Vestido traído, um conto de Lúcia Costa

Por Lúcia Costa

Amei primeiro o caminho que percorrias, a água que te lavava o rosto ao acordar, a atendente da loja onde compravas teu perfume. Amei a última boca que beijaste. Amei o cheiro de tinta da caneta Bic que escrevia teu nome.

Quando teus pés te trouxeram para perto de mim, amei o barro em que pisaste. O primeiro beijo que te dei foi na manga da camisa. Mordi levemente os botões, mordi mais forte, quebrei-os. Com medo e sede fui parar em tua boca e tudo escureceu.

Meus braços não queriam se desprender de teu corpo. Minhas pernas desaprenderam o caminho que as levava a outros. Estava febril. Os dias que se sucederam àquele estavam febris. Viver era uma convulsão.

Não era mais inteira. Cada pedaço meu se apaixonou por ti e perdeu a razão. Não tinha mais vontade. Perdi a fome. Eras minha Verdade. As palavras das quais gostava era teu nome, falado ou escrito, era teu nome, em grito, em riso, era teu nome, em espinho , em flor, era teu nome. Teu nome era a minha religião.

Quando outro vestido te levou do meu, os fios do meu cabelo doíam, mãos e pés congelaram. Ver-te ir embora foi assistir ao afogamento de um filho único e não saber nadar.

 







É professora de Língua Portuguesa, mora em Patos, PB e escreve poemas, contos, crônicas…