O amor em tempos de colheita

O amor em tempos de colheita

Amor, colheita e prosperidade

Por Marcela Alice Bianco

Certa vez escutei uma história que, verídica ou não, fez todo sentido dentro da minha experiência pessoal.

“Numa floricultura em Nova York existia uma florista que todas as manhãs fazia pequenos arranjos de flores e os deixavam expostos gratuitamente para que aqueles que passassem pudessem levá-los consigo. Entre os arranjos, estavam os feitos por um certo monge e estes eram justamente os primeiros que as pessoas levavam. Intrigada com a predisposição que todos tinham pelas flores do monge, a florista resolveu deixá-los bem atrás dos outros. Mas, mesmo assim, eles continuavam a ser os escolhidos! Então, ela resolveu ir até o monge e perguntar qual era o seu segredo. E a resposta que obteve é que nada de diferente era feito, mas que a cada arranjo montado ele colocava e emanava todo o seu amor e energia para que aquele pequeno presente fosse fonte de beleza e alegria para as pessoas que o levassem”.

Você pode estar se perguntando: Como apenas a intenção dele era capaz de produzir tal efeito?

Sinceramente, me faltam as explicações lógicas e científicas para lhe trazer essa resposta. Mas, o que eu vejo na minha própria vivência e nas histórias de muitas outras pessoas que conheço é que realmente “o olho do dono engorda o gado!”

Todas as coisas que nos propomos a fazer com empenho, dedicação, carinho e amor acabam atraindo resultados mais favoráveis do que se apenas investirmos energia material ou nos dedicamos somente o mínimo necessário. A colheita pode até vir num momento ou de um jeito diferente do que você espera, mas ela acaba chegando.

Então que dizer que a nossa colheita e a prosperidade têm a ver com o amor que colocamos em tudo que fazemos?

Acho que não só! Os frutos dependem também do nosso trabalho na realidade, do nosso foco, dos objetivos que traçamos para nós e que vamos em busca de concretizar.

Portanto, de nada adiantaria o monge apenas olhar para as flores e enviá-las vibrações de amor. Ele precisava “pôr a mão na massa”, escolher as flores, montar os arranjos e dispô-los para a florista. De outra forma sua intenção não se realizaria jamais!

Assim, para a colheita da prosperidade é preciso arregaçar as mangas, preparar a terra, escolher as sementes e semeá-las, regar e proteger. Enfim, tomar todos os cuidados para a plantação vingar e trazer os frutos desejados.

Portanto, se você está num momento que almeja pela prosperidade e ela ainda não chegou na sua vida é a hora de se perguntar: Eu realmente estou depositando no meu sonho tudo o que eu preciso para que ele se realize? Eu sei preparar o solo, escolher as sementes e plantar? Isso que eu quero é realmente o que eu amaria ter ou fazer?

São várias as respostas a serem buscadas, eu sei! Mas, se você quer descobrir qual o caminho e compreender porque algo misterioso simplesmente acontece, você precisa seguir o exemplo da florista da história e ir em busca do conhecimento.

Mas lembre-se, o primeiro amor que você precisa emanar e o primeiro investimento que precisa fazer é sobre você mesmo! E que, assim, você consiga, no momento certo colher a tão sonhada prosperidade!

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“Crise de valores exige revolução na Educação”, afirma o indicado ao Nobel da Paz/2015, Claudio Naranjo

“Crise de valores exige revolução na Educação”, afirma o indicado ao Nobel da Paz/2015, Claudio Naranjo

Claudio Naranjo,  professor em Berkeley e candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2015 dará palestra gratuita em São Paulo no próximo dia 5 de maio, no Colégio Dante Alighieri, às 19 horas, para pais e educadores. E vai lançar seu novo livro, onde afirma que a crise de civilização que vivemos só pode ser superada por uma mudança profunda no modelo educacional – evoluindo da transmissão de conhecimento para formação de competências existenciais (detalhes abaixo).

Em livro que será lançado em 5 de maio, Claudio Naranjo alerta que sistema educacional não deve se limitar a transmitir informações, mas ensinar “competências existenciais

“A crise que estamos enfrentando não é apenas econômica, mas multifacetada e universal, e pode ser um sinal da obsolescência do conjunto de valores, instituições e hábitos interpessoais que chamamos ‘civilização’. Precisamos de uma mudança da consciência e o melhor caminho é a transformação da educação, por meio de uma nova formação de educadores – orientada não só para a transmissão de informações, mas para o desenvolvimento de competências existenciais”. Esta é a proposta de Claudio Naranjo, médico psiquiatra, professor em Berkeley, e pioneiro da psicologia transpessoal, além de autor de importantes obras sobre o desenvolvimento psicológico e espiritual nos últimos 40 anos.

Diante do cenário de crise econômica e social em diversos países, o pesquisador conclui: os livros podem transmitir conhecimento, mas atitudes só podem ser ensinadas por pessoas; e o atual modelo educacional deixa o aspecto pessoal do professor em segundo plano. Assim, as escolas ainda não cumprem um dos quatro pilares estabelecidos pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1990: o de educar para Ser.

Naranjo se notabilizou, além de seus estudos, pela criação do Programa SAT (Seekers After Truth, ou, Em Busca da Verdade), um processo de autoconhecimento pelo qual já passaram milhares de pessoas no mundo todo e que envolve a inteligência emocional e espiritual dos indivíduos, por meio de técnicas psicológicas de Gestalt e dos Eneatipos, desenvolvidas por ele.

A palestra de Claudio Naranjo abordará um tema que será aprofundado em um “Encontro de Educadores”, a ser realizado nos dias 7 a 9 de agosto, no mesmo Colégio Dante Alighieri. Neste evento, os educadores analisarão as principais queixas com relação ao sistema de ensino e criarão projetos que possibilitem desenvolver as competências existenciais dos alunos. Encontro semelhante já foi realizado na Espanha e deve se repetir no México, Argentina e Uruguai.

Ainda em maio, no dia 14, o pesquisador também fará uma apresentação na Câmara dos Deputados, em Brasília, com o tema “A cura pela Educação – uma proposta para uma sociedade enferma”.

Do livro

O novo livro de Claudio Naranjo, “A revolução que esperávamos” (Verbena Editora), alerta para a necessidade de integridade, solidariedade e consideração afetiva neste momento de crise. “Não adianta somente ir às ruas protestar se não houver também uma revolução no comportamento individual”, afirma Fátima Caldas, médica neurologista, psicoterapeuta e representante para assuntos de educação da Fundação Claudio Naranjo no Brasil.

A proposta de solução está no texto de apresentação do novo livro: “Até hoje conhecemos apenas revoluções políticas e ideológicas, e o que sucede agora é uma revolução da consciência… Só despertando de nosso cego sonambulismo poderemos evoluir. O final do patriarcado, a transformação da educação, o desenvolvimento dos três amores e o caminho do autoconhecimento são algumas das propostas com as quais o doutor Naranjo formula um diagnóstico profundo dos problemas globais, bem como dos antídotos necessários à transformação de um mundo em crise”.

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O Dr. Claudio Naranjo (Valparaíso, Chile, 1932) é médico psiquiatra, criou a psicologia dos eneatipos e há 40 anos vem desenvolvendo a sabedoria do eneagrama. É uma referência mundial da terapia Gestalt. Em seu périplo vital, recebeu ensinamentos de mestres como Swami Muktananda, Idries Shah, Oscar Ichazo, Suleyman Dede, S.S. o Karmapa XVI e Tarthang Tulku. Fruto deste amplo aprendizado, desenvolveu o Programa SAT. É membro do Club de Roma e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Údine (Itália). A fundação Claudio Naranjo tem sede em Barcelona, Espanha.

Sobre a palestra

05 de maio de 2015 – 19 horas
Auditório do Colégio Dante Alighieri
Alameda Jaú 1061- Jardim Paulista (São Paulo/SP)

ENTRADA FRANCA – Aberta a pais e educadores
Inscrições: www.encontrodeeducadores.com.br/conferencia

Palavras grandes que recriam saudades

Palavras grandes que recriam saudades

Por Ana Vieira Pereira

Tive uma colega angolana (creio que no 4º ano) que chegou a Portugal logo após a Revolução dos Cravos ter se apoderado das ruas. Não vou saber agora por que mesmo é que ela e sua família chegaram tantos meses antes de Lisboa ser inundada pelo que, na altura, eram chamados de “retornados” – oriundos dos novos países tornados independentes em 1975, que pelos mais variados motivos preferiam manter a nacionalidade lusa a assumir a incerteza de uma nova nação, africana e cheia de horizontes. Incerteza por incerteza, não sei qual será a avaliação que farão hoje os atores daqueles dias, mas certamente os bairros de lata por toda Lisboa e arredores não parecem tão diferentes das cidades de caniço pela África ex-colônia dos dias de hoje.

A Glória veio de Angola, nascida em Benguela, oeste do país, e, dentre as muitas coisas que trouxe na sua bagagem, tinham grande efeito sobre nós em primeiro lugar a sua fada madrinha, que se presentificava repentinamente nas quinas do teto da sala de aula, fazendo-a gritar histérica nos momentos mais aterradores da vida escolar (as chamadas orais) e permitiam-nos dois dedos de ar fresco enquanto Dona Esp’rança a acalmava e jurava que “ali não há ninguém, menina, acalme-se lá…”. Desconfio que Glória tivesse esses acessos de visitação da sua madrinha fada quando não tinha a menor ideia do que tratavam as perguntas que estavam a ponto de lhe fazer, ou quando realmente estivesse morta de medo desse país estranho que não reconhecia as bagagens que ela trazia e a fazia refugiar-se nos braços dessa madrinha de nome impronunciável.

Disse-me, numa das raras vezes que fui até sua casa, burlando a vigilância da minha avó, que não podia mais cantar, que era o que mais gostava de fazer, porque só sabia cantar na “língua dos pretos” e tinham-na proibido de o fazer. Dizia que lhe diziam que esquecesse e se habituasse ao novo país e à nova vida, mas a mãe que mal saía da cama, o irmão desaparecido e a falta do pai que ninguém sabia ao certo onde estava, não permitiam que nada saísse da sua memória. Glória tinha saudades de tudo, do cheiro, da cor, da impressão do vento quando ia à praia e os vestidos voavam porque se aproximava uma tempestade, das viagens à ilha de São Tomé, de onde voltavam com café e cacau, da vida à beira mar com sempre sempre calor. Glória detestava a chuva miudinha e os dias gelados, a impressão de que nunca mais nada estaria quente e seco. Não sei porque, mas lembrar da Glória recria-me as saudades que nunca tive dela, como se tivesse sentido a sua falta ao longo dos últimos 30 anos. Muito raramente me lembrei dela, sequer consigo ver-lhe as feições claras na minha memória fraca, mas comove-me extraordinariamente o pouco de que me lembro.

[quote_box_right]Glória tinha saudades de tudo, do cheiro, da cor, da impressão do vento quando ia à praia e os vestidos voavam porque se aproximava uma tempestade, das viagens à ilha de São Tomé, de onde voltavam com café e cacau, da vida à beira mar com sempre sempre calor.[/quote_box_right]

Havia outro efeito que produzia sobre nós, que eram acessos de riso cada vez que uma palavra grande a deixava em pânico. Hoje, imagino que realmente ela sofresse, mas na altura só ríamos e ríamos e ríamos, porque o pânico dela a fazia falar coisas que ninguém entendia, na tal “língua de pretos” – provavelmente uma das variantes do umbundu que mais se fala em Angola. Era realmente estranha, e hilária, a Glória e o seu pavor de palavras grandes.

Fui lembrar-me da Glória justamente porque descobri que esse medo, que não é tão incomum, tem nome – quem tem medo de palavras grandes sofre de (pasmem!) hipopotomonstrosesquipedaliofobia – porque hipopoto significa “grande” e vem do grego; monstro, do latim, já se sabe porque não mudou nada; sesquipedali, também do latim, é ao pé da letra “palavra de um pé e meio de largura”, o que é grande realmente; e fobia, igual a medo.

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A Glória, coitada, morreria de medo da palavra que fala do seu medo. (Como será mesmo que os hipopotomonstrosesquipedaliofóbicos se referem ao seu distúrbio?) Não existe maneira de descobri-la, depois de tantos anos, nem há na verdade motivo que me leve a isso, e esse impedimento e falta de motivo faz com que reveja diante dos olhos as imagens borradas de tantos que ficaram presos no passado, de onde acenam, como hoje a Glória, desesperados por se tornarem presentes e me fazerem entender que, sem eles, eu não seria quem sou, ainda que não me lembre de muitos dos seus nomes, da entonação das suas vozes ou do brilho dos seus olhos, ou até porque mesmo é que me lembro deles.

É claro que é a minha imaginação que os pinta desesperados assim; é mais provável que seja eu a procurar-me no passado em desespero, quando me parece tão difícil alimentar o presente com uma perspectiva de futuro, tudo tão enclausurado e preso dentro dos tubos finos das convenções – como aquelas que diziam, a Glória, que ela não podia cantar na língua dos seus pretos, que era, tanto quanto deles, a sua própria. Esse emaranhado de impressões de pessoas que já me foram e não me são mais, salva-me dessa agonia que deve ter sido a da Glória, talvez. As pessoas de hoje, num futuro quem sabe próximo, também se emaranharão em mim, e delas terei saudades, e por elas chorarei desconsolada por não as ver refletidas no espelho que construí, mas sabendo que com cada retalho de espelho desfeito posso construir um mosaico que reflita o mundo por onde andei.

Reprodução do texto autorizada pelo blog parceiro

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contioutra.com - Palavras grandes que recriam saudadesAna Vieira Pereira é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.

Só vingam os amores descuidados

Só vingam os amores descuidados

Por Clara Baccarin

Só vingam os amores que nascem pelas costas, longe dos olhos, longe da atenção. Só vingam os amores esquecidos, que brotaram de uma semente cuspida pela boca num terreno baldio. Só vingam os amores abandonados, longe das janelas, longe da materna presença. Só vingam os amores náufragos, sobreviventes, órfãos, enviesados, sinuosos, crescendo tortos à procura de alguma luz. Enraizados no vento, a produzir seiva de uma fantasia, de uma lembrança. Só vingam os amores desencontrados, que passam uma vida sem se consumir, que morrem intactos, enrijecidos, nutridos pela vontade. E morrem velhos porque não se gastaram. Só vingam os amores proibidos, distantes, estrangeiros, desconhecidos e cegos.

Só vingam os amores descuidados.

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O livro da verdade perdida

O livro da verdade perdida

Por Joana Nascimento

Era apenas mais uma entrevista com um personagem para construir uma boa matéria a ser entregue no trabalho. Acabou sendo uma bela e instigante história encontrada e a descoberta para apreciação de mais uma forma de fazer arte e produzir cultura. A minha pauta consistia no seguinte: fazer algumas perguntas para divulgar um evento de promoção da leitura, engendrado por uma senhora.

Mesmo estando de folga – recesso de feriado – peguei meu caderninho e minha caneta (não sou muito afeita a gravar entrevistas, gosto de anotar porque assim o texto já vai se desenhando em minha cabeça), e fui até à casa daquela que seria a minha fonte.

Começamos o nosso bate-papo e a senhora foi me entretendo facilmente com a explicação detalhada de como funciona a iniciativa que gerou o evento: há mais de 20 anos, em 1992, ela tinha descoberto que trazia em si o dom da oratória: sabia contar histórias e estórias de forma envolvente. Como boa escritora que é, um assunto puxava o outro, que desencadeava um terceiro.

Foi quando ela começou a me contar como aconteceu o seu noivado, anos atrás, que me perdi no enredo que ela narrava com intensidade e nostalgia.

Antes eu costumava pensar que, nos tempos de outrora, aqueles casamentos que aconteciam de maneira meteórica eram intempestivos e precipitados. Hoje, embora ainda ache que as coisas eram feitas de forma apressada e mediante pressão familiar e social, tento pensar na parte que também explica um pouco a mentalidade da época: as pessoas tinham mais honra e dignidade.

Pois bem, a senhora e seu ex noivo são um exemplo do paradigma daquela era.

Seus olhares se entrecruzaram num casamento de parentes em comum. Durante a festa de celebração do matrimônio, conversaram como velhos conhecidos, ou melhor, como recém apresentados, ávidos para saber um pouco mais, ou tudo, um sobre o outro. Na mesma noite, o rapaz, mais velho que a senhora então moça, lhe propôs um namoro, que teria que ser levado à distância, pois a moça, mineira, teria que suportar o trabalho dele, que o alocou no Ceará. Porém, para firmar compromisso, ele garantiu que em seis meses estaria de volta para dar-lhe a aliança de noivado e, mais um semestre depois, estaria pronto o casamento. Feliz e encantada, ela aceitou na hora.

Foram meses de troca de cartas poéticas, de se conhecerem mais a fundo e de se apaixonarem. Tudo acontecia como num romance, orquestradamente.

Como ocorre com milhões de almas amantes, que sofrem um baque imprevisto, às vésperas do matrimônio, baseada numa simples resposta que o noivo dera aos tios mais velhos, a moça decidiu não mais se casar. Por aquelas infelizes palavras, toda a imagem que ela havia construído de seu amor tinha sido manchada, desmoronando os planos feitos.

Desesperado com a decisão da moça, o rapaz voltou do Ceará definitivamente, pensando que, sanado o problema da distância, ela reataria. Nada feito. Na verdade, eles não mais se falaram e o moço nunca ficou sabendo as reais razões que levaram ao rompimento.

Como naquela época não tinha facebook ou instagram, ela nem mesmo postou qualquer indireta para que ele pudesse entender as entrelinhas.Como a vida não para para curarmos nossas dores de cotovelo, os caminhos dos dois tomaram rumos completamente diferentes.

O ponto final  dessa relação será posto agora, após tantos anos. A senhora, já bem resolvida, faz, do que lhe deu fôlego para continuar, o meio pelo qual revelará esse segredo que guinou sua trajetória ao terreno do imprevisto. Num livro já escrito, porém não publicado, ela, utilizando metáforas e outras figuras de linguagem, externa o que guardou há tempos.

Adianto, apesar de arrependimentos e da fantasmagórica pergunta ‘e se?’ que a acompanha, ela conseguiu se tornar o que julgava ser impossível caso tivesse consumado o casamento.

Quando a senhora concluiu a narrativa, percebi que tinha largado a caneta e protagonizado uma daquelas imersões que só acontecem quando estamos lendo um livro ou vendo um filme que sejam excepcionais a nosso entender.

Aquela entrevista não foi somente boa para que eu concluísse uma demanda de trabalho, também abriu os meus sentidos para a arte da contação de histórias. Uma das mais antigas formas de expressão cultural do mundo. Não me lembro de ter sido envolvida assim por um caso contado pessoalmente. Na verdade, são raras as vezes em que consigo abstrair de tudo ao redor, ou dos pensamentos incômodos que às vezes invadem a cabeça de todos nós e nos desvia a atenção do que merece. É mágico estar totalmente conectada a uma história ou estória, que sejam.

Outro estranhamento que me acometeu trata da minha aversão (não sei bem desde quando) a romances melódicos. Nada contra os apreciadores, mas, nos últimos tempos, todos os filmes ou livros que vi e li nada tinham de histórias de amor, não desse tipo de amor. Eu optava por obras cuja a história de dois amantes não era o mote, melhor ainda se não fosse nem o plano de fundo.

Talvez eu passe a direcionar meus olhares a essas narrativas sensíveis. Ou não. Pode ser que apenas essa, em especial, tenha me tocado a ponto de querer compartilhar com vocês.

Ao fim, o que penso, e talvez vocês também, é: o principal interessado no conteúdo do livro encontrará a verdade perdida que mudou a sua vida?

Joana Nascimento 

contioutra.com - O livro da verdade perdidaSou jornalista e aspirante a produtora e crítica cultural, e, bem incipiente, roteirista de cinema.
Acredito piamente no conhecimento do maior número de textos teóricos, narrativos e imagens como forma de evolução mental e espiritual.
Embora tenha vontade, sei que uma pessoa não muda o mundo, mas creio que cada cabeça individual é um universo diferente, e este, nós podemos melhorar sempre. O impacto positivo no todo externo será sempre progressivo e crescente.
Gosto de escrever sobre existencialismo e condutas de vida, sempre fazendo analogias com filmes, livros, música e teatro. Conheça mais em www.joananasc.blogspot.com.br.

Não existe fora

Não existe fora

Por Adriana Vitória

Uma das coisas que sempre me preocupou na infância, entre tantas outras, era o consumismo excessivo das pessoas e qual seria o fim que aquelas coisas teriam, para onde iria todo aquele lixo?

A China ainda nem sonhava em produzir tantos objetos inúteis de R$0,99 e o consumo na época, relativo ao tamanho da população, era mínimo.

De lá para cá, o mundo vem produzindo toneladas de porcarias indestrutíveis de plástico, oriundas do petróleo, mas apesar de tantas facilidades do mundo ultra moderno, parece que quanto mais as pessoas consomem, mais insatisfeitas se tornam.

Li outro dia uma citação que dizia: “Do ponto de vista do planeta, não existe jogar lixo fora, porque não EXISTE fora !”

NÃO EXISTE FORA !

A reciclagem no mundo ainda é precária e já acumulamos toneladas de lixo tóxico sem nem sabermos como nos livrar dele.

Obviamente, não quero um mundo inabitável pra minha filha, mas também não o quero para mim.

Hoje, discutir a saúde do planeta virou moda. Henry David Thoreau já falava incansavelmente deste assunto no século 19, mas de uma forma neurótica, aparelhos eletrônicos são trocados a cada seis meses porque os antigos tem um botão a menos, brinquedos de plástico e eletrônicos são dados aos montes para as infelizes crianças que já nem sabem mais como se divertir, máquinas lavam roupa 24 horas por dia porque uma camiseta foi utilizada pra dar uma volta no mercado e já não serve mais, sem falar em toda uma lista interminável de desperdício. Desperdício de tempo, de alimento, de água, de energia, de vida.

Milhares de seres morrem de fome e abandono a cada hora neste mundo e nós, esta pequenina parcela que tem acesso a computadores e mídias como o Facebook, somos todos responsáveis.

Como podemos falar de amor e generosidade se mal sentimos isso por nós mesmos ou pelo pequeno planeta que nos acolhe?

Somos mesmo criaturas muito bizarras e paradoxais, mas acho que esta na hora de nos enxergarmos como um todo, sermos menos egoístas, lembrarmos de quem nós somos e questionarmos nossos comportamentos.

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lixo e aves marinhas

A linha entre loucura e genialidade é mais tênue do que se imaginava

A linha entre loucura e genialidade é mais tênue do que se imaginava

Matemático, esquizofrênico e paranoico, John Forbes Nash é um gênio. Reconhecido mundialmente por ganhar o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas, o estudioso também acredita que aliens o recrutaram para salvar o mundo. E sobre isso, Forbes disse: “As minhas ideias sobrenaturais vieram da mesma maneira que as matemáticas. Por isso, decidi levar as duas igualmente a sério”.

E Nash está longe de ser o único gênio “louco” da história. Vincent Van Gogh, Virginia Woolf e Ernest Hemingway são apenas alguns exemplos de pessoas geniais que sofriam de doenças psicológicas. Exatamente por isso, muitos pensaram durante anos que a criatividade estava estritamente relacionada à psicopatologia.

Porém, psicólogos vêm afirmando que essa constatação pode ser um engano. Para eles, há dois fatos que reforçam o contraponto: há inúmeros gênios “normais” na história da humanidade; e manicômios não costumam produzir grandes finalidades criativas.

Então a ligação existe ou não? Estudos empíricos afirmam que sim, a genialidade possui uma forte relação com a loucura. O mais importante processo entre elas é a desinibição cognitiva: a tendência de prestar atenção a coisas que normalmente seriam ignoradas ou filtradas por parecerem irrelevantes.

Esse tipo de percepção foi o que motivou Alexander Fleming a descobrir a penicilina e muitos outros exemplos. O mesmo serve para o campo artístico, que normalmente valoriza as “coisas mundanas” e dá protagonismo à rotina, muito retratada na literatura, no cinema, na música, etc.

Contudo, a desinibição cognitiva é associada às patologias psicológicas. Por exemplo, esquizofrênicos acabam se bombardeando com informações que talvez pudessem ser “filtradas”. Para Shelly Carson. pesquisadora de Harvard, essa é uma diferença essencial entre os gênios e os “loucos”: agregar à sua máxima inteligência o conceito de desinibição.

“Inteligência excepcional pode ser útil, mas sem a cognição ela não consegue ser original e surpreendente”, conta a pesquisadora. Para ela, pessoas com QI elevado nem sempre são capazes de produções geniais.

As pessoas criativas, no entanto, caminham entre o normal e anormal, encontrando impulsos e ideias capazes de gerar conteúdos diferenciados. Como John Forbes Nash disse: “A racionalidade do pensamento impõe um limite na relação das pessoas com seus cosmos”.

Fonte indicada: Revista Galileu

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SALVADOR DALI: LOUCURA E GENIALIDADE DIALOGANDO (FOTO: REPRODUÇÃO)

10 coisas que o mundo me ensinou e tive que desaprender

10 coisas que o mundo me ensinou e tive que desaprender

Por Clara Baccarin

Pretendo escrever um texto curto sobre esse assunto que para mim é tão vasto. Listar 10 coisas que tive que desaprender na vida é quase como escrever a biografia do meu descaminho, já que na maioria dos dias, eu levo minha vida justamente num remar contra a maré, num contestar padrões e num contradizer valores. Mas prometo ser sucinta desta vez, apontar essas 10 coisas escolhidas ao léu nessa terça-feira ensolarada, depois de tantos dias nublados e nessa casa cheia de janelas insinuantes e convidativas olhando pra mim enquanto escrevo e dizendo “vem logo pra vida!” Pretendo ser sucinta no texto porque hoje o dia é lá fora, e a introspecção ficará esperando a quarta-feira. A boa consequência é que você também poderá ler isso aqui rapidinho. Então vamos lá!

10 coisas que o mundo me ensinou e eu tive que desaprender:

1. Aprender a desaprender

Acho que quero dizer com isso que aprendi a analisar antes de concordar com o que já vem pronto, e analisar pode ser uma atividade profunda, tem muito a ver com se conhecer, com não se deixar levar por ideias de grupos, amigos, namorados, família. Tem a ver com um diálogo interno e um afastamento das situações, por mais que elas envolvam emoções e vontade de pertencer e compartilhar ideias que o tornariam uma pessoa legal aos olhos alheios. Ouvir, entender e falar consigo mesmo, eu realmente acredito nisso. Qual é o outro lado da moeda? Qual é a opinião contrária? Enfim, tudo, absolutamente tudo, é contestável, tem dois lados e deve ser refletido.

2. O silêncio fala mais do que grandes conversas

A fala excessiva anestesia os sentidos e outras formas de perceber o mundo. O mundo sempre me ensinou que quem fala, quem se comunica, quem tem o dom da palavra dita alta é poderoso, inteligente, conhecedor de coisas desse mundo. Pode ser mesmo, mas o silêncio, o aprender a escutar e sentir não só as pessoas, mas os olhares, os gestos, as estações, os sorrisos ou as faltas deles, te leva a conhecer coisas além desse mundo. Shh! Fiquemos um pouco quietos e escutemos os ecos dentro de nós que sempre são abafados pela fala excessiva. O silêncio tem tanto para nos dizer!

3. É melhor ser inteira do que ser boa demais

Escrevi assim esses dias “o meu lado mais bonito é a minha amizade com o meu lado mais feio”. Eu não quero eliminar o meu lado feio, mas quero entende-lo e deixa-lo ficar, porque acredito que o lado feio sempre fica de todo jeito e acredito que ser muito bom é só uma habilidade de esconder esse lado debaixo do tapete e não olhar pra ele. Mas ele mostra as caras cedo ou tarde. Acho que conhece-lo é também saber lidar com ele. Estou desaprendendo a ser linda e boa para ser inteira!

4. “A preocupação é um desperdício da imaginação”

Li essa frase em algum lugar esses dias. E acho que é uma coisa que desaprendi, a não me preocupar tanto. Essa vida louca que nos faz pensar que devemos ser sérios, e termos sempre algo para nos preocupar. Claro que sempre há problemas: pessoais, sociais, políticos, culturais, ambientais… Evitar a preocupação exagerada não quer dizer fingir que os problemas não existem, mas é manter a calma para lidar com eles, é deixar de se preocupar sempre para poder usar o cérebro para algo mais prazeroso: imaginar! Lembrei agora de uma outra frase: “a imaginação é a inteligência se divertindo”. E eu acabo de criar mais uma frase agora: “a preocupação é a inteligência se poluindo”.

5. Ser distraído e bobo te levam além

Como o mundo prega a importância de estar o tempo todo ligado, preocupado, ativo, útil, maquinal… Como o mundo é um joguinho em que os espertos vencem, te deixam para trás, te usam se preciso, ambicionam e alcançam a qualquer custo. E os bobos, os do mundo da lua, os que conseguem imaginar histórias e ver detalhes, os distraídos que dormem e ainda sonham, que acordam e ainda sonham, que proliferam sentimentos, que conservam a capacidade de sentir ao invés de entender, esses vivem! E os que entendem tanto tudo e todos, que não caem em armadilhas, também desaprendem a se entregar e a viver profundamente, porque ao entender demais o medo surge e domina tudo. Benditos os distraídos que ainda conseguem, mesmo que por um tempo limitado, naufragar na beleza das emoções e das pessoas.

6. O meio termo e o equilíbrio não me servem

O mundo fica ensinando a ir em busca de um tipo de conforto que me parece, às vezes, nos fazer viver como zumbis – cegos e sonâmbulos. Queremos ver a vida através dos nosso olhos preocupados e da vontade atenta de não fazermos papel de bobo, e o nosso gol se torna alcançar um pedacinho no mundo em que sejamos mais espertinhos, em que conheçamos todos os cantos, em que nos relacionemos sem grandes conflitos e que possamos seguir uma rotina sem grandes descobertas. Para mim isso parece, além é claro de uma monotonia, um viver em cima do muro, num equilíbrio estático, chato e pobre. Prefiro o inferno ou o polo norte, o morno me exaure e me mata lentamente.

7. “Onde não puder amar não se demore”

Gosto muito dessa frase do escritor brasileiro Augusto Branco. Acho que a vida ensina a sermos rasos e insistentes, frios e comprometidos, focados e calculistas. Eu não. Sou profunda e não me demoro quando encontro campos inférteis, só fico se há amor, paixão, interesse… Há de haver um tempo dos amores crescerem e frutificarem? Sim, acredito nisso, tento cultivar amor, mas se ele não desponta, nem devagar, nem naturalmente, acredito na partida. Amor que é bom é orgânico, não precisa de tanta luta, nasce e cresce sozinho. Mas há pessoas que pavimentaram o próprio coração. E aí eu pergunto: para que desperdiçar sementes no asfalto? Desenvolvamos olhos para ver terras férteis! Maturidade é saber onde derramar a intensidade.

 

8. O trabalho não é a coisa mais importante do mundo

Pode até ser que seja, se for por uma causa, uma missão, uma paixão… Mas desacredito na ideia de que trabalho enobrece. Nem sempre, nem sempre. Muitas vezes, é bem o contrário disso. É triste ver que pagar as contas e construir uma aposentadoria, garantir um futuro confortável, seja o maior objetivo da vida das pessoas. Sei que pagar as contas é um mal necessário, mas não acho que esse deva ser o maior objetivo de todos.

9. A loucura é saudável

Loucura, palavra tão ampla de significados. Pode ser uma extravagancia, um exagero, uma imprudência. Pode ser uma fuga, uma tentativa cega no desconhecido, um experimento, um contato com o novo, uma curiosidade que te faz querer ir além do sensato. A minha loucura é apenas uma incapacidade de pertencer a estereótipos. Loucuras sensatas me interessam.

10. Eu não sou o que como, eu não sou o que tenho

Desaprendendo isso também, acredito apenas que: “Eu sou o que sonho”.

E agora eu vou para a vida lá fora! 😉

Arriverderci!

Nota da Conti outra: O texto acima foi publicado neste espaço com a autorização da autora.

 

Casa arrumada é assim, por Lena Gino

Casa arrumada é assim, por Lena Gino

Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto…

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.

Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias…
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…
E reconhecer nela o seu lugar.

Nota da Conti outra: Agradecemos pela intervenção dos leitores. A autoria equivocadamente atribuída à Drummond foi retificada com auxílio dos leitores da página. A verdadeira autoria é Lena Gino do blog Mundo Paralelo.

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Uns Outros

Uns Outros

Por Patrícia Dantas

Uns outros, é como ouso chamá-los! – já que não se mostram para minha profunda perplexidade e comoção.

Às vezes, vejo-os como tochas diante de um circo em algazarra, balançando as feras, com o intuito escancarado de arrancar risos inocentes de rostos que não pretendem se mostrar ao final da apresentação.

Preferem ser Uns Outros. Distantes. Intocáveis. Irreconhecíveis. Porque se mostrar conhecível e completo pode acarretar tremendas perdas. Difícil encontrá-los em seu estado líquido, filtrado, incomensurável.

Cruzamos com eles em todos os lugares, é você que está logo aí, sou eu que distribuo seu comportamento inexplicável em minha folha branca que pausa como uma insígnia secular, completando-se no correr das minhas forças.

É preciso mais que saber expressá-los, porque eles necessitam vir de um riso afoito e provocante – louco e esvoaçante, cheio de preferências pelo inusitado.

Também sou Uma Outra, desconhecida quando me olho ao longe, refletida no espelho que engana nossa percepção mais aguçada. O que ele quer com tamanha realidade jogada aos nossos olhos? poderia ser mais sutil, como o toque aveludado do amante que chega de máscaras para realizar a fantasia na sua noite dos mascarados.

Espera! Como ouso falar de algo que não entendo como posso descobrir? Essa questão de chocar a realidade como um surto de loucura que corre solta não pode sair dos palcos, do teatro, da fantasia, das inesquecíveis ficções, das tramas fragmentadas, dos personagens megalomaníacos e totalmente desprendidos de si.

É que bem lá no íntimo tenho algo de chocante e desproporcional, que luta, corre, devaneia, grita, que não suporta correntes nem meios-termos, que se eriça frente ao rosto vivo e visto todos os dias. É a roupa sempre nova. Um corpo leve e renovado. É o próprio palco armado cheio de personagens de mundos possíveis.

Às vezes mostro, outras vezes escondo o que me é essencial.

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Imagem: do filme Blue Jasmine

Sobre o amor

Sobre o amor
Andrew Ferez

Por Lúcia Costa

Sobre o amor se demoram os olhos, luzes castanhas que se reconhecem.

Sobre o amor se derramam a água, o vinho, o orgasmo.

Sobre o amor se constroem a casa com teto de vidro, paredes brancas e piso de mármore que abrigam os pés que dormem entrelaçados.

Sobre o amor mora o ciúme:  medo de que esse planeta feito para dois seja invadido por um estrangeiro de olhar fresco.

Sobre o amor mora a saudade: olhos-inverno, desertos distantes.

Sobre o amor dorme esse “eu te amo”, grito da alma que te aguarda há anos na mesma calçada de onde me disseste “Adeus”.

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Arte Andrew Ferez

A educação que rouba dos jovens a consciência, o tempo e a vida – entrevista com Naranjo

A educação que rouba dos jovens a consciência, o tempo e a vida – entrevista com Naranjo

Fonte:

contioutra.com - A educação que rouba dos jovens a consciência, o tempo e a vida - entrevista com Naranjo

Quando ouvimos este psiquiatra chileno de 75 anos, temos a sensação de estarmos diante de Jean-Jacques Rousseau do nosso tempo. Ele nos conta que esteve bastante adormecido até os anos 60, quando se mudou para os EUA, se tornou discípulo de Fritz Perls, um dos grandes terapeutas do século XX, e passou a integrar a equipe de terapeutas do Instituto Esalen da Califórnia. A partir deste momento passou a ter profundas experiências no mundo terapêutico e espiritual. Entrou em contato com o Sufismo e tornou-se um dos introdutores do Eneagrama no Ocidente. Ele também se aprofundou nos estudos do budismo tibetano e do zen.

Claudio Naranjo tem dedicado sua vida à pesquisa e ao ensino em universidades como Harvard e Berkeley. Fundou o programa SAT, uma integração de Gestalt-terapia, o Eneagrama e Meditação para enriquecer a formação de terapeutas  professores. Neste momento, lança um alerta contundente: ou mudamos a educação ou o mundo vai afundar.

– Você diz que para mudar o mundo é preciso mudar a educação. Qual é o problema da educação e qual é a sua proposta?

– O problema da educação não é de forma alguma o que os educadores pensam que é. Acreditam que os alunos não querem mais o que eles tem a oferecer. Aos alunos vão querer forçar uma educação irrelevante e estes se defendem com distúrbios de atenção e com a desmotivação. Eu acho que a educação não está a serviço da evolução humana, mas sim da produção ou da socialização. Esta educação serve para adestrar as pessoas de geração em geração, a fim de continuarem sendo manipulados como cordeiros pela mídia. Este é um grande mal social, querer usar a educação como uma maneira de embutir na mente das pessoas um modo de ver as coisas que irá atender ao sistema e a burocracia. Nossa maior necessidade é evoluir na educação, para que as pessoas sejam o que elas poderiam ser.

A crise da educação não é uma crise, entre as muitas crises que temos, uma vez que a educação é o cerne do problema. O mundo está em uma profunda crise por não termos uma educação voltada para a consciência. Nossa educação está estruturada de uma forma que rouba as pessoas de sua consciência, seu tempo e sua vida.

O modelo de desenvolvimento econômico de hoje tem ofuscado o desenvolvimento da pessoa.

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– Como seria uma educação para a qual sejamos seres completos?

– A educação ensina as pessoas a passarem por exames, não a pensarem por si mesmas. É um tipo de exame em que não se mede a compreensão e sim a capacidade de repetir. É ridículo, se perde uma grande quantidade de energia! Ao invés de uma educação para a informação, precisamos de uma educação que aborde o aspecto emocional e uma educação da mente profunda. Para mim parece que estamos presos entre uma alternativa idiota, que é a educação secular e uma educação autoritária, que é a educação religiosa tradicional. Está tudo bem separar o Estado e a Igreja mas, por exemplo, a Espanha, tem descartado o espírito, como se religião e espírito fossem a mesma coisa. Precisamos que a educação também atenda à mente profunda.

– Quando você fala sobre a espiritualidade e a mente profunda o que quer dizer exatamente?

Tem a ver com a própria consciência, com essa parte da mente da qual depende o sentido da vida. Está se educando as pessoas, sem este sentido. Tampouco é uma educação de valores, porque a educação de valores é demasiadamente retórica e intelectual. Os valores deveriam ser cultivados através de um processo de transformação pessoal e esta transformação está longe da educação atual.

A educação deve também incluir um aspecto terapêutico. O desenvolvimento pessoal não pode ser separado do crescimento emocional. Os jovens estão muito danificados afetiva e emocionalmente pelo fato de que o mercado de trabalho esta absorvendo os pais que não têm mais disponibilidade para os filhos. Há muita carência amorosa e muitos desequilíbrios nas crianças. Não pode aprender intelectualmente uma pessoa que está emocionalmente danificada.

O lado terapêutico tem muito a ver com resgatar na pessoa a liberdade, a espontaneidade e a capacidade de satisfazer seus próprios desejos. O mundo civilizado é um mundo domesticado, tanto a formação, quanto a criança, são instrumentos desta domesticação. Temos uma civilização doente que os artistas perceberam há muito tempo e agora cada vez mais pensadores, percebem também.

A educação parece interessada apenas em desenvolver as pessoas racionais. Que outras partes mais poderiam ser desenvolvidas?

-Eu coloco ênfase de que somos seres com três cérebros: temos cabeça (cérebro intelectual), coração (cérebro emocional) e intestino (cérebro visceral ou instintivo). A civilização está intimamente ligada à tomada do poder pelo cérebro racional. No momento em que os homens predominaram no controle político, cerca de 6000 anos atrás, instaurou-se o que chamamos de civilização. E não é só o domínio masculino e nem só o domínio da razão, mas também a razão instrumental e prática, que se associa com a tecnologia; é este predomínio da razão instrumental sobre o afeto e a sabedoria instintiva, que nos tem empobrecido. A plenitude só pode existir em uma pessoa que tem os três cérebros ordenados e coordenados. Deste meu ponto de vista, precisamos de uma educação para os seres com três cérebros. Uma educação que poderia ser chamada de holística ou integral. Se vamos educar a pessoa como um todo, devemos ter em mente que a pessoa não é apenas razão.

Ao sistema convém que cada pessoa não esteja em contato consigo mesma e nem que pense por si mesma. Por mais que se levante a bandeira da democracia, ele tem muito medo que as pessoas tenham uma voz e estejam conscientes. A classe política não está disposta a investir em educação.

– A educação nos faz mergulhar em um mar de conceitos que nos separam da realidade e nos aprisiona em nossa própria mente. Como se pode sair desta prisão?

Esta é uma grande questão, uma questão necessária, no mundo educacional. A ideia de que o conceitual é uma prisão, requer uma certa experiência de que a vida é mais do que isso. Para quem já tem interesse em sair da prisão intelectual, é muito importante ter disciplina para parar a mente, ter a disciplina do silêncio, como praticado em todas as tradições espirituais: cristianismo, budismo, yoga, xamanismo… Parar os diálogos internos, em todas as tradições do desenvolvimento humano, tem sido visto como algo muito importante. A pessoa precisa se alimentar de coisas a mais, do que conceitos. O sistema educacional quer aprisionar o indivíduo, em um lugar onde ele esteja submetido a uma educação conceitual forçada, como se não houvesse outra coisa na vida. É muito importante, por exemplo, a beleza…a capacidade de reverência, de admiração, de veneração e de devoção. Isto não tem a ver necessariamente com uma religião ou um sistema de crenças. É uma parte importante da vida interior que está se perdendo, da mesma forma que estão perdendo, belas áreas da superfície da Terra, a medida que se constrói e se urbaniza.

[quote_box_right]Às vezes estamos em busca do ‘Ser’ e às vezes ficamos confusos em busca de outras coisas menos importantes, como o sucesso e a fama.[/quote_box_right]

– Precisamente, quero saber sua opinião sobre a crise ecológica que vivemos.

Ela é uma crise muito evidente, é a ameaça mais tangível de todas. Você pode facilmente prever que, com o aquecimento global, com o envenenamento dos oceanos e outros desastres que estão acontecendo, muitas pessoas não poderão sobreviver.

Estamos vivendo graças ao petróleo e consumimos mais recursos do que a terra produz. É uma contagem regressiva. Quando ficarmos sem o combustível, será um desastre para o mundo tecnológico que temos.

As pessoas que chamamos primitivas, como os índios, têm uma maneira de tratar a natureza que não vem do sentido utilitário. Na ecologia, na economia e em outras coisas, temos dispensado a consciência e trabalhado apenas com argumentos racionais que estão nos levando ao desastre. A crise ecológica só pode ser interrompida com uma mudança pelo coração, com a verdadeira transformação que só um processo educativo pode dar. Com isto, eu não tenho muita fé nas terapias ou religiões. Só uma educação holística poderia evitar a deterioração da mente e do planeta.

– Poderiamos dizer que você encontrou um equilíbrio em sua vida nesse momento?

-Eu diria que mais e mais, apesar de eu não ter terminado a jornada. Eu sou uma pessoa com muita satisfação, a satisfação de ajudar o mundo que estou. Vivo feliz, se é que se pode ser feliz nesta situação trágica em que todos nós estamos.

-A partir de sua experiência, da sua carreira e sua maturidade, como você processa a questão da morte?

-Em todas as tradições espirituais aconselha-se, a viver com a morte ao lado. Você tem que chegar a essa evidência de que somos mortais, e que levar a morte a sério não será tão vaidoso. Não teremos tanto medo das coisas pequenas, quando temos uma coisa maior com que nos preocupar. Acredito que a morte só é superada para aqueles que de alguma forma, morrem antes de morrer. Precisamos morrer para a parte mortal, para a parte que não transcende. Aqueles que tem tempo, suficiente dedicação e que vão suficientemente longe nesta viagem interior, finalmente encontram seu verdadeiro Eu. Este ser interior ou este ser que é um, é algo que não tem tempo, e dá a uma pessoa uma certa paz ou um sentimento de invulnerabilidade. Estamos tão absortos em nossas vidas diárias, em nossos pensamentos de alegria, tristeza, etc…Não estamos em nós mesmos, não temos conhecimento de quem somos. Para isso, precisamos estar muito sintonizados com a nossa experiência de tempo. Esta é a condição humana, estamos vivendo no passado e no futuro, no aspecto horizontal de nossas vidas, porém, desatentos para a dimensão vertical da vida, para o aspecto mais alto e mais profundo, nosso espírito e nosso ser. E a chave para este acesso, é o aqui e o agora.

Às vezes estamos em busca do ‘Ser’ e às vezes ficamos confusos em busca de outras coisas menos importantes, como o sucesso e a fama.

10 coisas que o povo do Butão faz diferente e que faz dele o povo mais feliz do mundo

10 coisas que o povo do Butão faz diferente e que faz dele o povo mais feliz do mundo

Por JOSEPH HINDY

Dez coisas que diferenciam os habitantes do Butão, e que os fazem particularmente felizes

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Para quem não sabe, o Butão é um país localizado no sudeste da Ásia, ao sul da China. O país é famoso por ser minúsculo, e pela genuína felicidade de seus habitantes. Qual é o segredo deles? Aqui estão algumas de suas atitudes, que os diferenciam das pessoas de outros países.

1. Eles buscam um equilíbrio entre a felicidade espiritual e a material

No Ocidente, damos demasiada importância aos bens materiais. Se tivermos o iPhone mais moderno, ou objetos da última moda, seremos felizes. Não há muita sensatez nisso, que pode nos causar um estresse indesejado; se não pudermos comprar tais objetos, a infelicidade baterá à nossa porta. Faz somente dez anos que a globalização tem afetado o Butão, mas isso ocorreu de um modo que permite seus cidadãos a encontrar um equilíbrio entre as posses materiais e a espiritualidade, o que os torna mais felizes. Eles não se importam em ter o iPhone mais moderno. O simples fato de estarem vivos lhes traz felicidade.

2. O PIB do Butão é um dos que mais crescem no mundo

Quando ganham dinheiro, todos ficam felizes. Há vários anos, o PIB (Produto Interno Bruto) do país tem tido um crescimento constante. Ao permitir que a Índia faça investimentos maciços em energia hidrelétrica em seu país, o Butão está enriquecendo com rapidez, sem ter de realizar grandes esforços. São os resultados de um bom gerenciamento dos recursos internos de uma nação!

3. Eles não se interessam por tv, rádio ou internet

Convenhamos: estas tecnologias nos causam uma sensação terrível. Na TV, assistimos a pessoas de bela aparência ganhando rios de dinheiro, e isso nos causa ciúmes e inveja. Na internet, encontramos a provocação dos “trolls”, um fluxo constante de notícias desagradáveis, e todo tipo de coisas ruins. Nossa obsessão com as mídias sociais é cada vez maior, e ficamos frustrados quando nossas postagens não repercutem no Twitter, ou não são “curtidas” no Facebook. Quando você não tem necessidade de lidar com todas estas bobagens, geralmente a vida melhora.

4. Metade do território do país é de área protegida, de um parque nacional

Para os butaneses, o meio ambiente é uma prioridade. Tanto que metade do território do país está em área de parque nacional. Vigoram leis rígidas de proteção às florestas, aos animais e ao meio ambiente; recentemente, o país anunciou que 60% de sua área estaria permanentemente protegida do desmatamento. Tal preocupação com o planeta contribui para a felicidade das pessoas.

5. A maioria de seus habitantes é budista

O budismo é uma das religiões que mais inspiram a calma e a felicidade. Os budistas creem no carma. Segundo a interpretação budista do carma, as pessoas que vivem uma vida boa estão mais próximas da iluminação e, ao renascer, reencarnam como seres humanos melhores. Isto os estimula a viver uma vida boa, a praticar o bem, e a serem boas pessoas. Em geral, quando as pessoas evitam brigas e discussões, tendem a ser mais felizes.

6. Eles têm um indicador próprio para medir a felicidade

É sempre útil poder contar com a ajuda governamental, mas… você já acreditou, de fato, que o governo de seu país deseja a sua felicidade? No Butão, isto não é simplesmente uma quimera. O governo deste país mede a felicidade de seus habitantes por meio de um indicador chamado Felicidade Interna Bruta (FIB). Não que os butaneses já tenham atingido a felicidade plena, mas o simples fato de seu governo ter a preocupação de medir a dimensão deste sentimento tende a intensificar a sensação de felicidade entre as pessoas.   

7. A paisagem natural do país é maravilhosa

O Butão está localizado em meio às montanhas do Himalaia, e mais de 60% de seu território é composto de natureza selvagem. As pessoas costumam ir a lugares como este, em suas férias. É de se supor que a experiência de viver rodeado por esta paisagem deve ser muito mais agradável, tranquila e esteticamente bela do que enfrentar a selva de pedra que é o cotidiano da vida urbana.

8. As diferenças sociais entre a realeza e o cidadão comum não são acentuadas

Graças à tendência do país ao isolamento, os habitantes do Butão têm um estreito contato entre si. Certa vez, um jornalista estrangeiro, em visita ao país, pôs-se a observar um jovem que jogava basquete com um grupo de adolescentes, numa quadra pública. Posteriormente, foi apresentado a este jovem, e os dois jogaram juntos. Muito tempo depois, ficou sabendo que aquele homem era, na verdade, um príncipe do Butão. É muito provável que o vice-presidente brasileiro não jogue futebol em público, na companhia de um grupo de adolescentes quaisquer. Este contato entre as classes alta e baixa do país muito provavelmente contribui para estreitar os laços entre as pessoas.

9. Eles dormem bem

Pesquisas realizadas no país apontam que cerca de 2/3 de seus habitantes dormem, no mínimo, oito horas diárias. É uma média muito melhor do que a da maioria dos países, particularmente entre as nações industrializadas. Os benefícios do sono para a felicidade, a produtividade e a saúde de modo geral já foram amplamente comprovados. O hábito cultural de estimular as pessoas a dormir o número necessário de horas é certamente um diferencial do Butão.

10. Os índices de poluição do país são mais baixos

Um dos efeitos positivos da consciência ambiental é que os butaneses vivem num lugar menos poluído do que muitos países. Sim, eles convivem com fontes de poluição, como o automóvel. Porém, não há uma enorme quantidade de indústrias poluentes no país. Com isso, o ar, a água e o solo locais são muito mais limpos. Não è à toa que as fotografias da natureza selvagem parecem tão belas e inspiradoras: estes lugares não são poluídos com gases potencialmente tóxicos.

O Butão é um país relativamente novo, já que o país optou por manter-se isolado, muito tempo depois de todas as demais nações terem se integrado ao planeta. Assim, foram capazes de preservar valores antigos, que podem parecer antiquados para os padrões contemporâneos. Alguns destes valores talvez nem sejam moral ou eticamente corretos. Isto não significa que não possamos aprender com seus valores tradicionais!

Do original:  10 Things Bhutan People Do Differently That Make Them The Happiest People

Um texto de JOSEPH HINDY

Traduzido exclusivamente para CONTI outra pelo tradutor e revisor LUIS GONZAGA FRAGOSO

A desumanização do humano, por Nara Rúbia Ribeiro

A desumanização do humano, por Nara Rúbia Ribeiro
Fotografia de Alessandro Bergamini

Por Nara Rúbia Ribeiro

Acordo sempre bem cedo e, por força da necessidade de me ver integrada ao mundo em que vivo, ligo a tv e abro o notebook, enquanto a água ferve para o café da manhã:

“Milhares de crianças na Nigéria foram mortas, raptadas ou expostas a violência inimaginável (nota da Unicef).” Mudo de site: “Mulher tem os olhos perfurados pelo marido durante discussão do casal”. Outro site notícia: “Adolescente é apedrejado por populares após ser pego ao tentar furtar um  aparelho celular”. Abro o Facebook: “Carta aberta de Mia Couto ao Presidente da África do Sul sobre o genocídio de moçambicanos naquele país”. Na tv: “Naufrágio no mediterrâneo pode ter causado centenas de mortes de imigrantes”.

Ainda sem conseguir mensurar a quantidade de dor a que fui exposta logo no início do dia, resolvo, já com olhos embaçados e voz embargada, comprar o meu pão. A caminho da padaria, deparo-me com uma senhora que dorme na calçada abraçada a uma criança, ambas cobertas por um imundo cobertor. Como se não bastasse a cena em si, um senhor bem vestido e seguramente muito apressado quase nelas tropeça e reverbera: “Desgraça! Trabalhar não quer, não… Fica aí entulhando a rua”.

Perco o chão e me sinto petrificada ao observar, na gravidade de tudo o que vi nos noticiários e agora bem diante de mim, naquela cena, o paradoxo de viver, na era áurea dos direitos, a flagrante desumanização do humano.

Tratados e Acordos Internacionais estabelecem que dados direitos são preciosidades inalienáveis de cada um dos humanos. O Direito Constitucional de cada Estado traz ao seu ordenamento interno garantias a esses direitos que são diretamente ligados aos ditos “direitos naturais”, compreendendo o direito à vida, à integridade física, ao respeito à dignidade de cada ser humano.

Mas a sociedade, que bem sabe evocar as leis quando é colocado em xeque algum de seus direitos patrimoniais, vale-se de um mecanismo muito sutil para mentalmente subverter os valores que ela própria instituiu. Ela hierarquiza os seres humanos valendo-se de indicadores diversos, mas preponderantemente econômicos, de modo que quanto mais alto alguém esteja na dita “pirâmide social”, mais humano ele seja e o quanto mais baixo estiver, menos humano ele é. Ocorre, então, a desumanização do humano.

E, se não é humano, é considerado indigno de ser protegido pelos direitos inerentes à nossa espécie, momento em que tantos enxergam como legítimos atos de absoluta barbárie.

Esse método já é antigo. Europeus, em pleno “século das luzes”, equipararam indígenas americanos a animais, dizimando-os. Equipararam também a animais ou a “coisas” os africanos, escravizando-os.

Na tentativa de legitimar toda a sorte de maus tratos à mulher, religiosos, na Idade Média, travaram severas discussões: a mulher teria ou não teria uma alma?

Para algumas religiões, aqueles que professam a sua fé são filhos, os demais, meras criaturas de Deus. Ora, se não são filhos de Deus, se não possuem filiação e proteção divinas, caso recusem a fé que tanto estimam são hostilizados e havidos como inferiores. Por vezes a inferioridade é tamanha que as suas existências ofendem os “santos corações religiosos”, que reagem com torturas e homicídios. Quem não leu sobre as cruzadas, as inquisições e tantas outras de mortes por motivação religiosa no curso da História e na atualidade?

É na desumanização do homem que se apoia o genocídio, tanto no passado quanto nos dias de hoje. Na visão fanática que deu ao nazismo contornos similares ao fanatismo religioso, os judeus nada mais eram que porcos a serem sangrados para a higienização do planeta; e assim o fizeram com esmerado sadismo, legando à humanidade a vergonha do holocausto.

É fácil perceber as incongruências históricas no tocante ao desrespeito aos Direitos Humanos e, não raro, envergonhamo-nos de nossos antepassados. Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.

Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.

Hoje, a passividade com que vemos a segregação dos negros, a discriminação dos pobres, o desprezo aos imigrantes, a demonização do infrator, a subjugação da mulher, a estigmatização de homossexuais, o desrespeito às comunidades indígenas e a perseguição de religiões e cultos diversos (no Brasil, especialmente às religiões de origem africana)  condena-nos a todos.

Aquele que se conforma com a injustiça é tão injusto quanto aquele que a pratica. Somos coautores da miséria moral de um tempo onde o sangue francês vale lágrimas e comoção de todo o mundo (e vale mesmo), enquanto o sangue de centenas de africanos se derrama anônimo, embora o derramamento se dê pela mesma motivação religiosa e sob o mesmo discurso de desumanização.

Ontem, ao ler os comentários acerca da xenofobia e do genocídio que vitimam moçambicanos na África do Sul, uma adolescente moçambicana comentou: “o nosso único pecado é sermos miseráveis”. Sim, ela entendeu o mecanismo: desumanizamos o pobre culpando-o por sua pobreza. Na visão doentia de muitos, ele é um estorvo. Um nada. “É um entulho na calçada do mundo”, diria o moço apressado que  quase tropeçou na senhora e na criança que dormiam na rua.

Sim, é nesses pobres a quem desumanizamos que tropeça a hipocrisia de uma pseudocivilização de Direitos. É neles que tropeça a religiosidade ociosa e o fanatismo sádico. Neles tropeça a nossa política não inclusiva e o nosso capitalismo: sempre cego a quem não lhe  mostrar os cifrões.

É junto a esses pobres mendigos a quem roubamos o direito de ser gente que se entulham também o humano que somos e a consciência que renegamos.

contioutra.com - A desumanização do humano, por Nara Rúbia Ribeiro
Fotografia de Alessandro Bergamini

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