Creio que o exagero da atitude puramente intelectual, orientando, muitas vezes, a nossa educação, em ordem exclusiva ao real e à prática, contribuiu para pôr em perigo os valores éticos. Não penso propriamente nos perigos que o progresso técnico trouxe directamente aos homens, mas antes no excesso e confusão de considerações humanas recíprocas, assentes num pensamento essencialmente orientado pelos interesses práticos que vem embotando as relações humanas.
O aperfeiçoamento moral e estético é um objectivo a que a arte, mais do que a ciência, deve dedicar os seus esforços. É certo que a compreensão do próximo é de grande importância. Essa compreensão, porém, só pode ser fecunda quando acompanhada do sentimento de que é preciso saber compartilhar a alegria e a dor. Cultivar estes importantes motores de acção é o que compete à religião, depois de libertada da superstição. Nesse sentido, a religião toma um papel importante na educação, papel este que só em casos raros e pouco sistematicamente se tem tomado em consideração.
O terrível problema magno da situação política mundial é devido em grande parte àquela falta da nossa civilização. Sem «cultura ética» , não há salvação para os homens.
Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só a mão filial conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, com suas palmas, tinhorões e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da haste.
É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram moças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente. O piano fechado, com uma longa tira de flanela sobre as teclas, repete ainda passadas valsas, de quando as mãos maternas careciam sonhar.
A casa materna é o espelho de outras, em pequenas coisas que o olhar filial admirava ao tempo em que tudo era belo: o licoreiro magro, a bandeja triste, o absurdo bibelô. E tem um corredor à escuta, de cujo teto à noite pende uma luz morta, com negras aberturas para quartos cheios de sombra. Na estante junto à escada há um Tesouro da juventude com o dorso puído de tato e de tempo. Foi ali que o olhar filial primeiro viu a forma gráfica de algo que passaria a ser para ele a forma suprema da beleza: o verso.
Na escada há o degrau que estala e anuncia aos ouvidos maternos a presença dos passos filiais. Pois a casa materna se divide em dois mundos: o térreo, onde se processa a vida presente, e o de cima, onde vive a memória. Embaixo há sempre coisas fabulosas na geladeira e no armário da copa: roquefort amassado, ovos frescos, mangas-espadas, untuosas compotas, bolos de chocolate, biscoitos de araruta — pois não há lugar mais propício que a casa materna para uma boa ceia noturna. E porque é uma casa velha, há sempre uma barata que aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe. Em cima ficam os guardados antigos, os livros que lembram a infância, o pequeno oratório em frente ao qual ninguém, a não ser a figura materna, sabe por que queima às vezes uma vela votiva. E a cama onde a figura paterna repousava de sua agitação diurna. Hoje, vazia.
A imagem paterna persiste no interior da casa materna. Seu violão dorme encostado junto à vitrola. Seu corpo como que se marca ainda na velha poltrona da sala e como que se pode ouvir ainda o brando ronco de sua sesta dominical. Ausente para sempre da casa materna, a figura paterna parece mergulhá-la docemente na eternidade, enquanto as mãos maternas se fazem mais lentas e as mãos filiais mais unidas em torno à grande mesa, onde já agora vibram também vozes infantis.
Selecionamos, aqui, um trecho do livro “A arte da Vida”, do escritor polonês Zygmund Bauman, para que iniciemos a semana refletido acerca da busca da felicidade e de suas reais implicações na sociedade em que vivemos.
“O advento da busca da felicidade como principal motor do pensamento e ação humanos prenuncia para alguns, embora também ameace para outros, uma verdadeira revolução cultural, mas também social e econômica.
Culturalmente, ele pressagia, sinaliza ou acompanha a passagem da rotina perpétua à inovação constante, da reprodução e retenção daquilo “que sempre foi” ou “que sempre se teve” para a criação e/ou apropriação daquilo “que nunca foi” ou “nunca se teve”; de “empurrar” para “puxar”, da necessidade para o desejo, da causa para o propósito.
Socialmente, coincide com a passagem da regra da tradição para a “fusão dos sólidos e a profanação do sagrado”.
Economicamente, desencadeia a mudança da satisfação de necessidades para a produção dos desejos.
Se o “estado de felicidade” como motivo de pensamento e ação foi essencialmente um fator de conservação e estabilização, a “busca da felicidade” é uma poderosa força desestabilizadora.
Para as redes de vínculos inter-humanos e seus ambientes sociais, assim como para os esforços humanos de auto-identificação, ela é de fato o anticongelante mais eficaz. Pode muito bem ser considerada o principal fator psicológico do complexo causal responsável pela passagem da fase “sólida” para a fase “líquida” da modernidade.
Sociólogo polonês Zygmunt Bauman
Sobre o impacto psicológico da “busca da felicidade” promovida simultaneamente ao status de direito, dever e propósito maior da vida, Tocqueville tinha a dizer o seguinte:
Eles [os americanos] estão acostumados a vê-la de perto o bastante para conhecer seus encantos, mas não se aproximam o suficiente para usufruí-la, e estarão mortos antes de terem provado plenamente os seus prazeres … [Essa] é a razão da estranha melancolia que frequentemente assombra os habitantes das democracias em meio à abundância, e daquele desgosto pela vida que por vezes toma conta deles em condições de calma e tranquilidade. (….)
Na Idade Média, foi elevada à categoria de principal objetivo e preocupação suprema dos mortais, e empregada para promover os valores espirituais acima dos prazeres da carne – assim como para explicar (e, esperava-se, afastar pela argumentação) a dor e a miséria da breve existência terrena como o prelúdio necessário e, portanto, bem-vindo do interminável êxtase do pós-vida.
Com o advento da era moderna, retornou com nova roupagem: a da futilidade dos interesses e preocupações individuais, que se provou serem de duração abominavelmente curta, além de efêmeros e inconstantes quando justapostos aos interesses do “todo social” – a nação, o Estado, a causa…
… Mas com a fórmula da felicidade que eleva o “estar na frente” à categoria de princípio orientador, com indivíduos esmagados por uma “sede de excitação e uma decrescente disposição de se ajustar aos outros, subordinar-se ou abrir mão, “como é possível que dois indivíduos que desejam ser ou se tornar iguais e livres descubram o terreno comum no qual seu amor pode crescer?”
Tive muita dificuldade em aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra «m» se chamasse «éme» e, no entanto, com a vogal seguinte não se dissesse «éme» e sim «ma». Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora não me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes.
Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tão intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: «Caramba!, este menino vai ser escritor».
Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressão. Passaram vários anos antes de saber que o livro era «As Mil e Uma Noites». O conto de que mais gostei – um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora não esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguém me tenha podido esclarecer.
O conto é este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e, quando a mulher abriu o peixe para o frigir, tinha dentro um diamante do tamanho de uma amêndoa.
Quando o meu coração se soube eterno, fiz as pazes com o tempo. Foi o que afirmei, há alguns dias, ao escrever um poema. Esse assunto é de grande importância porque desequilibramos a balança das prioridades e, hoje, importa-nos mais a habilidade de nossas asas que a profundidade de nossas raízes.
Eis o meu pacto com o Tempo: eu não o esbanjo em entreveros desnecessários, tarefas infrutíferas, discussões inócuas ou com qualquer coisa que, não sendo absolutamente necessária, venha causar-me desprazer ou desconforto. Ele, por sua vez, entrega-me as 24 horas do dia como uma fatia da Eternidade e, nela, tento espelhar não o caos do mundo qual estou inserida, mas a paz do mundo interior.
A vida aqui fora é uma vertigem. O Homem, nauseado e tonto, caminha sem direção e nem o percebe. Ele precisa adestrar as asas… Importa é a pressa com que vai adiante, a rapidez das realizações, a facilidade com que se adapta ao novo. Importa não parar. E assim, reciclamo-nos, compramos novos equipamentos, adquirimos o domínio de novas tecnologias, e estudamos manuais, novos cursos, especializamo-nos e adaptamo-nos sob pena de quedarmos à margem da pós-Modernidade de hoje.
É assim que o Homem se faz escravo de suas próprias asas, embora desconheça essa sua condição. Ignorante, adoece: depressão, ansiedades, pânico, síndromes de diversas ordens dão a tônica das emoções humanas…
Já estive entre aqueles que se ocupavam de estampas e valoravam rótulos. Já tive pressa de vencer. Já tive vaidades de sobrepujar adversários ou de ostentar riquezas e glórias. Eu queria o máximo da agilidade das asas. Então um dia eu desobedeci a ordem das coisas, e parei.
Muitos se assustaram. A família, os amigos, eles pouco entenderam, mas eu estava entabulando uma conversa com o Tempo. Era preciso fazer as pazes com ele para que a asa se exercitasse lá fora enquanto as minhas raízes se aprofundavam aqui dentro.
Manoel de Barros, poeta cuja filosofia nos leva a valorar as insignificâncias e a questionar as opulências, dizia dar mais importância aos passarinhos que aos senadores. Ele se apercebeu dessa e de muitas outras verdades quando ficou pasmo diante da velocidade do avião (máquina avoadora), logo ele, que tinha cisma com lesma por achar que ela anda muito depressa.
Nesse mesmo poema, o Barros nos diz uma verdade inquestionável que deveria penetrar a nossa alma e acalmar-nos de sorte a permitir que nossas raízes de fato ganhem profundidade e força:
“A gente só chega ao fim quando o fim chega!
Então pra que atropelar?”
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
A morte e a vida sempre são entendidas como dualidades. A questão é que a maioria das pessoas prefere ignorar a mortalidade, talvez porque, dessa forma, viver pareça algo mais intenso e real. Não é assim que a personagem principal do livro “Uma vida para sempre“, da autora nacional Simone Taietti, pensa. Ethel, uma garota de 17 anos que convive com uma doença incurável que a impede de sentir dor e, também, de transpirar, tem como “passatempo” pesquisar sobre probabilidades estatísticas e pensar sobre a finitude da vida e a iminência da morte. A princípio, o leitor pode achar que a trama é sobre, exatamente, a morte. Até que, quase no final, entende-se a lição do livro: o engrandecimento da dádiva de se estar vivo.
Cada um carrega a sua própria história. A vida de ninguém é igual. Mas todos estamos interligados: somos, a cada respiração, potencialmente, um impacto na vida alheia. Somos, também, “quase nada neste mundo, mas significamos muito para alguns”, é o que o personagem masculino principal escreve, em um dos capítulos finais do livro. Alguém sempre vai nos ferir. E nós sempre iremos ferir alguém. Talvez, sejamos feridos por alguém que estimamos e, dessa forma, nos magoemos e nos enterremos em uma dor desnecessária – que, muito provavelmente, será passageira. É comum viver a dor e, tempos depois, tentar bloqueá-la. Temos a tendência a achar que uma vida plena só será alcançada com felicidade notória e tristeza nula. Bloqueamos o que nos incomoda, pois não sabemos lidar com essas emoções, achamos que as adversidades pelas quais passamos apenas nos tornam frágeis. Mas é necessário lembrar que, quando a dor nos aflige, é quando mais necessitamos aceitar essas provações. A dor é um ensinamento: lembra-nos que, apesar de tudo, estamos aqui. Somos sortudos por senti-la, porque muitos não têm a chance.
A linha é tênue quando se fala em vida, pois há o depois, aquilo que todos temem, mas ninguém menciona. As cartas sempre estão na mesa quando se trata da fragilidade de se estar neste mundo: precisamos viver intensamente. Não devemos esperar o amanhã. Aquela conversa que se quer ter, tenha hoje. Pode não acontecer como imagina, mas precisa acontecer, se é importante para você. E não é para que não seja afligido pela dor, remorso ou culpa, mas porque a linha se arrebenta fácil. É a instantaneidade de se estar vivo. Sua conversa pode não acontecer amanhã, simplesmente porque o amanhã, para você ou para a outra pessoa, pode não existir. Quantas coisas deixamos para fazer e dizer em outro horário, outro dia, outra semana? É exatamente assim que impactamos a vida alheia. Porque esperar, enquanto se vive, é morrer pouco a pouco.
Tudo muda constantemente e a efemeridade da vida é a mais marcante. É como ter uma certeza, aos poucos, se transformando em incerteza – coisas assim fogem do nosso controle. Acontece em um segundo, em uma hora, em um dia. Alguém se vai e nós ficamos. E é assim que recordamos que precisamos viver, enquanto ainda houver tempo. E, se houver o suficiente, podemos entender que vida e morte são amigas inseparáveis, mas necessárias, assim como a dor. Certas coisas precisam ser sentidas para que compreendamos o porquê de existirmos e o impacto que isso suscita nos outros. Talvez, apenas assim viveremos plenamente, sem medo de nos machucar e com coragem razoável para tocarmos as vidas de quem mais prezamos.
“Uma vida para sempre” promove uma reflexão existêncial. Afinal, quanto dura o para sempre?
Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.
Nina Spim
É uma escritora sonhadora dotada de blue feelings. Cursa Jornalismo na PUCRS, adora as palavras, mora nos livros, gosta de cinema como um esporte, é seriadora aos fins de semana e escritora compulsiva. Autora dos contos “Heart and Love” e “Coisas, definitivamente, de Amélia” das Antologias Amor nas Entrelinhas e Aquarela, respectivamente, pela Adross Editora.
Tenha um amigo que seja maior do que você. Não somente pelos braços mais compridos que nem mesmo precisam se alargar para te abraçar. Nem mesmo pelas ciências da vida que ele já recita como um poema curto de Adélia Prado, ciências que você ainda tenta assimilar, com certa dificuldade. Tenha um amigo de alma maior, coração mais largo e olhar mais sereno que o seu.
E ele, em muito vai lembrar a candura de seu pai, o humor preocupado de sua mãe, e pouco a pouco também se tornará sua família. E mesmo nos dias em que ele se sentir menor e reivindicar seu colo, você ainda estará sendo protegido por ele. Há gente que cuida da gente num caminho inverso quando deitam na paciência do nosso colo, quando choram no mirante de nosso peito, quando a sua simples presença nos torna também um pouco maiores.
Tenha um amigo que seja maior do que você. Que lhe ensine a ser generoso com miudezas como te emprestar um livro que você nem pediu ou te levar para tomar café quando você estiver perdido. Que lhe mostre a dignidade desculpando-se quando você nem estava exatamente bravo e lhe perdoando exatamente nos momentos em que você não poderia ser tão mais errado.
E a partir do respeito imenso que você recebe dele e do respeito legítimo que devolve de volta, estará criado um adorável círculo vicioso, como as vasilhinhas que viajam de uma casa para a outra. Nunca vazias, sempre comadres, refil eterno de um agrado novo, marmitas fartas de gratidão e amor. Tenha um amigo maior do que você. Para cultivá-lo como um campo florido que se alastra por quilômetros: delicado e imponente, simples e misterioso, valioso e aberto para quem quiser ver.
Quando nós dizemos o bem, ou o mal… há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas, e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação… No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades… Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem.
A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar esta simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti» parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo mas à relação humana.
José Saramago, in “Revista Diário da Madeira, Junho 1994”
Sempre pensei que custasse o que custasse, todo ser humano tinha que tentar viver de acordo com os desejos do seu coração. Não poderia nem passar pela minha cabeça fazer algo a contragosto. Obviamente que fiz. Faz parte da vida ter que lidar com situações em momentos de necessidade e crescimento, mas assim que pude, corri pra estrada que meu coração mandava. Essa estrada era a música.
Nasci cantando. Viver sem isso era como morrer lentamente. Em tempos sombrios, nebulosos ou de sol, aqueles, sem nenhuma dúvida, eram meus melhores momentos. As aulas, os estúdios, os ensaios e as apresentações.
Bom, nem tudo eram flores, claro! O caminho da autonomia é um caminho árduo, que dirá para quem escolhe a arte como meio de vida, mas nada, nada poderia substituir aquilo.
Muitas coisas vivi de lá pra cá, e a música foi se distanciando do meu cotidiano por N motivos, mas sinto um vazio cada vez que assisto a um show. Como se algo me corroesse por dentro e a alma me cobrasse esta alegria.
Me lembro da minha avó que foi violinista dos 8 aos 87 anos.
Ela era spalla do Conservatório de Música e da Orquestra da Escola Nacional de Música. Aos 80 ficou viúva. Fiquei preocupada achando que não iria resistir muito tempo sem meu avô, mas eis que o violino a salvou.
Aos 87 a obrigaram a se aposentar, daí em diante vi seu declínio lento e doloroso. Viveu até os 99 e foi perdendo a memória aos poucos. Nunca mais teve interesse na vida. Sua maior preocupação diante da morte, me dizia: Será que tem música no céu ?
– Espero que sim. Eu sempre respondia.
Não se abandona algo que se ama. Se a felicidade tem um preço, então temos que pagar por ela.
Nunca deixei de estar atualizada no que diz respeito a música e de um ano pra cá, Bruno Mars me fascina. O homem canta, dança, compõe, toca guitarra, bateria e piano como ninguém, ninguém.
O tempo voa. Se voa ! Ao longo dos anos também me tornei artista plástica e escritora. Hoje tenho uma família muito louca, verdade, mas maravilhosa. Vivo acumulada de trabalho vivo em um Brasil de poucas oportunidades mas, nunca se sabe o dia de amanhã. Ainda tenho tempo. Mas se não for desta, na próxima, quero ser Bruno Mars : )
“Eu passei a vida toda trabalhando, entendeu? Sempre cumpri com minhas obrigações e sempre fui perseguido sem fazer nada de errado, só fazendo o bem. Por isso, o tempo passou e eu vivi sem viver, entendeu? Responsabilidades.”
A frase acima é do pernambucano Edvaldo Veras, de 84 anos. O depoimento dele, que aconteceu naturalmente, sem eu pedir, é para mim um dos mais impactantes (e reflexivos) que já escutei desde que comecei a escrever “sentidos da vida” no blog Vidaria.
Por causa do tom “amargo” de sua história, eu ponderei antes de publicá-la. Certo dia, porém, minha amiga Vanessa, com quem eu estava quando o encontramos em uma viagem, perguntou se eu não ia escrever a história dele. Aí eu pensei, por que não?
Cartão que Vanessa guardou da loja ‘Tempo’, onde Edvaldo acrescentou um ‘S’ no final
Curiosamente Edvaldo, que acredita não ter aproveitado a vida, é dono de uma loja de antiguidades chamada “Tempo”. Minha amiga Vanessa, que guardou o cartão dele até hoje, diz: “Chama ‘Tempo’. Mas ele fez uma rasura em todos os cartões e acrescentou com caneta um “s” no final. “TempoS”. Sabe-se lá quantos tempos a gente tem na vida.”
Foi meio sem querer que eu e minha amiga Vanessa fomos parar dentro da lojinha do afogadense (ele nasceu em Afogados da Ingazeira- PE). “Turistávamos” pelo Recife Antigo quando ela parou para fotografar um homem que estava sentado em frente à loja. Edvaldo estava do lado, puxou papo e nos convidou para conhecer o estabelecimento.
Entramos pela porta estreita da lojinha e demos de cara com um “corredor” escuro, cheio de objetos que um dia já foram úteis para alguém, mas hoje acumulam pó dentro do comércio: porcelanas, abajures, copos, relógios, telefones antigos, estatuetas e tudo o mais que você pode imaginar.
Enquanto nos mostrava as mercadorias, Edvaldo começou a desabafar: “Isso aqui eu acumulei a vida toda. Sempre gostei de colecioná-los”. Contou que se casou com uma mulher jovem e disse que prometeu para sua mãe que cumpriria com as obrigações do casamento.
Nos cerca de 15 minutos que fiquei com minha amiga na lojinha de Edvaldo, ele contou toda sua história e, em tom amargo, lamentou a vida que levara.
Disse que sempre foi funcionário público. Após a aposentadoria, abriu a lojinha para vender e se desfazer de objetos que guardou e colecionou por toda a vida, mas que já não faziam mais sentido. Revelou que o casamento o prendia, mas que cumpria as obrigações do matrimônio. Insistia muito na tecla de ter passado os anos cumprindo obrigações. “O maior problema sempre é a responsabilidade que Deus me deu e eu vou morrer com ela.”
Eu e minha amiga deixamos o local e nos despedimos de Edvaldo. Quando já estávamos na calçada adiante eu comentei com ela: “nossa, que história triste, né? Até pensei em perguntar para ele o sentido da vida, mas não sei se devo”. “E por que não?” – ela respondeu.
Voltamos e eu, com o gravador em mãos, ouvi a resposta de Edvaldo Veras sobre o sentido da vida:
“Eu acho que a gente, quando nasce, a vida da gente já está traçada, tudo o que você vai passar. Não adianta você subir uma ladeira se você não tem condições de subir, se você está cansado. Você insistir. O que você não nasceu para ter você não terá nunca, não adianta insistir. Muitos fracassos insistem embora você tenha… E assim é a vida. Para mim, naturalmente, não tem mais sentido, não. Cheguei aos 84 anos de idade, agora é esperar que Deus me chame.”
– O senhor acredita em destino?
“Eu acho que é. O destino faz parte também… Cada um nasce com um temperamento diferente, você tem as responsabilidades. Tem uns que não ligam para nada, levam a vida à vontade e vivem. E outros são responsáveis demais, e não vivem.”
NAGASAKI (IPC Digital) – Enquanto muitos países se esforçam para evitar que as pessoas entrem nas prisões, o Japão tenta convencer alguns de seus idosos a deixá-las.
O número de crimes praticados por idosos quase quadruplicou nos últimos 20 anos. Hoje, a cada cinco pessoas presas no Japão, uma tem mais de 60 anos de idade. Com o crescente número de idosos presos, muitas penitenciárias estão se transformando em verdadeiros asilos.
Não é difícil convencer um jovem que a prisão pode roubar muitos anos produtivos de sua vida, mas para os idosos, já quase no fim de suas vidas, o “conforto” e a rotina da cadeia pode ser melhor do que a solidão da liberdade.
O jornalista Kanoko Matsuyama, da rede Bloomberg, ouviu um idoso de 67 anos que está cumprindo pena na penitenciária de Nagasaki pela décima quarta vez, por furto. Sem família ou amigos, ele será solto em dezembro, mas os assistentes sociais da prisão já prevêem o seu retorno.
Muitos idosos no Japão cometem pequenos furtos em supermercados e lojas de conveniência na esperança de serem flagrados e levados pela polícia. “Eles não fazem questão de esconder que estão roubando e, muitas vezes, saem do supermercado mostrando o produto furtado para a câmera de segurança”, disse Takeshi Higashi (51), brasileiro morador de Osaka, que trabalha em um supermercado da cidade e que já presenciou a prisão de idosos por furto.
“As prisões do Japão estão em mau estado. A maioria não tem aquecimento ou ar-condicionado”. disse Koichi Hamai, professor de criminologia da Universidade de Ryukoku, à Bloomberg. “Mesmo assim, eles preferem ficar na prisão, onde encontram companheiros, alimento e são bem tratados.” completou.
O Japão gasta ¥3,2 milhões por ano para manter um presidiário, segundo cálculos do Ministério da Justiça. Esse valor é o dobro do que gasta uma pessoa para se manter, relativamente bem, fora da prisão. Com o envelhecimento dos detentos, esse valor tende a aumentar em decorrência do custo de cuidados médicos e alimentos especiais, necessários para atender as necessidades dos idosos.
Fonte indicada: IPC digital, o portal dos brasileiros no Japão
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”