Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Poema Começado no Fim
Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.
Pranto Para Comover Jonathan
Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.
Criamos os filhos para o mundo! Em algum momento eles precisarão regressar para cuidar de nós. Esta foi a mensagem que o lindo curta-metragem de animação ” The lighthouse”, de Po Chou Chi nos inspirou.
Utilizando-se da metáfora da embarcação, o autor nos convida a refletir sobre a forma como nossos pais nos apresentam seu mundo, nos ensinam as coisas da vida a partir de seu próprio repertório e, em algum momento, nos presenteiam com a possibilidade de fazermos nossas próprias descobertas e explorações.
No nível psicológico, podemos pensar na importância da função paterna para a estruturação da consciência e de como as vivências com o pai real e com o pai introjetado ganham destaque na vida do menino e no seu processo de individuação.
Vejam:
O barco ganha aqui o simbolismo da própria travessia nas águas da vida, na qual desenvolvemos nosso conhecimento de tudo o que nos cerca e de nós mesmos, a partir da ampliação de consciência que as novas aventuras nos proporcionam.
O menino ganha o barco do seu pai. Este é pequeno e comporta apenas um passageiro, fazendo com que o filho precise seguir sozinho para sua jornada. O pai consciente desta necessidade, encoraja o rebento e se felicita com sua conquista. Sabe que, para que a criança cresça, ela precisa se afastar do mundo do pai e fazer suas próprias descobertas. E, para isto, precisa do seu incentivo e confiança.
Oferecer o barco ao filho também nos remete à estrutura que os pais ofertam aos filhos para que possam lançar-se às aguas da vida de maneira segura e protegida! Aqui podemos refletir na sobre a função paterna, que estrutura o filho para que possa ser forte e seguro para seguir seu caminho de desenvolvimento. É preciso ser presente, atuante, protetor e responsivo. Oferecer a prole um conjunto de valores e estímulos apropriados ao desenvolvimento das habilidades e capacidade humanas. Auxiliar na construção de bases sólidas de confiança e segurança que facilitarão o enfretamento das dificuldades que a existência impõe. Não só uma criança, mas toda uma família ou mesmo a sociedade sofre as consequências destrutivas da ausência ou ineficiência da função paterna.
Mas, no caso do curta-metragem essa função vai sendo construída com zelo e afeto. E então o filho cresce e, a cada ponto, uma nova embarcação é necessária, maior e mais complexa, com recursos próprios da sua fase de desenvolvimento. E quando surge o chamado do herói, o menino, agora jovem, se sente impelido a cumprir seu destino. Segue sua trajetória. Confiante, lança-se a sua própria jornada individual! Seu caminho em busca de si mesmo. Rumo a sua jornada de conquistas e derrotas que fazem parte da construção da sua história.
O ritual da despedida é sempre marcado por fortes emoções. Quem vai experimenta a ânsia do porvir, e o sentimento de estar deixando algo importante para trás. Quem fica precisa aprender a viver com a ausência e se abrir para novas possibilidades no mundo em que permanece. Exercício que percebemos constantemente no momento em que os filhos saem de casa e os pais experimentam o “ninho vazio”.
Neste momento relembramos um conto de Rubem Alves, chamado “Vossos filhos são pássaros”, em que ele fala da necessidade de que entendermos que realmente não fomos feitos para ficarmos presos no ninho. Assim como nós, nossos filhos foram feitos para voar e com isso, seguir a diante, construindo seus próprios ninhos.
Na imagem oferecida pelo autor, podemos perceber que são muitas as embarcações que deixam as ilhotas. Assim, ele sutilmente frisa que este é um momento comum e que faz parte da natureza humana, compartilhado pela coletividade.
E, neste aspecto, podemos também pensar que, são muitos os migrantes que escolhem ou precisam realmente atravessar mares e montanhas para seguir sua própria caminhada de individuação, ou seja a realização do seu potencial humano.
A casa do pai funciona como uma ponte com o passado, em que ele pode se apoiar através das cartas, que simbolizam aqui a comunicação e a troca de sentimentos e ideias. O farol simboliza o ponto de referência que permanece aceso e que orienta o retorno quando este se fizer necessário ou for desejado. O Porto seguro para onde se retorna sempre que se faz necessário. Onde existe o amor, o aconchego e a possibilidade de se reabastecer de coragem para o próximo passo.
O tempo passa, e com ele, a finitude da vida é representada pelo inverno rigoroso e pelo envelhecimento do pai. A cena invoca a necessidade do retorno. O filho regressa em uma enorme embarcação, representando a experiência conquistada em sua jornada. Preocupado ao ver que as cartas se acumularam na caixa de correspondência, ele corre em busca do pai. Ali se reencontra e se reconcilia com sua história. Encontra na expressão do pai a mais pura expressão do afeto resignado. A troca dos papéis se faz presente. De cuidado, o menino agora homem, precisa se tornar cuidador. Pai de seu pai…filho de seu filho. Momento precioso onde a vida encena sua próxima lição. Pai e filho tocam a última melodia. As águas aparecem congeladas!
As cerejeiras que acompanham todo o enredo representam o amor, a beleza e a renovação da vida, mas também sua fragilidade e efemeridade. Por este motivo, simboliza, juntamente com as mudanças de estação do ano, os processos de nascimento, morte e renascimento, parte essencial em todo nosso ciclo vital.
Ocorrido o tempo do luto, a nova estação se faz presente. Um ciclo se fecha e outro se inicia. Morte e nascimento. É possível florescer novamente. O filho torna-se pai e o elemento feminino, antes ausente agora se manifesta. Ponto muito comum em diversos contos de fadas em que, com o falecimento do velho rei, o príncipe sobe ao trono após encontrar sua princesa. Elemento que conduz à referência da completude e da integração dos opostos, necessários a uma visão mais integrativa da vida. É chegada a hora do filho vivenciar o outro lado da história e aprender que na travessia da vida somos todos cuidados e cuidadores!
Lilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768
Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338
Em um dos maiores sucessos entre os populares livros de autoajuda (vendeu mais de 5 milhões de cópias desde a publicação em 1987), Melody Beattie adverte a seus leitores: “A maneira mais garantida de enlouquecer é envolver-se com assuntos de outras pessoas e a mais mais rápida de tornar-se feliz é cuidar dos próprios”. O livro deve seu sucesso instantâneo ao título sugestivo (Codependent no More), que resume seu conteúdo: entrar resolver os problemas de outras pessoas nos torna dependentes, e a dependência oferece reféns ao destino – ou, mais precisamente, há coisas que não dominamos e há pessoas que não controlamos; portanto, cuidemos de nossos problemas, e apenas de nossos problemas, com a consciência limpa.
Há pouco a ganhar fazendo a tarefa dos outros, isso desviaria nossa atenção do trabalho que apenas nós mesmos podemos fazer a nosso favor. Essa fase deve ser lida como uma confirmação, uma absolvição e uma luz verde necessária – a todos os que são forçados a seguir, a favor ou contra seu próprio juízo, e não sem dor na consciência, a exortação de Samuel Butler: “No fim, o prazer é melhor guia que o direito e o dever”.
Ao fim da sessão de aconselhamento, as pessoas aconselhadas estão tão sozinhas quantos antes. Isso quando sua solidão não foi reforçada: quando sua impressão de que seriam abandonadas à sua própria sorte não foi corroborada e transformada em uma quase certeza. Qualquer que fosse o conteúdo do aconselhamento, este se referia a coisas que a pessoa aconselhada deveria fazer por si mesma, aceitando a inteira responsabilidade por fazê-las de maneira apropriada, e não culpando ninguém pelas consequências desagradáveis que só poderiam ser atribuídas a seu próprio erro ou negligência.
Cores dançantes em um mar de azul. Assim Pedro vê o céu repleto de pipas da laje de sua casa. Ansioso, inicia o desenrolar de sua linha, o vento amigo está a seu favor, sua pipa vermelha levanta voo. Pedro “dá linha”, gosta da sensação de controle, sabe que pipa feliz é pipa amarrada, se ela se perde, acaba em tragédia. Aconteceu outro dia, quando Pedro teve sua pipa cortada, sabe como é, nem toda pipa do céu é pipa parceira, tem pipa que tem fio de navalha e, do mesmo jeito que andar no morro pode ser perigoso, sua linda pipa amarela foi assassinada, após o corte fatal, rodou, perdeu o cúmplice controle e caiu em seu voo final. Nunca mais foi vista, embora ainda seja lembrada.
Pedro gosta de pensar na vida das pipas como pensa na vida das pessoas, a noite, deitado na cama, planeja suas aventuras. Hoje, com sua pipa vermelha, pretende sair dos limites da favela e conhecer o mundo que existe do lado de lá, do lado que ele nunca foi. Será que a linha vai dar? – pensa consigo.
Dá um puxão na pipa para ver se ela responde, ela puxa de volta. Tá tudo bem, ele pensa. Pedro gosta de imaginar que, quando o sol reflete no papel de seda e ele consegue ver um pequeno brilho, é sua pipa sorrindo, que ela sorri porque está voando. Aí Pedro fica feliz e sorri também. Mas, interrompe o sorriso e para por um minuto, concentra-se, lembra da palavra da mãe, tem medo de cair da laje como caiu o Teco, seu vizinho. Foi outro dia mesmo, Teco estava tão feliz com sua pipa voadora que esqueceu que o chão tinha fim. Pedro sente falta dele, mas, no fundo, tem esperança que ele more no mundo das pipas perdidas, talvez até conheça sua pipa amarela. Lá deve ser mais bonito que aqui, ele pensa.
Quando crescer, Pedro quer ser piloto de avião, quer subir lá onde as pipas vão. Mas, ainda não tem certeza. Ele queria mesmo era ser pipa.
Du tinha cinco anos e Bya, uns quatro. Sentados no batente de casa, planejavam a vida para amanhã. Não conheciam o calendário anual com todos aqueles números e nomes para os dias da semana; conheciam o amanhã, somente. Era o tempo que acontecia, próximo e instantâneo.
Du, com as mãos sobre os joelhos, confessa a Bya.
_ Quando crescer, daqui a um monte de amanhã, quero ser um carro.
_ Carro? Pergunta Bya com os olhos arregalados.
_ Sim, para andar por todas as estradas, olhando os passarinhos nas árvores. E você, Bya, o que vai ser quando crescer? O que quer ser quando o amanhã tiver filhotes?
_ Posso ser mais de uma coisa?
_Pode.
_ Então quero ser as estradas, o passarinho e a árvore.
E os dois se olharam, sabendo que o amanhã era de verdade.
Por algum motivo desconhecido que deve ter surgido de alguma mensagem da mídia, ou de algum filme da Disney, inconscientemente a gente acredita que na vida os momentos bonitos e os encontros significativos serão capturados por nós quando estivermos bem preparados.
Por algum motivo, acreditamos que se traçarmos as rotas e nos conhecermos muito bem, faremos na vida escolhas mais assertivas que nos trarão felicidade.
Por algum tempo, pensamos que a pessoa que se encaixa nos nossos sonhos e que é a companhia ideal pra nós é aquela com quem compartilhamos os mesmo interesses, aquela que vamos encontrar naquele dia em que nos arrumamos tão bem para aquele evento interessantíssimo.
Por algum tempo, pensamos que sabemos exatamente o que esperamos do ser amado. Temos até uma listinha pequena das qualidades essenciais que nosso amor deve ter e então já não olhamos para ninguém mais fora disso. Afinal, pedimos pouco da outra pessoa, ela tem apenas que se encaixar na lista, senão não entra neste coração.
Por algum tempo, pensamos que a melhor viagem de nossas vidas é aquela em que tudo foi bem organizado, em que pagamos por meses as prestações daquele cruzeiro que oferece jantares inimagináveis e festas na piscina e vai parando em várias praias paradisíacas do Caribe.
Por algum motivo, temos certeza que seremos completamente realizados profissionalmente quando conquistarmos aquela posição alta na nossa área de atuação, e quando formos, finalmente, bem remunerados e bem reconhecidos por nossos esforços, dedicação e conhecimento.
Por algum tempo, pensamos que a vida é um caminhar linear, e que o percurso está cheio de caixinhas de presentes esperando para serem abertas. Encaramos a vida como um videogame em que conforme vamos dando o nosso melhor e avançando nas fases, as caixas de presente vão se desembrulhando em estouros de felicidade e recompensas.
Mas por algum motivo muito desconhecido, muito provavelmente, a pessoa com quem compartilhamos os nossos dias malucos, cruzou o nosso caminho naquele dia em que fomos á padaria sem sutiã e descabelada, ou que chegamos suados, depois do futebol, na festa do nosso melhor amigo.
Aquela pessoa bonita e ideal que por meses jogou com a gente aquele excitante e cansativo jogo de esquenta e esfria. Aquela pessoa que se dá um pouco e depois some, que mostra apenas as suas qualidades e que faz a gente acreditar que o papo sempre será bom, a química sempre será grande e os encontros sempre serão empolgantes. Por algum motivo maluco da astrologia, essa pessoinha não entra na nossa rotina.
Por algum motivo desconhecido, quem reparte os dias conosco não é aquela pessoa que faz nosso sangue ferver e a paixão aflorar todas as vezes que olhamos para ela.
Provavelmente, a pessoa que faz parte da nossa rotina é aquela que enfrenta de mãos dadas os dias de tédio. É aquela pessoa que nem sempre entende os nossos gostos peculiares, que veste aquela camiseta esquisita quatro vezes por semana, que espera da vida coisas diferentes da gente. Mas que por algum motivo, sabe nos abraçar quando as lágrimas querem despencar, nos olha com ternura naqueles dias em que nos sentimos monstruosos, nos deixa ser idiotas e infantis e nos faz gargalhar com aquela imitação sem graça do Silvio Santos.
Por algum motivo desconhecido, a viagem que realmente marcou a nossa memória foi aquela de última hora, naquele ônibus velho, com aquele grupo de amigos mais velhos ainda, que nos levou para aquela casa mofada para passar uma semana naquela cidade que não parava de chover.
Por algum motivo estranho e desconhecido, depois que alcançamos a posição mais almejada na nossa área profissional e colecionamos títulos e elogios, nos lembramos com os olhos cheios de saudade e melancolia daquela lanchonete que trabalhamos na adolescência tentando juntar dinheiro para uma viagem de fim de ano.
Por algum motivo desconhecido, o que de verdade na nossa vida ocupa espaço significativo e nos faz sermos pessoas talvez não completas, mas inteiras, não são os roteiros bem estruturados, os encontros de cinema, as paisagens de cartão postal, ou a elevada posição profissional.
O que realmente faz sentido na nossa vida são os encontros repentinos, os olhares ternos no acaso, o amor que transborda mesmo despreparado, as interrupções no nosso centrado caminhar.
Somos grandes pessoas não porque no nosso currículo de vida colecionamos lugares fascinantes, amores de perder o fôlego e muitos títulos. Somos pessoas grandes porque criamos grandes histórias com o que temos de ‘pequeno’.
E a vida que não tem mesmo chance de ser passada a limpo, é o grande teatro do improviso. E um bom improviso só requer olhos atentos e criativos.
Então, espero para mim e para você, que a vida não seja apenas feita de conquistas épicas, mas que cada passo do nosso caminhar seja doce em si mesmo.
..E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
(Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Na Ordem Templária De Portugal)
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Fernando Pessoa
Cupido e Psique, escultura de Antonio Canova. Museu do Louvre, Paris
Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934. Acerca da epígrafe que encabeça este poema diz o próprio autor a uma interrogação levantada pelo crítico A. Casais Monteiro, em carta a este último:
A citação, epígrafe ao meu poema “Eros e Psique”, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente – o que é fato – que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho [In VO/II.]
São tantas as vezes que, diante da pessoa amada, os sentimentos transbordam, a alma se faz plena de sonho, encantamento, desejo e ternura, mas as palavras nos faltam para dizer desse amor em sua real dimensão.
Para isso nos vieram os poetas. Para dizer aquilo que em nós é infinito…
Neste Dia dos Namorados, selecionamos sete inesquecíveis poemas de amor. Confira.
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Vinícius de Moraes
***
Sonetos que não são
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra. Hilda Hilst
***
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda… Mario Quintana
***
O Amor, Meu Amor
Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.
Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.
E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.
E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.
Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.
E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar. Mia Couto
***
Arte de Amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não. Manuel Bandeira
***
Ao Amor Antigo
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor. Carlos Drummond de Andrade
***
O Amor
O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P’ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar… Fernando Pessoa
“Qué es el amor sino la aceptación del otro, sin importar quién sea”.
Anaïs Nin
Steve McCurry é um dos fotógrafos mais importantes do fotojornalismo moderno, suas fotografias nos permitem entrar na intimidade de várias vidas, abordando um ser humano que vive, respira e sangra. Através de seus retratos muito famosos, McCurry também consegue captar o contexto em que as pessoas estão inseridas, suas condições de vida, aspectos sociais e políticos.
Do Brasil ao Camboja, da Itália a Índia, durante suas viagens pelo mundo, Steve McCurry fotografou ‘casais’ em diferentes contextos em que se deixavam ser levados pelo amor. Fotos casuais em bancos de parques, ou mesmo o amor de uma mãe para com sua única filha. Em todos os países, em todas as regiões e em todas as culturas, ele conseguiu encontrar a constante eterna do ser humano: o amor.
Todas as fotografias são propriedade de McCurry.
Shalimar Gardens, Srinagar, Kashmir, 1999. Um casal relaxa sob a árvore chinesa . A árvore chinesa é uma parte integrante da cultura da Caxemira . A árvore atinge sua maior exuberância durante o outono. Apesar de sua majestosidade poder ser visto durante todo o ano .
Yemen, November, 1997Jovem casal posa orgulhosamente para fotografia no “Horse Festival”, Tagong, Kham, Tibet, 1999.Lourdes, FrançaUganda, 2001.Bamiyan, AfganistánZagreb, Croatia, 1989, YUGOSLAVIADublin, IrlandaRetouched by Ekaterina SavtsovaTHAILANDHagia Sophia, Estambul, TurquíaGermany, December, 1990.Marido e mulher retornam para casa após trabalhar nos campos de milho, Gostivar, Macedonia, 1989, YUGOSLAVIA.FijiFlertando, Germany, 1989Venice, Italy, 03/2011Jovem casal em um banco, China, 1989.Rambagh Palace Hotel, Jaipur, India, 2005Angkor Wat, CamboyaVietnam, 2008Havana, CubaDublin, Irlanda, 05/1991Nouakchott, Mauritania, 1986, MAURITANIALjubljana, EsloveniaKalemegdan park, Belgrade, Serbia, 1989, YUGOSLAVIAMadrid 10/1995, EspanhaHong KongRío de Janeiro, BrasilEstados UnidosSana’a, Yemen
Amigos leitores, queridas leitoras, não há companhia melhor que um bom filme, para um casal de namorados. Selecionei cinco dicas pra esse dia especial, obras de variadas épocas e que fogem daquele padrão óbvio das comédias românticas água com açúcar, roteiros que respeitam a inteligência e a maturidade emocional do público.
Noites Brancas (Le Notti Bianche – 1957)
Adaptado da obra de Dostoiévski, Marcello Mastroianni vive a figura do sonhador sem nome, solitário e tímido, que ao encontrar uma jovem chorando no parapeito do cais, aproxima-se e irreversivelmente lhe nutre ternura. Para ela, ele conta sua história, plena em ilusão, sua fuga da realidade, e sonhos. Durante quatro noites, os dois se encontrariam para conversar e preencher lacunas, mascarar carências com gargalhadas nervosas, consolarem-se mutuamente por suas tragédias pessoais: ela, por amar alguém do passado, e ele, por querer amá-la no futuro. O diretor Luchino Visconti suavizou tremendamente as nuances psicológicas do personagem masculino, negando o longo monólogo em que conta sua história. O que durava várias páginas foi adaptado para uma hilária cena em que Mastroianni e Maria dançam ao som do infante Rock and Roll. Outro momento que recordo com emoção é a frase, tirada do livro, com que Mastroianni define seu personagem: “Obrigado pelo momento de felicidade que me proporcionou”. Difícil conter as lágrimas também com a bela analogia feita entre o sonhador e o velho cão de rua: ambos dispostos a dar atenção e carinho a todos os estranhos com quem cruzam nas ruas, porém destinados a terminarem solitários, como que esperando um dono (a) que nunca os socorre.
As Coisas da Vida (Les Choses de La Vie – 1970)
Pierre (Michel Piccoli), um bem-sucedido engenheiro, sofre um acidente de carro e, ferido mortalmente, relembra seu passado e as pequenas coisas que fazem a alegria da vida. A estrutura que move a trama, flashback dentro de flashback, trabalha em favor da narrativa, potencializando o impacto sensorial sem parecer existir apenas como um pedante exibicionismo. As lembranças do protagonista moribundo, que passeiam desde a ternura pela ex-mulher e seu filho até os idílicos encontros com uma nova namorada mais jovem, estão integradas à sua passividade física no tempo real, tendo sua duração sincronizada ao período de sua inconsciência. O diretor Claude Sautet nos leva a interpretar as motivações dos personagens no ato de observar eles em silêncio, estando mais interessado em registrar, por exemplo, um sorriso casual, do que o gracejo que o causou. Adentramos na privacidade daqueles estranhos imperturbáveis à ação do tempo, naqueles breves momentos que, em outros filmes, a câmera já teria se desviado ou teria sido desligada. A linda trilha sonora de Philippe Sarde emoldura os momentos de melancolia do protagonista, como na cena em que experimenta o amargor do arrependimento durante uma viagem noturna de carro. Pierre ainda não se acostumou com a ausência de sua ex-mulher, sentindo saudade daquela convivência em sua zona de conforto, então escreve impulsivamente uma fria carta de rompimento para a apaixonada jovem namorada, mas se arrepende tarde demais. O acidente o imobiliza, incapacitando-o de exteriorizar suas emoções, impedindo-o de fazer o que desejou mais que tudo em sua vida: o simples rasgar de um pedaço de papel.
O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (El Mismo Amor, La Misma Lluvia – 1999)
Uma obra-prima de sensibilidade e paixão. Além de ser um ótimo ponto de partida para se interessar a conhecer melhor o cinema argentino. Depois desse projeto, o diretor Juan José Campanella iria se tornar mundialmente reconhecido por “O Filho da Noiva” e, especialmente, “O Segredo dos seus Olhos”. Jorge Pellegrini, vivido pelo competente Ricardo Darín, é uma jovem promessa da literatura argentina, mas acaba desperdiçando seu talento escrevendo contos simplórios para uma revista. Em uma noite chuvosa ele conhece Laura, a bela Soledad Villamil, uma garçonete que está à espera do namorado, do qual não tem notícias desde que ele partiu para o Uruguai alguns meses antes. Jorge e Laura ficam muito unidos e a moça, ciente do grande talento do rapaz, tenta convencê-lo a singrar sem medo os bravios mares da literatura. O romance soa natural e nos cativa desde o primeiro momento. A crítica política existe, porém como uma moldura, nunca como a pintura. Em nenhum momento se mostra apelativo ou simplista, todos os elementos se unem com perfeita simetria.
Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz – 1971)
“Eu penso tanto em você, que até me esqueço de ir ao banheiro”.
A simplicidade dessa frase, uma síntese perfeita do romantismo naturalista do personagem vivido por Seymour Cassel: Seymour Moskowitz, um homem inculto que se mostra incapaz de se comunicar com o sexo oposto. Ele, longe de ser um galã, com seu jeito desajeitado e descortês, o representante do mundo real que existe por trás das ilusões criadas pelo mundo do cinema, a enganação de que existe amor verdadeiro, algo alimentado desde as primeiras sessões, ainda na infância, como citado pela personagem vivida por Gena Rowlands: Minnie Moore. Uma mulher culta e bela, que foge do contato visual, sempre se escondendo atrás das lentes escuras de seus óculos de sol, buscando encontrar alguém como o Rick Blaine de “Casablanca”, um de seus filmes favoritos. Ele, por outro lado, prefere se identificar com o Sam Spade de “O Falcão Maltês”. A adoração por Humphrey Bogart parece ser o único elemento em comum entre os dois.
A direção de John Cassavetes explora, em várias cenas, com seu senso de humor peculiar, a falha na comunicação, evidenciada nas atitudes violentas de seu personagem, um amante emocionalmente desequilibrado. A sua maneira libertária de conduzir seus colegas atores, possibilitando que eles exercitem o improviso, aliado ao fato de colocar seus familiares nos projetos, acaba se traduzindo, em todos os seus filmes, em um clima de vivaz camaradagem. A opção deles por uma rotina convencional de encontros românticos: sorveteria, dançar, passeios noturnos e conversas existenciais, por mais que tentem com genuína boa vontade, acabam sempre em desastre. Eles descobrem que o ato de se apaixonar nasce exatamente nos constrangedores silêncios que antecedem qualquer tentativa de consumar uma atitude clichê, o sorriso espontâneo que brota após uma canção, numa tentativa desafinada de sedução.
Mesmo se Nada der Certo (Begin Again – 2013)
O roteirista e diretor irlandês John Carney repete aqui a fórmula de seu sucesso “Apenas Uma Vez”, mostrando o relacionamento amoroso por um viés de sutil doçura, contrastando com o excesso de beijos sôfregos dos romances da linha de produção americana. Nessa proposta, o ápice de uma cena romântica pode ser uma troca de olhares ou um toque das mãos, o foco está no sentimento que motiva a ação. Essa escolha pode incomodar aqueles que aguardam ansiosamente pelos clichês do gênero, defendidos normalmente por protagonistas de motivações fúteis e sem nenhuma complexidade psicológica. Todos os personagens são apresentados como seres pensantes, até anarquistas, na espiral descendente de suas vidas, mas, abraçando a contramão dos arcos narrativos redentores, que invariavelmente culminam em pouco críveis finais felizes, o roteiro se desenvolve na satisfação deles pela aceitação desses obstáculos como necessários no desenvolvimento de suas personalidades, naquele elemento que os diferencia numa sociedade formada, cada vez mais, por seres emocionalmente padronizados. Onde todos buscam a felicidade numa projeção utópica, eles aprendem que os reveses são também parte importante da vida.
Gretta (Keira Knightley) e Dan (Mark Ruffalo) estão encarando uma profunda decepção profissional, com seus nobres ideais de carreira artística dando lugar à autocomiseração. Ele, um produtor musical falido, ela, uma compositora que perdeu toda a confiança em seu talento, após ser abandonada pelo namorado. O encontro dessas duas almas desesperançadas ocasiona, com o auxílio da bela trilha sonora, uma redenção poética. É sempre prazeroso encontrar obras no gênero que recusem o conformismo sensorial, entregando relacionamentos críveis e verdadeiramente humanos. Costumo dizer que vejo mais robôs nos romances hollywoodianos do que nos filmes dos Transformers. A química entre o casal é cativante, as canções são de singela beleza, mas destaco a mensagem subliminar na cena que registra a declaração de resistência artística dos jovens, gravando seu disco nas ruas de Nova York, com aquela doce voz enfrentando a balbúrdia grosseira que a oprimia outrora.
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.