A  empatia nos faz maiores que o medo de amar

Por Nara Rúbia Ribeiro

Eu nasci num lar cristão meio católico, meio evangélico – que depois decidiu-se evangélico. Aos 11 anos, consegui uma autorização especial para cursar um seminário da igreja a que eu frequentava. Aos 15, eu me formei. As ideias que me foram transmitidas eram o mais conservadoras possível, especialmente quanto ao sexo.

Para que tenhamos uma ideia do nível de conservadorismo, o meu primeiro beijo foi aos 18 anos, quando já cursava o segundo ano de Direito. Séria, austera, meio morta e sem graça. A vida era uma ordem a que eu obedecia sem questionamentos e cuja mínima inobservância me custava noites de insônia, de culpa e de lágrimas.

O tempo passou. Eu me dediquei ao Direito e ao estudo de religiões cristãs e não cristãs, na intenção de delas colher a melhor das essências.

E agora estava eu ali, em pleno sábado, após receber a ligação de uma conhecida para tomarmos um suco, num shopping do centro da cidade. No meio da conversa, noto que a moça estava sem jeito. Fala entrecortada, voz vacilante, mal me olhava. Tremia. Esse nervosismo deixou-me ansiosa, à espera de algum mal que ela me quisesse revelar.

Foi assim que aquela jovem, alguns anos mais moça que eu, bonita, inteligente, educada, baixou os olhos e me disse:

– Eu queria dizer que eu amo você.

Nesse momento, todo o meu passado me veio à tona. Seminário. Regras. A dita “abominação das relações homoafetivas”. E me veio à mente o inferno que o pastor sempre descrevia com esmero. A dor do “pecado original”… Mil regras e mil dogmas… Mas, num lapso, compreendi: o meu coração já havia sido curado de um mal terrível e isso me foi libertador.

Eu olhei nos olhos daquela menina. Ainda mais menina que eu. Tão humana quanto eu. Tão carente de afeto e de aceitação e de afago quanto eu, segurei a sua mão e disse:

– Minha querida, sinto-me lisonjeada por seu carinho, por sua afeição. Infelizmente não posso lhe retribuir com o afeto da mesma natureza, pois a minha sexualidade tem outra inclinação. Mas eu aceito o seu amor como quem recebe uma dádiva sem preço. E espero que aceite, em troca, a infinita ternura da minha amizade, a parte mais nobre da minha alma.

Ela chorou, emocionada. Eu fiquei alarmada com o que eu mesma disse e gritei, no silêncio do meu coração: O estudo cura a homofobia. A meditação cura a homofobia. A análise e a compreensão do mundo curam a homofobia. A empatia não só cura como previne a homofobia.

Eu a abracei e fomos olhar sapatos. Ela nunca mais tocou neste assunto e sei que, embora tenha um relacionamento, ela me ama. E eu também a amo. Porque o amor é amor e a sexualidade é só um de seus aspectos. E se não posso lhe ofertar um amor sensual, oferto os meu mais profundo desejo de que o mundo possa compreendê-la e amá-la assim como eu a compreendo e a amo.

Para que cada um, ao aceitar-se, possa de si ofertar aquilo que há de melhor.







Escritora, advogada e professora universitária.