Onde moram as fantasias…

Onde moram as fantasias…

Por Josie Conti

Naquela cidade existe um rio. Sobre ele uma ponte que dá travessia a quem, do outro lado, precisa chegar.

Naquela cidade existe um homem de bigode que mora no lado esquerdo do rio. Todo dia ele caminha até a ponte, mas nunca faz a travessia completa.

Naquela ponte existe um ponto. Nesse ponto, no meio da ponte, o homem de bigode abre sua banca e vende fotografias: são fotografias das paisagens que existem do lado direito da ponte.

O homem de bigode só conhece o que existe do lado direito da ponte através de suas fotografias.

Um dia, um estrangeiro, pergunta ao homem de bigode se ele entregaria algumas de suas fotos no hotel, situado no lado direito da ponte. O homem pára, pensa e responde: “No lado direito da ponte não preciso de fotografias.” Permaneço aqui, na ponte, onde moram as fantasias.

Da utilidade das coisas:

Da utilidade das coisas:

Por Tatiana Nicz

Útil:

1 O que é útil.
2 Que é necessário; que tem préstimo ou utilidade; proveitoso; vantajoso.

Meu pai tinha uma mania bem peculiar de nos ensinar lições através de ditados: “cabelo é igual planta, só se molha de dia” ele me dizia quando eu saia do banho a noite com o cabelo molhado; “abra a janela, minha filha, porque o quarto precisa respirar”, falava quando topava em mim pela casa ainda acordando; “one apple a day keeps the doctor away” caprichava no sotaque enquanto cortava as frutas em pedaços pequenos e iguais todos os dias pela manhã; “quem usa a cabeça o corpo não sofre” repetia enquanto eu me batia com algo (ou em algo) devido minha terrível mania de “ser muito rápida no gatilho”, segundo ele. “Mastigue 33 vezes minha filha” e, claro, eu nunca mastigava.

De todos os ditados que ele usava tem um que anda muito vivo no meu momento atual, quase escuto ele me dizendo: “se você quer que algo seja feito com eficiência dê para alguém que não tem tempo”. E acho que esse eu finalmente aprendi. Ele era essa pessoa. Um cara extremamente organizado e eficiente. Uma pessoa útil na vida de todos que conviviam com ele, inclusive, claro, na minha. Tinha horas que ele se irritava com a carga que delegávamos à ele e dizia “eu queria mesmo era ser inútil, porque para o inútil ninguém nunca pede nada”.

Essa semana eu tive uma crise de stress por conta da carga de responsabilidades que fui assumindo ao longo dos anos, é certo que minha família não facilitou muito e conseguiu me dar material suficiente para complicar além da conta todos os processos. O saldo disso para mim é: o cargo de curadora da minha mãe, as propriedades da família, dois inventários em andamento onde respondo por minha mãe (um deles há mais de 10 anos), o inventário do meu pai, apartamentos para esvaziar e uma quantidade de coisas e documentos infinita que meus pais guardaram em suas vidas. Fora isso tenho o meu trabalho, porque gosto muito do que faço e porque assinar papéis, ir em cartório, banco, contador, fórum, contratar advogado não paga minhas contas, muito pelo contrário.

Olha, eu não sou muito de ficar metendo a boca no Brasil, eu amo o meu país, mas quando se trata de burocracia acredito que poucos países no mundo se igualam ao nosso. E se tem algo que me enlouquece é essa bur(r)ocracia. E os meus processos são tão complicados que nem os próprios funcionários dos estabelecimentos conseguem me orientar. É algo enlouquecedor e já pensei em abandonar tudo, mas daí lembro que até para isso a burocracia é enorme. Então estou de mãos atadas. Quando surge algo já tento resolver de maneira rápida e eficiente “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” quase escuto a voz do meu pai, mas parece ser impossível resolver tudo hoje e suspeito que amanhã e depois de amanhã também, porque sempre aparece mais coisa pelo caminho. Pois é, os entrelaços e raízes da burocracia no Brasil é realmente algo a ser estudado por psicólogos.

E então me lembro do conceito de útil, da importância da utilidade das coisas e das pessoas. Porque a sensação que tenho é que o mundo se encheu de coisas, aparatos, informações, processos, sistemas e pessoas inúteis. Sei que sou meio “control freak”, realmente tenho dificuldade em delegar as coisas, levei oito anos para pedir socorro para minha irmã e mesmo assim ainda fiquei com uma boa parte do trabalho (o burocrático, claro). Mas também existem pessoas que não nos passam confiança, confiança de que podemos deixar o que for em suas mãos e ela ou ele dará conta, em tempo. Acho que como meu pai brincava em suas horas de stress, tem muita gente se fazendo de inútil por aí, tirando o corpo fora ou na verdade nem colocando-o para dentro em primeiro lugar.

Quando fiz uma limpa na minha casa comecei a estudar o Feng Shui, não sou de ir a fundo e ficar bitolada em uma só filosofia, mas gosto de pegar um pouco de cada coisa que me seja, claro, útil. O Feng Shui diz que todos os objetos da casa devem ter utilidade ou ser de nosso gosto, nada quebrado ou inutilizado deve permanecer nos ambientes. Pensando nisso doei 3/4 do meu guarda-roupa (um estudo diz que usamos apenas 20% do que temos), mandei consertar roupas que não usava, transformei vestidos em saias, preguei botões e até costurei, levei todos os eletrônicos quebrados para conserto e doei os que não me eram mais úteis. Hoje mais do que nunca, aprendi a apreciar tudo aquilo e todo aquele que é útil, para mim ou para o mundo. E as coisas por aqui estão funcionando. Só o que não funciona hoje na minha vida mesmo é, obviamente, a (maleeedita) burocracia.

5 regras ligadas à Vida e ao Direito, por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

5 regras ligadas à Vida e ao Direito, por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

O Ministro Luis Roberto Barrroso, ao ministrar palestra a uma turma de formandos em Direito dos quais era padrinho, proferiu as seguintes palavras de sabedoria:

A vida e o Direito: breve manual de instruções

I. Introdução

Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.

Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.

É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1

No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado “caso do arremesso de anão”. Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.

E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.

Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.

Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.

III. A regra nº 2

Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: “Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida”. Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar”. E o ateu responde: “Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida”. Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.

Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro.

Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3

Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: “Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes”. Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: “Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes”. Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: “Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado”. Ao que o segundo sábio respondeu: “a diferença não está no que eu falei, mas em como falei”.

Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro.

Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.

V. A regra nº 4

Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa.

Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.

VI. A regra nº 5

Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.

Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. “As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer”.

Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

VII. Conclusão

Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:

1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;

2. A verdade não tem dono;

3. O modo como se fala faz toda a diferença;

4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;

5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:

(i) Fique vivo;

(ii) Fique inteiro;

(iii) Seja bom-caráter;

(iv) Seja educado; e

(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.

Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: “A vida é muito curta para ser pequena”.

Por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

Fonte: CBN

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5 feridas emocionais da infância que podem persistir na idade adulta

5 feridas emocionais da infância que podem persistir na idade adulta

Embora não seja regra absoluta, não podemos negar que nossa infância e primeiras experiências afetivas podem influenciar na maneira como que lidamos com os relacionamos posteriores e na leitura que temos das coisas que acontecem ao nosso redor.

As boas e más experiências infantis afetam sim nossa qualidade de vida quando adultos. Influenciam também, depois, em como trataremos nossos filhos tanto do ponto de vista do afeto quanto do enfrentamento de adversidades. Agiremos, reproduzindo os comportamentos que conhecemos ou seremos diferentes?

Abaixo, estão descritas 5 feridas emocionais segundo a especialista em comportamento canadense Lisa Bourbeau. Para a autora, são elas algumas das mais determinantes nas dificuldades de relacionamentos que as pessoas podem carregar ao longo da vida adulta posterior.

1- O medo do abandono

Um dos medos frequentes nas crianças é o medo da ausência de seus pais, o medo do abandono. A criança, nos primórdios de sua vida, ainda não consegue separar fantasia de realidade, e, por também não conseguir quantificar o tempo, entende que as ausências podem ser sinônimos do abandono absoluto.

Se a aprendizagem dessa separação necessária já é complexa em ambientes onde os pais lidam com o fato com tranquilidade, no caso de pessoas que tiveram experiências de negligência na infância, as marcas deixadas podem acarretar um medo de solidão e rejeição contínuos todas as vezes em que a pessoa não tiver perto de si (fisicamente) a pessoa amada.

A ferida causada pelo abandono não é fácil de curar. A pessoa saberá que está curada quando os momentos de solidão não forem vistos como desamor e rejeição, e, dentro de si, existirem diálogos positivos e esperançosos.

2- O medo da rejeição

É uma ferida profunda que é formada quando, durante o desenvolvimento, a criança não se sentiu suficientemente amada e acolhida pelas figuras de referência que estavam ao seu redor assim como, posteriormente, pode ser afetada também por rejeições em ambiente escolar.

Como a pessoa, no começo, forma sua identidade a partir da maneira como que é tratada, se ela for desvalorizada e depreciada constantemente, pode internalizar em si uma autoimagem de que não é merecedora de afeto e de que não possui atributos suficientes para ser aceita em sociedade.

O rejeitado passa, então, a rejeitar-se, e, na idade adulta, muitas vezes, mesmo frente ao sucesso e obtendo bons resultados, essa pessoa pode apresentar grande fragilidade frente a qualquer crítica que exponha seus medos internos de insucesso.

3- A humilhação

Esta ferida é gerada no momento em que sentimos que os outros nos desaprovam e criticam. Podemos criar esses problemas em nossos filhos, dizendo-lhes que eles são estúpidos, maus ou mesmo exagerando em comparações; isso destrói a criança e sua autoestima.

Uma pessoa criada em um ambiente assim pode desenvolver uma personalidade exageradamente dependente. Outra possibilidade é o desenvolvimento da “tirania” também em si, um mecanismo de defesa em que a pessoa passa a humilhar aos outros para se sentir mais valorizada.

4- Traição ou medo de confiar

Uma criança que se sentiu repetidamente traída por um de seus pais, principalmente quando o mesmo não cumpria as suas promessas, pode nutrir uma desconfiança que, mais tarde,  pode ser transformada em inveja e outros sentimentos negativos. Quem não recebe o que foi prometido pode não se sentir digno de ter os que os outros têm.

Pessoas que passaram por isso desenvolvem uma tendência maior a tentar controlar tudo e todos ao redor em uma tentativa de trazer para si o comando de variáveis que, antigamente, faziam com que se sentissem preteridas e injustiçadas. Quando perdem o controle, ficam nervosas e se sentem perdidas.

5- Injustiça

A ferida da injustiça surge a partir de um ambiente no qual os cuidadores primários são frios e autoritários. Na infância, quando existe uma demanda além da capacidade real da criança, ela pode ter sentimentos de impotência e inutilidade que depois pode carregar ao longo dos anos.

Em ambientes assim, a criança pode desenvolver um fanatismo pela ordem e pelo perfeccionismo como tentativa de minimizar os erros e as cobranças. Soma-se a isso a incapacidade de tomar decisões com confiança.

Nota da CONTI outra:

Como dito no começo, existem feridas da infância que aumentam a probabilidade de sequelas emocionais na vida adulta. Entretanto, nada é regra e existem pessoas que desenvolvem mecanismos adaptativos e superam essas questões. Outras, entretanto, não se saem tão bem. Se você for uma delas, procure ajuda de um profissional da saúde mental. Nunca é tarde para rever questões mal resolvidas. O passado não muda, mas o futuro ainda é um livro em branco.

Traduzido e ADAPTADO por Josie Conti. Imagem de capa: Tomsickova Tatyana/shutterstock

Do original em espanhol: 5 heridas emocionales de la infancia que persisten cuando somos adultos

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PRECISA DE AJUDA?

Você chegou até o final do texto e se identificou com alguma dessas situações?

Um processo psicoterápico pode fazer a diferença na sua vida nesse momento.

Indicamos: Josie Conti- psicóloga. Saiba mais aqui.

 

Meu primeiro consultório: Reflexões sobre o início da prática clínica

Meu primeiro consultório: Reflexões sobre o início da prática clínica

Por Marcela Alice Bianco

A todo tempo muitos profissionais da área da Psicologia estão prontos para entrar no mercado de trabalho ou montar seu próprio negócio. Como psicóloga fico pensando na enorme quantidade de colegas que, recém-formados ou não, estão na expectativa de iniciar sua atuação na área clínica. Com certeza um desafio e tanto a ser enfrentado.

Isso me fez lembrar de quantas dúvidas, medos e inseguranças pairavam sobre a minha cabeça na época em que resolvi desbravar este caminho. Por isso, decidi compartilhar um pouco da minha vivência e quem sabe, através da minha história motivar aqueles que estão começando.

O primeiro consultório para quem quer seguir a carreira de psicólogo clínico é um grande sonho! Lembro de passar horas imaginando como seria minha sala, os primeiros pacientes chegando e de como seria a conquista do meu espacinho ao Sol.

Olhando para o passado, percebo que naquela época cometia o meu primeiro erro: não via o consultório como um negócio, mas como um trabalho! Qual a diferença? O trabalho exige seu esforço, sua produtividade. Mas o negócio exige planejamento e investimento.

Percebo que desde que passei a ver a Clínica também como um negócio as coisas mudaram bastante. A possibilidade real de ter meu tão sonhado consultório, com a minha cara, a minha energia e com o resultado esperado, só começou a dar certo quando eu mudei a maneira de investir no meu sonho.

Investimento foi para mim a palavra chave e ele precisou ocorrer em diferentes níveis.

Primeiramente foi preciso investir na formação. Neste ponto, a graduação foi só o começo! Fazer especializações, supervisão, participar de grupos de estudo, manter a terapia pessoal, participar de congressos e eventos…enfim, estar em constante aprendizagem e reciclagem é o primeiro passo para um negócio dar certo. E para continuar dando certo ao longo dos anos também. Por isso, parar de estudar? Nunca!

O conhecimento é fundamental para que consigamos fazer um trabalho bem feito. E esse é o melhor marketing que podemos fazer.

O segundo passo é o investimento financeiro. E esse acho que é um dos pontos mais fracos para nós psicólogos. Não somos ensinados na faculdade a sermos donos de um negócio e por isso, o planejamento e o investimento financeiro não fazem parte do nosso background. Mas, se pensarmos em outros ramos, quem consegue montar alguma coisa sem investir algum dinheiro?

Então, como não nos preparamos para investir, corremos o risco de sublocar ou alugar uma sala sem muita análise do quanto esse espaço reflete nossa personalidade e nossa forma de trabalho. Às vezes, sublocamos um horário numa clínica numa região qualquer, fazemos um cartão de visitas, mas nem ao menos ocupamos nosso espaço!

Ocupar o espaço é outro ponto muito importante. Ocupar significa se apropriar, fazer de um espaço algo seu. Portanto, o primeiro erro é sublocar um horário e ficar esperando em casa que o primeiro paciente chegue para que você comece a ir para o consultório. Se agimos assim, o que acontece é que nosso espaço fica vazio e o lugar do consultório dentro da gente também!

Nesses dez anos de carreira acompanho muitas histórias de pessoas que só começaram a decolar na clínica quando realmente “ocuparam” o espaço do consultório em suas vidas!

Parece que o que eu estou falando é algo mágico, que depende “da energia”, mas na verdade acho que isso é apenas sincronicidade.

Não importa se o espaço não é inteiramente seu, se a mobília não foi você que comprou e se a disposição da sala não foi a que escolheu. Encontre um espaço que corresponda a sua personalidade, que tenha os requisitos para você trabalhar bem e com conforto. Leve um objeto decorativo seu para quando estiver atendendo. Vá ao consultório mesmo que não tenha pacientes. Aproveite para ler, relaxar, se acostumar com o espaço e sentir que ele é seu! São atitudes simples, mas que fazem toda diferença.

Se você também não consegue abrir o espaço do consultório dentro de você porque acha que pode dar tudo errado, que você não sobreviverá financeiramente e que não dá para viver da psicologia, acho que é hora de parar e refletir sobre suas escolhas. É possível viver através de qualquer trabalho. O problema não está na área escolhida e sim na maneira como você a avalia e se relaciona com ela. E se você investir pouco, o resultado será proporcional.

Inseguranças todos nós temos e no início é natural que tenhamos dúvidas, medos e fantasias que precisaremos confrontar e enfrentar para alcançar nosso sonho.

Penso que todo mundo tem um ritmo, um caminho e um tempo para chegar ao seu objetivo. É preciso que consigamos reconhecer nossos potenciais e compreender aquilo que nos está limitando. No meu caso, era o medo de que eu não fosse conseguir sozinha! Realmente não consegui! Construí meu sonho em conjunto com minha família, com meus amigos, com minha sócia. E continuo agregando pessoas a minha volta para juntas realizarmos nossos sonhos.

E esse é o último investimento que considero imprescindível! Não se isole. Tenha pessoas ao seu lado, compartilhe com elas seus sonhos, suas experiências e suas conquistas. Porque sozinhos podemos até chegar mais rápido, mas juntos chegamos mais longe!

Desejo a você que está começando seu caminho agora, que seja de muito sucesso e realização!

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Suor é paixão em estado líquido

Suor é paixão em estado líquido

Por Josie Conti

Visto-me com íntimos sonhos para o tango do desconhecido. Ouço o ritmo da música que já aquece o salão. Atrai-me o mistério do futuro próximo.

Levanto-me e sou tomada, arrebatada, subjugada pelo som que pulsa dentro de mim. Deixo-me levar.

Sou refém de sensações, parceira da próxima música, amante de todo o baile.

Giro pelo espaço e sou o centro de tudo o que acontece. Suave, eloquente, abrupto, carente. Todo movimento é cúmplice do ato de existir.

Não há censura, culpa ou pecado. Há suor.

E suor nada mais é do que paixão em estado líquido.

Suemos.

“O Amor Fino”, uma sábia reflexão de Antônio Vieira

“O Amor Fino”, uma sábia reflexão de Antônio Vieira

O Amor Fino

O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.
Padre António Vieira, in “Sermões”

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Sobre girassóis clandestinos e borboletas sem asas

Sobre girassóis clandestinos e borboletas sem asas

Por Josie Conti

No quintal dos nossos sonhos, plantamos o que quisermos. Nos meus, moram girassóis clandestinos. São nascidos de sementes especiais que lhes dão o poder de olhar para onde haja luz. Mas, ao contrário do esperado, eles miram para as mais diversas direções. Brilham ao ficar frente a frente com um parceiro, reluzem ao perceber seus próprios movimentos suaves, sorriem para o sol, mas também vibram para a lua.

No quintal dos meus sonhos, moram borboletas sem asas. Elas não têm asas porque sabem que sensibilidade pede casulo e, após breves momentos de realidade, voltam-se para seus espaços, e crescem, amadurecem, num infinito ciclo evolutivo. Suas asas? Ah, essas estão dentro de si.

Dizem que só as veem quem tem olhar encantado e sabe ver beleza de avesso.

No quintal dos meus sonhos, moram crianças sem idade. Elas sabem que a pureza essencial pede a permanência do próprio sonho. Elas rodopiam em rodas de esperança e jogam amarelinha com o vento.

Não querem crescer, pois crescer mata sonhos. Permanecem brincando, alheias ao mundo que está além do quintal.

E é lá, no quintal dos meus sonhos, onde girassol é clandestino, borboleta não tem asas e criança não quer crescer, que encontrei o maior sentido de liberdade: a liberdade de ser quem se é.

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A entrega necessária

A entrega necessária

Por Patrícia Dantas

É preciso enlouquecer um pouco para encontrar a comoção das palavras. Dito isto, elas já se encontram rendidas nas mãos, porque talvez esperassem por alguém que as entendessem na raiz de palavras que dão vida e também apagam vidas. É a necessidade exata de como gostariam de ser ditas e de como sairiam respingadas de pura saliva da existência da nossa boca. É fantasioso e urgente que se diga, passando por elas, arfando no seu ritmo de total desprendimento da consciência.

Tenho que enlouquecer mesmo para colocar os pingos no is. E quem não sente que tem que provar um pouco dessa loucura todos os dias, ao menos por algum instante na vida? Ou será que eles – esses pingos já tão arredios pelas tormentas da loucura que tenta libertá-los – já não são tão passivos assim e podem se espalhar a qualquer momento, num imprevisto, para se refazerem em casa alheia, não somente em seu solo sagrado recanto de sempre?

Elas, as santíssimas e ao mesmo tempo endemoniadas palavras, necessitam estar onde caminha nossa loucura – ora compulsiva, ora dormente, ora inconsciente, ora a parte nossa mais pueril e fiel conselheira esperta e invisível. Com essa forma breve de me expressar – um tanto sutil -, por falar de uma loucura quase acertada que se faz de infinitudes, incompletudes e impaciências – mas tão urgentemente necessária! Vou tecendo, tecendo não sei o quê de atos e ficções de uma vivência tão minha – e às vezes descubro que também é alheia – que permeia cada fio inventado, meras ilusões e labirintos que fazem sentido de vez em quando.

O quê, de mais proporcional dessa loucura já tão arraigada, é uma parte mínima completa de mim e dos outros, do meu semelhante que está por perto ou me toca sem o saber, mas não pode ser um toque leve, é que ele – esse toque um tanto revelador – não existiria, por ser de um instinto tão transitório, incoerente e absurdo em suas formas de expressão com todas as palavras que saem em reboliço do emaranhado mente-imaginação-mente. Nada das obviedades que estamos acostumados a nos equilibrar: para onde, para quê, não olhe, não pare, não toque!

Verdades doloridas e absurdas podem até nos tocar além do que podemos suportar, mas é de um tempo sublime para saber o que sentimos que estamos mais necessitados; de saber ao certo por que paramos, para onde vamos, o que devemos fazer a cada pausa, mesmo diante do mais desconcertante. Se as tais respostas não vierem até nós, persistirão as interrogações arredias querendo tomar um corpo demarcado pela tensão do não entendimento, do não saber para que serve tudo isso que está diante de nós, em que pode ser útil e verdadeiro em seu estado mais puro.

Tudo me parece aleatório, vindo tão intensamente, sem saber ser dito em uma linha lógica que separa e estrutura ideias num ato continuo. Parece também que, de alguma forma falou de algo que sabemos tocar bem intimamente, em seu jeito nada usual de me colocar em estado de expressar algo tão inexpressível. Diria que essa conversa meio torpe veio sobretudo do meu encantamento pelas invenções que se criam de mim por toda parte: minha loucura desacertada e sem hora marcada.

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O cinema não poupa exemplos de casos de rompimento com amarras sociais e internais. Se no texto falamos da entrega a loucura da escrita, nas imagena ilustrativas, temos cenas do filme Thelma e Louise, duas mulheres que saem pelo mundo em busca de uma segunda chance.

A empatia nos faz maiores que o medo de amar

A  empatia nos faz maiores que o medo de amar

Por Nara Rúbia Ribeiro

Eu nasci num lar cristão meio católico, meio evangélico – que depois decidiu-se evangélico. Aos 11 anos, consegui uma autorização especial para cursar um seminário da igreja a que eu frequentava. Aos 15, eu me formei. As ideias que me foram transmitidas eram o mais conservadoras possível, especialmente quanto ao sexo.

Para que tenhamos uma ideia do nível de conservadorismo, o meu primeiro beijo foi aos 18 anos, quando já cursava o segundo ano de Direito. Séria, austera, meio morta e sem graça. A vida era uma ordem a que eu obedecia sem questionamentos e cuja mínima inobservância me custava noites de insônia, de culpa e de lágrimas.

O tempo passou. Eu me dediquei ao Direito e ao estudo de religiões cristãs e não cristãs, na intenção de delas colher a melhor das essências.

E agora estava eu ali, em pleno sábado, após receber a ligação de uma conhecida para tomarmos um suco, num shopping do centro da cidade. No meio da conversa, noto que a moça estava sem jeito. Fala entrecortada, voz vacilante, mal me olhava. Tremia. Esse nervosismo deixou-me ansiosa, à espera de algum mal que ela me quisesse revelar.

Foi assim que aquela jovem, alguns anos mais moça que eu, bonita, inteligente, educada, baixou os olhos e me disse:

– Eu queria dizer que eu amo você.

Nesse momento, todo o meu passado me veio à tona. Seminário. Regras. A dita “abominação das relações homoafetivas”. E me veio à mente o inferno que o pastor sempre descrevia com esmero. A dor do “pecado original”… Mil regras e mil dogmas… Mas, num lapso, compreendi: o meu coração já havia sido curado de um mal terrível e isso me foi libertador.

Eu olhei nos olhos daquela menina. Ainda mais menina que eu. Tão humana quanto eu. Tão carente de afeto e de aceitação e de afago quanto eu, segurei a sua mão e disse:

– Minha querida, sinto-me lisonjeada por seu carinho, por sua afeição. Infelizmente não posso lhe retribuir com o afeto da mesma natureza, pois a minha sexualidade tem outra inclinação. Mas eu aceito o seu amor como quem recebe uma dádiva sem preço. E espero que aceite, em troca, a infinita ternura da minha amizade, a parte mais nobre da minha alma.

Ela chorou, emocionada. Eu fiquei alarmada com o que eu mesma disse e gritei, no silêncio do meu coração: O estudo cura a homofobia. A meditação cura a homofobia. A análise e a compreensão do mundo curam a homofobia. A empatia não só cura como previne a homofobia.

Eu a abracei e fomos olhar sapatos. Ela nunca mais tocou neste assunto e sei que, embora tenha um relacionamento, ela me ama. E eu também a amo. Porque o amor é amor e a sexualidade é só um de seus aspectos. E se não posso lhe ofertar um amor sensual, oferto os meu mais profundo desejo de que o mundo possa compreendê-la e amá-la assim como eu a compreendo e a amo.

Para que cada um, ao aceitar-se, possa de si ofertar aquilo que há de melhor.

A importância da Psicoterapia para Graduandos de Psicologia e Recém-formados

A importância da Psicoterapia para Graduandos de Psicologia e Recém-formados

Por Juliana Pereira dos Santos e Marcela Alice Bianco

Os alunos que iniciam o curso de Psicologia, interessam-se significativamente pela Psicologia Clínica. A fantasia de poder penetrar e conhecer o outro para ajudá-lo em suas dores seduz a grande maioria dos ingressantes no curso. Porém, mais cedo ou mais tarde a graduação colocará diante do aluno uma questão bastante importante para seu crescimento e formação: a psicoterapia pessoal.

Já no início das aulas, haverá professores que certamente comentarão sobre a importância da psicoterapia. Alguns alunos, serão mais receptivos e se interessarão logo em procurar um profissional que lhes possa ajudar. Outros, adiarão esta escolha para mais próximo do final do curso. E há quem se formará com o desejo ardente de abrir o próprio consultório, sem nunca ter passado pela experiência de ter se sentado na poltrona de paciente.

Os conteúdos do curso de Psicologia, somados ao contato com pacientes ao longo dos estágios obrigatórios são carregados de carga emocional e, não raro, causam no aluno vivências de ansiedade, angústia, conflitos, tristeza, dúvida, impotência e tantas outras questões que, pouco a pouco, se associarão à história de vida de cada um. Neste período, não bastará apenas aproveitar dos modelos profissionais proporcionados pelo corpo docente e supervisores. A psicoterapia será primordial, tanto para oportunizar o contato e a aprendizagem com as próprias fraquezas e dificuldades, quanto para já ir formando uma postura clínica que facilitará, desde já, o seu trabalho com os pacientes, pessoas ou instituições que se lhe apresentarão.

Na Psicologia, formação pessoal e profissional estão intimamente associadas. O desafio da formação de Psicólogo é fazer com que, a atenção para com o autocuidado seja uma busca espontânea e constante. Pensar na terapia pessoal como um valor e não como uma imposição faz com que o aluno ganhe postura profissional, satisfação e segurança, já que para realizar bem um trabalho, é imprescindível que acreditemos em sua importância e eficácia.

A atitude clínica do psicólogo é uma experiência subjetiva que se inicia ainda na graduação e se desenvolve ao longo dos atendimentos, seguindo por toda a vida. A qualidade da formação será medida pela soma do conhecimento teórico, das supervisões e da psicoterapia pessoal, já que os conhecimentos só poderão ser internalizados e processados através contato com o próprio mundo interno e através da utilização dos próprios recursos pessoais na investigação e compreensão dos processos psíquicos. Portanto, a psicoterapia constitui-se como um espaço privilegiado de aprendizagem.

Para C. G. Jung, a relação que se desenvolve entre paciente e terapeuta deve ocorrer dentro de um método dialético, o que implica na inclusão da personalidade do profissional no diálogo analítico sendo esta, parte essencial da instrumentação para a realização do trabalho. Assim, realizar a psicoterapia pessoal torna-se um compromisso ético, que evita que contaminemos o processo com nossos conteúdos inconscientes, atuando contransferencialmente com nossos pacientes.

Há de se considerar que o profissional escolhido para a psicoterapia poderá, alguma vez, apresentar-se falho. Esta experiência será também de grande valia para o aluno em formação. Na psicoterapia são abordados temas dos mais variados: fases transitórias, mudanças de vida, doenças psíquicas, problemas matrimoniais, conflitos familiares, adaptação a novas situações de vida como: aposentadoria, adoecimento, fracasso profissional, e muitas outras demandas. Além de poder escolher o seu jeito de ser psicólogo através dos modelos de referência, o aluno reforçará o senso de responsabilidade e compromisso com a consciência ainda maior de que profissionais mal formados ou que não promovem o seu próprio autocuidado constantemente podem agravar os sintomas e conflitos, caso tratem de modo inadequado ou despreparado as demandas que se lhe apresentam.

Para Guggenbuhl-Craig, “os homens só caem em desgraça porque perderam o contato com o inconsciente ou porque não se conhecem plenamente“. O mesmo ocorre para com os profissionais que não buscam o autoconhecimento e a supervisão clínica. Incorrem no risco de permanecerem inconscientes de suas próprias problemáticas e se tornarem verdadeiros charlatões ou fracassem na profissão.

Quem experimentar a psicoterapia, poderá conhecer os principais problemas de sua personalidade, e assim, compreender como estes foram elaborados. Também terá a percepção de que o contato com seu self verdadeiro foi retomado, e ganha agora, através do caminho de conscientização, novas possibilidades de expressão e articulação.

Ser psicoterapeuta é um dom profundo. Ajudar as pessoas a se conhecerem e a tomarem posse de si mesmas é algo que só alcançamos através de uma postura séria de verdadeira humildade. Sem um compromisso de auto crescimento e conhecimento, não se poderá alcançar tal tarefa. As tantas dores que chegam nos consultórios, por si, já justificariam a necessidade de maior conscientização do futuro psicólogo a respeito de seu autocuidado e sua implicação na qualidade da sua formação e após, na sua vida profissional.

Afinal, se eu posso olhar para as minhas feridas e tentar alcançar uma cura, estou mais bem preparado para ajudar os outros a olharem para as próprias feridas e tentarem alcançar uma cura. Nunca podemos ir com os outros além do ponto onde já fomos sozinhos. Não estou dizendo que apenas um cavalo pode julgar uma apresentação de cavalos, mas, com certeza, é muito útil conhecer algo sobre cavalos antes de julgá-los.” (Gregg M. Futh)

Assim, é preciso que o terapeuta saia de seu papel de curador, para encontrar o ferido dentro em si. Desta forma, será capaz de também reconhecer suas próprias forças curativas e por consequência, estará mais apto a desenvolver uma relação dialética e dinâmica com seus pacientes, despertando nestes o potencial de cura necessários à transformação.

Bibliografia:

CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta: Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

GROESBECK, C. J A imagem arquetípica do médico ferido. Revista Junguiana, São Paulo, v.1, p. 72-96, 1983.

GUGGENBÜHL-CRAIG, A. O abuso do poder na psicoterapia e na medicina, serviço social, sacerdócio e magistério. Rio de Janeiro: Achiamé, 1978/2.

JACOBY, M. O encontro analítico: Transferência e relacionamento humano. São Paulo: Cultrix, 1984.

JUNG, C. G. A prática da Psicoterapia: Contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. In Obras Completas. 7ª Edição.  Petrópolis: Vozes, [1971], 2011, v. XVI/1.

Autoras:

contioutra.com - A importância da Psicoterapia para Graduandos de Psicologia e Recém-formadosMarcela Alice Bianco – colunista Conti outra

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

 

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Juliana Pereira dos Santos – Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica Junguiana. Aprimoranda em Psicopatologia e Psicologia Simbólica pelo Instituto Sedes Sapientiae e Coach formada pela Sociedade Brasileira de Coaching. CRP: 06/ 108582

Sobre urubus e beija flores, Rubem Alves

Sobre urubus e beija flores, Rubem Alves

Eu estava terminando a leitura de um artigo científico. De vez em quando é bom ler ciência. A gente fica mais sabido. Tudo explicadinho. No final das contas, tudo se deve a esse gigantesco infinitamente pequeno disquete que existe dentro das células do corpo chamado DNA. Nele está gravado o nosso destino. Antes de existir, eu já estava “programado” inteiro: a cor dos meus olhos, as linhas do meu rosto, a minha altura, os cabelos brancos precoces, o seu adeus que nada consegue evitar, o sexo. Dizem alguns que lá está até um relógio que marca quantos anos eu vou viver. E é implacável: o que a natureza põe, não há homem que disponha.

Programa mais complicado que o DNA não existe. Tudo tem de acontecer direitinho, na ordem certa. E quase sempre acontece. Quase sempre… Vez por outra uma coisinha não acontece segundo o programado. E o resultado é uma coisa diferente. Assim aparecem os daltônicos, que não vêem as cores do jeito como a maioria vê. Ou o canhoto, que tem de tocar violão ao contrário. De vez em quando, uma criança com síndrome de Down. E quem não me garante que Mozart não foi também um equívoco do DNA? Pelo que sei, a receita não se repetiu até hoje…

O artigo prosseguia para mostrar que é assim que, vez por outra, aparecem pessoas com uma sensibilidade sexual diferente: os homossexuais. Tudo aconteceu lá no DNA: um relezinho que funcionou de maneira não programada. Primeiro, caiu o relê que determina o sexo, se vai ser homem ou mulher. Depois, o relê que determina os caracteres secundários, que fazem a “imagem” do homem e da mulher. Por fim, o relê que determina o objeto que vai disparar as reações químicas e hidráulicas necessárias para o ato sexual. Esse objeto é uma imagem. Nos heterossexuais, é a imagem de uma mulher. Nas mulheres heterossexuais, é a imagem de um homem que faz o seu corpo estremecer.

Acontece, entretanto, que por vezes esse último relê não funciona e a pessoa fica ligada à imagem do seu próprio sexo. A imagem que vai como­ver seu corpo é uma imagem semelhante à sua. E isso que é ser homossexual. O homossexualismo é uma condição estética.

Tudo por obra do DNA. Nada tem a ver com educação, com a mãe ou com o pai. Ninguém é culpado, pois culpa só pode existir quando existe uma escolha. Mas ninguém escolheu. Foi o DNA que fez. E nem pode ser pecado. Pois pecado só existe onde existe culpa. E nem pode ser curado, pois o que a natureza fez não pode ser desfeito.

E foi nesse momento eu estava meditando sobre essas coisas que fogem à compreensão dos homens, como a origem do DNA, o processo pelo qual ele foi estabelecido, se por acidente, se por tentativa e erro, se por obra de algum programador invisível — que uma coisa estranha aconteceu: um barulho como eu nunca ouvira, no meu jardim. Tirei os olhos do artigo, olhei através do vidro da janela e o que vi — inacreditável — um urubu, sim um urubu, batendo furiosamente as asas como se fosse um beija-flor, diante de uma flor de alamanda sugando o melzinho. Achei que estava tendo alucinação, mas não. Era verdade. O urubu, ao ver meu espanto, pousou no galho de uma árvore de sândalo e começou a se explicar, do jeito mesmo que acontecia.

Sofro muito. Nasci diferente. Urubu, todo mundo sabe, gosta de carniça. Basta que se anuncie carcaça de algum cavalo morto, os olhos dos urubu ficam brilhando, a saliva escorre pelos cantos do bicos, a língua fica de fora — e lá vão eles churrasquear. Urubu acha carniça coisa fina, manjar divino! Eles não a trocariam por uma flor de alamanda por nada nesse mundo!

Mas eu nasci diferente. Meus pais, coitado morreram de vergonha quando ficaram sabendo que eu, às escondidas, sugava o mel das flores. Compreensível. O sonho de todo pai é ter um filho normal, isto é, igual a todos. Urubu normal gosta de carniça. Eu não gostava. Era anormal. Fiquei sendo objeto de zombaria. Na escola, logo descobriram minhas preferências alimentares. E impossível esconder. Se todo o mundo está comendo carniça e você não come, que explicação você pode dar?

Aí meus pais começaram a sofrer, pensando que eu era assim por causa de alguma coisa errada que tinham feito na minha educação.

 

Me mandaram para o padre. Severo, ele abriu um livro sagrado e disse que Deus, o Grande Urubu, estabelecera que carniça é o manjar divino. Urubu, por natureza e por vontade divina, tem de comer carniça. Chupar mel é contra a natureza. Urubu que chupa mel de flor está em pecado mortal. Ter­minou dizendo que eu iria para o inferno se não mudasse meus hábitos alimentares. E me deu, como penitência, participar de cinco churrascos.

Saí de lá me sentindo o mais miserável dos pecadores. Mas o medo não foi capaz de mudar o meu amor pelas flores. Não cumpri a penitência. Meus pais me mandaram, então, para um psicanalista que cobrava R$120,00 por sessão. Todos os sacrifícios são válidos para fazer o filho ficar normal. A análise durou vários anos. Ao final, fui informado que eu gostava de mel porque odiava meu pai, a quem eu queria matar, para ficar sozinho com a minha mãe. Aí, além de pecador, passei a sofrer a maldição de Édipo. Continuei a gostar do mel da flores. Por isso estou aqui, no seu jardim”.

Houve um momento de silêncio e eu vi o que nunca havia visto: um urubu chorando. Notei que sua lágrimas não eram diferentes das minhas. Aí ele continuou:

Gosto das flores. Não quero gostar de carniça. Não quero ficar igual aos outros. Só tenho um desejo: gostaria de não ter vergonha, gostaria que não zombassem de mim, chamando-me de ‘beija flor’, eu não sou beija-flor. Sou um urubu. Eu gostaria de ter amigos…

O que me dói não é a minha preferência alimentar, pois não fui eu quem me fiz assim. O que me dói é minha solidão. Gosto de flores por culpa do DNA. Mas a minha solidão é por culpa dos outros urubus, que poderiam ser meus amigos”. Ditas essas palavras, ele se despediu e voou par uma alamanda do jardim vizinho.

E eu fiquei a pensar que o mundo seria mais feliz se todos pudessem se alimentar do que gostam, sem ter de se esconder ou se explicar. Afinal ninguém é culpado por aquilo que a natureza faz ou deixou de fazer.

Rubem Alves, no livro “A grande arte de ser feliz”

Indicação de nossos parceiros  Psique em Equilíbrio Psicologia Clínica no Facebook 

Conheçam o Instituto Rubem Alves e participem de seus projetos.

Dica de livro: Sete Vezes Rubem (Fruto do trabalho de uma década, esta obra reúne sete livros de Rubem Alves publicados pela Papirus entre 1996 e 2005.)

“Dia desses, ainda viro mar”

“Dia desses, ainda viro mar”

Por Josie Conti

“Há uma santidade nas lágrimas. Não são marcas de fraqueza, mas de força. São mensageiras da dor incontrolável e de amor indescritível.” Washington Irving

Daqui, ando com um choro pouco religioso. Meu choro é calado, mora apertado no peito. Tem momentos que eu o sinto revirando-se desajeitado, procurando um lugar mais confortável para ficar. Porém não escorre. É choro acrobata, conhece a complexidade da vida, contorce-se, mas não fica onde deveria estar e não encontra o caminho do rio onde as lágrimas vão de encontro ao sol.

Somos amigos antigos e ele se lembra de cada dia em que a vida o fez pulsar e aumentar seu volume. Ele é sensível, é poeta que rima dentro de mim.

Às vezes luto para que ele se vá, encontre as portas do olhar que lhe abrirão horizontes, mas meu choro é confuso, teme o abismo da liberdade que a expressão do sentimento proporciona.

Ah, choro carente, não percebe que sua gota é semente, que seu sal é força e que sua queda pode ser voo?

Mas hei de me programar e guia de um choro perdido serei. E chorarei. Por três dias e três noites em tempestade e calmaria. Até que a pressão termine, até que o coração se acalme, até que a vida se lembre que ser sensível para fora também é uma opção.

Um dia desses, ainda viro mar.

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Quero ser bonita? Não, quero ser forte!

Quero ser bonita? Não, quero ser forte!

…Eu não quero ser bonita, quero ser forte. Mesmo que todo o meu mundo desmorone, que eu possa encontrar em mim a força para seguir adiante. Quero chamar a atenção por ser extrovertida. Quero que me sigam porque sou uma boa líder. Que se recordem de mim por eu ser espirituosa, por ser independente. Que quando eu me vá, que se recordem do que eu disse, do que eu fiz bem feito, de como eu me movia. Não apenas por ser bonita, mas por ser quem eu realmente sou.

Que se lembrem de mim não pelas coisas que acumulei, mas por eu ter defendido as minhas ideias, os meus valores , minha integridade . Que, apesar de todas as minhas quedas , lembrem-se que eu sempre achei um caminho de volta para retomar o meu voo.

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Para que suas filhas aprendessem desde pequenas e passassem intocáveis por um mundo cheio de preconceitos e críticas, Kate T. Parker, um fotógrafa profissional começou a retratá-las em seus momentos de alegria e diversão eternizando sua infância para o  futuro. Assim elas poderiam se lembram do quanto a vida é bela quando os sorrisos não estão ocultos: ensinando-as a serem elas mesmas como única forma de se destacar e se sentir bem.

São imagens que inspiram força dentro da desordem, das imperfeições.

“Creio que é sumamente importante fazer com que nossas filhas e outras mulheres percebam que a beleza não são poses em que aparentam ser perfeitas e sim que a beleza aparece na celebração da vida, em lidar com os golpes, as contusões, as imperfeições. Todos recebemos mensagens da mídia que nos dizem que temos que ser bonitas, eu quero ensinar as mulhres e minhas filhas que o mais bonito é ser você mesma.” Kate T. Parker

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A série de fotografia se chama, “Strong is the New Pretty” ( Força é a nova beleza) e nelas vemos as filhas de Parker, de 6 e 9 anos divertindo-se com suas amigas. Entre bolas de basquete, piscinas ou mesmo dançando na chuva com a boca aberta, elas mostram como é possível sentir cada dia como novo e cheio de possibilidades. Eternamente crianças.

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Referências: MyModernMetToday – Cultura Colectiva

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