Existe no português uma palavra chamada solitude, que diferente de solidão é uma solidão voluntária, escolhida, desejada. Nós não somos muito acostumados a ligar vontade com solidão, por isso a palavra solitude é pouco usada. É meio óbvio pensar que as sociedades antigas só podiam dar nomes àquilo que elas viam ou que existia, pois é essencialmente da necessidade de dar nome e sentido às coisas que nasceram as palavras. Por isso ela existe não apenas no português, como também no inglês, e em muitas outras línguas.
Mas estão aí os dicionários a misturar sentidos e neles “solus” em Latim vem do ato de estar/sentir-se sozinho trazendo em si uma conotação meio triste, talvez porque a solitude contenha também certa melancolia em si. A verdade é que ninguém nos ensina sobre a tristeza, que é um dos nossos sentimentos primários*. As escritas, as religiões e a economia se encarregaram de transformar a felicidade em “commodity”, algo rentável incentivando assim uma busca excessiva por ela, e nessa busca não podemos dar espaço para algo (tão precioso) como a tristeza, ou entender que a vida é feita de ciclos e que devemos vivê-los inteiramente com a sabedoria de que não são eternos, pois tudo na vida é impermanente. A desconstrução faz parte de nosso crescimento e ela só nasce na tristeza. E acima de tudo isso, nós precisamos nos libertar das polaridades e aprender a substituir o “ou” pelo “e”, uma coisa sempre complementa a outra, sendo assim nós não somos felizes ou tristes, nós somos felizes e somos também tristes.
Se a solitude é melancólica, é também ela que dá força ao processo de morte e ressurreição; que dá beleza à arte; que os poetas declamam; que os músicos cantam; que os grandes filósofos tentam há anos entender; que a psicologia entende; que dá sentido ao ditado “antes só do que mal acompanhado”; que clama para que “conheça-te a ti mesmo”; é ela que dá sentido à insignificância. Aprender que o copo não precisa estar meio cheio, nem meio vazio. Ele está apenas vazio.
Mas não aprendemos a encontrar alegria na tristeza, queremos ser apenas felizes, então não escutamos falar da morte, nem da tristeza e muito menos da solitude, pois isso tudo não cabe na felicidade. Mas a verdade mesmo é que só amando e conhecendo esses três grandes conceitos é que encontramos a felicidade. Não falamos de solitude, mas fala-se em meditação, essa é a palavra da moda e confesso que não vejo toda essa grandiosidade no ato em si, porque aprendi a reverenciar a solitude de diversas maneiras, para mim ela não mora apenas no ato de meditar. E finalmente eu acredito que aprendi a amar o encontro e não a busca. Por isso não preciso de livros, mestres e dizeres. Para mim basta escutar o vazio. Viver a solidão voluntária, escolhida, desejada, amada, sagrada. Aprendi a sentar no desconforto e enfrentá-lo. Ele. O nada. The void. Aquele que tanto nos amedronta, paralisa. E entendo também agora porque passei a vida toda fugindo desse vazio ou tentando preenchê-lo.
Enfrentar o vazio é mesmo um ato de coragem, muita coragem. Olhar para a morte, olhar para a tristeza, olhar para o vazio e encontrar beleza neles, requer muita coragem. E eu achava que tinha coragem de sobra, pois me senti corajosa em muitos momentos de minha vida. Mas hoje entendo que coragem é algo muito mais grandioso do que eu sentia, pois enfrentar o vazio requer algo maior, uma coragem que eu não sabia que existia e muito menos que eu poderia ter. É essa coragem que precisamos para enfrentar nossa própria sombra, para desviar das muitas distrações que o caminho traz, para enfrentar os olhos desconfiados dos que nos cercam e confundem solitude com isolamento; é preciso muita coragem para olhar a morte na cara e parar para sentir a dor dilacerante que emerge dela; para sentir-se vazio; precisamos de coragem para entender e amar a grandiosidade que existe em nossa completa insignificância. Uma coragem que vem do seu próprio significado: no Latim coragem deriva da palavra “cor”, que tem a mesma raiz que a palavra coração.
A flor de lótus nasce da lama do fundo da lagoa e é ali que ela encontra forças para crescer solitária e emergir na superfície e assim florescer. Uma vez que floresce nenhuma sujeira prende-se às suas pétalas que mantém-se sempre limpas e sua semente pode germinar novamente após longos períodos dormentes. Apesar de poder estar rodeada de outras flores, ela faz todo o processo em solitude.
Uma das minhas passagens favoritas, que muito já citei, diz “um homem não é uma ilha isolada em si”, mas hoje discordo em partes. Somos ilhas porque somos únicos, porque o nosso mundo é inteiramente baseado no que experenciamos sozinhos, mesmo quando estamos cercados, mesmo quando nos distraímos, nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos, pois a experiência é única para cada ser. Ninguém nem nada pode nos tirar dessa condição de solitude, por tudo isso faz-se necessário conhecê-la e aprender a amá-la. O Budismo entende a beleza da solitude e usa a flor de lótus como uma bela analogia para isso. A flor de lótus nasce da lama do fundo da lagoa e é ali que ela encontra forças para crescer solitária e emergir na superfície e assim florescer. Uma vez que floresce nenhuma sujeira prende-se às suas pétalas que mantém-se sempre limpas e sua semente pode germinar novamente após longos períodos dormentes. Apesar de poder estar rodeada de outras flores, ela faz todo o processo em solitude.
E a busca, essa busca toda desenfreada, vem justamente da não apreciação dessa solitude, do medo que dá de vivê-la, da tentativa de preencher esse vazio. Mas ele está lá, sempre esteve e sempre estará. Todo mundo sente esse vazio, em maior ou menor escala, nas diferentes fases da vida, só não aprendemos ainda o que devemos fazer com ele. Então buscamos refúgio nas religiões, crenças, na medicina, nos outros para preenchê-lo sem lembrar que ele é o que nos faz humanos, únicos, isolados em nós mesmos.
Em seu recente livro “A festa da insignificância”, o grandioso e sábio escritor tcheco Milan Kundera nos convida a amar a insignificância e a insignificância traz o vazio em si. Insignificante é aquilo que é vazio de significado. E para aprender a amar o vazio, não precisamos ter posses, nem conhecimento de nada ou manual, aliás nem alfabetamento requer. Digo esse alfabetamento convencional, ler e escrever. Do contrário requer um profundo alfabetamento emocional, é preciso aprender a ler e escrever no vazio. Hoje olho para tudo que busquei um dia, e após minha tão recente experiência com a morte aprendi que é tudo tão mais simples do que eu pensava, a resposta está apenas em aprender a amar o vazio. Mas a sensação que tenho é que alguns amam mais a busca do que o encontro. Mas, há quem ame o encontro também. E o que posso dizer para estes é: escute o vazio, a tristeza, escute a morte. Porque tudo, tudo, tudo é insignificante diante dela. E mesmo assim a nossa libertação está em aprender a amá-la. E o vazio é aquilo que ela traz, é também o que nos faz maiores e melhores; pois é só o vazio que nos preenche.
“Agora, a insignificância me aparece sob um ponto de vista totalmente diferente de então, sob uma luz mais forte, mais reveladora. A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la.”
Milan Kundera em A Festa da Insignificância
*são consideradas por algumas linhas da psicologia como emoções primárias: medo, alegria, raiva, tristeza, afeto
A consciência do nosso corpo é fundamental dentro da prática da meditação. Ela nos ajuda a ancorar nossa atenção no momento presente e, juntamente com a respiração, auxilia na concentração e no desbloqueio de tensões.
Dores no corpo, em especial nas costas, são de longe uma das queixas físicas mais recorrentes. Quando observo cuidadosamente as pessoas e seus relatos, posso perceber que elas compartilham de alguns padrões da mesma natureza: tensão e rigidez muscular, má postura, respiração torácica e acelerada, além de estruturas mentais indicando algum nível de inflexibilidade ou controle.
Eu poderia aconselhá-las Yoga, alongamentos, massagens (e de fato o faço). Mas prioritariamente, há uma prática muito simples e eficaz que posso ensinar muito rapidamente e gostaria de aqui partilhar, pois tenho obtido excelentes resultados. A auto-observação corporal (ou “escaneamento corporal”) e o relaxamento consciente precisam ser incorporados em sua rotina diária para que possam surtir os devidos efeitos. A forma mais fácil é desenvolver o hábito da meditação silenciosa (como a Vipassana) e meditação com foco na respiração (Anapana), uma vez que o “escaneamento” corporal deriva das práticas meditativas.
Criar a rotina de fazer um “escaneamento” ou “check up” durante vários momentos no decorrer do dia irá ajudar você a não apenas ter maior consciência do que acontece em seu corpo, mas também lhe dará a possibilidade de romper com hábitos prejudiciais para consigo mesmo. Por exemplo, ao “escanear” seu corpo da cabeça aos pés, vá apenas observando quais partes estão tensas e rígidas. Nada além disso precisa ser feito: no momento em que perceber alguma parte “involuntariamente” contraída ou tensa, você irá relaxar automaticamente e sem esforço. E isso requer apenas alguns poucos minutos do seu tempo e pode ser feito em praticamente qualquer lugar.
Se você já descobriu que seu nível de estresse o faz tensionar o maxilar e morder a bochecha, ou então contrair os ombros para a frente, procure, durante momentos alternados do dia, observar essas regiões. No momento em que notar a tensão, você pode inicialmente dar o comando mental “relaxe” e, ao levar a consciência para estas partes do seu corpo, o padrão estará (ao menos temporariamente) quebrado.
Faça o escaneamento nas mais diversas ocasiões: desde o momento ao despertar na cama, ao sentar-se na frente do computador, ao dirigir, esteja sempre atento às necessidades do seu corpo. Com o tempo você perceberá que também estará mais atento aos seus pensamentos, suas emoções e sentimentos. De outra forma um pouco mais sutil, ao se perguntar várias vezes ao dia “como estou me sentindo em relação a determinada situação”, por exemplo, também obterá efeitos benéficos para seu corpo, pois um está relacionado ao outro.
No entanto, não seja neuroticamente rigoroso consigo quando esquecer e (principalmente!) quando perceber um determinado padrão ressurgindo repetidas vezes. Quanto mais tentar controlar para mudar ou eliminar, mais ele estará lá, automaticamente ativo nos momentos em que você estiver mais desatento. Portanto, dê o seu melhor, mas solte e relaxe sempre que lembrar. Dê tempo ao tempo e não pressione para que as coisas aconteçam da noite para o dia. Rupturas de estruturas físicas e mentais dependem muito do quão enraizadas elas estão em você. Persistência e paciência!
Nota: A Conti outra agradece a autora pelo envio do texto e autorização da publicação.
Grace Bender
Escritora, mestre em comunicação, pesquisadora, artista, entusiasta espiritualista e terapeuta / professora de yoga. Nas horas vagas contenta-se em contemplar, compor músicas e investigar seu próprio universo interior.
Era uma madrugada que já lambia a claridão que anunciava uma quarta-feira. Era um chão frio de terra batida que engolia as primeiras lágrimas daquela criança, pesando três quilos e quatrocentos gramas, deixada ali junto às sacolas de lixo e aos cães e gatos que se alimentam de restos de comida. O cordão umbilical ainda úmido denunciava as poucas horas da existência daquele pequeno ser.
Um homem que dormia em um barraco próximo escutou um barulho e pensou que se tratava de gatos, disputando ossos de frango e espinhas de peixe. Bichos comendo o que restou dos bichos. O senhor tentava dormir, mas a insistência daquele som o incomodava. Saiu à rua e se deparou com uma criança estreando, aos berros, o choro da precária essência. Estava embrulhada em uma manta azul rasgada.
O senhor chamou a polícia, a ambulância, os vizinhos, os gatos, os cães. Mostrou a todos aquele desprezo físico-concreto. O bebê chorava, os gatos choravam: homem e animal órfãos.
A ambulância levou o recém-nascido ao hospital, onde recebe carinho e cuidado das enfermeiras-mães. Nenhuma a sua. Deram-lhe um nome: José de Maria. Deram-lhe o calor e o alimento subtraído por aquela que lhe deixou à sorte do Mundo.
Onde estará Maria? Será que lhe incomoda o ventre ainda frágil e os seios petrificados pelo leite negado à cópia em miniatura?
Eduardo, não sei se lhe disseram isso. Mas viver é algo muito perigoso. Quando menos se espera, a morte nos toma de assalto, enquanto a gente caminha satisfeito porque a professora de Geografia não notou a tarefa mal feita e sorri pensando na comida da mãe ou na pelada a jogar no campinho de terra logo mais com os amigos.
Sabe, Eduardo. A vida realmente não é como o desenho animado, onde o Pica-pau leva tiro e não morre nunca. E, não sei se deu tempo de perceber, mas nem sempre o mocinho vence, no final da história. Aqui é uma terra meio confusa, sabe… Não raro alguém com farda de soldado tem sangue de bandido e, quando se depara com um pobre menino a subir o morro, a sede de sangue muitas vezes fala mais forte.
E pode ser até diferente. Pode ser o tal polícia de tanto colocar o peito na mira de tiro, já nem sanidade tenha e sequer enxergar consiga, tamanho o escuro em seu coração. Um poeta alemão disse, há muito, que “do rio que a tudo arrasta se diz que é violento/mas ninguém diz o quanto são violentas/as margens que o reprimem”. Talvez quem atirou (ainda não sabemos a circunstância) seja tão vítima quanto você.
O que acontece, Eduardo, é que a sociedade quer combater o fogo com fogo, e a fogueira só aumenta. O homem decidiu desumanizar o homem: bandido é bandido e tem que morrer (nem é gente), e tem que sofrer males físicos, e tem que ser submetido a trabalhos forçados e tem que receber o troco com a mesma moeda.
E a sociedade não percebe que quando desumaniza um humano ela agiganta o mostro latente na alma desse ser já infeliz. E que a cada dia o mal toma contornos mais fortes e mais invencíveis.
Por isso, Eduardo, vá passear lá em cima e volta! Talvez daqui a um tempo o brasileiro perceba que miséria só se desfaz com a generosidade. Veja que aqueles de tendência infeliz são os que mais necessitam, junto à reprimenda legal, de amparo, de orientação, mais necessitam de serem tratados como humanos e recebam do Estado brasileiro o tratamento digno, a oportunidade de ressocialização, a benesse de uma nova chance de vida.
E, quem sabe, primando o Brasil pela dignidade de todo e qualquer brasileiro, as nossas crianças se vejam blindadas de proteção e carinho. E possam, assim, caminhar sem o medo de que uma bala lhes colha toda a vida que ainda estão por viver.
O que está por trás das opiniões irredutíveis, dos comentários raivosos e da recusa de algumas pessoas em aceitar fatos concretos e científicos?
Por Lara Vascouto
Eu tenho uma mania pouco saudável: ler comentários em notícias e artigos na internet. Eu sei, esse é um erro básico de quem usa a internet regularmente, mas eu não resisto. Uma parte de mim ainda acredita que os comentários podem servir ao seu propósito: acrescentar informações, iniciar discussões mais profundas, questionar de maneira equilibrada e trazer novos e esclarecedores pontos de vista. Ao invés disso, no entanto, o que eu costumo encontrar são opiniões irredutíveis e agressivas, muitas vezes atacando o autor do artigo ou os autores de outros comentários. Além disso, a impressão que eu tenho, frequentemente, é a de que grande parte dos leitores mais agressivos nem chegou a entender o texto. Ou pior, nem chegou a lê-lo na íntegra.
Que absurdo! Esse filho da put* precisa saber o que eu acho disso! – disse o comentarista médio de internet depois de ler o título de um texto de dez parágrafos.
Conversando sobre isso com uma amiga recentemente, eis que ela solta, frustrada: argh, esse pessoal tem preguiça de pensar! Concordei vigorosamente com ela e, contentes com a nossa sintonia de pensamento, demos o assunto por encerrado. Mais tarde, no entanto, não consegui parar de pensar nisso. Será mesmo que as pessoas têm preguiça de pensar? Afinal, mesmo entre as pessoas que claramente leram determinado texto, você vai encontrar recusas agressivas e opiniões furiosas. O que está por trás, de verdade, das opiniões irredutíveis e agressivas que poluem a internet? Além disso, o que faz com que algumas pessoas se recusem a aceitar fatos científicos, reflexões bem embasadas e experiências vivenciadas no próprio dia-a-dia? Encontramos por aí milhares de pessoas que se recusam a acreditar na evolução; que não levam a sério o suicídio coletivo que estamos cavando com a destruição do planeta; que acham que as mulheres reclamam de boca cheia quando falam sobre desigualdade de gênero; que argumentam que o racismo não existe no Brasil e que quem fala sobre isso é racista…contra os brancos!; etc, etc, etc. Simplesmente não consegui acreditar que tudo isso fosse o resultado de simples preguiça de pensar e, pesquisando o assunto, eis que descubro que o buraco é realmente mais embaixo.
Em 1950, o célebre psicólogo Leon Festinger publicou um estudo que se tornou famoso no campo da psicologia. Para tal, ele e seus colegas se infiltraram nos Seekers, um pequeno culto que acreditava que extraterrestres estavam se comunicando com a líder do grupo através de mensagens psicografadas. Através de uma dessas mensagens, os aliens haviam passado a data em que a Terra seria destruída: 21 de dezembro de 1954. Com a aproximação do evento, muitos seguidores do culto largaram seus empregos, venderam seus bens e se prepararam para ser resgatados por discos voadores, tomando o cuidado até de remover zíperes de calças e casacos, pois o metal poderia ser perigoso dentro da nave alienígena. Taí um motivo inusitado para os pais não deixarem seus filhos usarem piercings.
Quando a data marcada veio e se foi e nada do que foi prometido aconteceu, a equipe de Festinger estava junto com os Seekers e pôde observar em primeira mão a sua reação. Surpreendentemente, ao invés de rejeitar a crença absurda depois da prova irrefutável de sua inexistência, os Seekers rapidamente começaram a racionalizar os acontecimentos. Logo, uma nova mensagem chegou através da líder do grupo: o pequeno grupo, que esperara a noite inteira, havia espalhado tanta luz que deus resolveu salvar o mundo da destruição. Ou seja, o fato de eles terem acreditado na profecia salvou a Terra da profecia! Mais bizarro ainda foi que aconteceu depois disso. Ao invés de continuarem, então, sua existência quieta e pacífica, os Seekers começaram a tentar converter outras pessoas para o culto. De repente, porque a sua crença foi tão brutalmente desafiada, ela se tornou ainda mais urgente e verdadeira para eles.
Desde então, muitos outros estudos comprovaram que as nossas crenças preexistentes, por mais ilógicas que sejam, são tão poderosas que são capazes de influenciar as nossas opiniões, mesmo quando novos fatos e descobertas são apresentados. Basicamente, nós tendemos a acreditar em informações que confirmam as nossas crenças e a ignorar, fazer pouco caso, ou até vociferar contra informações que as desafiam. O problema, chamado de raciocínio motivado, pode ser explicado pela descoberta neurocientífica de que as nossas emoções são ativadas antes do nosso raciocínio, quando somos confrontados com novas pessoas, situações e ideias. A repulsa natural que sentimos contra informações que desafiam a nossa visão de mundo, por sua vez, contamina o nosso raciocínio, fazendo com que ao invés de raciocinar sobre um determinado assunto, nós o racionalizemos, buscando pensamentos e memórias falsos que reforcem as nossas crenças preexistentes. É por isso que, às vezes, ao invés de uma frase agressiva, você vai ver um verdadeiro texto agressivo nos comentários, empenhado em justificar a opinião contrária com fatos, relatos e informações facilmente refutáveis (às vezes até pelo próprio texto que está sendo criticado).
É o famoso ‘falou, falou e não disse nada’.
Baseados em crenças preexistentes, nós também decidimos se uma fonte é confiável ou não. Ou seja, nós costumamos invalidar uma fonte, seja ela científica ou não, caso essa fonte apresente informações que vão contra as nossas crenças. Por esse motivo, infelizmente, é extremamente difícil conseguir convencer as pessoas de algo diretamente, através de dados claros e cálculos irrepreensíveis, se esse algo desafia a visão de mundo dessas pessoas. Pior: muitas vezes, quando confrontadas com fatos irrefutáveis, elas se tornam ainda mais radicais e fervorosas.
Pensando em tudo isso, não pude deixar de concluir: não é exatamente preguiça de pensar – apesar de ela ter, sim, um papel nessa história toda – mas sim medo de pensar o responsável principal por muitas aberrações que vemos, não só na internet, como no mundo. Afinal, pensar – raciocinar mesmo – além de muitas vezes exigir que a pessoa confronte e abandone suas próprias crenças, frequentemente exige que ela assuma responsabilidades e aceite mudanças. E este é um processo doloroso, contra o qual a nossa própria biologia luta o tempo todo.
No entanto, felizmente nós também somos seres extremamente sociais. Com isso, nós sentimos forte a necessidade de validação de nossas atitudes e crenças, o que torna oraciocínio motivado vulnerável para processos racionais de debate e crítica. O questionamento constante e o pensamento crítico, portanto, devem ser incentivados por todos e em todas as esferas da sociedade. Afinal, como apontado pela célebre filósofa e cientista política Hannah Arendt, a recusa em refletir, em se fazer perguntas difíceis, em dialogar frequentemente consigo próprio e a nossa propensão a sucumbir a falhas de pensamento e de julgamento são todos fatores que já levaram – e levam todos os dias – o ser humano a realizar atrocidades inimagináveis.
E contra isso nós devemos lutar, nem que isso signifique ter que lutar contra si próprio.
Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.
Lara Vascouto
Internacionalista, ex-Googler e fanática por ler e escrever textos bem-humorados. Optou por ser pobre e feliz na praia ao invés de rica e triste em São Paulo.
Para mais artigos da autora acesse seu blog Nó de Oito
A palavra “crítica” vem do grego krinein/kriticos e do latim criticu, que diz respeito à crise: provocar a ruptura. Desde o filósofo grego Aristóteles, com sua “Poética”, o primeiro a fazer um balanço crítico, o ser humano se acostumou a analisar uma forma de arte com seus sentidos aguçados. Porém, a prática dessa vertente da filosofia nunca foi compreendida no Brasil. O olhar mais arguto que pretende fragmentar o trabalho na procura de qualidades e defeitos acabou se tornando sinônimo de chatice, o extravasamento de um cineasta frustrado, entre outras definições mais grosseiras. A culpa não é somente do público, daquele raro receptor que se interessa em ler sobre cinema. Esses, sem exagero, merecem uma maior valorização, quando percebemos que o simples hábito da leitura do jornal diário, em nossa nação, já é atitude de poucos.A culpa recai mais sobre os ombros dos próprios profissionais da crítica cinematográfica, aqueles que tratam o tema como se escrevessem de dentro de uma loja maçônica, objetivando mais acarinhar seu ego, que prestar um serviço em favor da Arte.
Não se deve entregar o peixe, exercendo o exibicionismo teórico, mas, sim, ensinar a pescar, ajudar o interessado a aprimorar cada vez mais seu olhar. A maior recompensa para um crítico é perceber que seus leitores estão aprimorando seus gostos, aprendendo a enxergar além da superfície, entendendo como suas emoções foram geradas. Ao mesmo tempo, quando o texto estimula uma atenção exagerada aos aspectos teóricos, pode acarretar ao leitor um prejudicial desprendimento emocional, arruinando parte considerável da experiência. É preciso simplificar ao máximo, sem banalizar a informação. E a paixão, onde entra nessa equação? Meu grande ídolo na crítica cinematográfica é François Truffaut, um homem que era completamente apaixonado por filmes, fazia da Sétima Arte sua religião, colocava o coração na frente da razão. Ele enxergou em Hitchcock uma riqueza autoral que os críticos americanos ignoravam, elevou o diretor ao posto de mestre do suspense. Os críticos franceses da época buscavam o tesouro escondido nas obras menos pretensiosas, uma atitude que acabou sendo copiada pelo mundo afora.
“Elsa e Fred”
A razão que me fez escolher esse tema foi rever “Elsa e Fred”, filme argentino que levou muita pedrada dos críticos, porém, foi abraçado carinhosamente pelo público brasileiro. O diretor Marcos Carnevale regeu em 2005 essa preciosidade que, uma vez presenciada, faz com que nos lembremos para o resto da vida. Não por sua perfeição técnica ou por atuações exemplares, mas por sua enorme sensibilidade e lirismo ao tratar de um tema difícil. Fred (Manoel Alexandre) é um viúvo septuagenário apaixonado por sua vida rotineira, organizado e avesso a qualquer tipo de aventura ou novidade. Sua ambição é viver o resto de sua vida em paz, porém seu caminho se cruza com o de sua vizinha Elsa (China Zorrilla), outra septuagenária viúva que é o completo oposto dele, ama viver a vida intensamente, muito comunicativa e irreverente. Desse encontro raro nasce uma amizade incomum, onde um aprende com o outro e acabam se apaixonando, da maneira mais verdadeira e bela possível. Carnevale aborda o tema com extrema coragem, sem perder o bom humor e a leveza que elevam esta obra um nível além dos romances usuais que nos acostumamos a ver. Ele salienta que a trama não é apenas sobre um amor entre duas pessoas, mas, sim, sobre um sentimento maior que o puro amor, um elemento transcendental que os torna sócios de um projeto de vida, que dá luz a final muito tocante. Aqui não existe clichê algum, nenhum personagem estereotipado, como é o costume em obras românticas. Sua ideologia baseia-se apenas na vontade essencialmente humana do casal que pretende desfrutar o máximo de amor que podem viver pelo tempo que lhes é dado. Uma experiência imperfeita e inesquecível, que fala direto ao coração, renova as esperanças e a confiança no ser humano em um tempo onde precisamos desse tipo de bálsamo.
“Cantando na Chuva”
E quando o preconceito, na própria crítica profissional, ocorre com gêneros, como o terror, a ficção-científica, ou os musicais? Costumo escutar que o gênero musical não é feito para todos. Muitos dizem que odeiam quando o protagonista interrompe um diálogo e começa a cantar. Seriam o canto ou a dança, um complemento natural ou algo desnecessariamente forçado? Em um filme de ação, vibramos quando o protagonista consegue guiar seu carro com apenas duas rodas, realizando manobras impossíveis, saindo ileso e ainda conseguindo enfrentar o vilão e seus asseclas armados de mãos vazias, vencendo ao final. Por que seria tão absurdo compreender a felicidade do personagem de Gene Kelly, dançando e cantando na chuva, após ver realizados todos os seus sonhos? Ele entoa sorridente: “I’m happy again”. A superação dos problemas é o que o impulsiona naquele momento. A vida como aparentemente intermináveis gotas de chuva, cuja queda ele faz questão de não impedir com sua sombrinha. Oferecendo a um desconhecido aquele guarda-chuva, ele segue despreocupado rumo aos próximos obstáculos que precisará atravessar. Ambos são exemplos de uma mesma categoria. A Sétima Arte tentando tocar o intangível, procurando formas de expressar radicalismos artísticos. Caso sejam utilizados com inteligência, podem resultar em cenas como a de “Perfume de Mulher”. Uma simples dança resolveu provavelmente o que tomaria uma página e meia de roteiro. A maneira sutil com que o personagem cego de Al Pacino demonstra sua dignidade ao dançar, seu comprometimento com sua parceira e o olhar de admiração de Chris O´Donnel já expressam todas as intenções, elevando a qualidade do filme como um todo.
Existem cenas de dança que nos apresentam um personagem, de maneira tão espetacular, que não haveria roteiro no mundo que o fizesse melhor em diálogos. Como Tony Manero (John Travolta) em “Os Embalos de Sábado à Noite”. Por mais que o diretor John Badham tenha realizado um incrível trabalho, só conseguimos nos lembrar da mítica sequência de dança, que representa não apenas o extravasamento de todas as angústias pessoais do personagem de Travolta, como serve para demonstrar sua maior fraqueza: seu orgulho. Definitivamente, não é apenas uma cena de dança. Mesmo em musicais grandiosos como “Sete Noivas para Sete Irmãos”, “Chicago”, “Moulin Rouge”, “Hair” e “A Noviça Rebelde”, o papel da música é o de tentar expressar o inexpressável, assim como o herói que em uma guerra se apossa sozinho de um tanque de guerra e destrói o covil do inimigo. E, convenhamos, acho mais verossímil cantar e dançar na chuva, que tentar sozinho, com um facão, eliminar um exército.
A arrogância na escrita não combina com um profissional que verdadeiramente ame essa Arte, é algo antagônico à sensibilidade que se faz necessária ao analisar alguma obra. Como desprezar gêneros, atores, ou cinematografias de qualquer nacionalidade? Até mesmo no filme mais imperfeito existe beleza. O dever do crítico profissional é procurar, com amor e contínuo estudo, abrir as portas e conduzir a luz.
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.