O Nirvana de Clinton Blaindi e Pou Pipa

O Nirvana de Clinton Blaindi e Pou Pipa

Por Elika Takimoto

Clinton Blaindi nascera cego e infanciou normalmente a despeito de sua eficiência em jogar bilboquê e de sua falta de medo do escuro. Pou Pipa apareceu no morro da Rocinha, onde se passa parte dessa história, adultecendo. Tinham os dois a mesma quantidade de invernos. Clinton Blaindi sabia do mundo muito pouco. Foi criado pela sua mãe que o deixava com a vizinha para trabalhar. A vizinha era uma moça desambiciada e achava que para viver basta estar vivo. Pouco conversava e tinha preguiça de descer o morro para levar cego à escola.

Pou Pipa era pedreiro. O primeiro nome foi escolhido pelo seu pai que se dizia fã dos Beatles e que, de fato, o era à maneira dele. Amava, como quem ama Imagine, Rélpi. O segundo nome (que é um adjetivo como já percebido) veio de sua fixação (que não se foi com a sua chegada à vida adulta) em botar pipa no céu.

Nos finais de semana e das tardes de verão, Pou Pipa colocava pipa para atrapalhar as correntes de ar e tinha como companhia Clinton Blaindi que sempre estava sentado em um banquinho do lado de fora do barraco. Escuta, meu amigo, o que é isso que você faz?, perguntou Clinton Blaindi quando, enfim, chegou novembro. Pou, que não sabia se divertir de outra forma, recebeu a pergunta como se tivesse visto uma equação do segundo grau. Começou sem entender como se vive sem diversão. Mas muito menos lhe ocorria como fazer um cego dimensionar o céu.

– Primeiro você tem que entender o que é o mundo. – Respirou Pou a responsabilidade.

E assim, Clinton Blaindi, ao avesso de São Tomé, cria sem ver e entendeu como o céu fora feito para justificar as pipas e que os pássaros eram pipas sem linhas. Tempo fechado era quando o céu, o espaço absoluto newtoniano, acordava repleto de portas e janelas fechadas. Ventos fortes eram o espaço curvo einsteiniano. As nuvens eram como um tecido estampado. Não entende, Blaindi? Ah é. Você não entende. Tecido estampado é… Vem comigo, Blaindi. Pou fez Blaindi colocar as mãos nos muros. Muro de tijolo sem reboco e muro rebocado de cimento salpicado com pedrinhas. Muro rebocado de cimento sem granulado. Tudo muro, Blaindi, com estampas diferentes. Blaindi entendeu perfeitamente o que eram as nuvens e estava extremamente feliz por ter um amigo como Pou Pipa.

Pou resolveu ensinar Blaindi não a soltar pipa e sim a segurá-la. Blaindi com sua cabeça andorinhando compreendeu o céu e sua extensão. Percebeu o infinito com clareza. Quantas dessas têm no céu, Pou? A mesma quantidade de estrelas, Blaindi.

Blaindi já sabia que, de noite, as estrelas apareciam. Noite, diferente do dia, como lhe explicara Pou, era algo bem distinto de tempo fechado. Noite é quando o céu se transforma em portão trancado para as pipas. E tem hora de abrir: dia. Estrelas são grãos de feijão jogados no chão que ficam atrás desse antipático portão e esses grãos de feijão atrapalham o movimento das pipas, entende, Blaindi? Blaindi entendia tudo.

Um dia Clinton Blaindi quis saber um pouco mais. Você vê Deus, Pou? Não. Claro que não. Tem gente que diz que ele está em tudo, mas ele não está em nada. Se esconde atrás do céu. E como O explicam? Pou não soube responder, embora, tivesse certeza de Sua existência porque tudo existia e para sermos temos que nascer e as pedras nascem de algum lugar porque são pedras, logo, Deus existe porque o que não cresce não procria e sim se cria.

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Livro serve para quê, Pou? Para quem não gosta de soltar pipa e não quer conversar. Quem lê fica em silêncio se ocupando de virar as folhas bem devagar, explicou Pou. Pareceu a Blaindi que ler era algo que ele poderia fazer e ele quis experimentar isso, então, em dias de chuva.

Clinton Blaindi passou a ler, dessa maneira assim ensinada sem alfabeto, sílabas nem palavras escritas – já que a Pou também foi-lhe negada esta paisagem – nas noites, quando os portões eram trancados para as pipas, sempre o mesmo livro que ganhou de presente de Pou. Usufruiu, sem que o sábio amigo lhe guiasse, do bem que a leitura, assim por ele assimilada, faz para a mente e ficou viciado nesse passatempo por ele inventado. Agora era Blaindi que esclarecia a Pou de que maneira uma simples atividade pode levar a gente para sei lá aonde meu deus.

Blaindi vislumbrou que talvez as pessoas que liam mudavam de página depois de passar por um determinado número de respirações que, por sua vez, era dado pelas batidas do coração já que Clinton Blaindi jamais aprendera a contar por números e muito menos entender o tempo por relógios. Passava por um processo mental não discursivo naquela estranha atividade de inspiração e expiração entendida por ele como leitura e, em plena quarta-feira anuviada, experimentou, de repente, um vazio iluminador, um êxtase quase místico e um soltar de sua alma.

Blaindi entendeu por quê um Sol de meio dia não faz sombras, assimilou-as sem nunca ter sentido a luz. E visualizou pipas coloridas na página quarenta e sete. Nuvens intateáveis e estrelas-grãos-de-feijão suspensas no ar. Meu deus como era bom ler. Clinton Blaindi que havia apreendido o tamanho do mundo com a ajuda das pipas de Pou quis lhe descortinar o Universo.

Vem, Pou, vou ensinar pra tu o caminho.

E assim, lá na Rocinha, ainda hoje, esses dois rapazes experimentam dessabendo um estado de cessação completa do sofrimento pela leitura da eterna graça alcançada somente pelos monges budistas do Tibet.

A difícil arte de realizar

A difícil arte de realizar

Por Adriana Vitória

Existe a ilusão de que tudo é fácil pra quem cria seja lá o que for.
Não posso responder por todos, mas no que me diz respeito, sou movida pela paixão intensa que sinto pela exuberância da natureza deste mundo, pela absurda complexidade e diversidade existente e pelos meus ideais quase utópicos de transformar a dor em alegria de viver.

Tudo isso gera uma nuvem que paira, quase que permanentemente, sobre minha cabeça. Imagens e palavras caem sobre mim como chuva. As vezes vem em gotas e montar o quebra cabeça fica por minha conta. Outras vem como uma tempestade, prontas e rápidas, o que gera ansiedade. Se não colocar rapidamente no papel, elas secam.

O ato de criar é solitário. Feito a partir de uma observação constante de tudo ao seu redor, é ver através, ler as emoções escondidas nas palavras, as dores por trás das cores, das formas e dos sorrisos amarelos, mas, sobretudo, estar em contato constante com o que há de melhor e pior em você: suas dores, seus amores, sem devaneios, sem distrações ou qualquer artifício que mascare quem você é e o que sente de fato.

Este processo constante também pode ser duro e é preciso esforço pra não ficar julgando. É preciso cuidar pra não se transformar em seu próprio carrasco ou se tornar um esquizofrênico, uma vez que não há ninguém pra compartilhar sua “loucura”.

A arte existe para ser consumida, tocada, sentida, ouvida, e é aí que a dificuldade aparece. Tornar o ideal em algo palpável, um “produto” que dê, além da estética e da alegria, uma utilidade para que as pessoas possam partilhar de todo o processo.

Foi pensando nisso que a Josie (Conti outra) me propôs pensarmos juntas em viabilizar algo com a minha arte. Melhor do que eu, ela sentiu que as pessoas queriam fazer parte disso quando compartilhava meus desenhos.

Sabíamos que não seria fácil, afinal, somos brasileiras, vivemos em um país nepotista que não privilegia quem luta e conquista, a duras penas, um lugar ao sol sem contar com nenhum apoio, mas não imaginávamos que seria tão difícil.

Foram longos dois anos de superação de obstáculos, tentativas e erros até chegarmos nas primeiras cadernetas hoje disponíveis na loja da CONTI online. Determinadas, burras ou insistentes, seja lá o adjetivo que queiram nos dar, aqui estamos, ofertando o que há de melhor em nós.

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Adriana Vitória : colunista Conti outra

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Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por  ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem. Página oficial- Adriana Vitória

Quási, por Mário de Sá-Carneiro

Quási, por Mário de Sá-Carneiro

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d’asa…
Se ao menos eu permanecesse àquem…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dôr! – quási vivido…

Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim – quási a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo… e tudo errou…
– Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim… –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos d’alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ansias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indicios…
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sôbre os precipícios…

Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .

Um pouco mais de sol – e fôra brasa,
Um pouco mais de azul – e fôra além.
Para atingir, faltou-me um golpe de aza…
Se ao menos eu permanecesse àquem…

Mário de Sá-Carneiro, in ‘Dispersão’

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Andrew Wyeth

 

A epidemia do medo

A epidemia do medo

José Eduardo Agualusa 

Quando em Agosto escrevi neste mesmo espaço sobre a epidemia de Ébola, ainda os países ocidentais não pareciam muito preocupados. A situação alterou-se nas últimas semanas, após os primeiros casos de contágio nos Estados Unidos e na Europa. O ocidente despertou. Receio, contudo, que o clamor mediático em curso possa vir a gerar uma outra epidemia – uma epidemia de terror! – capaz de afectar África no seu conjunto, e por muito tempo.

Nos últimos dias, venho escutando episódios desagradáveis envolvendo cidadãos africanos em viagem. Também escutei histórias de europeus que se recusam a viajar para países africanos, ainda que estes se localizem muito longe do foco da epidemia. De resto, como todos sabemos (mas os europeus parecem não saber), é mais fácil circular entre a Europa e África do que dentro do nosso próprio continente. Há muito mais probabilidades de que o vírus chegue primeiro a Lisboa do que a Luanda. Se chegar a Lisboa, então sim, devido às frequentes ligações aéreas, corremos o risco de que surja pouco depois em Luanda. No mundo de hoje, as distâncias já não se medem em quilómetros, mas no número de ligações aéreas. Nos próximos meses, se não for possível conter o vírus, o aeroporto de Frankfurt será um lugar muito mais perigoso do que é (ou parece ser) nos dias de hoje a capital da Serra Leoa, Freetown.

Morreram até agora perto de quatro mil pessoas. Este número, contudo, perde força se comparado com as catastróficas previsões para os próximos meses. À medida que o número de vítimas for crescendo, e, em particular, o número de vítimas fora do continente africano, é de esperar que o ambiente de medo alastre, e que o preconceito alastre de braço dado com o medo.

Na última década vários países africanos conseguiram ultrapassar um desgastante ciclo de conflitos internos. Alguns vêm dando passos para uma democracia autêntica. Todos os estudos reconhecem que o continente avançou na luta pelo desenvolvimento. A actual epidemia de Ébola – e o surto de medo a ela associado – ameaçam estas ainda frágeis conquistas.

A pandemia de medo pode atingir desde logo os países com melhor estrutura turística, os quais, não por acaso, são também os mais democratizados e desenvolvidos do continente, como Cabo Verde, a Maurícia, a Namíbia ou a África do Sul. Também muitos grandes negócios podem ficar comprometidos. Em última análise, o actual surto de medo pode comprometer a entrada de imigrantes qualificados e o regresso dos quadros técnicos de que o continente tanto necessita. As consequências, a médio e a longo prazo, seriam devastadoras.

O desafio que temos pela frente, pois, envolve tanto o combate à doença quanto ao medo dela.

Desde logo parece-me importante tentar romper com a identificação perversa entre o Ébola e África. Sim, o vírus do Ébola foi pela primeira vez identificado num pais africano – mas o Ébola não é África! Além disso, África não é um país, e sim um continente imenso e extremanente diverso.

Por outro lado, é preciso que os governos de todos os países do mundo expliquem aos seus cidadãos em que consiste a doença e os modos de a prevenir. A ignorância é a mãe do medo. Ainda me recordo do tempo em que as pessoas não escondiam o terror de conviver com quem quer que fosse que tivesse contraído o vírus da Sida. Na época medieval, na Europa, os leprosos eram expulsos à pedrada das cidades e das terras férteis e caso se aproximassem de uma povoação tinham de se fazer anunciar tocando sinos e pandeiros. Não podemos permitir que estes tempos regressem.

Fonte: Rede Angola

Pássaro com asas de âncora

Pássaro com asas de âncora

Fabrício Carpinejar
Posso jogar fora nossas fotografias, posso jogar fora poemas, posso jogar fora nossos objetos em comum, posso jogar fora nossos lugares prediletos, posso jogar fora nosso dialeto, posso jogar fora nossos rituais, posso jogar fora, acredite, posso jogar, mas não consigo jogar fora o jeito bonito que lhe amei. Olho para o meu amor por você e não consigo descartar. O meu amor por você era tão bonito.

Eu lhe amei como nunca amei ninguém. Como apagar, como esquecer, como fingir que não faz parte de mim?

Eu lhe amei com toda a minha devoção, antecipava voos para ganhar alguns minutos ao seu lado. Eu lhe amei com todas as surpresas que poderia inventar. Eu modificava minha agenda para lhe oferecer carona. Eu não reclamava de me acordar antes para preparar seu café. Você pedia, eu fazia. Você balbuciava, eu fazia. Você duvidava, eu fazia.

Derramei bilhetes pela casa, derramei gérberas pela casa, derramei roupas pela casa.

Não tive outra prioridade senão sua felicidade, mesmo que isso custasse minha paz.

Briguei demais pela nossa relação. Cada nova separação era uma esperança que voltássemos melhor.

Eu lhe amei com os sentimentos bons e ruins. Eu lhe amei com minha fé. Eu lhe amei com minha dor. Eu lhe amei com os meus traumas. Eu lhe amei com meus dramas. Eu lhe amei com minha amizade. Eu lhe amei com meu ciúme.

Todas as vezes em que me senti injustiçado, lhe ofendi para ver se recebia seu perdão.

Todas as vezes em que acabei a relação, sonhava com seu retorno.

Quis ser indispensável mais do que justo.

Eu pedi desculpa, insisti, enlouqueci. Fui um idiota, um sábio, um obstinado, um ingênuo, um ridículo. Fui até eu mesmo. Fui um pássaro com asas de âncora: rastejava pelo ar.

Só desejava ser seu, só desejava que fosse minha.

Rezava para que a saudade viesse, imponderável, suplicante, definitiva.
Nunca pensei minha vida sem você. Mesmo o meu pior procurava estar casado com você.

Até o último momento, busquei desarmá-la com a emoção. O último gesto redimiria qualquer desavença. O último gesto seria a entrega irrestrita. Um sim sonoro seria suficiente para combater as negativas sussurradas por dentro.

Empenhei tantas metamorfoses que não lembro o que entreguei. Eu me adaptava, voltava atrás, recuava, regredia, fingia segurança, simulava racionalidade, parava de fazer brincadeiras.
Por você, combatia os amigos, o mundo, a família.

Aguentei seus surtos, seus sustos, suas agressões, suas humilhações, seu deboche, suas alternâncias, sua mudança de opinião, aguentei você me deixando plantado no restaurante, nos bares, na rua, aguentei seus gritos, suas unhas, seus dentes.

Não fugi de conversar. Nunca deixei de atender um telefonema, nunca desliguei em sua cara, nunca deixei uma mensagem sem resposta.
Até o último momento, até depois do último momento, demonstrei que amava.

Não disfarcei, não omiti o que sentia. Disse com todas as palavras e todos os silêncios, para não gerar dúvidas.
Você não entendeu que eu lhe amei bonito.

E meu amor bonito não é meu, é seu. Não ficou comigo. O amor não é uma propriedade de quem sente, é uma transferência total para quem é amado. Assim como uma carta é de quem lê, não de quem mandou.

Espero que você não tenha jogado fora.

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Publicado no site Vida Breve, cuja leitura recomendamos.

Amores e cartas extraviadas

Amores e cartas extraviadas

Por Patrícia Dantas

Cartas se perderam no tempo. Ninguém escreve mais cartas como antigamente. Se temos hoje como enviar uma mensagem que pode chegar ao destinatário no momento real do envio, como escrever cartas a alguém só para manter a tradição, o cheiro do papel tirado do envelope e a ansiedade da espera para logo obter uma resposta?

Já não podemos mais escrever no anonimato? Cadê àquelas cartas endereçadas, mas sem o nome do remetente? Cadê o escritor anônimo por trás de toda àquela trama, que nem Sherlock Holmes ou Aghata Christie desvendaria tão fácil? Tudo precisava de uma investigação a fundo da história de todos os envolvidos. Roteiros tão originais, dignos de filmes policiais que, ao final, emendaria outras tramas de intensa atividade dos sentidos.

Acontece assim também com nossos amores extraviados. Pessoas, relacionamentos esquecidos, ou deixados no meio do caminho. Coisas que caem no absurdo do esquecimento; pessoas que não necessitamos da presença em todas as horas, como se tivéssemos um time para chamá-las bem na hora das nossas consultas emocionais. Claro, há pessoas, amigos e amantes para horas e momentos específicos; pessoas que não exigem que todas as nossas horas sejam devotadas a elas; pessoas que entendem nossa solidão, nosso afastamento quando necessário; pessoas que entendem as nuances da solidão e quando tudo à volta está em festa e exige maior presença.

Mas existe outro meio que pede um olhar mais apurado e cuidadoso: são nossas palavras durante cada encontro, durante cada um momento de festa que nos encontramos com pessoas que talvez nem vejamos mais ou que se ausentarão sem maiores explicações. E esses encontros acontecem para nos mostrar o real valor da pessoa como pessoa-palavra, pessoa-afeto, pessoa-pessoa.

Que nossos amores e palavras não sejam extraviadas, que sobrevivam às menores lembranças. Porque um necessita do outro para não cair no esquecimento ou simplesmente dentro da saudade flutuante no tempo. Dizer, gravar a palavra no outro é o modo de viver um sentimento em tempo real, descrevê-lo e deixar algo na eternidade.

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A dama branca e a dama amarela, uma fábula japonesa

A dama branca e a dama amarela, uma fábula japonesa

O Crisântemo é a Flor Nacional do Japão e possui muitos significados culturais, além de ser o Brasão Oficial da Família Imperial. Esta flor singela é retratada em diversas obras de arte como gravuras, pinturas e literatura. A imagem acima, por exemplo, foi uma pintura de Ohno Bakufu, grande pintor japonês.

O Crisântemo tem seu significado tão firmemente enraizado na cultura oriental, que acabou se tornando personagem principal de vários poemas e histórias, entre elas uma fábula bastante popular no Japão: Dama Branca e Dama Amarela.
A Dama Branca e Amarela é um conto japonês, que embora simples, nos passa uma lição incrível. Acabou se popularizando no mundo todo devido ao livro “Myths & Legends of Japan” (Mitos e Lendas do Japão), do escritor F. Hadland Davis.

A Dama Branca e a Dama Amarela
Era uma vez dois crisântemos, um branco e outro amarelo que cresciam lado a lado em um campo. Um dia, um velho jardineiro as encontrou e se apaixonou pela dama amarela. Ele ofereceu-se para levá-la para sua casa e torná-la ainda mais bela do que era. A dama amarela, sem pensar duas vezes, despediu-se da irmã e foi levada pelas mãos suaves do jardineiro para ser plantada em seu jardim.
Depois que a dama amarela partiu, a dama branca chorou amargamente. Sua beleza singela havia sido desprezada e, pior que isso, viu-se forçada a permanecer sozinha no campo, sem mais a companhia da irmã, com quem passava horas a conversar. Enquanto isso, a dama amarela se tornava cada dia mais bela.

Nem parecia mais a simples flor amarela do campo. Apesar de estar vivendo uma vida de luxo, a dama amarela às vezes se lembrava da irmã branca que havia abandonado sozinha no campo, sem ninguém para conversar. Mas assim que o jardineiro vinha cuidar de sua beleza, ela logo esquecia de sua irmã solitária.

Um dia, um capitão da vila chegou dizendo que estava procurando uma flor perfeita para se tornar a crista do elmo do seu senhor. O jardineiro então mostrou a ele, sua mais linda flor, o crisântemo amarelo. Mas o capitão foi logo dizendo que não estava a procura de um crisântemo que tivesse muitas e longas pétalas.

Ele buscava um crisântemo que fosse da cor branca, simples e com apenas dezesseis pétalas. Como ele não havia gostado da dama amarela, agradeceu e partiu logo em seguida à procura da sua flor perfeita. A dama amarela ficou muito desapontada por ter sido desprezada pelo capitão da vila, mas procurou não ficar pensando nisto.

No caminho, o homem passou pelo campo e encontrou a dama branca chorando. Ela contou a ele sobre a dama amarela que a havia abandonado, deixando-a tão triste e solitária no campo. Ele então lhe contou que conheceu a dama amarela e que ela não era nem metade tão bela quanto à branca flor que tinha diante dos olhos.

Diante dos elogios do capitão, a dama branca parou de chorar e ficou muito animada e feliz, especialmente depois que ele perguntou-lhe se ela desejaria ser a crista do elmo do seu senhor. O homem ainda disse-lhe que caso aceitasse, ela seria muito bem cuidada e teria uma vida de rainha, com muitos luxos.

A dama branca concordou e logo foi plantada em uma janela no palácio do Daimyo. O senhor feudal e toda sua família concordaram que realmente a dama branca era mesmo a flor perfeita para a sua crista. Vários artesãos e artistas vieram de longe e de perto, para retratar o belo crisântemo em todos os pertences da família.

Além de estar retratada na armadura do Daimyo, a dama branca percebeu de que não precisava mais de um espelho para se mirar, pois sua bela face branca estava presente em todos os mais preciosos bens da família do Daimyo, como caixas de laca, roupões de banho, travesseiros, colchas, mantos e outros objetos da família.

Olhando para cima, podia ver o seu rosto entalhado em grandes painéis. Foi pintada de todas as maneiras possíveis e imagináveis, inclusive boiando sobre a correnteza. Todo mundo concordava de que o crisântemo branco, apesar de possuir apenas dezesseis pétalas, representava o mais belo elmo de todo o Japão.

Quanto ao crisântemo amarelo, sua vida de luxo e riqueza teve uma curta duração. Enquanto a face feliz da dama Branca era perpetuada nos bens do Daimyo, a face da dama Amarela só transpirava tristeza. Por um período curto de tempo, foi feliz, se tornou uma bela flor e havia ganho muitos elogios dos visitantes.

No entanto, um dia, ela sentiu uma rigidez nos membros e percebeu o fim da exuberância de sua existência. A antiga cabeça orgulhosa, que antes era repleta de belas e longas pétalas douradas, pendeu e quando o velho jardineiro a viu desfalecida, a arrancou do canteiro para jogá-la em meio a um monte de lixo.

Enquanto isso, a dama branca foi cuidadosamente conservada, sem contudo perder a sua beleza simples, afinal havia sido escolhida pelo Daimyo para ser o brasão da família, justamente por sua singela, simplicidade e humildade.

Enfim, a moral da história é: Por mais que demore, o sucesso e a felicidade pode chegar até nós. Basta ter paciência e aprender a superar eventuais circunstâncias ruins que podem acontecer em nossa vida. Para aqueles que tem como qualidade a simplicidade e a humildade, a vida sempre RESERVA coisas boas…

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contioutra.com - A dama branca e a dama amarela, uma fábula japonesaVocê, assim como nós aqui da Conti outra, é um grande admirador da cultura japonesa?

Acompanhe também o site de origem dessa matéria: o “Japão em Foco

“Uma galinha”, conto de Clarice Lispector

“Uma galinha”, conto de Clarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode­ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare­cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”

Sem enfeite nenhum – Conto de Adélia Prado

Sem enfeite nenhum – Conto de Adélia Prado

A mãe era desse jeito: só ia em missa das cinco, por causa de os gatos no escuro serem pardos. Cinema, só uma vez, quando passou os Milagres do padre Antônio em Urucânia. Desde aí, falava sempre, excitada nos olhos, apressada no cacoete dela de enrolar um cacho de cabelo: se eu fosse lá, quem sabe?

Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor.

Quando comecei a empinar as blusas com o estufadinho dos peitos, o pai chegou pra almoçar, estudando terreno, e anunciou com a voz que fazia nessas ocasiões, meio saliente: companheiro meu tá vendendo um relogim que é uma gracinha, pulseirinha de crom’, danado de bom pra do Carmo. Ela foi logo emendando: tristeza, relógio de pulso e vestido de bolér. Nem bolero ela falou direito de tanta antipatia. Foi água na fervura minha e do pai.

Vivia repetindo que era graça de Deus se a gente fosse tudo pra um convento e várias vezes por dia era isto: meu Jesus, misericórdia… A senhora tá triste, mãe? eu falava. Não, tou só pedindo a Deus pra ter dó de nós.

Tinha muito medo da morte repentina e pra se livrar dela, fazia as nove primeiras sextas-feiras, emendadas. De defunto não tinha medo, só de gente viva, conforme dizia. Agora, da perdição eterna, tinha horror, pra ela e pros outros.

Quando a Ricardina começou a morrer, no Beco atrás da nossa casa, ela me chamou com a voz alterada: vai lá, a Ricardina tá morrendo, coitada, que Deus perdoe ela, corre lá, quem sabe ainda dá tempo de chamar o padre, falava de arranco, querendo chorar, apavorada: que Deus perdoe ela, ficou falando sem coragem de aluir do lugar.

Mas a Ricardina era de impressionar mesmo, imagina que falou pra mãe, uma vez, que não podia ver nem cueca de homem que ela ficava doida. Foi mais por isso que ela ficou daquele jeito, rezando pra salvação da alma da Ricardina.

Era a mulher mais difícil a mãe. Difícil, assim, de ser agradada. Gostava que eu tirasse só dez e primeiro lugar. Pra essas coisas não poupava, era pasta de primeira, caixa com doze lápis e uniforme mandado plissar. Acho mesmo que meia razão ela teve no caso do relógio, luxo bobo, pra quem só tinha um vestido de sair.

Rodeava a gente estudar e um dia falou abrupto, por causa do esforço de vencer a vergonha: me dá seus lápis de cor. Foi falando e colorindo laranjado, uma rosa geométrica: cê põe muita força no lápis, se eu tivesse seu tempo, ninguém na escola me passava, inteligência não é estudar, por exemplo falar você em vez de cê, é tão mais bonito, é só acostumar. Quando o coração da gente dispara e a gente fala cortado, era desse jeito que tava a voz da mãe.

Achava estudo a coisa mais fina e inteligente era mesmo, demais até, pensava com a maior rapidez. Gostava de ler de noite, em voz alta, com tia Santa, os livros da Pia Biblioteca, e de um não esqueci, pois ela insistia com gosto no titulo dele, em latim: Máguina pecatrís. Falava era antusiasmo e nunca tive coragem de corrigir, porque toda vez que tava muito alegre, feito naquela hora, desenhando, feito no dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou: coitado, até essa hora no serviço pesado.

Não estava gostando nem um pouquinho do desenho, mas nem que eu falava. Com tanta satisfação ela passava o lápis, que eu fiquei foi aflita, como sempre que uma coisa boa acontecia.

Bom também era ver ela passando creme Marsílea no rosto e Antissardina n° 3, se sacudindo de rir depois, com a cara toda empolada. Sua mãe é bonita, me falaram na escola. E era mesmo, o olho meio verde.

Tinha um vestido de seda branco e preto e um mantô cinzentado que ela gostava demais.

Dia ruim foi quando o pai entestou de dar um par de sapato pra ela. Foi três vezes na loja e ela botando defeito, achando o modelo jeca, a cor regalada, achando aquilo uma desgraça e que o pai tinha era umas bobagens. Foi até ele enfezar e arrebentar com o trem, de tanta raiva e mágoa.

Mas sapato é sapato, pior foi com o crucifixo. O pai, voltando de cumprir promessa em Congonhas do Campo, trouxe de presente pra ela um crucifixo torneadinho, o cordão de pendurar, com bambolim nas pontas, a maior gracinha. Ela desembrulhou e falou assim: bonito, mas eu preferia mais se fosse uma cruz simples, sem enfeite nenhum.

Morreu sem fazer trinta e cinco anos, da morte mais agoniada, encomendando com a maior coragem: a oração dos agonizantes, reza aí pra mim, gente.
Fiquei hipnotizada, olhando a mãe. Já no caixão, tinha a cara severa de quem sente dor forte, igualzinho no dia que o João Antônio nasceu. Entrei no quarto querendo festejar e falei sem graça: a cara da senhora, parece que tá com raiva, mãe.

O Senhor te abençoe e te guarde,
Volva a ti o Seu Rosto e se compadeça de ti,
O Senhor te dê a Paz.

Esta é a bênção de São Francisco, que foi abrandando o rosto dela, descansando, descansando, até como ficou, quase entusiasmado.

Era raiva não. Era marca de dor.

Texto publicado em “Prosa Reunida”, Editora Siciliano – São Paulo, 1999, foi incluído por Ítalo Moriconi no livro “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 349.

Israelense se apaixona por goiano e vai morar com ele do lado da cachoeira

Israelense se apaixona por goiano e vai morar com ele do lado da cachoeira

Por Gabriela Gasparin

A israelense Yamit Silverman Fonseca, de 39 anos, tinha 21 quando saiu do serviço militar obrigatório em Israel e foi viajar pelo mundo.

Não parou durante oito anos. Conheceu a Austrália, a Índia, os Estados Unidos e a América Latina.
Até que um incidente de percurso a manteve presa em uma cachoeira na Chapada dos Veadeiros, em Goiás: conheceu o Bruno, um guia turístico que morava na região e por quem Yamit largaria tudo para viverem juntos.

“Um dia depois que eu cheguei aqui eu já conheci o Bruno na cachoeira. Meu marido. Me apaixonei por ele, por esse lugar, tomei banho nesta água e falei, eu não vou embora, não.”

Daquela vez, os dois passaram apenas de três a quatro dias juntos. Era uma paixão de viagem. Ela precisava seguir seu caminho e foi para Nova York. Chegando lá, não conseguiu esquecer Bruno.

contioutra.com - Israelense se apaixona por goiano e vai morar com ele do lado da cachoeira“Eu ligava para ele todo dia. Naquela época não tinha celular e ele não tinha telefone em casa. Eu liguei no orelhão da esquina da Vila de São Jorge [onde Bruno morava]. Quem atendeu o telefone foi correndo na casa dele. Muito doido. Aí ele falou, ou ela é super rica para me ligar todo dia aqui ou ela está gostando muito de mim. Bom, rica eu não sou, não.”

Yamit trabalhou por dois meses em Nova York, juntou dinheiro e voltou à procura de Bruno. “Eu voltei, peguei ele e e nunca mais soltei (…). Cheguei aqui na sorte. Que nem a mesma língua a gente falava. A gente misturou quatro línguas juntos, tudo misturado.”

Bruno havia explicado a Yamit por telefone que não tinha casa, morava em uma cabana na beira do rio, sem banheiro ou chuveiro. Ela não quis nem saber. “Vim na sorte, se rolar, rolou.”E acabou rolando. Hoje os dois moram juntos no meio do mato, em uma casa no Vale da Lua, um ponto turístico da região onde as pedras têm uma formação que lembram a superfície lunar. Lá eles abriram uma lanchonete e vivem da venda de sucos e lanches aos turistas.

Antes de ficarem definitivamente juntos, Yamit contou que por cinco anos ela vinha ao Brasil com visto de turismo, ficava seis meses e precisava sair por outro meio ano. Até que se casaram de vez. “Aí que nunca mais eu saio daqui. É maravilhoso, maravilhoso.”

Disse que chegaram a viver sem energia elétrica na casa do vale. Depois chegou um gerador de energia solar. “Depois que muda para o mato não tem como voltar para trás”, revelou.

Yamit disse que nem tudo é tão calmo assim quanto parece ao morar na natureza. Em época de queimadas precisa proteger a casa do fogo. Quando chove, o rio enche e ninguém passa.

Há ainda a preocupação com a saúde. “Se alguém se machucar aqui é um problema. Por isso você tem que ficar muito forte. Fazer exercícios, comer bem e se virar com seus problemas. É melhor evitar.”

A israelense contou que sua família já foi até a Chapada dos Veadeiros conhecer Bruno e ele também já foi a Israel. “No começo meus pais reclamaram porque o Bruno não era judaico e na minha religião não se pode casar com uma pessoa de outra religião. Mas depois que eles conheceram o Bruno, se apaixonaram por ele, acabou esse problema e nunca ninguém mais tocou no assunto.”

Sentido da vida

E da mesma forma que Yamit foi certeira ao decidir viver um grande amor ela é sobre o sentido da vida: “eu tenho certeza que é a felicidade. É a unica coisa que importa. Porque sem ela nada vale e se você a tem pode passar por qualquer coisa.”

Revelou que busca essa felicidade a todo momento. “É isso o meu destino na vida, é melhorar minha felicidade.”

Para ser feliz, procura ter uma vida saudável e lê muito. “‘E tomo banho de rio, que ajuda bastante. Você pode estar triste, bravo e nada dar certo. Aí você enfia sua cara lá dentro d’água e sai feliz, é impressionante.”

Vidaria é um projeto parceiro Conti outra.

Leia mais histórias como essa em Qual o sentido da vida?

Sete fases para superar uma traição

Sete fases para superar uma traição

O terapeuta Luiz Alberto Hanns, autor de “A Equação do Casamento”, conclui a série de artigos sobre traição explicando os passos que compõem o caminho da superação

Abordei em artigos anteriores o moralismo e os sentimentos de quem foi traído, agora discuto as sete fases que as pesquisas mostram ser cruciais para a superação de uma infidelidade (descritas no meu livro “A Equação do Casamento”). Elas podem seguir aproximadamente a sequência abaixo.

Para passar por elas com sucesso, é importante que o parceiro que traiu tenha sensibilidade e paciência e que o parceiro traído não se engesse na postura do ressentido a ser “reconquistado”.

1. Arrependimento

Em geral, cabe ao parceiro que foi infiel demonstrar com clareza que se arrepende. Não apenas da boca para fora, mas com uma profunda conexão emocional. Não justifique sua infidelidade acusando o parceiro (“Você me tratava com frieza”) ou falando das suas próprias necessidades (“Eu estava carente”). Soará como tentativa de minimizar o problema. Deixe para abordar suas reivindicações mais tarde, quando seu parceiro estiver pronto para repactuar o casamento. Ainda que você não se arrependa de ter tido um caso(já vimos que há circunstâncias que podem tê-lo levado a isto), lamente estar causando sofrimento ao parceiro. E não ter sabido enfrentar os problemas conjugais. Deixe o arrependimento claro em palavras, atitudes e respeite a dor do outro.

2. Desforra

Talvez o parceiro traído durante meses sinta fúria, ou fique amuado e puna-o com silêncios. Ele precisará de um tempo para descontar a mágoa. Ao punir você, ele não só se alivia, como pretende “reeducá-lo” e fazê-lo saber como doeu. Aguente e respeite estes sentimentos. Querer abreviar rápido demais o período de expiação (“viremos logo a página”) só piora as coisas. Em geral, ao longo dos meses a raiva tende a diminuir e se intercalar com momentos de prazer. Tenha paciência. Se esse período se alongar além do razoável, é preciso que o parceiro infiel dê um basta à quarentena de punições. Se vocês se gostam e querem permanecer juntos, encontrarão o balanceamento adequado.

3. Processo de explicações e esclarecimentos

A maioria das pessoas traídas quer saber tudo que de fato se passou. Essas explicações ajudam a situar o parceiro traído, que ficou sem referências e busca redescobrir quem é seu conjuge e o quanto foi exposto. Aprenda a aguentar esses interrogatórios e as reações intensas de mágoa a cada nova informação que você for “soltando”. Se você mentir para preservar a relação, poderá ser desmascarado e parecer um mentiroso incorrigível. Se o caso terminou e quer resgatar a relação, aguente com paciência. Mas se estes interrogatórios se tornarem repetitivos e só deixarem ambos atolados na mágoa, dê um basta com ternura, mas firmeza: “Já lhe disse tudo de importante. Não vou entrar em detalhes que não acrescentam nada e apenas nos farão mal”. Se você for a parte traída e não puder parar, busque ajuda, não destrua o que restou expondo demais a si e ao parceiro.

4. . Indenização

Se você traiu e quiser restaurar a relação, é preciso “indenizar” o parceiro: corrigir antigas negligências de sua parte e atender a partir de agora com mais cuidado às necessidades dele. Essa fase é talvez a mais importante para o futuro da relação. Tanto você como ele poderão utilizar esse período de resgate da relação para incorporar novas práticas de um cuidar do outro. Não se trata de uma “limpada de barra provisória”: não volte, mais adiante, aos antigos padrões de negligência. E se você for a parte traída, cuidado para não exagerar nas exigências e pedidos de mimo.

5. Perdão

Se você é a parte infiel, não tenha pressa para que seu parceiro oficialize um perdão. Se você foi traído, reveja o que os vincula, qual o valor que a relação tem para você. Não seja moralista e não se afunde na autocomiseração. Você não será o primeiro nem o último a ser traído. Se quer ficar casado, em algum momento terá de superar e perdoar. Se precisar de ajuda psicoterápica, não hesite em procurar, pois pode ser difícil lidar com as vulnerabilidades ativadas em você. Perdoar é empatizar com o parceiro, compreender os contextos e se dispor a repactuar a relação. Não é fácil, mas com autoestima e confiança na vida, é possível recuperar o equilíbrio e refazer uma aposta no parceiro.


6. Reasseguramento

Se você tiver sido infiel, terá de tranquilizar o parceiro por meses ou anos. Ele gostaria de ter acesso a seus e-mails, celulares, de poder achá-lo a qualquer momento, de ter sua agenda diária, de acompanhá-lo em viagens, de ser incluído em programas que antes eram exclusivamente seus? Dar a ele acesso a seu cotidiano é o custo de tranquilizar um conjuge traumatizado. A prioridade na fase de resgate de confiança não é o seu conforto, mas o do parceiro.

7. O sétimo passo: repactuação

Depois do choque inicial, muitos casais acabam por revisar a relação. Mesmo que você tenha sido traído esteja aberto a rever quais comportamentos seus podem ter contribuído para que o casamento desandasse e, se quiser resgatar a relação, cabe também a você fazer sua parte. Se foi você quem traiu, chegou a hora de, além de escutar as necessidades do parceiro, colocar também as suas. Se tiverem afinidade, atração sexual e complementaridade psicológica, terão tudo para seguir adiante, conectar-se às necessidades do outro e evitar repetir erros — e cultivar melhor a relação.

* Luiz Alberto Hanns é terapeuta com mais de 20 anos de prática clínica e autor de “A Equação do Casamento — O que pode (ou não) ser mudado na sua relação”

Do site Dellas

Um guia para a Felicidade, por Dalai Lama

Um guia para a Felicidade, por Dalai Lama
Dalai Lama

Segundo Dalai Lama, a felicidade é um “sentido maior de satisfação”, o que não se confunde, especificamente, com “experiências prazerosas”. Afirma o líder espiritual que a felicidade “advém da paz mental que surge do calor humano”.

No vídeo, o Nobel da Paz fala de um mecanismo de auto-aprisionamento: somos prisioneiros dos rótulos, fala da solidão, da depressão e de outras problemáticas atuais.
Vale conferir, na íntegra, o pensamento de Dalai Lama.

Conheça os livros de Dalai Lama

Qual o papel do brasileiro na inversão de valores da sociedade atual

Qual o papel do brasileiro na inversão de valores da sociedade atual

Por Octavio Caruso

O problema

Estamos vivendo uma inversão de valores. O brasileiro, por hábito de gerações, sempre coloca a culpa de tudo no governo. A situação política da nação está vergonhosa, não há dúvida, mas, gradativamente, o povo está se acostumando a projetar seu desinteresse nos engravatados de Brasília. “Não temos acesso à educação”, um mantra que é repetido diariamente. Mas será que o brasileiro deseja verdadeiramente se instruir?

Ninguém impede a entrada gratuita de uma pessoa, independente de credo, raça e classe social, em uma biblioteca ou em um sebo. Quem decide a forma como essa pessoa irá se divertir, em suma, como ela irá utilizar o seu tempo de lazer, não é o governo. É o mesmo equívoco daqueles pais que colocam a culpa da grosseria dos filhos na escola. Elegância e bom gosto se aprendem em casa, inicialmente, pelo exemplo dos pais, e aprimorados pelas decisões individuais do jovem. A contribuição financeira que os pais oferecem, do mais pobre ao mais rico, pode servir para diversas formas de satisfação, do “ser” e do “ter”. É uma decisão exclusiva do indivíduo. Aquele pouco de salário que resta no final do mês, após o pagamento das contas, pode ser investido em álcool, cigarro, prestação do carro e roupas de grife, mas também pode ser investido em teatro, cinema e livros. Ser medíocre é um direito inalienável de todos, porém, não sejamos ingênuos, é uma opção plenamente consciente. Colocar a culpa no governo, na pobreza, na falta de sorte, é, pura e simplesmente, uma tremenda hipocrisia.

Então eu volto à questão inicial: será que o brasileiro deseja verdadeiramente se instruir? Caso utilizemos como parâmetro o microcosmo representado pelas redes sociais, com uma multidão compartilhando notícias falsas sem buscar a fonte, curtindo postagens de textos em que leram apenas a chamada, incitando discursos de ódio sem nenhum embasamento, seguindo a manada em qualquer modismo tolo, ou, um clássico, postando indiretas enigmáticas que interessam apenas ao umbigo da própria pessoa, podemos ter a nítida constatação de que reina o caos. Há bastante tempo livre, o problema parece estar na lista de prioridades do cidadão. O brasileiro que passa o ano todo reclamando que vivemos numa nação que não valoriza cultura, é exatamente o mesmo que, em seu tempo ocioso na internet, valoriza apenas o raso, compartilhando vídeos bobinhos de crianças escorregando na casca de banana e músicas de qualidade questionável. É tudo muito engraçado para o brasileiro, ainda que viva diariamente uma realidade de altíssimos impostos, sem segurança, moradia, transporte, saúde e educação de mínima qualidade.

Talvez essa mentalidade emocionalmente imatura e constante de bobo alegre, de incentivador do feriadão enforcado, explique o interesse quase doentio pela vergonha alheia, pelo bizarro, em detrimento do que é elegante.[/quote_box_right]

Talvez essa mentalidade emocionalmente imatura e constante de bobo alegre, de incentivador do feriadão enforcado, explique o interesse quase doentio pela vergonha alheia, pelo bizarro, em detrimento do que é elegante. A autocrítica é essencial nesse processo, visando o necessário autoaprimoramento, uma maturidade intelectual e emocional. Nós precisamos, mais do que nunca, de brasileiros que valorizem a água benta da testa, que não postem nas redes sociais, no início da semana, o desejo pela aproximação rápida da Sexta-Feira.

O Brasil precisa de pessoas que compreendam, acima de tudo, que devem procurar trabalhar naquilo que verdadeiramente amam, pois, dessa forma, o estudo constante será sempre uma atitude natural, não uma obrigação profissional. Os pais devem ensinar aos filhos que, na equação da vida, a prioridade deve ser a satisfação profissional com a busca dedicada pela realização do sonho, não a corrida para somar nas filas de concursos públicos, a busca por uma subjetiva estabilidade, que, na realidade, entrega para o mercado funcionários frustrados, sem sangue nos olhos.

Uma possível solução

A criança aprende pelo exemplo, ela começa imitando aqueles que a cercam, ela precisa escutar os pais folheando as páginas dos livros, após um dia longo de trabalho, ou numa manhã de um final de semana tranquilo. Ela precisa ser surpreendida com o desligar da televisão e do computador, após o jantar na casa humilde ou na mansão, sendo estimulada a acompanhar os pais, sentada no sofá ao lado, compartilhando o sábio silêncio de mentes trabalhando. Enxergar perifericamente os olhos do pai se aproximando do final de uma página, fascinada por aquele universo que o encanta, tentando igualar aquela velocidade, vencer a figura terna de autoridade. E, inteligente, o pai carinhoso, consciente dessa linda batalha lúdica, deixa o filho acreditar que é mais rápido.

Com esperta teatralidade, a mãe desliga as luzes e acende velas, captando a criatividade da criança com o bruxulear mágico, formando sombras nas linhas que os pequenos olhos perseguem com o dobro de atenção. As aventuras elaboradas pelos autores se amalgamam à emoção despertada pelo ambiente, uma sensação que nenhum jogo eletrônico poderia emular. Ao invés de despejarem um smartphone ou um tablet nas mãos das crianças, os pais responsáveis presenteiam seus filhos com livros.

A criança precisa assistir os pais admirando por vários minutos aquela estante repleta de capas coloridas, tendo sua curiosidade instigada na direção de descobrir quais maravilhas se escondem naqueles tomos. O pai inteligente pode até se dar ao luxo de inicialmente reprimir a aproximação da criança, afirmando teatralmente que ela precisa ter muito cuidado com aqueles objetos extremamente importantes, já que o proibido é um elemento que atrai com maior intensidade.

O filho pequeno entenderá que, ao tocar aqueles livros especiais, está se empoderando e agindo como um homenzinho, adentrando um mundo novo de incríveis possibilidades. Então, o pai, com o sorriso de quem sabe que está criando um ser humano potencialmente valoroso, promete ajudar o filho a desbravar aquela magnífica aventura literária. Os pais precisam ser os heróis da criança, liderando sempre pelo exemplo, conquistando o respeito por merecimento.

Caso todos os brasileiros tivessem essa consciência, nossa nação não estaria atravessando esse miserável momento cultural. Colocar um filho no mundo precisa ser uma atitude consciente. A parentalidade irresponsável é a gênese de grande parte dos nossos maiores problemas.

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O senhor, um provável morador de rua, lendo um livro de literatura da estante- Rio de Janeiro.

OCTAVIO CARUSO: colunista Conti outra

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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Por que tanta tristeza se você acabou de ter um filho lindo e perfeito?

Por que tanta tristeza se você acabou de ter um filho lindo e perfeito?

Por Lilian Marin Zuchelli

A princípio realmente parece não fazer sentido que uma mulher que acabou de dar à luz a um bebê saudável sinta-se triste e deprimida. Mas, isto é muito mais comum do que se possa imaginar.

Um grande número de mulheres passa pelo puerpério, período que se inicia logo após o parto e tem uma duração de aproximadamente três meses, com essa sensação de tristeza profunda, ansiedade, medo e instabilidade emocional.

É uma fase de profundas alterações físicas, psicológicas e sociais na mulher, na qual aumentam os riscos para o aparecimento de transtornos psiquiátricos. Há necessidade de reorganização social e adaptação a um novo papel. A mulher tem um súbito aumento de responsabilidade por se tornar referência de um novo ser indefeso, sofre de privação de sono e isolamento social. Além disso, é preciso a reestruturação da sexualidade, da imagem corporal e da identidade feminina. É um momento desencadeador de uma série de mudanças intra e interpessoais.

São três tipos de distúrbios psiquiátricos puerperais: Tristeza Pós Parto, Depressão Puerperal e Psicose Puerperal. O que os distinguem é a gravidade do quadro e o que ele tem de incapacitante, afetando a funcionalidade da mãe e pondo em risco seu bem estar e o do bebê.

A Tristeza Puerperal é um distúrbio leve e transitório com poucos dias de duração. Acomete 50% a 85% das mulheres. Os sintomas são: choro, flutuação de humor, irritabilidade, fadiga, tristeza, insônia, dificuldade de concentração e ansiedade relacionada ao bebê. Pode durar de uma semana a 10 dias.

A Depressão Puerperal (DPP) é um transtorno psíquico de grau moderado a severo e atinge 10% a 20% das mulheres. Os principais sintomas são: tristeza, choro fácil, desalento, abatimento, labilidade, falta de apetite, náuseas, sensação de incapacidade de cuidar do bebê e desinteresse por ele, desinteresse pelas atividades do dia a dia, distúrbios do sono, insônia inicial e pesadelo, ideias suicidas, perda do interesse sexual e culpa. Desenvolve-se lentamente em semanas ou meses (Silva, E.T.; Botti, N.C.L., 2005).

A Psicose Puerperal é um distúrbio de humor psicótico que apresenta perturbações mentais mais graves. Ocorre em 0,1% a 0,2% das mulheres, seu início é abrupto nas duas ou três primeiras semanas após o parto. Tem como sintomas: confusão mental, perda do senso de realidade, agitação psicomotora, angústia, insônia, evolução para formas maníacas, melancólicas ou até mesmo catatônicas (Klaus e col., 2000). Segundo Vera Laconelli (2005), para a mulher em surto o bebê não existe como tal. Ele passa a ser um espaço vazio preenchido por elementos do psiquismo da mãe, cindidos do real.

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The Man is at Sea is a recreation by Van Gogh

Analisando a gravidez e o pós-parto sob um ponto de vista simbólico, entende-se que, o materno é um aspecto feminino que precisa ser elaborado no desenvolvimento da personalidade da mulher mesmo que não ocorra uma gravidez física. Gallbach afirma, baseada na teoria de C.G. Jung, que esse aspecto materno, uma vez constelado, deve ser confrontado pela mulher e ela deve deixar-se ser regida por ele. Assim ela passará pela transformação psíquica de “menina-moça para mulher-mãe. Num sentido mais amplo, de gerada para geradora, de criatura para criadora” (Gallbach, 1995).

Apesar de todo sofrimento envolvido, é possível correlacionar a depressão pós-parto como um momento positivo, de amadurecimento da mulher, contribuindo no processo de individuação e encontro de si mesma. As mudanças que ocorrem tanto físicas quanto psíquicas propiciam à ela um encontro com a sua essência. Desde o desejo de ser mãe, até o fato concreto de ter a criança nos braços, a transformação acontece independente de sua vontade consciente.O corpo vai lentamente se transformando e ao longo de nove meses um novo ser vem sendo gestado e a princípio se confunde e vive em simbiose com a mãe.

A mulher que, neste período, conseguir refletir e se entregar de corpo e alma ao processo pelo qual está passando, terá a chance de um entendimento maior, de uma elaboração do materno e do feminino como aspectos que pertencem a si e a uma esfera maior ao mesmo tempo. Essa passagem física de filha para mãe pode propiciar a compreensão psíquica de que o nascimento concreto de uma criança também pode ser vivido como renascimento de si mesma agora, transformada em mãe. A gravidez e a maternidade ainda podem ser refletidas como um processo de iniciação feminina que promove o contato com conteúdos inconscientes, a integração destes à consciência e consequentemente a ampliação e transformação dos mesmos.

A forma que vivemos hoje, associada à cobrança dos papéis sociais que devemos desempenhar impede, de alguma forma, esse olhar para dentro de si nesse período tão importante na vida da mulher. Esse pode, hipoteticamente, ser uma das causas dos transtornos psíquicos no puerpério.

A psicoterapia associada á técnicas de trabalhos corporais pode auxiliar nesse período por serem facilitadores no processo de autoconhecimento e busca de si mesmo. Além de diminuírem o estresse por proporcionar um relaxamento, essas técnicas promovem um rebaixamento no nível de consciência facilitando o acesso aos conteúdos inconscientes que, uma vez acessados, podem ser identificados, clarificados e integrados à consciência propiciando uma ampliação da mesma.

Fontes:

KLAUS, M. H., KENNEL, J. H. & KLAUS, P. (2000). VÌnculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas.

GALLBACH, M.R. – Sonhos e Gravidez – Iniciação à Criatividade Feminina. Paulus, 1995.

IACONELLI, V. – Depressão Pós-parto, Psicose Pós-parto e Tristeza Materna – Artigo da Revista Pediatria Moderna, v.41 n.4, 2005.

LILIAN MARIN ZUCCHELLI – Depressão Pós-parto Como Um Momento Positivo no Processo de Individuação da Mulher: Uma Visão Simbólica – Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal, 2011.

SILVA, E.T.; BOTTI N.C.L. – Depressão Puerperal – Uma Revisão de Literatura – Revista Eletrônica de Enfermagem v.07, n.2, p.231-238, 2005. Disponível em http://www.fen.ufg.br

contioutra.com - Por que tanta tristeza se você acabou de ter um filho lindo e perfeito?Lilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768

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