“Amor”, uma crônica de Rachel de Queiroz

“Amor”, uma crônica de Rachel de Queiroz

Por Rachel de Queiroz

Outro dia liguei o rádio e ouvi que faziam um concurso entre os ouvintes procurando uma definição para amor. As respostas eram muito ruins, até dava para se pensar que nem ouvintes nem locutores entendiam nada de amor realmente; o lugar-comum é mesmo o refúgio universal, que livra de pensar e dá, a quem o usa, a impressão de que mergulha a colher na gamela da sabedoria coletiva e comunga das verdades eternas. O que aliás pode ser verdade.

Mas a ideia de definição me ficou na cabeça e resolvi perguntar por minha conta. Tive muitas respostas. A impressão geral que me ficou do inquérito é que de amor entendem mais os velhos do que os moços, ao contrário do que seria de imaginar. E menos os profissionais que os amadores __digo os amadores da arte de viver, propriamente, e os profissionais do ensino da vida. Vamos ver:

Dona Alda, que já fez bodas de ouro, diz que o amor é principalmente paciência. Indaguei: e tolerância? Ela disse que tolerância é apenas paciência com um pouco de antipatia. E diz que amor é também companhia e amizade. E saudade? […] Não. Afinal, o amor não vai embora. Apenas envelhece, como a gente.

A jovem recém-casada me diz que o amor é principalmente materialismo. Todos os sonhos das meninas estão errados. Aquelas coisas que se leem nos livros da Coleção das Moças, aqueles devaneios e idealismos e renúncias e purezas, está tudo errado. Quando a gente casa, é que vê que o amor não passa de materialismo. […]

Um senhor quarentão, bem casado, pai de filhos: “Amor, como se entende em geral, é coisa da juventude. Depois de uma certa idade, amor é mais costume. É verdade que tem a paixão com seus perigos. Mas você falou em amor e não em paixão, não foi?”
__ E de paixão, que me diz? __ Aí ele se fecha em copas. “Deixo isso para os jovens. Velhote apaixonado é fogo. E eu não passo de um pai de família.”

A mãe da família desse senhor: “Amor? Bem, tem amor de noiva, que é quase só castelos e tolices. Tem o de jovem casada, que é também muita tolice __ mas sem castelos. Complicado com ciúme, etc., mas já inclui algum elemento mais sério. E tem o amor do casamento, que é a realidade da vida puxada a dois. Agora, o amor de mãe… Você perguntou também o amor de mãe?”

Respondi energicamente que não: amor de mãe, não. Quero saber só de amor de homem com mulher, amor propriamente dito.
Diz o solteiro, quase solteirão, que se imagina irresistível e incansável: “Amor é perigo. Só é bom com mulher sem compromissos. […] O melhor é amor forte e curto, que embriaga enquanto dura e não tem tempo para se complicar. Aquela história de marinheiro com um amor em cada porto tem o seu brilho, tem o seu brilho”.

O pastor protestante diz que o amor é sublimar a atração entre os dois seres, é atingir a mais alta e pura das emoções. Não confundir amor com sexo! […]

Já o padre católico não elimina o sexo do amor. Explica que, pelo contrário, o sexo, no amor, é tão importante como os seus demais componentes __ o altruísmo, a fidelidade, a capacidade de sacrifício, a ausência do egoísmo. E é tão importante que, para santificar o amor sexual __ o amor conjugal __, a Igreja o põe sob a guarda de um sacramento, o santo matrimônio. E ante a pergunta: se tudo é assim tão santo, por que os padres não casam? O padre velho não se importa com a impertinência, sorri: “Nós nos demos a um amor mais alto. Casamento, para nós, seria pior que bigamia…”

E por último tem a matrona sossegada que explica: “Amor? Amor é uma coisa que dói dentro do peito. Dói devagarinho, quentinho, confortável. É a mão que vem da cama vizinha, de noite, e segura na sua, adormecida. E você prefere ficar com o braço gelado e dormente a puxar a sua mão e cortar aquele contato. Tão precioso ele é. Amor é ter medo __ medo de quase tudo __ da morte, da doença, do desencontro, da fadiga, do costume, das novidades. Amor pode ser uma rosa e pode ser um bife, um beijo, uma colher de xarope. Mas o que o amor é, principalmente, são duas pessoas neste mundo”.

(De “Cenas brasileiras”, in Coleção Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1995)

Um sonho de liberdade

Um sonho de liberdade

Por Tatiana Nicz

Na roda de ontem minha amiga e colega de contação trouxe uma história sobre um mestre budista que coloca uma venda nos olhos, pega um arco e flecha e tentar acertar no alvo. Ele erra. Então ele diz para seu discípulo que não existe a possibilidade de acertar sem estar com os olhos abertos para enxergar o alvo. Essa história me trouxe muito para a questão dos relacionamentos modernos. Constantemente tenho pensado na maneira como nos relacionamos hoje em dia. O que sinto é que estamos todos muito confusos e perdidos. Com os olhos vendados.

Ontem, após um longo período de “reclusão”, resolvi sair para dançar. A noite certamente é um ambiente que te faz perder a fé no amor e nas pessoas. Hoje em dia, para mim, é um ambiente hostil, completamente desprovido de amor. Nesse período de reclusão, aprendi muita coisa sobre mim e ao olhar com mais cuidado para a maneira como nos relacionamos, escutando nossos discursos com mais atenção, descobri muita escassez. Falta amor, falta cuidado, falta verdade, falta diálogo.

É triste que nossas grandes decepções venham justamente de nosso lado mais bonito que é essa capacidade e vontade de amarmos e sermos amados. Mas, entendi que estamos fazendo isso de maneira equivocada. Sim, cada um aceita o amor que acha que merece, portanto sei que não posso mudar isso no outro, mas tenho 100% de responsabilidade perante a maneira como escolho me relacionar, o que dou e o que aceito.

Os discursos são todos muito parecidos, as histórias também. Onde falta amor e cuidado para com si e para com o outro, sobra muita incoerência. Sobram também rótulos. As mulheres discursam sobre os “babacas” e “cafajestes” e os homens sobre “vagabundas” esquecendo que ninguém é babaca sozinho. Entristece-me ver a quantidade de migalhas que damos e que aceitamos.

A verdade é que, todo mundo já foi babaca com alguém ou sofreu por alguém. E ao olhar para tantos corações partidos, e para o meu próprio coração que também já foi partido, me dei conta de que estava me fazendo as perguntas erradas. Se pensarmos bem dá para substituir o “por que ele é babaca comigo e me faz sofrer?” por “por que coloco na mão do outro tanto poder e principalmente o poder de me fazer feliz?”. Não dá para achar que a felicidade é algo tão simples assim que possa vir de fora. Não dá para superdinamizar os relacionamentos e viver achando que a felicidade mora no outro.

É um grande erro dizer “não faça com os outros o que você não gostaria que fizessem com você”. Nós não temos controle sobre como o outro vai agir ou nos tratar, então não dá para agir sempre pautado pelo que o outro faria e viver esperando que o outro faça por você algo que só você mesmo pode fazer por você. Colocamos no outro uma responsabilidade que é tão somente nossa. A felicidade é uma escolha consciente que deve ser feita todos os dias. E se o outro faz algo que pode te fazer sofrer, você ainda tem escolha de como se sente em relação à isso.

Houve um tempo em que as escolhas eram muito limitadas ou quase nulas. A regra era casar e ter filhos. Hoje nos foi dado poder de escolha, é difícil falar nesse assunto sem parecer conservadora. Mas eu vejo que papéis foram invertidos, que estamos perdidos, e principalmente que ter muita opção é quase igual a não ter escolha alguma. Então é preciso parar e retomar alguns valores que foram perdidos. É preciso mais cuidado para consigo mesmo e para com o outro. Se engana quem acha que liberdade tem a ver com estar solteiro. O que vejo é o contrário, vejo um monte de gente solteira que está atada, presa à rótulos e fragmentos, com os olhos vendados e tentando acertar o alvo, como o monge daquela história.

A liberdade não tem a ver com status de relacionamento, ela tem a ver com saber viver sozinho e mesmo assim escolher alguém para estar ao seu lado, com poder sair e se divertir sem esperar algo do outro, com você aprender que é responsável pela sua felicidade, que pode ser feliz sozinho, e também não dá para confundir estar solteiro com estar bem sozinho.

E tem gente que vê alegria em tudo isso. Para mim, não existe alegria em tratar pessoas como se fossem descartáveis, muito menos em se fazer descartável. Não tem nada de alegre em viver constantemente viciado na busca e não no encontro, não existe alegria em palavras rasas, sem olho no olho, sem propósito, em promessas vazias. Somos uma geração que vive de raspas e restos e confunde isso com liberdade, sem enxergar que a verdadeira liberdade está mesmo na escolha de sermos inteiros para nós, para o outro, para o mundo.

Descubra onde essa mãe encontrou forças para vencer o câncer

Descubra onde essa mãe encontrou forças para vencer o câncer

Muitas vezes, a alegria do nosso viver se esvai. Desilusões, dores, doenças…Um turbilhão de situações que nos drenam a vida.

Mas, num repente, você se lembra da alegria singela e gratuita, da felicidade pronta do seu filho quando a vê e, a partir de então, tudo muda e a vida volta a fazer sentido de novo.

Veja a alegria desse filho ao rever a mãe que esteve fora por algumas semanas, em tratamento quimioterápico.

As cenas gravadas por sua irmã mostram Laura Martancik, uma americana que luta contra o câncer desde 2013, de joelhos ao chegar em casa e seu filhinho pulando em seu colo repetidamente.

Ela diz para ele “O que eu disse a você? Mamãe sempre volta! Estou de volta do médico!”

O meu pai tem Alzheimer

O meu pai tem Alzheimer

Por Sónia Bigodes

O meu pai, nascido há 86 anos no Alentejo, tem Alzheimer.

Aos 20 anos conheceu o amor da sua vida. Na Avenida da Liberdade, num dia de chuva, quando os respectivos guarda-chuvas ficaram presos um ao outro em plena estrada. Até que a morte os separasse. Assim foi. 58 anos casados, António e Lurdes. Duas filhas: Helena e Sónia, irmãs com dezoito anos de diferença.

Na sua vida, cheia de trabalho, dedicou-se ao desenho técnico e foi Chefe do Departamento de Obras da Fundação Gulbenkian. Mais que um trabalho, uma paixão que o fazia apelidar a Gulbenkian como a sua segunda casa. Homem educado, cavalheiro, tímido e lisonjeiro, nunca deixou de trazer no olhar a malandrice que o fazia desde pequeno ser apelidado de “Totó, o pai da ronha”. “Lolita” para as filhas, porto seguro das vidas de cada uma de nós, colo quente dos netos, homem de família, de honestidade sem par. Homem feliz, realizado pessoal e profissionalmente, trabalhou até aos 74 anos. Traiu-o a perda da mulher, e simultaneamente a terrível doença que lhe rouba a memória todos os dias.

Visitamos o meu pai, como quem vai ver os miúdos na creche. Porém, tudo é o oposto da creche: ao invés de vida, há sobrevivência, em vez de gritos há gemidos, em vez de sonhos há esperas, murmúrios, desabafos, lágrimas. Um lar com doentes de Alzheimer é uma espécie de vivência de vidas passadas. Há senhoras que passeiam nenucos, há os que teimam em ir trabalhar, há os que passam o tempo a carpir os mortos que já partiram na sua infância, há os que chamam pela mãe, há os que embalam os filhos que já são pais. E há filhos, como nós, que perdidos no cenário do lar, a cada visita, perdem um pouco mais daqueles que ali um dia deixaram. Não ousem censurar quem deixa um pai ou uma mãe doente de Alzheimer num lar. A evolução da doença leva todos ao limite, roça todos os sentimentos e chega a colocar em causa alguns afectos. A perda de dignidade é obscenamente evolutiva e depressa chega ao ponto da ruptura. O internamento é tão inevitável quanto doloroso, tão necessário quanto adiado ao limite.

Fui visitar o meu pai. Estava na mesma, com o olhar pousado nas árvores, a manta sobre as pernas, as mãos com as veias visíveis, zangadas, cansadas. Perdeu o brilho do olhar. E é nos olhos que percebo a vida, lá longe, numa memória que trai e se revela em retalhos espaçados, plenos de hiatos. É no mesmo olhar que o vou perdendo, por já não saber quem sou, por ser órfã sem o ser. A mãe, meu pai, a saudade que tenho da mãe, a saudade que também não sabes o que é. Sou eu, a gordinha que ousava sonhar ser bailarina. No teu olhar, meu pai, vou-te perdendo aos poucos. Deve ser isto a dor. Certamente é isto o Alzheimer.

Fonte indicada: Maria Capaz
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Não despreze as palavras

Não despreze as palavras

Por Alan Lima

Se você pretende um objetivo, não despreze as palavras. É mais fácil falar? Talvez. Porém tudo começa quando tocamos no assunto. Necessárias são as discussões, os debates, pois são os ensaios da ação. Como um time de futebol não joga bem sem treinar, quem deseja um futuro melhor precisa discursar.

Imagine um professor que resolve ignorar as palavras. Mesmo sendo uma aula de matemática, como explicaria aos seus alunos o conteúdo?!  Como demonstrar uma equação sem usar o termo “igual”? Os verbos, substantivos, adjetivos nos induzem ao conhecimento do mundo.

Podemos mencionar as pessoas que descumprem suas promessas. Bem lembrado. Mas estas nos geram decepção porque um dia falaram algo. Caso nunca tivessem prometido com palavras, pouco nos importaria. Não menospreze ideias expressadas pelo outro. Se estão certas ou não, apenas conversando entenderemos.  Aquilo que se fala é parte inseparável daquilo que se faz.

Sem troca de pensamentos os sentimentos ficam murchos. Por isso, os impossibilitados de emitirem sons pela boca, criam palavras com as mãos. Conhecem, intuitivamente, o belo poder humano da comunicação.

Seres humanos não podem voar, nem cuspir fogo. O que no torna mais fantásticos do que dragões, é a capacidade de dizer.

Ignorar as verbalizações de alguém é matar. Cemitérios não são silenciosos à toa. A vida abundante e forte acontece entre nossos papos. Não ignorem a poesia. Não virem as costas para os livros. Por favor, não desprezem as palavras.  Ficaremos confusos. Porque até para menosprezá-las é preciso que as usem.

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12 coisas você nunca deveria fazer a uma mãe

12 coisas você nunca deveria fazer a uma mãe

Por Caroline Canazart

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As mulheres têm uma tendência de tentar ser pessoas melhores depois que os filhos nascem e, em vários aspectos da vida. Tentam ser mais calmas, disciplinadas, dormir mais cedo, alimentar-se melhor ou ser otimista. Tudo para ser um bom exemplo para os filhos. Tem mães que param de trabalhar para cuidar deles ou aquelas que trabalham ainda mais também por causa dos filhos.

Por conta de todo esse esforço, existem atitudes que doem mais quando você se torna mãe, principalmente se vir de um filho.

1. Demorar para atender o celular

Você tem ideia de quantas tragédias podem passar na cabeça de uma mãe naqueles segundos em que você está pensando em atender ou não a ligação dela?

2. Reclamar que a comida está ruim

Ela pode ter tido um dia péssimo. E também não é sempre que tudo sai queimado ou salgado, não é mesmo?

3. Rir dela

Num momento de nervosismo, rir ou debochar da sua mãe para tentar amenizar as coisas, só piora, acredite.

4. Falar que a odeia

Jamais, nem pense nisso. Porque, possivelmente, isso nem seja verdade e é algo que magoa profundamente, não importa a idade do filho. Todas as mães já moveram montanhas pelos filhos em algum momento da vida. Seja grato(a) por ela.

5. Esquecer o aniversário ou Dia das Mães

Um cartão, uma flor ou uma caixinha de chocolate juntos com uma boa tarde de conversa não custa nada e enche o coração de uma mãe de satisfação.

6. Não dar atenção

Deixar de ir num cinema, passeio, mercado ou qualquer outro lugar com a sua mãe por um motivo banal. Mesmo que você seja adolescente ou adulto, chegará uma hora na vida que pensará “eu poderia ter sido um filho melhor e ter passado mais tempo com ela”.

7. Remoer o passado

Em qualquer relacionamento falar do passado traz de volta lembranças e discussões que levam a mais mágoas e tristezas. Melhor mesmo é pôr uma pedra em assuntos delicados e exercitar o perdão.

8. Ficar muito tempo sem visitá-la

A correria do dia a dia não deixa barato para ninguém. E os dias, semanas e até meses vão se passando e então eu pergunto: quando foi a última vez que você foi na casa da sua mãe?

9. Deixá-la sem comunicação com os netos

Fatalmente uma mãe vai se tornar uma avó. Mesmo que vocês morem longe um do outro, hoje em dia a tecnologia está aí para ajudar a diminuir esse problema. De qualquer forma, carta e fotos impressas não saíram totalmente de moda e podem ser um recurso para diminuir as fronteiras.

10. Culpá-la por suas escolhas

Claro que as mães influenciam muito em nossas decisões. Porém, quem as toma somos nós. Encontrar um culpado que não seja você mesmo não vai tornar as coisas melhores.

11. Gritar

Levantar a voz para qualquer pessoa é desrespeitoso. Se for com a mãe parece ser muito pior.

12. Deixá-la envelhecer sozinha

Depois de uma boa parte da vida dedicada aos filhos, muitas mães acabam sozinhas e sem a assistência dos filhos.

Nem sempre é fácil. Às vezes é preciso ter paciência, pois, nem sempre nossa mãe vai fazer o que desejamos. Mas, por ela ser mãe, sempre estará um degrau acima do nosso.

Para mãe de 96 anos, sentido da vida é que os filhos e netos se queiram bem

Para mãe de 96 anos, sentido da vida é que os filhos e netos se queiram bem

Por Gabriela Gasparin

Aos 96 anos, Rosa Maluf Milan ainda andava de salto alto. Era um saltinho pequenininho, de uns dois centímetros, mas era salto alto.

E foi em cima do salto que a elegante empresária, que teve a sorte de ter nascido numa família rica, conseguiu se equilibrar para chegar aos quase 100 anos praticamente sem dores e com uma memória de quem consegue lembrar a história de toda a sua vida, sem interrupções. “Não sinto nada, nem dor de cabeça.”

O maior “tropeço” aconteceu 50 anos antes, quando ela perdeu o grande amor de sua vida, por quem seria apaixonada para sempre. Seu ex-marido, o médico Rachid Milan, morreu vítima de leucemia, aos 49 anos. Ela tinha 47. “Foi a coisa mais triste da minha vida. Não teve coisa mais triste.”
Cinco décadas após a morte do amado, Dona Rosa ainda se lembrava dele todos os dias, acordava de madrugada para rever fotografias e tinha de cor as 50 cartas de amor que trocaram quando ainda eram namorados. “Sinto muitas saudades. Ele era lindo. Eu adorava ele, tinha loucura por ele.”

Eu conheci a história da cordial senhora após assistir um curta-metragem sobre a vida dela, chamado justamente “Dona Rosa”. Gostei tanto do filme que a procurei para falar sobre o sentido da vida.

Ela me recebeu educadamente em seu espaçoso apartamento na Bela Vista, na capital paulista, numa ensolarada tarde.

Com uma voz tranquila característica de quem já viveu tantos anos, e um probleminha de audição que me obrigava a refazer algumas perguntas, a empresária não só me contou toda sua história como fez questão de me mostrar a requintada mobília de cada cômodo.

Entre delicadas louças, quadros de artistas renomados e tapetes persas, contudo, o bem de maior valor para ela eram, sem dúvida, as inúmeras fotos de Rachid e da família, que apontava orgulhosa e com um brilho no olhar.

“Eu tive muita energia na vida, eu nunca tive medo de nada. Muita tristeza eu tenho, eu sinto muita saudades dele, muitas saudades”, e logo em seguida soltava um “veja como ele era lindo”, apontando para a fotografia em preto e branco.

Após a morte do amado, Dona Rosa encontrou no trabalho as forças para superar a dor. A missão foi dada a ela pelo próprio marido, pouco antes de partir:  “se eu morrer hoje, comece a trabalhar amanhã.”

Dona Rosa cumpriu à risca a determinação. “Ele morreu no domingo, na segunda-feira foi enterrado, e na terça-feira eu já estava no banco. Foi muito bom começar a trabalhar. Foi muito bom porque eu me curei da ausência dele trabalhando.”
Enfrentou certo machismo por ser mulher e estar à frente dos negócios na época, mas não ligava e se atirava nos trabalhos. “Não foi tão fácil. Eu tinha um pouco de medo. Mas foi lindo, aprendi, tudo eu aprendi. Aprendi com o mundo, parando e ouvindo.”

Dedicou a vida toda para cuidar das três filhas. “Fiquei viúva há 50 anos e só cuidei de uma coisa, delas, o tempo todo. Todas estudaram no exterior, elas têm muita cultura.” A mais velha é médica, psicanalista e escritora. A do meio é arquiteta. A mais nova estudou economia, mas não seguiu a profissão e “faz monumentos pelo mundo”, descreveu, orgulhosamente.

Entre outros momentos difíceis da vida, citou a morte do primeiro filho, aos nove meses de gestação, e a morte de um irmão, aos 26 anos. “Mas tudo passa, nada fica. Eu vejo que as coisas acontecem, se eu quiser ou não quiser. Acontecem. Eu tenho que aceitar.”

E com todos esses anos de experiência, diz que tudo é resolvido: “Não tem mais nada difícil para mim, tudo é fácil. Tudo se resolve, com bom senso.”

Vida no palácio

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Casamento de Dona Rosa e Rachid

Mais velha de seis irmãos, Dona Rosa nasceu no dia 30 de dezembro de 1917. Filha de imigrantes libaneses, cresceu em um luxuoso palácio construído por seu pai na cidade de São Paulo. Estudou até a oitava série em um colégio de freiras. Cresceu em meio a festas e bailes no salão do palácio.

Casou-se com Rachid aos 24 anos. Recorda detalhadamente o dia em que o conheceu, em Capivari, no interior de São Paulo, dez anos antes do casamento. “Lembro bem. Quando cheguei lá, a primeira pessoa que a gente viu foi um homem de farda verde. Lindo, moreno, tinha 16 anos. E aí começamos a nos gostar.”
O primeiro beijo ela só foi dar 15 dias antes de se casar. “Eu tremia, imagina se eu tinha coragem de dar um beijo em alguém? Ele era um moço muito bonito, moreno de olhos verdes, e muito cobiçado, a mulherada caía em cima dele.”

Consciente de que a morte pode vir a qualquer momento, diz estar preparada. “A hora que vir está bom. Só não quero sofrer.” Certa vez ela perguntou ao médico do que morreria. “Eu não sei do que eu vou morrer, porque eu não tenho doença nenhuma. Nem dor de cabeça, nada. De velhice, ele falou. Mas quando vence a velhice? Estava na hora…”
E com quase tanto anos vividos, numa primeira tentativa ela respondeu que ainda não tinha descoberto o sentido da vida. “Não tem sentido, eu não entendo por que a gente vive, por que a gente morre, eu não entendo. Por que Deus fez assim? Viver e morrer, você entende? Eu também não entendo.”

Ao repensar, sugeriu: “É passar bem, conseguir que todo mundo se queira bem, é muito importante não brigar com as pessoas. A pessoa educada não briga com ninguém, chega a uma conclusão, a um sentido. Não é fácil, mas a gente consegue, sempre, tudo o que você quiser na vida você consegue, é só querer.” Sentia-se vitoriosa nesse aspecto: conseguiu fazer com que as três filhas e os cinco netos se queiram bem.

Perguntei se esperava chegar aos 100 anos, mas Dona Rosa nem pensava nisso, preocupava-se apenas com cada dia. “Quando a gente acaba bem tá bom. Você vê, estou com 96 anos e bem, não tenho rugas. Se eu viver até os 100 anos bem, senão, paciência, ‘Après moi, le déluge’. Conhece francês? ‘Depois de mim, o dilúvio'”, traduziu.

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Sou poeira de estrela

Sou poeira de estrela

Por Nara Rúbia Ribeiro

Perdoa-me a indelicadeza de desnudar-me a ti. Talvez eu perceba que poucos me compreendam e saiba que podes compreender-me mais que todos os demais. Ademais, preciso revelar-te que já nos conhecemos.

Eu não sou destas paragens e estou neste planeta por breve passagem. Há muito soube que estrelas se desintegram. Soube ainda, ao ler os lábios de um anjo, que sou feita da poeira de uma estrela muito antiga e, em face de tal revelação, pude compreender o mundo e compreender-me em meu mundo.

Desprezo, sem pensar, tudo aquilo que me prende à matéria, ao chão, ao desejo de ter aquilo que vejo. Aprendi muito cedo que os sentidos não nos dão a perfeita dimensão das coisas e nada valoro que esteja ao alcance da mão. É que, feita de matéria etérea, eu sou o meu próprio castelo de ilusões intangíveis e emoções inventadas. Sou poesia que apronta, encantando, um verso que iluminará o dia que por certo nunca chegará, mas não se cansa (eu não me canso) de aprontar.

Os “nãos” que as vidas das minha vida, em suas idas e vindas, disseram, nem mesmo chegaram a machucar-me a alma. Sou a suficiência plena da simplicidade e da calma. Minha alma é leve e releva a gravitação da gravidade do mundo.
Ser poeira de estrela é ser pouco, rarefeita, imperfeita reestruturação de moléculas. Mas concedi à minha imperfeição a feição de obra prima e decidi amar-me acima da poesia de todas as coisas.

Saiba, é segredo, mas toda noite visito o firmamento, minha antiga morada, e ali consigo nutrir-me de alegria. Trata-se de um sítio sagrado, solo enluarado que pode ser cultivado sem sol e arado de sonho. Foi nesse outro mundo, (sei que não te lembras) que te conheci.

Do livro “Pazes”, no prelo.

O tempo vale muito mais do que o dinheiro

O tempo vale muito mais do que o dinheiro

Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.

Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.

O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele – a régua de arquitecto naval, os relógios – quando ele tinha tempo.

As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.

A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso no meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele. Uma noite, numa cabana no Canadá, confessou-me que o único filme de que gostava era «Um Peixe Chamado Wanda«. Todos os outros eram uma perda de tempo. Perdemos a noite inteira a falarmos e a rirmo-nos disso. Ainda hoje tem graça.

Miguel Esteves Cardoso, in ‘Jornal Público (26 Dez 2011)’

Via Citador

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Mãe, uma declamação emocionada de Rolando Boldrin

Mãe, uma declamação emocionada de Rolando Boldrin

No coração de um homem simples, não raro, também mora a poesia. Ela nada tem da erudição, mas de uma profunda e serena sintonia com o mundo e com os sentimentos que o permeiam.

Assista, na voz desse grande nome da Cultura brasileira: Rolando Boldrin, à declamação do poema “Mãe”.

“SOBRE O MORRER”, uma crônica de Rubem Alves

“SOBRE O MORRER”, uma crônica de Rubem Alves

Odeio a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para escrever o meu haikai.

Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.

O último haikai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza simples da vida que se vai. Tenho terror de ser enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das medíocres, mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis.

A Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio, se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável… Creio que não mais leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus, Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E ouviria mais Bach e Beethoven. Além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu jardim…

Curioso que a Morte nada tenha a dizer sobre si mesma. Quem sabe sobre a Morte são os vivos. A Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e depois do seu olhar tudo fica com aquele ar de “ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se” (Cecília Meireles). E ela nos faz sempre a mesma pergunta: “Afinal, que é que você está esperando?” Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque… Sua Morte o encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei…'”

E o feiticeiro concluiu: “Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca”.

Às vezes ela chega perto demais, o susto é infinito, e até deixa no corpo marcas de sua passagem. Mas se tivermos coragem para a olharmos de frente é certo que ficaremos sábios e a vida ganhará simplicidade e a beleza de um haikai.

Rubem Alves

Conheça o Instituto Rubem Alves e acompanhe os seus projetos.

Vídeo mostra como, em uma vila indiana, as mães sobrevivem à morte de um filho

Vídeo mostra como, em uma vila indiana, as mães sobrevivem à morte de um filho

Assista a história de Utari e seu estranho carinho por uma árvore.

Uma história de amor, saudade e perda.

Veja o pequeno filme e só depois leia a explicação:

Na vila  indiana de Thesgona, onde Utari vive, existe a tradição de plantar uma árvore quando uma criança nasce…

Todos os dias aproximadamente 5.000 mães como Utari perdem seus filhos antes de eles completarem 5 anos para infecções como diarreia e pneumonia. A única coisa que lhes resta é a árvore.

Muitas dessas mortes poderiam ser prevenidas com o simples ato de lavar as mãos com sabão.

A árvore da vida nada mais é do que a sublimação da morte.

Fonte: Youtube

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Quando os olhos se apaixonam

Quando os olhos se apaixonam

Quando os olhos se apaixonam, ficam mais unidos, procuram o mesmo alvo. Querem ver quem os fez sentirem mais vida. Passam a comandar o resto do corpo. Ordenam que as pernas se apressem, porque logo a observada chegará.

Se ela não vem, invocam a imaginação e fazem a cabeça ignorar o presente, enxergando apenas a imagem imponente da saudade.

Se ela chega, tornam-se brilhantes atores. Sobem no palco, cantam, dançam, formam o mais misterioso espetáculo da Terra. Digo misterioso, porque, por vezes, ninguém notará que os olhos estão tentando deixá-la bem.

Ao contrário das mãos, quando os olhos se apaixonam, ficam alegres sem precisar tocar a observada. Sabem eles de suas limitações. Jamais poderão abraçá-la, beijá-la, porém, orgulham-se de serem os únicos capazes de percebê-la.

Por isso, o corpo inteiro fica esperando a opinião dos olhos. Eles são quem dizem se ela corresponde, a partir de dados extremamente relevantes. Como a curvinha da testa, o ajeitar do cabelo e, talvez o mais instigante, o olhar dela.

Porque cada olho, lá no fundo, apaixona-se mesmo é por outro olho. Busca em outras retinas a inspiração de suas visões profundas.

Temos coisas demais para observar, dois olhos são insuficientes. Na faculdade, em casa, no trabalho, nós nos relacionamos com inúmeros globos oculares.
Tudo para não deixarmos a vista cansar, descansamos em vários outros olhares.

E, entre tantos, surge um que irá nos atrair. Nele está algo que queremos conhecer e talvez nem saibamos o que seja. Os olhos, esses danados, apaixonam-se e não nos explicam nada.

Sem entender muito, fugimos. Fazendo-os se irritarem, a ponto de chorarem ou recusarem-se a abrir. Fecham-se em protesto.

Mas, ah… Quando eles são correspondidos. Ficam abestados. Viram duas criancinhas contentes.

Sorriem mais bonito que os dentes.

Não reclame, caso os seus donos se juntem, a ponto de parecer que quatro olhos viraram um. Pois é assim, meu bem.

Quando os olhos se apaixonam, tomam conta da gente.

O modo francês de educar os filhos revela: é preciso preservar os direitos dos pais

O modo francês de educar os filhos revela: é preciso preservar os direitos dos pais

Por Rosane Queiroz 

Cena 1: uma menina de 2 anos faz birra na hora de comer e atira uma batata frita no chão. Cena 2: a mesma criança causa tumulto numa festa infantil quando a mãe anuncia que devem ir embora. Talvez essas situações fossem encaradas como algo constrangedor, mas comum, se tivessem acontecido no Brasil ou nos Estados Unidos. Mas, na França, a jornalista americana Pamela Druckerman, mãe da enfant terrible em questão, sentiu o desprezo de seus vizinhos parisienses. Percebeu, então, que crianças francesas não jogam comida no chão – título do livro que escreveu sobre o modo francês de educar, lançado na Inglaterra e nos Estados Unidos, já um best-seller.

Vivendo durante dez anos em Paris com o marido britânico e três filhos pequenos (a menina e um casal de gêmeos), Pamela ficou abismada ao ver as crianças francesas comendo tomate à provençal sem sequer se sujar – e sem interromper os adultos -, diferentemente de sua filha, que solicitava atenção o tempo todo, fazendo pouco caso da comida. Ex-repórter do The Wall Street Journal, ela resolveu investigar as origens desse comportamento civilizado, que está na forma como as mães francesas criam os filhos. O segredo? Não vivem em função deles nem tratam as crianças como pequenos reis. Elas não toleram birras, não negociam nem passam o fim de semana acompanhando os pequenos em parquinhos ou festas infantis. Em resumo, educam, mas conseguem manter a vida adulta sem transformar seu mundo num playground. “Para ser um tipo diferente de mãe, você precisa de uma visão diferente sobre o que uma criança realmente é”, decreta ela, logo de cara.

A carapuça, em boa parte dos casos, serve para as mães brasileiras, já que a educação por aqui é pautada mais pela americana do que pela europeia, como observa a psicopedagoga Ceres Alves de Araújo, da PUC de São Paulo. “As francesas sabem dizer não e ponto”, afirma Ceres, que morou em Paris e viu como lá a “criança é tratada como criança”. Para a psicopedagoga, a diferença é que na cultura americana os pais se perdem em longas explicações desnecessárias para os filhos pequenos. “Até os 5 anos, a criança nem sequer entende tantos argumentos. Basta dizer não”, aconselha. Se houver réplica, Ceres sugere a resposta: “Porque sou sua mãe e sei o que é melhor”. É na adolescência, quando caberia esticar a conversa, que muitos pais, exaustos, optam pelo “não e ponto”. “São comportamentos invertidos. A criança precisa ser obediente na infância para na adolescência se tornar um ser desobediente.”

Menu completo

A alimentação, tema crucial para a maioria das mães do planeta, é uma das questões sobre as quais Pamela Druckerman se debruça. Segundo a autora, as francesas prezam horários fixos para as refeições, sempre à mesa, começando com uma salada e terminando com queijo. As crianças comem uma versão encurtada do menu dos adultos e são encorajadas a provar de tudo. Não existe criar um cardápio diferenciado ou a hipótese de preparar outro prato porque naquele dia não tem nada que o pequeno aprecie. Comida, na França, não envolve jogo emocional. “Os pais preparam as refeições com calma e ingredientes frescos. As crianças aprendem a respeitar o alimento”, diz a francesa Eileen Leazeau, secretária executiva que vive há 21 anos nos Estados Unidos e é mãe de três adultos.

Sono e polidez

O horário de ir para a cama é outro drama tratado com sabedoria à francesa. Enquanto nos Estados Unidos (e aqui!) os pais passam meses sem dormir para atender o bebê no meio da noite, os franceses aguardam até dez minutos para ter certeza de que a criança está realmente infeliz. Eles se permitem acreditar que o pequeno pode estar apenas resmungando ou sonhando. Ou que logo voltará a dormir. “Pais que se revezam no quarto do filho criam um condicionamento inadequado”, acredita Ceres.
Sob diversos aspectos, os franceses esperam mais de uma criança, ainda que ela seja apenas uma criança. Isso significa que os pequenos não só devem dizer “por favor” e “obrigado” mas também bonjour e au revoir aos adultos. Eles ainda devem aprender a esperar, seja em nome da paz doméstica, seja para evitar constrangimento social. Os pais, ali, se empenham em combater o caos criado pelo mundo infantil e preservar os “direitos” paternos. Ceres aprova. “Aqui, vivemos a era do ‘filiarcado’, em que os filhos reinam”, critica ela. Ensinar as crianças a lidar com a frustração é a regra máxima de French Children Don’t Throw Food, ainda sem data para publicação no Brasil. Na abordagem francesa, os pais estabelecem uma “moldura” de limites. A imagem sugere fixar regras, mas com certa liberdade dentro delas. Com a moldura definida, as necessidades dos adultos permanecem, ao menos, no mesmo nível que as das crianças. Criar filhos é apenas parte do plano, e não um projeto de vida.

A certa altura, tudo parece funcionar bem demais para ser verdade. “Talvez Pamela seja muito afirmativa”, diz Ceres. Mas, como o livro é narrado com humor e certa ironia, a autora se redime de possíveis deslizes e passa uma mensagem libertadora para aquelas que ainda veem os filhos arremessando batatas fritas: “Mesmo boas mães podem não viver a serviço constante das crianças, e não há razão para se culpar por isso”, ensina Pamela.

Fonte indicada: M de mulher

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As crianças devem dizer: olá, tchau, obrigada e por favor. Isso vai ajudá-las a entender que não são as únicas com sentimentos e necessidades. Foto: Getty Images

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