O que você vai ser amanhã?

O que você vai ser amanhã?

Por Lúcia Costa

Du tinha cinco anos e Bya, uns quatro. Sentados no batente de casa, planejavam a vida para amanhã. Não conheciam o calendário anual com todos aqueles números e nomes para os dias da semana; conheciam o amanhã, somente. Era o tempo que acontecia, próximo e  instantâneo.

Du, com as mãos sobre os joelhos, confessa a Bya.

_ Quando crescer, daqui a um monte de amanhã, quero ser um carro.

_ Carro? Pergunta Bya com os olhos arregalados.

_ Sim, para andar por todas as estradas, olhando os passarinhos nas árvores. E você, Bya, o que vai ser quando crescer? O que quer ser quando o amanhã tiver filhotes?

_ Posso ser mais de uma coisa?

_Pode.

_ Então quero ser as estradas, o passarinho e a árvore.

E os dois se olharam, sabendo que o amanhã era de verdade.

Sobre acasos e improvisos

Sobre acasos e improvisos

Por Clara Baccarin

Por algum motivo desconhecido que deve ter surgido de alguma mensagem da mídia, ou de algum filme da Disney, inconscientemente a gente acredita que na vida os momentos bonitos e os encontros significativos serão capturados por nós quando estivermos bem preparados.

Por algum motivo, acreditamos que se traçarmos as rotas e nos conhecermos muito bem, faremos na vida escolhas mais assertivas que nos trarão felicidade.

Por algum tempo, pensamos que a pessoa que se encaixa nos nossos sonhos e que é a companhia ideal pra nós é aquela com quem compartilhamos os mesmo interesses, aquela que vamos encontrar naquele dia em que nos arrumamos tão bem para aquele evento interessantíssimo.

Por algum tempo, pensamos que sabemos exatamente o que esperamos do ser amado. Temos até uma listinha pequena das qualidades essenciais que nosso amor deve ter e então já não olhamos para ninguém mais fora disso. Afinal, pedimos pouco da outra pessoa, ela tem apenas que se encaixar na lista, senão não entra neste coração.

Por algum tempo, pensamos que a melhor viagem de nossas vidas é aquela em que tudo foi bem organizado, em que pagamos por meses as prestações daquele cruzeiro que oferece jantares inimagináveis e festas na piscina e vai parando em várias praias paradisíacas do Caribe.

Por algum motivo, temos certeza que seremos completamente realizados profissionalmente quando conquistarmos aquela posição alta na nossa área de atuação, e quando formos, finalmente, bem remunerados e bem reconhecidos por nossos esforços, dedicação e conhecimento.

Por algum tempo, pensamos que a vida é um caminhar linear, e que o percurso está cheio de caixinhas de presentes esperando para serem abertas. Encaramos a vida como um videogame em que conforme vamos dando o nosso melhor e avançando nas fases, as caixas de presente vão se desembrulhando em estouros de felicidade e recompensas.

Mas por algum motivo muito desconhecido, muito provavelmente, a pessoa com quem compartilhamos os nossos dias malucos, cruzou o nosso caminho naquele dia em que fomos á padaria sem sutiã e descabelada, ou que chegamos suados, depois do futebol, na festa do nosso melhor amigo.

Aquela pessoa bonita e ideal que por meses jogou com a gente aquele excitante e cansativo jogo de esquenta e esfria. Aquela pessoa que se dá um pouco e depois some, que mostra apenas as suas qualidades e que faz a gente acreditar que o papo sempre será bom, a química sempre será grande e os encontros sempre serão empolgantes. Por algum motivo maluco da astrologia, essa pessoinha não entra na nossa rotina.

Por algum motivo desconhecido, quem reparte os dias conosco não é aquela pessoa que faz nosso sangue ferver e a paixão aflorar todas as vezes que olhamos para ela.

Provavelmente, a pessoa que faz parte da nossa rotina é aquela que enfrenta de mãos dadas os dias de tédio. É aquela pessoa que nem sempre entende os nossos gostos peculiares, que veste aquela camiseta esquisita quatro vezes por semana, que espera da vida coisas diferentes da gente. Mas que por algum motivo, sabe nos abraçar quando as lágrimas querem despencar, nos olha com ternura naqueles dias em que nos sentimos monstruosos, nos deixa ser idiotas e infantis e nos faz gargalhar com aquela imitação sem graça do Silvio Santos.

Por algum motivo desconhecido, a viagem que realmente marcou a nossa memória foi aquela de última hora, naquele ônibus velho, com aquele grupo de amigos mais velhos ainda, que nos levou para aquela casa mofada para passar uma semana naquela cidade que não parava de chover.

Por algum motivo estranho e desconhecido, depois que alcançamos a posição mais almejada na nossa área profissional e colecionamos títulos e elogios, nos lembramos com os olhos cheios de saudade e melancolia daquela lanchonete que trabalhamos na adolescência tentando juntar dinheiro para uma viagem de fim de ano.

Por algum motivo desconhecido, o que de verdade na nossa vida ocupa espaço significativo e nos faz sermos pessoas talvez não completas, mas inteiras, não são os roteiros bem estruturados, os encontros de cinema, as paisagens de cartão postal, ou a elevada posição profissional.

O que realmente faz sentido na nossa vida são os encontros repentinos, os olhares ternos no acaso, o amor que transborda mesmo despreparado, as interrupções no nosso centrado caminhar.

Somos grandes pessoas não porque no nosso currículo de vida colecionamos lugares fascinantes, amores de perder o fôlego e muitos títulos. Somos pessoas grandes porque criamos grandes histórias com o que temos de ‘pequeno’.

E a vida que não tem mesmo chance de ser passada a limpo, é o grande teatro do improviso. E um bom improviso só requer olhos atentos e criativos.

Então, espero para mim e para você, que a vida não seja apenas feita de conquistas épicas, mas que cada passo do nosso caminhar seja doce em si mesmo.

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“Eros e Psique”, um extraordinário poema de Fernando Pessoa

“Eros e Psique”, um extraordinário poema de Fernando Pessoa

..E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

(Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio
Na Ordem Templária De Portugal)

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

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Cupido e Psique, escultura de Antonio Canova. Museu do Louvre, Paris

Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934. Acerca da epígrafe que encabeça este poema diz o próprio autor a uma interrogação levantada pelo crítico A. Casais Monteiro, em carta a este último:

A citação, epígrafe ao meu poema “Eros e Psique”, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente – o que é fato – que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho [In VO/II.]

Para saber mais sobre o escultor e a escultura:

7 poemas de amor para o Dia dos Namorados: escolha o seu

7 poemas de amor para o Dia dos Namorados: escolha o seu

São tantas as vezes que, diante da pessoa amada, os sentimentos transbordam, a alma se faz plena de sonho, encantamento, desejo e ternura, mas as palavras nos faltam para dizer desse amor em sua real dimensão.

Para isso nos vieram os poetas. Para dizer aquilo que em nós é infinito…

Neste Dia dos Namorados, selecionamos sete inesquecíveis poemas de amor. Confira.

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Vinícius de Moraes

***

Sonetos que não são

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
Hilda Hilst

***

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
Mario Quintana

***

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.
Mia Couto

***

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

***

Ao Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade

***

O Amor

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P’ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
Fernando Pessoa

O amor ao redor do mundo em 30 fotografias de Steve McCurry

O amor ao redor do mundo em 30 fotografias de Steve McCurry

“Qué es el amor sino la aceptación del otro, sin importar quién sea”.

Anaïs Nin

Steve McCurry é um dos fotógrafos mais importantes do fotojornalismo moderno, suas fotografias nos permitem entrar na intimidade de várias vidas, abordando um ser humano que vive, respira e sangra. Através de seus retratos muito famosos, McCurry também consegue captar o contexto em que as pessoas estão inseridas, suas condições de vida, aspectos sociais e políticos.

Do Brasil ao Camboja, da Itália a Índia, durante suas viagens pelo mundo, Steve McCurry fotografou ‘casais’ em diferentes contextos em que se deixavam ser levados pelo amor. Fotos casuais em bancos de parques, ou mesmo o amor de uma mãe para com sua única filha. Em todos os países, em todas as regiões e em todas as culturas, ele conseguiu encontrar a constante eterna do ser humano: o amor.

Todas as fotografias são propriedade de McCurry.

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Shalimar Gardens, Srinagar, Kashmir, 1999. Um casal relaxa sob a árvore chinesa . A árvore chinesa é uma parte integrante da cultura da Caxemira . A árvore atinge sua maior exuberância durante o outono. Apesar de sua majestosidade poder ser visto durante todo o ano .

 

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Yemen, November, 1997
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Jovem casal posa orgulhosamente para fotografia no “Horse Festival”, Tagong, Kham, Tibet, 1999.
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Lourdes, França
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Uganda, 2001.
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Bamiyan, Afganistán
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Zagreb, Croatia, 1989, YUGOSLAVIA
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Dublin, Irlanda
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Retouched by Ekaterina Savtsova
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THAILAND
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Hagia Sophia, Estambul, Turquía
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Germany, December, 1990.
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Marido e mulher retornam para casa após trabalhar nos campos de milho, Gostivar, Macedonia, 1989, YUGOSLAVIA.
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Fiji
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Flertando, Germany, 1989
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Venice, Italy, 03/2011
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Jovem casal em um banco, China, 1989.
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Rambagh Palace Hotel, Jaipur, India, 2005
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Angkor Wat, Camboya
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Vietnam, 2008
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Havana, Cuba
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Dublin, Irlanda, 05/1991
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Nouakchott, Mauritania, 1986, MAURITANIA
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Ljubljana, Eslovenia
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Kalemegdan park, Belgrade, Serbia, 1989, YUGOSLAVIA
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Madrid 10/1995, Espanha
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Hong Kong
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Río de Janeiro, Brasil
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Estados Unidos
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Sana’a, Yemen

Traduzido do original Cultura Colectiva

5 filmes românticos que respeitam a maturidade emocional do público.

5 filmes românticos que respeitam a maturidade emocional do público.

Amigos leitores, queridas leitoras, não há companhia melhor que um bom filme, para um casal de namorados. Selecionei cinco dicas pra esse dia especial, obras de variadas épocas e que fogem daquele padrão óbvio das comédias românticas água com açúcar, roteiros que respeitam a inteligência e a maturidade emocional do público.

Noites Brancas (Le Notti Bianche – 1957)

Adaptado da obra de Dostoiévski, Marcello Mastroianni vive a figura do sonhador sem nome, solitário e tímido, que ao encontrar uma jovem chorando no parapeito do cais, aproxima-se e irreversivelmente lhe nutre ternura. Para ela, ele conta sua história, plena em ilusão, sua fuga da realidade, e sonhos. Durante quatro noites, os dois se encontrariam para conversar e preencher lacunas, mascarar carências com gargalhadas nervosas, consolarem-se mutuamente por suas tragédias pessoais: ela, por amar alguém do passado, e ele, por querer amá-la no futuro. O diretor Luchino Visconti suavizou tremendamente as nuances psicológicas do personagem masculino, negando o longo monólogo em que conta sua história. O que durava várias páginas foi adaptado para uma hilária cena em que Mastroianni e Maria dançam ao som do infante Rock and Roll. Outro momento que recordo com emoção é a frase, tirada do livro, com que Mastroianni define seu personagem: “Obrigado pelo momento de felicidade que me proporcionou”. Difícil conter as lágrimas também com a bela analogia feita entre o sonhador e o velho cão de rua: ambos dispostos a dar atenção e carinho a todos os estranhos com quem cruzam nas ruas, porém destinados a terminarem solitários, como que esperando um dono (a) que nunca os socorre.

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As Coisas da Vida (Les Choses de La Vie – 1970)

Pierre (Michel Piccoli), um bem-sucedido engenheiro, sofre um acidente de carro e, ferido mortalmente, relembra seu passado e as pequenas coisas que fazem a alegria da vida. A estrutura que move a trama, flashback dentro de flashback, trabalha em favor da narrativa, potencializando o impacto sensorial sem parecer existir apenas como um pedante exibicionismo. As lembranças do protagonista moribundo, que passeiam desde a ternura pela ex-mulher e seu filho até os idílicos encontros com uma nova namorada mais jovem, estão integradas à sua passividade física no tempo real, tendo sua duração sincronizada ao período de sua inconsciência. O diretor Claude Sautet nos leva a interpretar as motivações dos personagens no ato de observar eles em silêncio, estando mais interessado em registrar, por exemplo, um sorriso casual, do que o gracejo que o causou. Adentramos na privacidade daqueles estranhos imperturbáveis à ação do tempo, naqueles breves momentos que, em outros filmes, a câmera já teria se desviado ou teria sido desligada. A linda trilha sonora de Philippe Sarde emoldura os momentos de melancolia do protagonista, como na cena em que experimenta o amargor do arrependimento durante uma viagem noturna de carro. Pierre ainda não se acostumou com a ausência de sua ex-mulher, sentindo saudade daquela convivência em sua zona de conforto, então escreve impulsivamente uma fria carta de rompimento para a apaixonada jovem namorada, mas se arrepende tarde demais. O acidente o imobiliza, incapacitando-o de exteriorizar suas emoções, impedindo-o de fazer o que desejou mais que tudo em sua vida: o simples rasgar de um pedaço de papel.

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O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (El Mismo Amor, La Misma Lluvia – 1999)

Uma obra-prima de sensibilidade e paixão. Além de ser um ótimo ponto de partida para se interessar a conhecer melhor o cinema argentino. Depois desse projeto, o diretor Juan José Campanella iria se tornar mundialmente reconhecido por “O Filho da Noiva” e, especialmente, “O Segredo dos seus Olhos”. Jorge Pellegrini, vivido pelo competente Ricardo Darín, é uma jovem promessa da literatura argentina, mas acaba desperdiçando seu talento escrevendo contos simplórios para uma revista. Em uma noite chuvosa ele conhece Laura, a bela Soledad Villamil, uma garçonete que está à espera do namorado, do qual não tem notícias desde que ele partiu para o Uruguai alguns meses antes. Jorge e Laura ficam muito unidos e a moça, ciente do grande talento do rapaz, tenta convencê-lo a singrar sem medo os bravios mares da literatura. O romance soa natural e nos cativa desde o primeiro momento. A crítica política existe, porém como uma moldura, nunca como a pintura. Em nenhum momento se mostra apelativo ou simplista, todos os elementos se unem com perfeita simetria.

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Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz – 1971)

“Eu penso tanto em você, que até me esqueço de ir ao banheiro”.

A simplicidade dessa frase, uma síntese perfeita do romantismo naturalista do personagem vivido por Seymour Cassel: Seymour Moskowitz, um homem inculto que se mostra incapaz de se comunicar com o sexo oposto. Ele, longe de ser um galã, com seu jeito desajeitado e descortês, o representante do mundo real que existe por trás das ilusões criadas pelo mundo do cinema, a enganação de que existe amor verdadeiro, algo alimentado desde as primeiras sessões, ainda na infância, como citado pela personagem vivida por Gena Rowlands: Minnie Moore. Uma mulher culta e bela, que foge do contato visual, sempre se escondendo atrás das lentes escuras de seus óculos de sol, buscando encontrar alguém como o Rick Blaine de “Casablanca”, um de seus filmes favoritos. Ele, por outro lado, prefere se identificar com o Sam Spade de “O Falcão Maltês”. A adoração por Humphrey Bogart parece ser o único elemento em comum entre os dois.

A direção de John Cassavetes explora, em várias cenas, com seu senso de humor peculiar, a falha na comunicação, evidenciada nas atitudes violentas de seu personagem, um amante emocionalmente desequilibrado. A sua maneira libertária de conduzir seus colegas atores, possibilitando que eles exercitem o improviso, aliado ao fato de colocar seus familiares nos projetos, acaba se traduzindo, em todos os seus filmes, em um clima de vivaz camaradagem. A opção deles por uma rotina convencional de encontros românticos: sorveteria, dançar, passeios noturnos e conversas existenciais, por mais que tentem com genuína boa vontade, acabam sempre em desastre. Eles descobrem que o ato de se apaixonar nasce exatamente nos constrangedores silêncios que antecedem qualquer tentativa de consumar uma atitude clichê, o sorriso espontâneo que brota após uma canção, numa tentativa desafinada de sedução.

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Mesmo se Nada der Certo (Begin Again – 2013)

O roteirista e diretor irlandês John Carney repete aqui a fórmula de seu sucesso “Apenas Uma Vez”, mostrando o relacionamento amoroso por um viés de sutil doçura, contrastando com o excesso de beijos sôfregos dos romances da linha de produção americana. Nessa proposta, o ápice de uma cena romântica pode ser uma troca de olhares ou um toque das mãos, o foco está no sentimento que motiva a ação. Essa escolha pode incomodar aqueles que aguardam ansiosamente pelos clichês do gênero, defendidos normalmente por protagonistas de motivações fúteis e sem nenhuma complexidade psicológica. Todos os personagens são apresentados como seres pensantes, até anarquistas, na espiral descendente de suas vidas, mas, abraçando a contramão dos arcos narrativos redentores, que invariavelmente culminam em pouco críveis finais felizes, o roteiro se desenvolve na satisfação deles pela aceitação desses obstáculos como necessários no desenvolvimento de suas personalidades, naquele elemento que os diferencia numa sociedade formada, cada vez mais, por seres emocionalmente padronizados. Onde todos buscam a felicidade numa projeção utópica, eles aprendem que os reveses são também parte importante da vida.

Gretta (Keira Knightley) e Dan (Mark Ruffalo) estão encarando uma profunda decepção profissional, com seus nobres ideais de carreira artística dando lugar à autocomiseração. Ele, um produtor musical falido, ela, uma compositora que perdeu toda a confiança em seu talento, após ser abandonada pelo namorado. O encontro dessas duas almas desesperançadas ocasiona, com o auxílio da bela trilha sonora, uma redenção poética. É sempre prazeroso encontrar obras no gênero que recusem o conformismo sensorial, entregando relacionamentos críveis e verdadeiramente humanos. Costumo dizer que vejo mais robôs nos romances hollywoodianos do que nos filmes dos Transformers. A química entre o casal é cativante, as canções são de singela beleza, mas destaco a mensagem subliminar na cena que registra a declaração de resistência artística dos jovens, gravando seu disco nas ruas de Nova York, com aquela doce voz enfrentando a balbúrdia grosseira que a oprimia outrora.

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OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

Blog: Devo tudo ao cinema / Octavio Caruso no Facebook

Onde moram as fantasias…

Onde moram as fantasias…

Por Josie Conti

Naquela cidade existe um rio. Sobre ele uma ponte que dá travessia a quem, do outro lado, precisa chegar.

Naquela cidade existe um homem de bigode que mora no lado esquerdo do rio. Todo dia ele caminha até a ponte, mas nunca faz a travessia completa.

Naquela ponte existe um ponto. Nesse ponto, no meio da ponte, o homem de bigode abre sua banca e vende fotografias: são fotografias das paisagens que existem do lado direito da ponte.

O homem de bigode só conhece o que existe do lado direito da ponte através de suas fotografias.

Um dia, um estrangeiro, pergunta ao homem de bigode se ele entregaria algumas de suas fotos no hotel, situado no lado direito da ponte. O homem pára, pensa e responde: “No lado direito da ponte não preciso de fotografias.” Permaneço aqui, na ponte, onde moram as fantasias.

Da utilidade das coisas:

Da utilidade das coisas:

Por Tatiana Nicz

Útil:

1 O que é útil.
2 Que é necessário; que tem préstimo ou utilidade; proveitoso; vantajoso.

Meu pai tinha uma mania bem peculiar de nos ensinar lições através de ditados: “cabelo é igual planta, só se molha de dia” ele me dizia quando eu saia do banho a noite com o cabelo molhado; “abra a janela, minha filha, porque o quarto precisa respirar”, falava quando topava em mim pela casa ainda acordando; “one apple a day keeps the doctor away” caprichava no sotaque enquanto cortava as frutas em pedaços pequenos e iguais todos os dias pela manhã; “quem usa a cabeça o corpo não sofre” repetia enquanto eu me batia com algo (ou em algo) devido minha terrível mania de “ser muito rápida no gatilho”, segundo ele. “Mastigue 33 vezes minha filha” e, claro, eu nunca mastigava.

De todos os ditados que ele usava tem um que anda muito vivo no meu momento atual, quase escuto ele me dizendo: “se você quer que algo seja feito com eficiência dê para alguém que não tem tempo”. E acho que esse eu finalmente aprendi. Ele era essa pessoa. Um cara extremamente organizado e eficiente. Uma pessoa útil na vida de todos que conviviam com ele, inclusive, claro, na minha. Tinha horas que ele se irritava com a carga que delegávamos à ele e dizia “eu queria mesmo era ser inútil, porque para o inútil ninguém nunca pede nada”.

Essa semana eu tive uma crise de stress por conta da carga de responsabilidades que fui assumindo ao longo dos anos, é certo que minha família não facilitou muito e conseguiu me dar material suficiente para complicar além da conta todos os processos. O saldo disso para mim é: o cargo de curadora da minha mãe, as propriedades da família, dois inventários em andamento onde respondo por minha mãe (um deles há mais de 10 anos), o inventário do meu pai, apartamentos para esvaziar e uma quantidade de coisas e documentos infinita que meus pais guardaram em suas vidas. Fora isso tenho o meu trabalho, porque gosto muito do que faço e porque assinar papéis, ir em cartório, banco, contador, fórum, contratar advogado não paga minhas contas, muito pelo contrário.

Olha, eu não sou muito de ficar metendo a boca no Brasil, eu amo o meu país, mas quando se trata de burocracia acredito que poucos países no mundo se igualam ao nosso. E se tem algo que me enlouquece é essa bur(r)ocracia. E os meus processos são tão complicados que nem os próprios funcionários dos estabelecimentos conseguem me orientar. É algo enlouquecedor e já pensei em abandonar tudo, mas daí lembro que até para isso a burocracia é enorme. Então estou de mãos atadas. Quando surge algo já tento resolver de maneira rápida e eficiente “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” quase escuto a voz do meu pai, mas parece ser impossível resolver tudo hoje e suspeito que amanhã e depois de amanhã também, porque sempre aparece mais coisa pelo caminho. Pois é, os entrelaços e raízes da burocracia no Brasil é realmente algo a ser estudado por psicólogos.

E então me lembro do conceito de útil, da importância da utilidade das coisas e das pessoas. Porque a sensação que tenho é que o mundo se encheu de coisas, aparatos, informações, processos, sistemas e pessoas inúteis. Sei que sou meio “control freak”, realmente tenho dificuldade em delegar as coisas, levei oito anos para pedir socorro para minha irmã e mesmo assim ainda fiquei com uma boa parte do trabalho (o burocrático, claro). Mas também existem pessoas que não nos passam confiança, confiança de que podemos deixar o que for em suas mãos e ela ou ele dará conta, em tempo. Acho que como meu pai brincava em suas horas de stress, tem muita gente se fazendo de inútil por aí, tirando o corpo fora ou na verdade nem colocando-o para dentro em primeiro lugar.

Quando fiz uma limpa na minha casa comecei a estudar o Feng Shui, não sou de ir a fundo e ficar bitolada em uma só filosofia, mas gosto de pegar um pouco de cada coisa que me seja, claro, útil. O Feng Shui diz que todos os objetos da casa devem ter utilidade ou ser de nosso gosto, nada quebrado ou inutilizado deve permanecer nos ambientes. Pensando nisso doei 3/4 do meu guarda-roupa (um estudo diz que usamos apenas 20% do que temos), mandei consertar roupas que não usava, transformei vestidos em saias, preguei botões e até costurei, levei todos os eletrônicos quebrados para conserto e doei os que não me eram mais úteis. Hoje mais do que nunca, aprendi a apreciar tudo aquilo e todo aquele que é útil, para mim ou para o mundo. E as coisas por aqui estão funcionando. Só o que não funciona hoje na minha vida mesmo é, obviamente, a (maleeedita) burocracia.

5 regras ligadas à Vida e ao Direito, por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

5 regras ligadas à Vida e ao Direito, por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

O Ministro Luis Roberto Barrroso, ao ministrar palestra a uma turma de formandos em Direito dos quais era padrinho, proferiu as seguintes palavras de sabedoria:

A vida e o Direito: breve manual de instruções

I. Introdução

Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.

Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.

É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1

No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado “caso do arremesso de anão”. Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.

E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.

Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.

Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.

III. A regra nº 2

Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: “Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida”. Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar”. E o ateu responde: “Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida”. Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.

Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro.

Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3

Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: “Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes”. Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: “Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes”. Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: “Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado”. Ao que o segundo sábio respondeu: “a diferença não está no que eu falei, mas em como falei”.

Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro.

Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.

V. A regra nº 4

Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa.

Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.

VI. A regra nº 5

Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.

Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. “As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer”.

Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

VII. Conclusão

Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:

1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;

2. A verdade não tem dono;

3. O modo como se fala faz toda a diferença;

4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;

5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:

(i) Fique vivo;

(ii) Fique inteiro;

(iii) Seja bom-caráter;

(iv) Seja educado; e

(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.

Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: “A vida é muito curta para ser pequena”.

Por Luis Roberto Barroso, Ministro do STF

Fonte: CBN

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5 feridas emocionais da infância que podem persistir na idade adulta

5 feridas emocionais da infância que podem persistir na idade adulta

Embora não seja regra absoluta, não podemos negar que nossa infância e primeiras experiências afetivas podem influenciar na maneira como que lidamos com os relacionamos posteriores e na leitura que temos das coisas que acontecem ao nosso redor.

As boas e más experiências infantis afetam sim nossa qualidade de vida quando adultos. Influenciam também, depois, em como trataremos nossos filhos tanto do ponto de vista do afeto quanto do enfrentamento de adversidades. Agiremos, reproduzindo os comportamentos que conhecemos ou seremos diferentes?

Abaixo, estão descritas 5 feridas emocionais segundo a especialista em comportamento canadense Lisa Bourbeau. Para a autora, são elas algumas das mais determinantes nas dificuldades de relacionamentos que as pessoas podem carregar ao longo da vida adulta posterior.

1- O medo do abandono

Um dos medos frequentes nas crianças é o medo da ausência de seus pais, o medo do abandono. A criança, nos primórdios de sua vida, ainda não consegue separar fantasia de realidade, e, por também não conseguir quantificar o tempo, entende que as ausências podem ser sinônimos do abandono absoluto.

Se a aprendizagem dessa separação necessária já é complexa em ambientes onde os pais lidam com o fato com tranquilidade, no caso de pessoas que tiveram experiências de negligência na infância, as marcas deixadas podem acarretar um medo de solidão e rejeição contínuos todas as vezes em que a pessoa não tiver perto de si (fisicamente) a pessoa amada.

A ferida causada pelo abandono não é fácil de curar. A pessoa saberá que está curada quando os momentos de solidão não forem vistos como desamor e rejeição, e, dentro de si, existirem diálogos positivos e esperançosos.

2- O medo da rejeição

É uma ferida profunda que é formada quando, durante o desenvolvimento, a criança não se sentiu suficientemente amada e acolhida pelas figuras de referência que estavam ao seu redor assim como, posteriormente, pode ser afetada também por rejeições em ambiente escolar.

Como a pessoa, no começo, forma sua identidade a partir da maneira como que é tratada, se ela for desvalorizada e depreciada constantemente, pode internalizar em si uma autoimagem de que não é merecedora de afeto e de que não possui atributos suficientes para ser aceita em sociedade.

O rejeitado passa, então, a rejeitar-se, e, na idade adulta, muitas vezes, mesmo frente ao sucesso e obtendo bons resultados, essa pessoa pode apresentar grande fragilidade frente a qualquer crítica que exponha seus medos internos de insucesso.

3- A humilhação

Esta ferida é gerada no momento em que sentimos que os outros nos desaprovam e criticam. Podemos criar esses problemas em nossos filhos, dizendo-lhes que eles são estúpidos, maus ou mesmo exagerando em comparações; isso destrói a criança e sua autoestima.

Uma pessoa criada em um ambiente assim pode desenvolver uma personalidade exageradamente dependente. Outra possibilidade é o desenvolvimento da “tirania” também em si, um mecanismo de defesa em que a pessoa passa a humilhar aos outros para se sentir mais valorizada.

4- Traição ou medo de confiar

Uma criança que se sentiu repetidamente traída por um de seus pais, principalmente quando o mesmo não cumpria as suas promessas, pode nutrir uma desconfiança que, mais tarde,  pode ser transformada em inveja e outros sentimentos negativos. Quem não recebe o que foi prometido pode não se sentir digno de ter os que os outros têm.

Pessoas que passaram por isso desenvolvem uma tendência maior a tentar controlar tudo e todos ao redor em uma tentativa de trazer para si o comando de variáveis que, antigamente, faziam com que se sentissem preteridas e injustiçadas. Quando perdem o controle, ficam nervosas e se sentem perdidas.

5- Injustiça

A ferida da injustiça surge a partir de um ambiente no qual os cuidadores primários são frios e autoritários. Na infância, quando existe uma demanda além da capacidade real da criança, ela pode ter sentimentos de impotência e inutilidade que depois pode carregar ao longo dos anos.

Em ambientes assim, a criança pode desenvolver um fanatismo pela ordem e pelo perfeccionismo como tentativa de minimizar os erros e as cobranças. Soma-se a isso a incapacidade de tomar decisões com confiança.

Nota da CONTI outra:

Como dito no começo, existem feridas da infância que aumentam a probabilidade de sequelas emocionais na vida adulta. Entretanto, nada é regra e existem pessoas que desenvolvem mecanismos adaptativos e superam essas questões. Outras, entretanto, não se saem tão bem. Se você for uma delas, procure ajuda de um profissional da saúde mental. Nunca é tarde para rever questões mal resolvidas. O passado não muda, mas o futuro ainda é um livro em branco.

Traduzido e ADAPTADO por Josie Conti. Imagem de capa: Tomsickova Tatyana/shutterstock

Do original em espanhol: 5 heridas emocionales de la infancia que persisten cuando somos adultos

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Você chegou até o final do texto e se identificou com alguma dessas situações?

Um processo psicoterápico pode fazer a diferença na sua vida nesse momento.

Indicamos: Josie Conti- psicóloga. Saiba mais aqui.

 

Meu primeiro consultório: Reflexões sobre o início da prática clínica

Meu primeiro consultório: Reflexões sobre o início da prática clínica

Por Marcela Alice Bianco

A todo tempo muitos profissionais da área da Psicologia estão prontos para entrar no mercado de trabalho ou montar seu próprio negócio. Como psicóloga fico pensando na enorme quantidade de colegas que, recém-formados ou não, estão na expectativa de iniciar sua atuação na área clínica. Com certeza um desafio e tanto a ser enfrentado.

Isso me fez lembrar de quantas dúvidas, medos e inseguranças pairavam sobre a minha cabeça na época em que resolvi desbravar este caminho. Por isso, decidi compartilhar um pouco da minha vivência e quem sabe, através da minha história motivar aqueles que estão começando.

O primeiro consultório para quem quer seguir a carreira de psicólogo clínico é um grande sonho! Lembro de passar horas imaginando como seria minha sala, os primeiros pacientes chegando e de como seria a conquista do meu espacinho ao Sol.

Olhando para o passado, percebo que naquela época cometia o meu primeiro erro: não via o consultório como um negócio, mas como um trabalho! Qual a diferença? O trabalho exige seu esforço, sua produtividade. Mas o negócio exige planejamento e investimento.

Percebo que desde que passei a ver a Clínica também como um negócio as coisas mudaram bastante. A possibilidade real de ter meu tão sonhado consultório, com a minha cara, a minha energia e com o resultado esperado, só começou a dar certo quando eu mudei a maneira de investir no meu sonho.

Investimento foi para mim a palavra chave e ele precisou ocorrer em diferentes níveis.

Primeiramente foi preciso investir na formação. Neste ponto, a graduação foi só o começo! Fazer especializações, supervisão, participar de grupos de estudo, manter a terapia pessoal, participar de congressos e eventos…enfim, estar em constante aprendizagem e reciclagem é o primeiro passo para um negócio dar certo. E para continuar dando certo ao longo dos anos também. Por isso, parar de estudar? Nunca!

O conhecimento é fundamental para que consigamos fazer um trabalho bem feito. E esse é o melhor marketing que podemos fazer.

O segundo passo é o investimento financeiro. E esse acho que é um dos pontos mais fracos para nós psicólogos. Não somos ensinados na faculdade a sermos donos de um negócio e por isso, o planejamento e o investimento financeiro não fazem parte do nosso background. Mas, se pensarmos em outros ramos, quem consegue montar alguma coisa sem investir algum dinheiro?

Então, como não nos preparamos para investir, corremos o risco de sublocar ou alugar uma sala sem muita análise do quanto esse espaço reflete nossa personalidade e nossa forma de trabalho. Às vezes, sublocamos um horário numa clínica numa região qualquer, fazemos um cartão de visitas, mas nem ao menos ocupamos nosso espaço!

Ocupar o espaço é outro ponto muito importante. Ocupar significa se apropriar, fazer de um espaço algo seu. Portanto, o primeiro erro é sublocar um horário e ficar esperando em casa que o primeiro paciente chegue para que você comece a ir para o consultório. Se agimos assim, o que acontece é que nosso espaço fica vazio e o lugar do consultório dentro da gente também!

Nesses dez anos de carreira acompanho muitas histórias de pessoas que só começaram a decolar na clínica quando realmente “ocuparam” o espaço do consultório em suas vidas!

Parece que o que eu estou falando é algo mágico, que depende “da energia”, mas na verdade acho que isso é apenas sincronicidade.

Não importa se o espaço não é inteiramente seu, se a mobília não foi você que comprou e se a disposição da sala não foi a que escolheu. Encontre um espaço que corresponda a sua personalidade, que tenha os requisitos para você trabalhar bem e com conforto. Leve um objeto decorativo seu para quando estiver atendendo. Vá ao consultório mesmo que não tenha pacientes. Aproveite para ler, relaxar, se acostumar com o espaço e sentir que ele é seu! São atitudes simples, mas que fazem toda diferença.

Se você também não consegue abrir o espaço do consultório dentro de você porque acha que pode dar tudo errado, que você não sobreviverá financeiramente e que não dá para viver da psicologia, acho que é hora de parar e refletir sobre suas escolhas. É possível viver através de qualquer trabalho. O problema não está na área escolhida e sim na maneira como você a avalia e se relaciona com ela. E se você investir pouco, o resultado será proporcional.

Inseguranças todos nós temos e no início é natural que tenhamos dúvidas, medos e fantasias que precisaremos confrontar e enfrentar para alcançar nosso sonho.

Penso que todo mundo tem um ritmo, um caminho e um tempo para chegar ao seu objetivo. É preciso que consigamos reconhecer nossos potenciais e compreender aquilo que nos está limitando. No meu caso, era o medo de que eu não fosse conseguir sozinha! Realmente não consegui! Construí meu sonho em conjunto com minha família, com meus amigos, com minha sócia. E continuo agregando pessoas a minha volta para juntas realizarmos nossos sonhos.

E esse é o último investimento que considero imprescindível! Não se isole. Tenha pessoas ao seu lado, compartilhe com elas seus sonhos, suas experiências e suas conquistas. Porque sozinhos podemos até chegar mais rápido, mas juntos chegamos mais longe!

Desejo a você que está começando seu caminho agora, que seja de muito sucesso e realização!

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Suor é paixão em estado líquido

Suor é paixão em estado líquido

Por Josie Conti

Visto-me com íntimos sonhos para o tango do desconhecido. Ouço o ritmo da música que já aquece o salão. Atrai-me o mistério do futuro próximo.

Levanto-me e sou tomada, arrebatada, subjugada pelo som que pulsa dentro de mim. Deixo-me levar.

Sou refém de sensações, parceira da próxima música, amante de todo o baile.

Giro pelo espaço e sou o centro de tudo o que acontece. Suave, eloquente, abrupto, carente. Todo movimento é cúmplice do ato de existir.

Não há censura, culpa ou pecado. Há suor.

E suor nada mais é do que paixão em estado líquido.

Suemos.

“O Amor Fino”, uma sábia reflexão de Antônio Vieira

“O Amor Fino”, uma sábia reflexão de Antônio Vieira

O Amor Fino

O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.
Padre António Vieira, in “Sermões”

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Sobre girassóis clandestinos e borboletas sem asas

Sobre girassóis clandestinos e borboletas sem asas

Por Josie Conti

No quintal dos nossos sonhos, plantamos o que quisermos. Nos meus, moram girassóis clandestinos. São nascidos de sementes especiais que lhes dão o poder de olhar para onde haja luz. Mas, ao contrário do esperado, eles miram para as mais diversas direções. Brilham ao ficar frente a frente com um parceiro, reluzem ao perceber seus próprios movimentos suaves, sorriem para o sol, mas também vibram para a lua.

No quintal dos meus sonhos, moram borboletas sem asas. Elas não têm asas porque sabem que sensibilidade pede casulo e, após breves momentos de realidade, voltam-se para seus espaços, e crescem, amadurecem, num infinito ciclo evolutivo. Suas asas? Ah, essas estão dentro de si.

Dizem que só as veem quem tem olhar encantado e sabe ver beleza de avesso.

No quintal dos meus sonhos, moram crianças sem idade. Elas sabem que a pureza essencial pede a permanência do próprio sonho. Elas rodopiam em rodas de esperança e jogam amarelinha com o vento.

Não querem crescer, pois crescer mata sonhos. Permanecem brincando, alheias ao mundo que está além do quintal.

E é lá, no quintal dos meus sonhos, onde girassol é clandestino, borboleta não tem asas e criança não quer crescer, que encontrei o maior sentido de liberdade: a liberdade de ser quem se é.

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