Drummond fala de como começou a escrever e da importância da amizade crítica

Drummond fala de como começou a escrever e da importância da amizade crítica

COMO COMECEI A ESCREVER

Aí por volta de 1910 não havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil uma vez por semana aos domingos. As notícias do mundo vinham pelo jornal, três dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel transformado em mingau.

Papai era assinante da Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu me sentia fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de Domingo. Tentava decifrar o mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a escola pública, já tinha a noção vaga de um universo de palavras que era preciso conquistar.

Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narra um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido nos sinais reunidos em palavras.

Daí por diante as experiências foram se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a leitura. Alguns elogios da professora me animavam a continuar. Ninguém falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estavam germinando. Meu irmão, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles. Depois, já rapaz, tive sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de ler e escrever.

Então começou uma fase muito boa de troca de experiências e impressões. Na mesa do café-sentado ( pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem incomodar nem ser incomodado ) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu tomava parte nos comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade crítica.

Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro.

Os flamboyants, por Rubem Alves

Os flamboyants, por Rubem Alves
Flamboyant

A manhã estava linda: céu azul, ventinho fresco. Infelizmente, muitas obrigações me aguardavam. Coisas que eu tinha de fazer. Aí, lembrei-me do menino-filósofo chamado Nietzsche que dizia que ficar em casa estudando, quando tudo é lindo lá fora, é uma evidência de estupidez. Mandei as obrigações às favas e fui caminhar na lagoa do Taquaral.

Bem, não fui mesmo caminhar. Meu desejo não era médico, caminhar para combater o colesterol. Caminhar, para mim, é uma desculpa para ver, para cheirar, para ouvir… Caminho para levar meus sentidos a dar um passeio. Tanta coisa: os patos, os gansos, os eucaliptos, as libélulas, a brisa acarinhando a pele — os pensamentos esquecidos dos deveres. Sem pensar, porque, como disse Caeiro, “pensar é estar doente dos olhos”. Aí, quando já me preparava para ir embora, já no carro, vejo um amigo. Paramos. Papeamos. Ele, com uma máquina fotográfica. Andava por lá, fotografando. Não tenho autorização para dizer o nome dele. Vou chamá-lo de Romeu, aquele que amava a Julieta. Me confidenciou: “Vou fazer uma surpresa para a Julieta. Ela adora os flamboyants. E eles estão maravilhosos. Vou fazer um álbum de fotografias de flamboyants para ela… Você não quer vir até a nossa casa para tomar um cafezinho?”

Fui. Mas ele me advertiu: “Não diga nada para ela. É surpresa…” Esta história tem sua continuação um pouco abaixo. Recomeço em outro lugar.

As crianças da 3ª série do Parthenon, escola linda, me convidaram para uma visita. Elas tinham estado fazendo um trabalho sobre um livrinho que escrevi, O Gambá Que Não Sabia Sorrir. Queriam me mostrar. Foi uma gostosura. É uma felicidade sentir-se amado pelas crianças. Eu me senti feliz. Aí aconteceu uma coisa que não estava no programa. Uma menininha, na hora das perguntas, disse que ela havia lido a minha crônica Se Eu Tiver Apenas Um Ano a Mais de Vida…

Espantei-me ao saber que uma menina de nove anos lia minhas crônicas. Lia e gostava. Lia e entendia. Aí ela acrescentou: “Recortei a crônica e trouxe para a professora…” Confirmou-se aquilo de que eu sempre suspeitara: as crianças são mais sábias que os adultos. Porque o fato é que muitos adultos ficaram espantados e não quiseram brincar de fazer de contas que eles tinham apenas um ano a mais para viver. Ficaram com medo. Acharam mórbido.

As crianças, inconscientemente, sabem que a vida é coisa muito frágil, feito uma bolha de sabão. Minha filha Raquel tinha apenas dois anos. Eram seis horas da manhã. Eu estava dormindo. Ela saiu da caminha dela e veio me acordar. Veio me acordar porque ela estava lutando com uma idéia que a fazia sofrer. Sacudiu-me, eu acordei, sorri para ela, e ela me disse: “Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?” Eu fiquei pasmo, sem saber o que dizer. Mas aí ela me salvou: “Não chore porque eu vou abraçar você…”

As crianças sabem que a vida é marcada por perdas. As pessoas morrem, partem. Partindo, devem sentir saudades — porque a vida é tão boa! Por isso, o que nos resta fazer é abraçar o que amamos enquanto a bolha não estoura.

Os adultos não sabem disso porque foram educados. Um dos objetivos da educação é fazer-nos esquecer da morte. Você conhece alguma escola em que se fale sobre a morte com os alunos? É preciso esquecer da morte para levar a sério os deveres. Esquecidos da morte, a bolha de sabão vira esfera de aço. Inconscientes da morte aceitamos como naturais as cargas de repressão, sofrimento e frustração que a realidade social nos impõe. Quem sabe que a vida é bolha de sabão passa a desconfiar dos deveres… E, como disse Walt Whitmann, “quem anda duzentos metros sem vontade, anda seguindo o próprio funeral, vestindo a própria mortalha”.

O pessoal da poesia está levando a sério a brincadeira. Eu mesmo já fiz vários cortes drásticos em compromissos que assumi. Eram esferas de aço. Transformei-os em bolhas de sabão e os estourei. Pois o pessoal da poesia decidiu que, no programa de um ano de vida apenas, num dos nossos encontros não haveria leitura de poesia: haveria brinquedos e brincadeiras. Cada um trataria de desenterrar os brinquedos que os deveres haviam enterrado.

Obedeci. Abri o meu baú de brinquedos. Piões, corrupios, bilboquês, iô-iôs e uma infinidade de outros brinquedos que não têm nome. Seria indigno que eu levasse piões e não soubesse rodá-los. Peguei um pião e uma fieira e fui praticar. Estava rodando o pião no meu jardim quando um cliente chegou. Olhou-me espantado. Ele não imaginava que psicanalistas rodassem piões. Psicanalista é pessoa séria, ser do dever. Pião é coisa de criança, ser do prazer.

 

Acho que meus colegas psicanalistas concordariam com meu paciente. A teoria diz que um cliente nada deve saber da vida do psicanalista. O psicanalista deve ser apenas um espaço vazio, tela onde o paciente projeta suas identificações. Mas a minha vocação é a heresia. Ando na direção contrária. “Você sabe rodar piões?”, eu perguntei. Ele não sabia. Acho que ficou com inveja. A sessão de terapia foi sobre isso. E ele me disse que um dos seus maiores problemas era o medo do ridículo. Crianças são ridículas. Adultos não são ridículos. Aí conversamos sobre uma coisa sobre a qual eu nunca havia pensado: que, talvez, uma das funções da terapia seja fazer com que as pessoas não tenham medo das coisas que os “outros” definem como ridículo. Quem não tem medo do ridículo está livre do olhar dos outros.

Preparei o encontro de poesia de um jeito diferente. Nada de sopas sofisticadas. Fui procurar macarrão de letrinha, coisa de criança. Não encontrei. Encontrei estrelinhas. Fiz sopa de estrelinhas. E toda festa de criança tem de ter cachorro-quente. Fiz molho de cachorro-quente. E nada de vinho. Criança não gosta de vinho. Gosta é de guaraná.

Foi uma alegria, todo mundo brincando: iô-iôs, piões, corrupios, bilboquês, quebra-cabeças, pererecas (aquelas bolas coloridas na ponta de um elástico)… Rimos a mais não poder. Todo mundo ficou leve. Aí tive uma idéia que muito me divertiu: que na sala de visitas das casas houvesse um baú de brinquedos. Quando a conversa fica chata, a gente abre o baú de brinquedos e faz o convite: “Não gostaria de brincar com corrupio?” E a gente começa a brincar com o corrupio e a rir. A visita fica pasma. Não entende. “Quem sabe, ao invés do corrupio, um bilboquê?” E a gente brinca com o bilboquê. Aí a gente estende o brinquedo para a visita e diz: “Por favor, nada de acanhamentos! Experimente. Você vai gostar…” São duas as possibilidades. Primeira: a visita brinca e gosta e dá risadas. Segunda: ela acha que somos ridículos e trata de se despedir para nunca mais voltar…

Pois a Julieta — aquela do Romeu — me trouxe uma pipa de presente. Vou empinar a pipa em algum gramado da Unicamp. E aí ela nos contou da surpresa que lhe fizera o Romeu. Fotografias de flamboyants vermelhos — que coisa mais romântica! Árvores em chamas, incendiadas! Cada apaixonado é um flamboyant vermelho! E nos contou das coisas que o Romeu tivera que fazer para que ela não descobrisse o que ele estava preparando.

Mas o mais bonito foi o que ele lhe disse, na entrega do presente. Não sei se foi isso mesmo que ele disse. Sei que foi mais ou menos assim: “Sabe, Julieta, aquela história de ter um ano apenas a mais para viver… Pensei que você gostava de flamboyants e que você ficaria feliz com um álbum de flamboyants. E concluí que, se eu tiver um ano apenas a mais para viver, o que quero é fazer as coisas que farão você feliz…”

Um ano apenas a mais para viver: aí os sentimentos se tornam puros. As palavras que devem ser ditas, devem ser ditas agora. Os atos que devem ser feitos, devem ser feitos agora. Quem acha que vai viver muito tempo fica deixando tudo para depois. A vida ainda não começou. Vai começar depois da construção da casa, depois da educação dos filhos, depois da segurança financeira, depois da aposentadoria…

As flores dos flamboyants, dentro de poucos dias, terão caído. Assim é a vida. É preciso viver enquanto a chama do amor está queimando…


O texto acima foi extraído do jornal “Correio Popular”, de Campinas (SP), onde o escritor manteve, por muitos anos, sua coluna bissemanal.

Conheça o Instituto Rubem Alves e acompanhe os seus projetos: Instituto Rubem Alves

A mulher gostosa

A mulher gostosa

Por Alan Lima

Escrevo este apelo à sensibilidade dos que contemplam a mulher.

Gostosa não é elogio.

Calma, calma.  Explico:

Nenhuma palavra por si mesma é elogio, todas têm contexto. Chamar uma delas de gostosa em alguns momentos caracteriza agressão verbal.

Ela está andando na rua, numa roupa que selecionou ao seu critério, e te ouve rosnar.

– Eitcha, goooostosaaaa!

A conotação sexual desse rosnado é uma pedrada. Se a enxergas como uma arte, por que não a tratar como obra de valor e analisá-la com bom senso? Tu podes afirmar que algumas gostem dessa abordagem, mas isto não se sabe observando tamanho de short.

Necessário é conhecer de quem se trata, qual o teu papel na vida dela. Antes disto grunhidos de animais no cio são úteis apenas se o desejo for realmente constranger.

A mulher gostosa nas raízes do significado é a que tem sabor. Tu podes estar com o paladar pouco aguçado. Ainda dá tempo de descobrir o gosto do feminino.

Tem aroma de liberdade. Vês? Nasceu pra transgredir julgamentos, provocar inteligência, mascar conceitos imaturos. Evitemos rotular seus corpos com adjetivos invasivos, doemos os reveladores!

Tu tens atitudes gostosas! Ninguém roubará o teu brilho pela vida, vá em frente!

Porque a beleza feminina tem mil e uma páginas. Só descobriremos mais deste livro, quando conseguirmos ir além da capa.

contioutra.com - A mulher gostosa
Ilustração de Tânia Barreto

Direito à incompletude

Direito à incompletude

Por Lourival Antonio Cristofoletti

Habilitar-se a oferecer conselhos quando a inquietação alheia pede, mesmo se vendo, se sentindo, se mostrando de uma maneira frágil, mesmo sendo limitado, confuso, imperfeito: a verdade interior liberta-se em distintos tons e tem o direito a diferentes roupagens na roda da existência.

Libertar-se do sentimento de culpa pelo que fez de equivocado, pelas decisões que não tomou, pelos recuos que insistem em passar recibo de sua falibilidade: certamente não havia, em cada específico contexto, não muito mais que pudesse ter sido feito.

Em cada tropeço reside um aprendizado a ser desvendado, cada hesitação surpreende oferecendo trilhas distintas que teimam em desembocar em escolhas. Os ensinamentos, todos lá: nas experiências pelas quais passou, do jeito que elas souberam acontecer, mesmo revirando consciências de cabeça para baixo.

E a renovação pede espaço para que aconteça com trejeitos de festejos ao oferecer a certeza de que a incompletude de cada um consiste na mais pura manifestação da incipiente condição de humana e uma esperança de transformação que reverbere entre os incautos, os incrédulos, os despreparados, carentes de redenção.

Há sempre um desafio para que haja a descoberta de uma face mais harmoniosa e a sensação um pouco menor de catatonia face às interrogações do mundo. Entender, nem que seja de soslaio, que o sofrimento fornece chaves para que sejam abertos espaços interiores para incipientes espasmos de iluminação.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - Direito à incompletudePaulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

“Stanno tutti bene”

“Stanno tutti bene”

Por Octavio Caruso

Esse lindo filme, delicado e sensível como poucos, acabou ficando eclipsado pelo sucesso mundial de “Cinema Paradiso”, projeto anterior do diretor Giuseppe Tornatore. Existe uma fraca refilmagem americana, com Robert De Niro, de 2009, intitulada “Estão Todos Bem”. O original está sendo lançado em DVD pela competente distribuidora “Versátil”, que resgatou esse tesouro e o trouxe novamente à luz. A trama acompanha a viagem de Matteo, vivido por Marcello Mastroianni, que, aos setenta e quatro anos e viúvo, busca visitar seus amados cinco filhos, já que eles sempre inventam desculpas para não irem ao encontro dele. Tudo o que ele desejava era ter a companhia deles na mesa de jantar, perceber que eles se interessam por suas divagações. A carência dele se mostra na forma como ele sempre pede, até para estranhos, que perguntem algo, que demonstrem curiosidade sobre eventos que ele havia acabado de insinuar. É um recurso que funciona como alívio cômico, mas, em sua essência, encerra um simbolismo mais profundo.

A saudade do homem é transmitida com uma beleza que nos impele a retroceder a cena e rever com mais atenção, como no reencontro dele com sua filha, onde, sem cortes, num truque simples, a câmera rejuvenesce a mulher, que corre até o pai, porém, quando chega ao final de uma escadaria, quem sorri para ele é sua contraparte infantil. É um leitmotiv visual que se repete várias vezes, evidenciando que, aos olhos dele, seus filhos sempre serão aquelas crianças inseguras que, outrora, estendiam ternamente suas mãozinhas antes de atravessarem a rua. Seus óculos, lentes fundo de garrafa, deixam seus olhos enormes, simbolizando a sua visão distorcida de sua própria realidade, o seu abraço apertado consciente na ilusão. Ele quer acreditar que seus filhos estão vivendo confortavelmente, tendo realizado seus sonhos pessoais e profissionais.

“Não eduque seu filho para ser alguém, mas, sim, ensine-o a ser como uma pessoa qualquer”.

Em uma poética cena na praia, que nos remete aos melhores trabalhos de Fellini, Tornatore faz com que o homem, em seu passado, veja seus filhos sendo levados por um grande balão negro. O maior medo dele era perder sua família, algo que foi intensificado após o falecimento da esposa. O diretor flerta até com o surrealismo de Buñuel, mostrando um engarrafamento no trânsito, causado por um imponente alce que se mantém no centro da rua, sendo admirado por todos os motoristas. Com um filtro azulado, a fotografia de Blasco Giurato ajuda a transmitir a solidão do pai em algumas cenas específicas, como no desabafo dele no salão de dança. Sua parceira, uma mulher que ele havia acabado de conhecer, afirma com tristeza que foi colocada em um asilo por seus filhos. O olhar dela reflete sua resignação, sentimento que tenta, sem sucesso, legar ao novo amigo. Ele é muito orgulhoso para aceitar a dissolução de sua família, sua mão ainda sente o toque carinhoso de sua esposa, como o roteiro nos mostra na breve e emocionante cena no quarto de hotel.

No desfecho ficamos entendendo a razão do afastamento dos filhos, algo que não irei revelar no texto, para não estragar a experiência. É um filme que merece ser visto e revisto por toda a vida. Uma mensagem simples e poderosa, emoldurada pela linda trilha sonora de Ennio Morricone, que pode ser resumida na piada que o pai conta em vários momentos: “O vinho também se faz com uvas”, ressaltando o óbvio: você pode se esforçar o máximo possível na criação de seus filhos, com plena dedicação e amor, que, a despeito de suas melhores intenções, não há maneira de se prever o futuro, não há fórmula mágica, não há segredo. Viver é a maior aventura, uma jornada de surpresas em direção ao desconhecido.

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OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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Sobre a maturidade

Sobre a maturidade

Por Gustl Rosenkran

Alguém me perguntou uma vez o que seria o mais importante para mim em relacionamentos com outras pessoas. Respondi que seria a MATURIDADE. A pessoa perguntou então: “Como assim maturidade? Quer dizer então que você prefere se relacionar com gente velha?”.  Não gostei do termo “gente velha” (não existe gente “velha”; o que existe é gente em fases diferentes da vida) e percebi mais uma vez que é esse o conceito de maturidade de muita gente, o que não está errado de todo, pois a própria palavra passa a noção de “MATURA + IDADE”, ou seja, idade madura. Mas não é só isso. Ligar a maturidade à idade da pessoa é um conceito limitado, pois maturidade é bem mais que isso e, num sentido mais profundo, não está necessariamente vinculada à idade cronológica. Todos nós conhecemos crianças que nos surpreendem pelo seu nível de maturidade e também pessoas de idade mais avançada que nos assustam pelo seu nível de imaturidade.

Maturidade tem para mim uma ligação muito maior com o grau de desenvolvimento da pessoa. Vou até mais longe e digo: com o desenvolvimento da alma – o que explica para mim a maturidade “precoce” de alguns. É claro que experiência de vida faz (ou deveria fazer) amadurecer, porém, isso nem sempre é verdadeiro. Como já dito, há crianças maduras e adultos imaturos, o que mostra claramente o que digo. Vou tentar a seguir aprofundar um pouco o conceito de maturidade, apontando aquilo que a caracteriza.

Maturidade é independência

Uma pessoa madura é independente, em seus atos, em sua forma de pensar, em sua forma de ver o mundo. Uma pessoa madura não se prende à opinião dos outros, não age para agradar (ou deixar de agradar) ninguém e é fiel a si mesma.

Maturidade é responsabilidade

Uma pessoa madura assume a responsabilidade por sua vida, pelo seu caminho, tem senso de responsabilidade sobre si mesma, assumindo as rédeas, o controle de sua realidade e de seu crescimento, com disciplina e nitidez. Enquanto uma pessoa imatura sempre busca a “culpa” nos outros, tentando transferir a responsabilidade por sua vida, pelas coisas que faz ou deixa de fazer, pelos problemas que surgem, o ser maduro compreende que não são os outros os responsáveis pela sua felicidade, pelo seu bem-estar, mas também pela sua infelicidade e pelo seu desconforto neste mundo.  Ele assume também sua responsabilidade no meio onde vive, pela sua família, pelos que dependem dela, pelo seu papel moral e social.

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Maturidade é respeito

Quem não respeita, não é maduro. E quem é maduro respeita. Ter maturidade é entender que todos nós somos iguais em nosso direito de existir. É ter consciência de que não há seres humanos superiores e inferiores e que qualquer um, por mais que não gostemos da pessoa, por mais que ela seja diferente de nós, por mais que não compreendamos e não concordemos com ela, merece o mesmo respeito, sempre, sem exceções. Assim, a pessoa madura respeita a qualquer um, também (e principalmente!) a si mesma. E ela respeita também a vida, com todas suas nuanças, com tudo que dela faz parte.

Maturidade é coragem

Maturidade é coragem de ver as coisas como são, sem enfeitá-las, sem se perder em ilusões. É coragem de ser lúcido, de ser verdadeiro, de enfrentar a vida com seus altos e baixos, sem fugir, sem enfiar a cabeça no buraco, de caminhar com os próprios pés. E ser maduro é ter coragem de ser sincero, não se corrompendo por medo de dizer o que realmente pensa ou sente.

Todos nós temos medos, como o de fracassar, por exemplo. Mas uma pessoa madura não se deixa levar por esse medo. Ela o enfrenta e busca realizar seus projetos. Ela não se deixa frear pelo medo de cair, pois sabe que aprende com os tombos, tendo a chance de reconhecer onde errou e prosseguindo com otimismo e mais forte, ao contrário dos imaturos, que temem caminhar para não errar, que têm medo de sofrer, e assim não correm riscos e terminam parados no mesmo lugar.

Maturidade é tolerância

Ser maduro significa também ser tolerante com os outros, é aceitar que somos todos imperfeitos e limitados, que ninguém pode desmerecer o direito de alguém existir e ser como ele é, independente de gostar ou não de sua forma de vida.

Maturidade é complacência para consigo mesmo

Ser maduro é ser complacente consigo mesmo, aceitando as próprias limitações, com as frustrações e contrariedades inevitáveis desta vida. Pessoas maduras normalmente não se aborrecem quando erram e, quando se aborrecem, nunca mais do que o tempo necessário, não se maltratando por isso, não sendo duras consigo. Ser maduro é dar carinho e atenção a si mesmo, aceitando seus defeitos e limites, tentando sempre melhorar e crescer, entendendo que todo mundo tem seus defeitos e erra. Também eu, também você.

Maturidade é aceitação da dor

Ninguém neste mundo está livre de dor e sofrimento. Ser maduro é aceitar esse fato, ao invés de tentar evitar o que nos machuca. Aceitar as dores da vida significa ter certa resiliência, desenvolvendo uma capacidade de absorver o sofrimento, compreendendo que também ele faz parte da vida, mas sem se entregar à tristeza e ao ressentimento, sem transformar o sofrimento em um monstro imbatível. É aceitar a dor sem se ver como vítima, é aceitá-la como aquilo que ela é: uma parte de nós. Maturidade não é buscar ser feliz o tempo todo, mas saber que a tristeza também é importante para o crescimento, aceitando-a com dignidade.

Maturidade é diferenciação

Ser maduro é entender que o mundo não é preto e branco, que não há sempre um “certo” e um “errado”, que há várias verdades neste mundo e que a própria verdade não é necessariamente a única que tem validade e que ela às vezes não tem validade alguma. É compreender que as coisas nem sempre são como parece, que tudo na vida tem, no mínimo, dois lados e que ver sem diferenciar limita muito nossa visão.

Maturidade é coerência

Uma das coisas que mais tenho visto na internet nos últimos tempos é a incoerência de posturas. Vejo muita gente se contradizendo, com uma capacidade extrema de dizer uma coisa e negá-la na mesma frase. É gente que diz: “Não sou racista, mas acho que todo negro é isso ou aquilo“, “Nada tenho contra homossexuais, mas não aceito dois homens se beijando perto de mim“, “Não discrimino religião alguma, mas acho que todo muçulmano é terrorista“, e assim por diante. Quem se posiciona assim, mostra incoerência. E isso é um forte sinal de imaturidade.

Sim, maturidade requer coerência. Não adianta falar de amor ao próximo apenas na teoria e, na prática, discriminar outras pessoas, desejando-lhes o mal, propagando preconceitos e coisas negativas sobre elas.

Maturidade é capacidade de reflexão

Uma pessoa madura reflete antes de se expressar, pois ela sabe que aquele pensamento que veio em primeiro lugar, principalmente em situações carregadas emocionalmente, pode estar totalmente errado, distorcido. Ela sabe que seus sentimentos e mais ainda a forma como os interpreta podem estar completamente equivocados e precisam, portanto, de reflexão, ou melhor, introspecção, antes de serem exteriorizados.

É importante o controle racional das emoções e de sentimentos negativos como desprezo, inveja, ciúme, vingança, raiva e agressividade, o que não significa reprimir e muito menos ignorar essas emoções. Significa apenas que elas devem ser refletidas e filtradas pela razão, analisando uma situação antes de abordá-la.

Maturidade é humildade

Você é uma pessoa especial, sem dúvida. Mas não somente você. Todos somos especiais: você, eu, mas também o carteiro, a mulher da padaria, o vizinho, enfim, todo mundo! Não reconhecer isso e se achar mais especial que outras pessoas é ser arrogante, prepotente e imaturo.

Uma pessoa madura compreende que ela é uma pequena parte de um todo, um grão de areia numa duna, uma única letra em um livro, uma estrela no firmamento. Ser maduro é ser humilde, é reconhecer que sua “especialidade” aumenta quando não é realçada, é ter consciência das próprias limitações, é viver com modéstia e simplicidade.

Maturidade é justiça

Somos imaturos quando somos injustos. Por exemplo, quando estamos frustrados e descarregamos nossa frustração em alguém. Pessoas maduras também se aborrecem com suas frustrações, mas não descarregam sua raiva nos outros, sem que eles nada tenham a ver com o que ocorreu. Também somos injustos quando julgamos alguém precipitadamente, quando o atacamos sem ter esse direito, quando não reconhecemos que eles têm os mesmos direitos que nós, quando praticamos o princípio de “dois pesos e duas medidas”, quando julgamos e condenamos alguém sem provas de sua culpa, quando cobramos mais dos outros do que de nós mesmos. A pessoa madura busca agir de modo justo, atribuindo a si e aos outros direitos e deveres iguais.

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Maturidade é equilíbrio e sabedoria

Uma pessoa madura tem competência para se relacionar com pessoas em qualquer ambiente e habilidade para evitar conflitos desnecessários e improdutivos. Ela busca o equilíbrio e a paz social, na sociedade, dentro de sua casa, entre os amigos e em qualquer ambiente que frequenta, agindo com sabedoria e buscando somar e não dividir, partilhando o que sabe, buscando o que é bom para todos e não só para si próprio e tentando ajudar a construir um clima positivo e harmonioso, onde se constrói ao invés de destruir, sendo claro, sereno, humano, praticando o bem e almejando a evolução do todo.

A pessoa madura sabe se calar quando é melhor não dizer nada e não se cala quando falar é necessário. Ela busca a paz de espírito, o entendimento, o equilíbrio entre as energias, entre as pessoas, entre tudo, agindo com constância e não de acordo com seu humor. Ela sabe que diversão e distração são necessárias, mas também trabalho e engajamento, e que a balança só se equilibra quando os opostos se igualam.

Então, resumindo: amadurecer é aprender a viver de forma independente, comresponsabilidade e respeito por você mesmo e pelo mundo à sua volta, com coragem de ver as coisas como são. É prosseguir apesar das incertezas e dos medos, sendo tolerante para com os demais e complacente consigo mesmo, aceitando a dor sem se entregar a ela, tendo umavisão diferenciada e coerente do mundo, refletindo com humildade, praticando a justiça e buscando sempre o equilíbrio e a sabedoria.

Talvez você, caro leitor, pense agora: “Puxa, é muita coisa! Assim ninguém nunca vai conseguir amadurecer!“. De fato, nenhum ser humano é perfeito. A maturidade, em sua plenitude, é uma meta, que nos serve como guia e nos ajuda a crescer, mas sem ansiar a perfeição. Se fôssemos perfeitos, seríamos anjos e não gente! É importante entender que nenhum de nós jamais conseguirá ser sempre e completamente maduro, mas que podemos fazer muito para nosso crescimento pessoal. E compreender isso nos ajuda a amadurecer.

De repente, quarenta anos

De repente, quarenta anos

De repente, surpreendi-me com mais de quarenta anos. Posso avaliar-me, pois me chamam de senhora. Sim, sou dona de mim e rainha do meu Castelo.

Percebo-me mais serena, ainda que não o suficiente para muitos que convivem comigo, mas sim, não há como negar que melhorei nesse quesito. Meu olhar sobre os objetos não mais os engolem com uma certa gula e sim os envolvem com uma incerta e inquieta ternura. Antes, um girassol que se guia pela luz e cresce estabanado; hoje, um canteiro de margaridas que tagarelam entre si até mesmo quando a noite cai. Tornei-me minha própria luz. Sou um ser repousante às dez da manhã.

Já chorei tanto pelas madrugadas e, somente por isso, já considero as minhas mãos sábias o suficiente para redigir dramas líricos. Meu corpo é cheio de inscrições na superfície e não mais quando era menina-moça portadoras de carnes que são pura possibilidade.

Se viajo, dou-me ao luxo de passar uma tarde em uma praça observando as crianças e os namoros da região com um olhar complacente mas de quem já está pronta para ir à Grécia.

Não ostento jóias. Mereço mais profundidades.

Os sentidos estão piorando, é verdade. Visão e audição já deixam tanto a desejar, mas a percepção nunca esteve nesse estado tão alerta.

Pulei do abismo em uma determinada parte do espaço e encontrei-me, de repente, no tempo. Descobri uma outra dimensão além da vivenciada pelo corpo. Densifiquei-me após autocatografar-me. Sou o pássaro que canta não para comunicar-se e sim para permitir o amanhecer. Da reta fiz-me curva.

Enfim, olhando meu reflexo tão refratado, avalio-me.

Um mulher de quarenta anos plena de muitos eus e infinitos nós. Jamais ao Sol.

Jamais a sós.

Vamos fugir?

Vamos fugir?

Por Tatiana Nicz

Ontem amigas queridas vieram conhecer minha casa nova e falamos sobre meu passado, elas adoram escutar minhas histórias mais surreais e que fazem tanta gente rir. Quando elas foram embora tomei um momento para refletir sobre meu passado. Lembrei da sensação que eu sempre tive de nunca estar onde eu queria estar e nunca ser quem eu queria ser e me tranquilizou o fato de que estávamos falando de um passado tão distante, e principalmente de que, há algum tempo já, não me sinto mais assim. Hoje sou quem sempre quis ser e estou onde quero estar e essa sensação é revigorante.

Olho para minha vida hoje e agradeço porque, como na música The Luckiest de Ben Folds, “Now I know all the wrong turns, the stumbles and falls brought me here”, todas as vezes que errei, que magoei os outros, que me magoei, quando dei o pior de mim e sabia que podia ser melhor e fiquei mal com aquilo e sentia que aquilo não estava certo, não era ali que eu queria estar, porque é natural de todos nós que sejamos luz e não sombra. Mas antes de brilhar, precisamos vencer a escuridão, pois sem ela, não há luz. Durante muitos anos eu convivi com essa sensação de que não estava no lugar certo, então eu fiz o que quase todo mundo faz, eu tomei atalhos e fugi.

Viajar é algo fantástico, mas é também perigoso, porque pode carregar em si a ilusão de que nossos problemas ficarão para trás. E viajar para mim se tornou a rota de fuga mais fácil. Corri o mundo, morei em diversos países, viajava porque me encantava sim, mas eu partia sempre com a esperança de que ao sair do lugar meus problemas ficariam para trás, juntamente com aqueles que os conheciam: meus amigos, minha família, minha cidade natal. Seria bom se isso fosse mesmo possível, mas aprendi (um pouco tarde até) que não podemos fugir de nós mesmos, não importa para onde formos, fugir não é a solução, o único caminho é ficar e consertar tudo, dia após dia, passo a passo, construir uma morada dentro de nós forte e duradora.

Hoje entendo perfeitamente porque eu queria partir, porque se tornar quem você quer ser é um processo cansativo, olhar na cara de nossos maiores medos e enfrentá-los é um trabalho tortuoso, dilacerante, agonizante. E dá muita vontade de fugir.  E não é só a viagem que nos proporciona essa fuga, podemos nos distrair com muita coisa, relacionamentos ruins, diversão, com a noite, com pessoas rasas, com problemas rotineiros, hoje em dia, tudo ou quase tudo, nos convida a fugir. Mas o bom da vida é que a qualquer momento você pode escolher a estrada mais longa, você pode escolher ficar e enfrentar a escuridão. O bom da vida é que nossos erros do passado não nos definem, mas nossas dores sim e só nossas dores nos levam para uma viagem longa e necessária.

Nossas dores nos levam à escuridão que habita no que chamamos de “fundo do poço”, pois só quem tem a capacidade de sentir muito pode sofrer. O fundo do poço certamente não é um lugar agradável, ninguém quer estar lá e ninguém deve passar muito tempo por lá, mas todos nós deveríamos (re)visitá-lo em algum(s) momento(s) de nossa trajetória, porque estar nele é penoso, porém sair dele é algo que nos faz sentir livres, vivos, capazes. Não tem nada mais útil para o mundo que um ser humano capaz, feliz, criativo. E não existe liberdade plena sem a passagem pelo fundo do poço. Porque só quem conhece a dor profunda, quem consegue se desprover de tudo e ficar nu, totalmente vulnerável, perder emprego estável, perder pai e mãe, perder a cabeça e reconstruir-se a partir de escombros, encontrar-se no meio de tudo isso, só quem perde muito e continua vivo consegue entender o que é de fato sentir-se livre.

Meus erros não me definem, mas minhas dores sim e graças à elas hoje minha vida não é mais feita de partidas e sim de chegadas. Não é mais feita de fugas e sim de encontros.

Vestido traído, um conto de Lúcia Costa

Vestido traído, um conto de Lúcia Costa

Por Lúcia Costa

Amei primeiro o caminho que percorrias, a água que te lavava o rosto ao acordar, a atendente da loja onde compravas teu perfume. Amei a última boca que beijaste. Amei o cheiro de tinta da caneta Bic que escrevia teu nome.

Quando teus pés te trouxeram para perto de mim, amei o barro em que pisaste. O primeiro beijo que te dei foi na manga da camisa. Mordi levemente os botões, mordi mais forte, quebrei-os. Com medo e sede fui parar em tua boca e tudo escureceu.

Meus braços não queriam se desprender de teu corpo. Minhas pernas desaprenderam o caminho que as levava a outros. Estava febril. Os dias que se sucederam àquele estavam febris. Viver era uma convulsão.

Não era mais inteira. Cada pedaço meu se apaixonou por ti e perdeu a razão. Não tinha mais vontade. Perdi a fome. Eras minha Verdade. As palavras das quais gostava era teu nome, falado ou escrito, era teu nome, em grito, em riso, era teu nome, em espinho , em flor, era teu nome. Teu nome era a minha religião.

Quando outro vestido te levou do meu, os fios do meu cabelo doíam, mãos e pés congelaram. Ver-te ir embora foi assistir ao afogamento de um filho único e não saber nadar.

 

Quem de nós nunca se perguntou: qual a origem do Amor? Platão respondeu…

Quem de nós nunca se perguntou: qual a origem do Amor? Platão respondeu…
"O nascimento de Vênus", de Sandro Botticelli

O Banquete é um diálogo de Platão escrito por volta de 380 a.C. Constitui-se basicamente de uma série de discursos sobre a natureza e as qualidades do amor.

Neste diálogo platônico, no discurso de Aristófanes, o mesmo conta que havia inicialmente três gêneros de seres humanos, que eram duplos de si mesmos: havia o gênero masculino masculino, o feminino feminino e o masculino feminino, o qual era chamado de andrógino.

Aristófanes narra o mito desta unidade primitiva e de uma posterior mutilação imposta pelos Deuses dada a impiedade dos homens. Os Deuses separam, então, em duas partes o que antes era unidade.

Assim, a unidade primitiva dos duplos se viu separada, aqueles que foram um corte do andrógino, sejam homens ou mulheres, procuram o seu contrário. Isto explica o amor heterossexual. E aquelas que foram o corte da mulher, o mesmo ocorrendo com aqueles que são o corte do masculino, procurarão se unir ao seu igual. Aqui se apresenta uma explicação para o amor homossexual, feminino e masculino. Quando estas metades se encontram, sentem as mais extraordinárias sensações, intimidade e amor, a ponto de não quererem mais se separar, e sentem a vontade de se “fundirem” novamente num só.

O amor para Aristófanes é, portanto, o desejo e a procura da metade perdida por causa da nossa injustiça contra os deuses.

A música abaixo conta, de modo singular, esta lenda: “The Origin Of Love” by Hedwig And The Angry Inch.

A todos aqueles que se interessem por Filosofia, indicamos o site de origem desta postagem: Filosofia em vídeo 

Fotógrafo registra estrelas que brotam em chão goiano

Fotógrafo registra estrelas que brotam em chão goiano

Como não se deslumbrar diante de um chão que espelha o céu?

O fotógrafo Marcio Cabral está entre os finalistas do Sony World Photography Awards 2015, um dos maiores (e mais importantes) eventos de fotografia do mundo.

Cabral concorre ao prêmio com uma foto registrada no Cerrado brasileiro: o fenômeno das flores que brilham como estrelas na Chapada dos Veadeiros (GO).

contioutra.com - Fotógrafo registra estrelas que brotam em chão goiano
Fotografia de Márcio Cabral

Fonte:  O popular 

O valor do amor, por Ita Portugal

O valor do amor, por Ita Portugal

Espio pela janela e vejo casais enamorados. Vejo pássaros trocando afeto com suas companheiras. Vejo a moça de cabelo amarelado abraçando fortemente o moço de terno marrom. Vejo o cravo no rompante do vento curvar-se para a rosa vermelha.

Espio pela janela e vejo condições vantajosas do amor. Essa atmosfera que traz benefícios e é capaz de saciar qualquer gulodice sentimental, vale todas as sentenças da vida.

O amor vale o veredito da saudade. O velho cotidiano de robe amassado. O trajeto Amazonas- Porto Alegre. A safra de indecisões e atrapalhadas. O sorriso amanhecido nas areias da praia de Guarujá. Os três meses de salário atrasado. Qualquer carnaval com Chiclete com Banana. Os pecados confessados imprudentemente numa noite romântica.


O amor vale todos os minutos perdidos. O sol sumindo na montanha. Os pedidos de perdão. Amor vale a reza, a promessa, o esforço para que não falte.


Vale a ferida ainda aberta, esperando o afeto para ser curada. Vale os vendavais que desarrumam a veste bonita para a missa de domingo.


O amor vale até o que não está no contrato. Vale o esforço do braço para dar um abraço sem merecimento. A lágrima de contentamento, os deslizes de pura alegria. As bochechas vermelhas, envergonhadas. O suspiro do coração florescido. O formigamento nas mãos. O versinho vulgar, inventado para agradar.  A piscadinha discreta no jantar de família.


O amor vale as canções sertanejas. As dancinhas sensuais. Vale pelos porres no final da noite.
O amor vale qualquer segunda-feira nebulosa, terça desastrosa, quarta sem prosa, quinta sem rosas, sexta pavorosa e no sábado a gente acaba se encontrando no barzinho da esquina para tomar umas e outras e colocar o papo em dia sobre todas as outras ladainhas que valem o amor.


O amor vale pelos tombos, as enxurradas, as invernadas solitárias, à carta cheia de saudades. A espera no portão. A produção para o jantar íntimo.


O amor vale a exclusividade. A paciência de Jó, que geralmente não temos.


Pelo amor vale ser bobo. Errar e desculpar. Dar um jeito na vida. Arrumar um lugar nas gavetas para outros pares de roupas. Vale tocar, apertar, ouvir música juntos, aquecer os pés, fazer uma gentileza, repetir um carinho.


Vale pela taquicardia. Pela pronta-entrega. Pelas vontades saborosas. Vale pelas esperas. Pelo poema de uma linha.


Vale a doação, o carinho. O amor vale a ausência de qualquer teoria. Por si só o amor vale. Vale o passaporte para a vida. E vale porque amar é bonito.

contioutra.com - O valor do amor, por Ita Portugal
Ita Portugal, escritora brasileira.

Cientistas afirmam que música clássica previne doenças como Parkinson e demência

Cientistas afirmam que música clássica previne doenças como Parkinson e demência

Afirma um estudo divulgado por cientistas da Universidade de Helsinque que a música clássica ativa genes associados à atividade cerebral.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores examinaram o sangue de 48 pessoas antes e depois de escutarem música.

A obra escolhida foi o Concerto para Violino n. 3, de Amadeus Wolfgang Mozart.


Após escutarem música, os genes envolvidos na secreção de dopamina, na aprendizagem e na memória foram mais ativados. Genes envolvidos na degeneração cerebral e do sistema imunológico foram suprimidos.

Segundo os pesquisadores, isso reduz o risco de contrair doenças neurodegenerativas como a Doença de Parkinson e a demência.

Os efeitos genéticos foram identificados apenas nos participantes que são muito fãs de música ou músicos profissionais, o que ressalta a importância que a música é algo muito familiar”, explicaram os autores do estudo.

Curiosamente, vários dos genes analisados que se ativam ao escutar música também estão presentes nos pássaros cantores e são os responsáveis pela capacidade dessas aves de aprender a cantar.

Esse fato, segundo os cientistas, sugere que exista “um cenário evolutivo comum na percepção dos sons entre os pássaros cantores e os humanos”.

Segundo eles, os resultados dessa pesquisa proporciona uma nova informação sobre a origem molecular da percepção musical e a evolução, e abrem portas para novas descobertas sobre mecanismos moleculares subjacentes na musicoterapia

No entanto, este efeito benéfico da música só foi verificado em pessoas que já tinham intimidade com a música, seja tocando ou ouvindo.

Editorial CONTI outra

Fonte: Brasil Post 

Afrofobia Versus Panafricanismo, por José Eduardo Agualusa.

Afrofobia Versus Panafricanismo, por José Eduardo Agualusa.

Enquanto escrevo esta crónica, prosseguem na África do Sul os ataques contra imigrantes africanos. Estes ataques não constituem, infelizmente, algo novo na história do país. Todos recordamos ainda os terríveis eventos de 2008, quando multidões em fúria expulsaram de suas casas, nos subúrbios pobres de Joanesburgo e de outras cidades sul-africanas, mais de 25 mil imigrantes, na sua maioria congoleses. 42 foram assassinados.

O que se está a passar envergonha a África do Sul. Envergonha África. Envergonha a humanidade inteira.

Por incrível que pareça o actual surto de xenofobia vem sendo encorajado por importantes dirigentes políticos. O rei zulo, Goodwill Zwelithini aconselhou os imigrantes a fazerem as malas. Edward Zuma, filho do presidente sul-africano, Jacob Zuma, acusou os estrangeiros de se estarem a preparar para tomar o controlo do país. Uma acusação absurda, que levantou um coro de protestos. Zuma, porém, insistiu na sua posição.

Muitos analistas atribuem os actuais levantamentos xenófobos à elevada taxa de desemprego, que aflige quase um quarto da população activa, bem como ao facto do comércio informal e do pequeno comércio empregarem cada vez mais estrangeiros, criando a percepção de que estes estariam a “roubar” emprego aos cidadãos nacionais. A verdade é que a maioria dos estrangeiros trabalham para sul-africanos, ganhando salários que nenhum cidadão nacional aceita receber. O trabalho dos imigrantes enriquece muitos sul-africanos, fortalece empresas, e, deste modo, multipica empregos. A imigração tende, portanto, a criar mais empregos, não a acabar com eles.

É um paradoxo cruel que um país que permaneceu durante décadas sequestrado do resto de África pelo estúpido regime do apartheid, expulse violentamente essa mesma África depois de retornar a ela. A situação torna-se ainda mais estranha, e mais inaceitável, se pensarmos que a África do Sul tem vindo a ser governada, desde 1994, por um movimento, o ANC, que teve centenas dos seus dirigentes exilados em países africanos.

O aumento da xenofobia tem na África do Sul, como em toda a parte, uma relação directa com o apelo nacionalista. O destino do nacionalismo é a xenofobia. O nacionalismo começa por ser um erguer de muros, uma exaltação do próprio por oposição ao outro, uma euforia de autocontemplação e autocomprazimento, e vai depois crescendo e degradando-se até se transformar em xenofobia. No princípio somos nós por oposição aos outros. No fim somos nós contra os outros.

A cura para a xenofobia passa por resgatar os velhos ideais do panafricanismo, defendidos por homens com a estatura de um Amílcar Cabral ou de um Mário Pinto de Andrade, que sendo angolano foi Ministro da Cultura da Guiné-Bissau. Temos de pensar (e de nos pensar) primeiro como africanos e só depois como angolanos. Não faz sentido que protestemos contra a eventual perseguição a cidadãos angolanos, na África do Sul, e depois nos regozijemos com a expulsão de pobres imigrantes congoleses ou malianos de Angola. Eu sonho com uma África sem fronteiras.

contioutra.com - Afrofobia Versus Panafricanismo, por José Eduardo Agualusa.

Por José Eduardo Agualusa.
Originalmente publicado em: http://www.redeangola.info/

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