O que andar de bicicleta tem a ver com o sentido da vida

O que andar de bicicleta tem a ver com o sentido da vida

Por Gabriela Gasparin

Eu me lembro até hoje da sensação que tive quando aprendi a andar de bicicleta, com uns cinco anos, na rua detrás da minha casa: era como se eu tivesse acabado de aprender a voar. De repente, eu não precisava mais das duas “rodinhas” para me equilibrar. Sentia-me leve em cima das duas rodas, que desciam ladeira abaixo fazendo o vento bater com tudo na minha cara. Voar deve ser exatamente assim: sentir-se livre, leve, e sentindo o vento bater no rosto!

Desde então, passei a infância e adolescência andando pra lá e pra cá de bicicleta no meu bairro. As ruas eram largas e com pouco movimento de carros, o que tornava a prática comum e acessível naquela época. Andar de bicicleta era a coisa mais natural do meu a dia a dia. Eu sempre me sentia livre, leve, e com o vento batendo na cara.

O tempo passou. Eu cresci. A bicicleta foi encostada no quintal da minha antiga casa e nem sei mais que fim levou. Provavelmente meus pais a doaram para alguma entidade. E eu nunca mais experimentei aquela gostosa sensação de pedalar sobre duas rodas.

Aliás, o que eu fiz foi comprar um carro. E assim a minha rotina, aos poucos, mudou. Fui me acostumando a andar pra lá e pra cá dentro do automóvel. Os vidros fechados e com o filme escuro, para o ladrão não me ver nem me roubar. E o pior: nada de vento na cara. O trânsito parado e a dificuldade de locomoção: nada de liberdade. Corpo parado e sem movimento: nada de leveza.

E foi assim que, sem perceber, eu tinha deixado de fazer uma das coisas mais gostosas que existem na vida. Afinal, não temos asas, mas desde criança sabemos exatamente aquilo que nos faz voar. São as coisas mais simples e naturais do dia a dia.

Há quase um ano, desde que eu vendi meu carro, eu sentia uma necessidade enorme de comprar uma bicicleta. Eu não tinha a menor consciência do que motivava esse meu desejo, mas eu sabia que ter uma bike iria ajudar na minha locomoção pelo bairro.

Somente há pouco mais de um mês eu consegui concretizar meu desejo. Comprei a dita cuja parcelada em 12 vezes e me arrisquei a andar pelas ruas da cidade de São Paulo.

No começo, senti um enorme medo dos carros e cheguei a pensar que a usaria muito pouco. Ledo engano. Aos poucos, a sensação de liberdade, de leveza, e o vento batendo na cara voltaram e eu logo percebi: reaprendi a voar!

Comecei a andar pelas ciclovias da cidade. E fiquei surpresa com a facilidade que temos de conversar com as pessoas da bicicleta ao lado – não é raro eu fazer “colegas” de trajetos na ciclovia, conversar com os motoqueiros e cumprimentar os guardas de trânsito. Quando fazemos isso dentro do carro? Nunca. No máximo xingamos o motorista logo da frente, de forma muito impessoal, sem sequer saber o rosto de quem dirige.

No último domingo, eu era uma das inúmeras pessoas que foram à Avenida Paulista comemorar a inauguração da ciclovia na principal via da cidade de São Paulo. Só quem foi pôde perceber o sorriso no rosto de todos que lá estavam. Os “Ual” de quem chegava e sentia o que estava acontecendo. Era a sensação de liberdade dos paulistanos que, assim como eu, estão reaprendendo a voar.

Quem acompanha os relatos que colho sobre o sentido da vida pode ter notado que este texto é um pouco diferente dos demais. Não é o depoimento de ninguém sobre o que dá sentido à vida. É meu relato sobre como andar de bicicleta nos faz sentir a vida. É o meu manifesto por mais ciclovias na cidade de São Paulo. E que o tapete vermelho da liberdade cubra essa cidade cinza, porque todos os paulistanos precisam – e merecem – (re) aprender a voar!

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“No caminho, com Maiakóvsky”, um poema assustadoramente atual

“No caminho, com Maiakóvsky”, um poema assustadoramente atual

No caminho, com Maiakóvsky

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Eduardo Alves da Costa

Já não podemos mais voar sem freios

Já não podemos mais voar sem freios

Por Clara Baccarin

Estamos nos tornando seres sem sonhos.

Por termos que lidar com acontecimentos amargos e imprevistos na nossa vida, por termos que engolir nossos erros e derrotas e esconder nossas fraquezas. Por termos que passar por lutos de pessoas ainda vivas e continuar encontrando os fantasmas sem poder no entanto toca-los.

Por termos aprendido que ter é muito mais importante do que querer, que possuir nos faz mais ricos do que apenas almejar, que concretizar ideias e vontades é mais valioso do que o simples imaginar.

Por já não podermos, como era na infância, gargalhar descomedidamente por conta de uma simples brincadeira, e chorar desconsoladamente por uma viagem interrompida. Por não podermos nos aceitar fracos, infantis, ingênuos…

Pelo mundo exigir da gente mais sensatez do que paixão.

Em algum momento, desenvolvemos a capacidade de controlar nossos sonhos antes que eles nos devorem ou deformem.

Em algum momento, desaprendemos a sonhar como verbo intransitivo. A sonhar como fim em sim mesmo.

Desaprendemos o ato de contemplar e começamos a fabricar metas, a visualizar alvos, a traçar passos realistas.

Em algum momento, aprendemos a gerenciar nossas emoções da mesma forma que gerenciamos nossos compromissos profissionais. Agrupamos nossos sonhos na ala das metas a serem cumpridas, catalogamos os nossos sentimentos, acompanhamos atentamente nossas variações internas a fim de podar aquelas sensações que podem nos fazer parecer meio loucos, meio bobos, meio infantis.

Aprendemos a vetar os comportamentos inaceitáveis. Aprendemos a não nos permitir seguir impulsos, a não aceitar certas atitudes nas outras pessoas, e quando nos deparamos com essas atitudes, sem pensar e sem dó, jogamos no nosso lixo virtual e taxamos como spam.

Afinal não podemos perder tempo com coisas incertas, erradas e que não trazem bons frutos imediatamente. Não podemos sujar nossos limpos e lineares caminhos com sentimentos confusos, pessoas inconstantes, acontecimentos avassaladores.

Não temos tempo para o sofrimento! Sim porque, sonhar sem realizar é puro sofrimento.

Por não aceitarmos que sonhos às vezes não se cumprem. Que promessas de momentos às vezes servem apenas para adoçar as lembranças. Que paixões vivem além da presença do outro.

Aprendemos a criar o nosso próprio ‘manual do não sofrimento’.

E assim nos protegemos, e assim não precisamos passar pelas mesmas dores duas vezes. Pois, seguindo esse manual, já sabemos, antes mesmo de olhar mais atentamente nos olhos do outro, onde não devemos pisar. Pela comparação, já reconhecemos de cara o que pertence à lista das coisas inaceitáveis.

Aprendemos a assassinar a paixão. Aprendemos a culpar o outro por não se enquadrar nas nossas listas insanas. Aprendemos a culpar o tempo, a exigir muito de nós mesmo. Nos tornamos seres de mentes cheias, e corações calados.

Aprendemos a organizar o que era de natureza caótica.

E assim nos poupamos. E assim ganhamos tempo nessa nossa vida tão curta. E assim nos tornamos cirurgiões plásticos de nossos sentimentos. E assim, ao lapidarmos os nossos próprios excessos e os descompassos, muitas vezes jogamos no lixo a habilidade de sonhar acima de tudo e apesar de tudo.

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10 maneiras de dormir melhor, segundo as Leis da Natureza

10 maneiras de dormir melhor, segundo as Leis da Natureza

Por Terezinha Gnoatto

Quantas coisas flutuam a nossa volta e passam despercebidas simplesmente porque não podemos ver, tocar ou sentir. No entanto, sendo visíveis ou invisíveis, integram o universo regido pelas inexoráveis, inflexíveis e implacáveis leis naturais.  

Por isso, conhecer um pouco sobre as leis da natureza pode levar você a evitar inúmeros distúrbios e problemas, o que é muito vantajoso.

A Física explica que o universo está estruturado em camadas e que tudo está interligado com tudo o mais, organizado e sincronizado na mais perfeita ordem.

E que cada elemento existente, seja orgânico ou inorgânico, é sustentado por dois campos fundamentais – o campo de força e o campo da matéria.

No campo de força temos, por exemplo, o eletromagnetismo (ex: ondas do celular), a gravidade e as forças nucleares.

No campo da matéria temos elementos orgânicos (uma folha qualquer, um grilo e o próprio ser humano) e inorgânicos (como sal, cobre, ouro).

E o que sustenta estes dois campos? Você tem alguma ideia?

É justamente a inteligência da natureza que subjaz a tudo no universo.

Olhe a sua volta e perceba quanta coisa se move, com vida e função própria.

Sinta o movimento e frescor do vento. É incontestável que há uma ordem inerente a cada fenômeno natural, o que indica que há uma inteligência atuante em tudo. O crescimento de uma planta, o movimento dos planetas, em cada estrutura e em cada atividade há inteligência.

E a inteligência humana está atrelada a essa inteligência total que tudo comanda.

Há inúmeros estudos que justificam os níveis de inteligência em cada coisa e estes atrelados a uma inteligência maior, absoluta, eterna, imutável, soberana e onipotente. No caso dos seres humanos, o seu poder interno, o potencial mental.

Se você facilitar para que esta ordem permeie sua vida, vários obstáculos ou distúrbios, entre eles o do sono, passam a não existir, espontaneamente.

Qualquer situação tem uma causa que produz um efeito. E nesse processo de causa/efeito/causa, a vida se movimenta e progride ordenadamente se você estiver em sintonia com as leis naturais.

Para tanto, você deve tomar alguns pequenos cuidados com as bases (causas) de suas ações diárias.

Basta você observar um pouco melhor as coisas do seu cotidiano e tomar algumas medidas simples.

Não infringir as leis naturais equilibra a vida e o sono – Fazer o mínimo e obter o máximo. Assim funcionam as leis naturais. A natureza é econômica e exige que cada um de nós realize mais, usando menos energia e recursos.

Aqui vão algumas indicações para cumprir as leis da natureza que são normas que regem todo o universo e os fenômenos naturais.

1.  Faça aquilo que lhe cabe

É aquilo que é natural que se faça, aquilo para o qual se nasceu.

Isso quer dizer que envolve todas as boas ações que uma pessoa desempenha para viver bem e evoluir.  A certeza de que tais ações estão de acordo com as leis naturais, está em desempenhá-las sem sentir tensão.

Se assim for, há harmonia entre o agente e o seu trabalho.

O critério para estar em sintonia com as leis naturais é adotar métodos que suavizem o fluxo da vida. O mais importante é sossegar a mente, que mantêm a sobrevivência do corpo em equilíbrio.

Portanto, é prudente que se abra a mente para aprender critérios que mantenham em ordem o aspecto mental, físico, emocional e espiritual, preferencialmente numa única investida.

Silencie e medite sobre o quadro de sua vida hoje e parta para um novo conceito.

2.  Evite forçar a barra sobre as necessidades da vida.

Você já se deu conta que muitos dos seus desejos não são exatamente seus?

As pessoas são induzidas a adquirir coisas com a promessa de felicidade, sucesso, prestígio e tantas outras benesses.

Você adquire e a dita felicidade não chega como prometido.

O que chega é a conta para pagar e mais responsabilidades e tensões.

Perde-se aí um tempo precioso de tranquilidade e bem viver.

Portanto, pense bem se a necessidade que você acredita ser sua é sua mesmo, ou é de quem não se importa nadinha com você. Se a realização dos interesses dos outros não prejudicam os seus interesses.

Vale a pena avaliar para que você reduza suas tensões e então possa cumprir apenas com aquilo que lhe cabe, mais do que suficiente para ser muito feliz e dormir bem.

3.  Seguir as ondas da natureza

“Somos feitos para seguir as ondas da natureza e não para lutar contra elas”.

Tudo na natureza tem um ritmo cadenciado, ordenado e relacionado com tudo o mais, como diz a Física.

Os estudos científicos mostram que nas medições de tempo e espaço, há um ritmo básico do corpo que se repete a cada 24 horas. É chamado de ritmo circadiano – cerca de um dia (em latim).

Inúmeras coisas e movimentos acontecem repetidamente com todos os elementos existentes na natureza.

A Terra gira em seu próprio eixo em 24 horas e temos o dia e a noite.

E no giro dela em torno do Sol, que dura 365 dias, temos as quatro estações, que propiciam o cultivo de alimentos adequados ao bem estar do corpo nos 4 períodos.

Agora eu pergunto: que argumento você teria para fazer diferente?

Não há argumento plausível. São as forças da natureza que estão no comando.

Cabe a nós apenas segui-las, mesmo porque não há qualquer razão para não fazê-lo. Só há ganhos e sucessos.

Dessa forma, é prudente observar os sinais do próprio corpo.

Agir durante o dia e dormir o suficiente à noite.

Apenas isso já alinha você aos ritmos naturais, espontaneamente.

4. Siga os horários ideais de dormir

Para fluir de acordo com as leis naturais é preciso que se respeite a necessidade fisiológica do corpo de reparação com o repouso adequado e suficiente.

E isto está diretamente ligado a rotação do planeta Terra.

Conforme o movimento vai ocorrendo, o corpo vai sendo influenciado a suprir as necessidades de cada horário para manter o equilíbrio.

Por ora, nas 24 horas do dia, atente-se a dois períodos básicos: Divida o dia em duas partes – uma das 6:00 às 18:00 e outra das 18:00 às 6:00.

Agora, foque-se nesse último período. Seguindo o ritmo da natureza, a partir das 18:00, o corpo começa a se aquietar, até atingir um estado calmo para dormir, ou seja, menos agitação mental e física.

Para tanto, reavalie se você está fazendo atividades que te agitem demais a partir do entardecer.  Se o corpo não conquista a calma suficiente para descansar e eliminar as tensões do dia, você passará a acordar com cansaço, frequentemente.

5. Não apoiar ações incorretas

Reveja seus conceitos. Pode ser um a um, quando surgir um questionamento qualquer. Agora, para que seus conceitos sejam renovados e melhorados o que se deve ter em mente é: “Realize seus interesses sem prejudicar os interesses dos outros”.  Isto é verdadeiramente poderoso.

A desordem não favorece ninguém, nem aos mais abonados.

Diante disso lembre-se de uma coisa. Não duvide nunca disso: “Nada que for contra a evolução das pessoas dura muito”.  Você duvida que um dia a casa caia? Eu não!

Então como fazer: Cumpra, à risca, as leis tributárias, de trânsito, as normas do condomínio, enfim, cumpra o que diz o código civil. Já está de ótimo tamanho. Agindo assim já estará, de alguma maneira, cumprindo as leis naturais, porque as leis dos homens foram feitas para regular o comportamento humano para estabelecer a melhor convivência possível, o que cria paz coletiva!

6. Cuidar da alimentação melhora o sono

Aquilo que ingerimos também afeta o sono.

A dica aqui é: Cuide para consumir alimentos sadios. Comece a se interessar com a procedência dos alimentos que você leva à mesa de sua família. Você vai se deparar com toda a cadeia de produção e então terá como analisar se àquilo é saudável ou não. Não deixe que os outros cuidem de sua saúde. Tome isso para você. Logo verá que sai mais barato e te consome bem menos tempo.

Outra orientação básica: Para adormecer, o metabolismo do corpo precisa ser reduzido. Ao ingerir alimentos, a taxa metabólica se eleva, justamente para que o corpo extraia a energia da comida. Desse modo, procure fazer sua refeição da noite de 2 a 3 horas antes de deitar, cuidando para que o deitar não ultrapasse muito além das 22:30. Além disso, cuide para ingerir alimentos de fácil digestão. Senão vai ter briga, ou seja, a taxa metabólica querendo se reduzir porque a noite chegou e o corpo tendo que processar um alimento pesado, por horas. Concorda que há um impasse?  Isso é sobrecarga de experiência. O corpo se cansa demais e o sono fica ruim.

7. Atente-se para a responsabilidade socioeconômica e ambiental do consumidor

Todas as pessoas consomem coisas, diariamente. Porém, nesse exato momento de grandes problemas globais, que vão desde a saúde da população até a preservação dos ecossistemas, assim como a natureza os fez, é inconcebível que não tomemos consciência que estamos todos no mesmo barco.

A Terra não aguenta mais o desperdício. A água está sumindo e isso repercute direta e indiretamente em vários aspectos e níveis da vida humana.

Então toda vez que você for adquirir qualquer coisa, pense bem. Você realmente precisa daquilo? Você já tem roupas, por exemplo. Faça uma análise de quanto tempo você poderia ficar sem comprar uma peça sequer.

O mundo precisa ser mais econômico, assim como a natureza é.

8. Desperdício dos recursos naturais

Reflita aqui se aquilo que você adquire você realmente precisa.

Quando você adquire somente o que precisa, você ganha tempo e economiza dinheiro para usufruir de outros valores da vida, além de ganhar mais tranquilidade.

Quando você adquire o que os outros dizem que você precisa, certamente você estará apoiando ações incorretas que, certamente, promovem o desperdício de recursos naturais.

Evite compactuar com isso..

Os recursos naturais são finitos..

A humanidade demorou demais para se convencer disso. Agora resta-nos economizar ao máximo para dar tempo da natureza se refazer. E aprender, definitivamente, que sabendo usar não vai faltar.

9. Seguir o Sol

Isso você não deve esquecer, nunca. O astro maior da nossa Galáxia, foi considerado divindade por todas as civilizações antigas, em todos os tempos, por sua extrema importância como principal regulador da vida humana. Seguir seu aparente movimento diurno favorece que as ações sejam de acordo com as interligadas leis naturais. O poente indica que é o tempo do repouso e o sono vem poucas horas depois, naturalmente.

Deixar-se guiar pelo movimento ele te despertará antes da aurora e assim você vai acordar bem disposto, com pique, de bom humor e cheio de entusiasmo e com a mente aliviada. Esse é o resultado de fluir de acordo com as ondas da natureza.

Você merece! Ajuste-se e viverá muito melhor.

10. Invista em sua felicidade, pois só você poderá chegar a ela.

Aqui uma orientação ouvida na igreja: “Seja uma pessoa boa que serás feliz e alcançarás o reino de Deus”. Para ser feliz é preciso ser uma pessoa boa, eu repetia mentalmente. Mas qual era a medida? Ah! Como isso me torturou. Até eu descobrir um grande equivoco de entendimento, ou seja, que o efeito foi confundido com a causa.

Na verdade a indicação correta é : Seja feliz e então serás uma pessoa boa. Agora sim faz sentido.  É bem mais fácil ser feliz e então, espontaneamente, cada um será uma pessoa boa.

Para ter felicidade, que é o propósito da criação, basta não arrumar para a própria cabeça.

Ajuste-se, nem que seja aos poucos, para fluir conforme as leis naturais para que tudo se organize facilmente e você só tenha vantagens.

Assim, você não precisará apostar na sorte. A ordem, na sua vida, se estabelece para valer e, como dizem por aí: “E vamos para o abraço”.

Terezinha Gnoatto

Saiba mais em: www.escoladosono.com.br

Vida em primeira pessoa

Vida em primeira pessoa

Por Patrícia Dantas

”Dá vontade mesmo!” – escutei tal frase tão enérgica e decidida que me ocorreu o pavor de topar com a minha prova maior de todos os dias: o esvaziamento de mim, recomeçar me criando, estilhaçar o ser velho e amorfo, fundir-me com o novo. Esse novo que despista os erros e enche nossos mundos interiores de boas promessas; não saber o que fazer da despretensiosa ideia de se esvaziar, colocar o eu à prova de balas de todos os calibres, o que é antes de tudo uma evasão de si sem consultas prévias.

Passei o restinho de dia que ainda havia trancada com tal frase pendurada nas mãos, sem bem saber o que fazer com uma confissão que não tinha sido endereçada a mim, era apenas uma declaração em uma hora propícia de uma amiga para a outra – que talvez fizesse pouco caso ou nem soubesse como seria difícil uma pessoa se esvaziar, como se desfazer de algo precioso que se guarda a vida inteira.

A verdade é que nos guardamos também uma vida toda, sem saber nunca o que fazer ou o medir acertadamente o nível do medo que precisamos domar para saltar do trampolim humano. Voamos sobre nossos pés, e não enxergamos nossas asas por medo de ver nossas criações fantasmagóricas de tão autênticas que são.

É uma vontade que ultrapassa e arrepia até o último fio de cabelo que repousa inerte no corpo fatigado e angustiado pelo iminente descortinamento do ser. Uma novela de personagens e universos fatídicos. Vivos. Vivíssimos dentro e fora do corpo, com angústias e alucinações verdadeiras e imorríveis. Que nome esse, que ecoa fundo, tilintando na liberdade sem fim: imorrível!

O que parte do meu desejo – essa espécie de vontade que nem possui nome próprio – ou não saberia ou teria palavras para nomeá-la de tão impalpável que é. É algo que me ultrapassa e me lança aos ares despovoados de um abismo que me atira e me levanta num voo possante. A começar pela mente que habita a alma e faz morada há tempos; depois, a leves passos, debandar o que existe em casa sem nenhum sentido.

É como se despir uma pessoa por inteira, assim também há a necessidade do desprendimento. O suspiro. O último ar disponível. Despertencer. Voar livre. De braços bem abertos para abraçar a polpa do mundo.

Onde buscar tanta graça? A graça da coisa como nos abriu os olhos a escritora Martha Medeiros. Tudo parece ter graça e sentido ao mesmo tempo, ao passo que se está distante e, ao chegar mais perto, vai se esvaindo como uma chama em prantos, para ser mais exata, como um rio caudaloso desabando sobre a gente. Com tanta força e poder que não vale questionar. Então, cadê a graça mais bendita de todas? Àquela que estremecemos a face, só de pensar? Talvez no tempo incontável e eterno haja o resíduo de toda a graça libertadora com ares de ser vivo, de realidades e abstrações sutis.

É nessa riqueza de detalhes – sem meias-palavras – a que somos submetidos que se consolam nossos dias, que almejam ser bem melhores e mais graciosos que o bendito cotidiano que vemos muitas vezes como um ato libertador.

E do total desprendimento que me cerca, do nome revelador que me ocorre e se mostra com tal facilidade e empatia é que sou quem sou; vou me tornando uma quase desconhecida audaciosa que busca conhecer cada vez mais a outra que mora bem ao lado. É minha metamorfose em ciclos.

Até agora, ainda não descobri um lugar adequado para guardar minhas vontades e descobertas sobre essa nova veste feminina e largada no mundo -fruto dessa transformação diária – sem destino e pretensões de se descobrir por completo numa só vida.

Muitas delas ainda virão – muitas de mim, melhor dizer! Não há tanta pressa frente ao tumulto desse despertar, porque há muito mais o sabor de se pertencer aos poucos e nem sempre saber sobre a total nudez que nos entrega.

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Cena do filme “A pele que habito”- Imagem meramente ilustrativa

Me tornei um templo para que a frágil vida de dentro fosse preservada

Me tornei um templo para que a frágil vida de dentro fosse preservada

Por Clara Baccarin

É que eu seguia quieta, pelos porões do mundo, sem tocar no sal da terra, quase como espectadora da vida, observando os viventes e suas montanhas russas, como quem vê a beleza e não mergulha. É que eu seguia camuflada, sentava na praça e meu olhar se perdia num ponto inexistente, sem piscar, desfocado, sem sentido, contemplando o nada. Respirava sem aparelhos, mas também sem esperanças. É que eu seguia em meditação triste, como criança faminta que entendeu sua condição – não espera a morte e nem a vida. É que eu estava perdida dentro de mim, e já não me importava em procurar saídas, eu parei, sentei, aceitei a perda como condição, fiquei nesse ponto, estática e detida. Nos mapas deste mundo eu já não encontrava céus. De olhos fechados eu sobrevivia. Me tornei um templo para que a frágil vida de dentro fosse preservada.

Só que apareceu você, desfocado na minha aérea de visão restrita. Apareceu inexistente, como um vulto na paisagem. Insistente piscou raios de luz nas minhas pupilas mortas. Tantos tantos. Abriu um mapa feito só de saídas e todas eram azuis. Você abriu um livro na padaria. E disse que o amor existia. Você falou que não tinha medo. E eu aprendi a também não ter e, de repente, quis querer a vida. Você disse que ia me ensinar a filosofia de voar de mãos dadas.

Mas hoje sozinha, eu não sei dizer quando foi que minhas mãos se perderam das suas. Você deve ter me deixado quando viu que eu já sabia voar com minhas próprias pernas. Ou então, sem perceber, eu me distanciei de você para poder ir mais alto ainda.

COMUM ou BONITA: Qual porta você escolheria?

COMUM ou BONITA: Qual porta você escolheria?

Por Marcela Alice Bianco

O que você faria se tivesse que escolher entrar por duas diferentes portas: uma com a palavra COMUM e outra com a palavra BONITA? Qual escolheria? Qual faria jus a sua percepção sobre si mesma?

Antes de continuarmos nossa reflexão vamos assistir como mulheres de diferentes partes do mundo reagiram a essa proposta:

Mesmo com um viés publicitário, o experimento não deixa de chamar nossa atenção para a questão da autoestima feminina. Toca num ponto importante nos dias de hoje: qual o nosso padrão de beleza e aceitação e, como isso influencia na maneira como nos enxergamos e nos permitimos ousar diante da vida?

A forma como nos avaliamos subjetivamente tem relação com a construção da nossa autoestima. Ela envolve um conjunto de atitudes do indivíduo sobre si mesmo, especialmente no que diz respeito a capacidade que cada pessoa tem de valorizar-se, amar-se, apreciar-se e aceitar-se. É um aspecto importante da personalidade, que influência na adaptação a sociedade, na qualidade de vida, nas escolhas diárias e no autocuidado.

Assim, para detectarmos como anda nossa autoestima podemos fazer perguntas como: Que imagem faço de mim mesma? O que posso esperar de mim e dos outros? O que mereço ser, ter e posso fazer?

Nas respostas para essas questões podem aparecer crenças que variam entre dois polos como:   “sou competente/ incompetente”; “consigo/ não consigo”; “vou agradar/ não vou agradar”; “o que eu faço é bom /bonito ou o que eu faço é ruim/ feio”; eu sou boa/bonita ou eu não sou boa/sou feia ou comum.

Dependendo da nossa avaliação pessoal e de nossas crenças, teremos diferentes ações diante da vida. Caso encontremos respostas positivas e encorajadoras tenderemos a agir com assertividade, segurança, confiança e iniciativa. Caso contrário, podemos nos apresentar temerosos e mais passivos diante da vida, agindo com cautela e por vezes, de maneira dependente ou resistente.

Pessoas com baixa autoestima possuem um distanciamento do próprio “self“, se preocupam em atender/agradar a expectativa dos outros, não se permitem errar, se auto desvalorizam, sofrem com sentimento de incapacidade, insegurança, impotência e pessimismo. Podem se mostrar mais tímidas ou até mesmo agir com irresponsabilidade diante da vida. Também podem ser imbuídas de um falso senso de superioridade ou vaidade excessiva para compensar e mascarar seus reais sentimentos sobre si.

Não podemos nos esquecer que a nossa autoestima é construída ao longo da vida. E isso começa na infância, geralmente associada às nossas primeiras figuras de cuidado e a sua aprovação diante dos nossos comportamentos. Assim, desde um vínculo de confiança e proteção, que responde prontamente às necessidades do bebê, até o elogios, críticas e tratamentos recebidos pela criança em função de suas atitudes, tudo funcionará como tijolos na edificação da autoestima, podendo ser construtivo ou destrutivo para si.

Com a entrada no mundo escolar e posteriormente, na adolescência, a opinião do círculo social, dos amigos, da mídia, da moda, etc. terão influência singular para a consolidação da autoestima do jovem. O bulling, a desaprovação de quem é ou o fato de não conseguir estar dentro dos padrões ditados pela cultura terão poder altamente destrutivo neste momento de florescimento da identidade e de transformação.

Todo esse conjunto de experiências do passado vão exercer influência significativa na autoestima do adulto. Em se tratando de padrão de beleza, isso influenciará no sentimento de estar bem consigo mesmo, de estar adequado ao mundo e também na possibilidade de se engajar em relacionamentos afetivos ou até de ser escolhido para uma vaga de emprego.

Especialmente no caso das mulheres, para nos sentirmos bonitas, lotamos academias, salões de belezas, adotamos dietas restritivas, gastamos excessivamente com roupas e sapatos. Tudo em busca do elixir da eterna juventude e da felicidade. Buscamos Afrodite por todos os cantos, nem que para isso precisemos nos flagelar e impor limites severos e que podem chegar a comprometer nossa saúde.

E será que se continuarmos buscando a deusa da beleza fora de nós um dia realmente a encontraremos? Talvez sim, mas até o próximo padrão de beleza se manifestar na sociedade!

Porque, se hoje se é bonita por ser magra e esbelta, em outros tempos o belo era ser roliça e curvilínea, símbolo de fertilidade. Porque já houve o tempo do cabelo enrolado, espetado, armado, curtinho, chanel e “liso chapinha”. E, portanto, se alcançarmos essa bonança, nos sentiremos bem até que novos ventos exijam outras adaptações e precisemos responder prontamente a solicitação que vem de fora de nós.

Portanto, para construir a autoestima precisamos começar a trabalhar de “dentro para fora” e não de “fora para dentro”. Compreender o que, na nossa formação de identidade, nos foi destrutivo ou construtivo para que nos sintamos “comuns” ou bonitas”. Construir nossos próprios padrões de beleza e aceitação. Reconciliarmo-nos com nosso corpo, com nossos traços, com nossa essência e com nossas capacidades.

Até mesmo Dumbo, o elefantinho com longas orelhas, descobriu seu talento quando mudou a forma de enxergar a si mesmo. É no olhar do Outro que nos reconhecemos, mas precisamos também escolher que “Outro” será esse! Escolheremos como nossos construtores de autoestima pessoas preparadas para nos cuidar, nos aceitar como somos e reconhecer nossos potenciais? Ou ficaremos com as referências doentias, inalcançáveis e destrutivas de quem não nos conhece ou nos ama verdadeiramente?

Penso que seja mais sensato ficar com as mulheres que, como a do vídeo, seguem juntas para a porta do BONITA e incentivam umas às outras a reconhecerem a si mesmas como belas e extraordinárias. Por que toda beleza é ímpar e cada pessoa é essencial!

Como diz Clarisa Pinkola Estés no livro Mulheres que correm com os lobos:

“Extrair grande prazer de um mundo repleto de muitas espécies de beleza é uma alegria na vida à qual todas as mulheres fazem jus. Defender apenas um tipo de beleza é de certo modo não observar a natureza. Não pode haver apenas um tipo de ave canora, apenas uma variedade de pinheiro, apenas uma qualidade de lobo. Não pode haver apenas um tipo de bebê, de homem ou de mulher. Não pode haver apenas um formato de seio, de cintura, um tipo de pele”.

No caso do vídeo vemos mulheres reagirem de maneiras diferentes. Poucas entraram de braços abertos e cabeça erguida reconhecendo a própria beleza e valor. Algumas não se permitiram a porta da BONITA, apesar de o serem. Mas, nos acalma a reflexão de que na próxima aceitarão sua beleza e se permitirão entrar pela porta que condiz com quem são.

Houve mulheres que precisaram de um estímulo, uma forcinha, um apoio e uma constatação. Nesta, chama a atenção a mãe, que apoia a filha e com isso resgata a necessidade da reafirmação do feminino nos tempos atuais.

E também existiram aquelas que passaram por uma verdadeira metamorfose quando se permitiram uma nova afirmação sobre si mesmas e mudaram sua decisão, desviando da porta COMUM em rumo não só a porta BONITA, mas ao reconhecimento, ao amor próprio e a aceitação de si mesmas.

E a porta BONITA estará aberta para você

A Alegria e a Tristeza em DivertidaMente

A Alegria e a Tristeza em DivertidaMente

Por Fabíola Simões

Na época em que eu fazia terapia, um dos grandes trunfos de minha terapeuta foi me ensinar a nomear os sentimentos. Ao contrário do que havia aprendido em minha criação católica, descobri que era possível _ e saudável _ sentir raiva, tristeza e medo. Esses sentimentos eram tão importantes e legítimos quanto à alegria, doçura e encantamento perante a vida.

Sábado percebi, ao lado do marido e do menino de nove anos que aos poucos deixa suas ilhas da infância para trás, que minha terapeuta tinha razão.

No cinema, assistindo à mais nova animação da Disney Pixar _ Divertida Mente _ recordamos o quanto crescer pode ser doloroso, ainda que seja uma jornada com final feliz.

A exemplo de Toy Story e Procurando Nemo, a história da menina Riley, de onze anos, que vê sua vida virar do avesso após a mudança de cidade, é uma história que encanta crianças_ por dar cor e forma aos sentimentos _ e adultos _ por tratar o tema de forma leve, sem lhe tirar a profundidade.

Na animação, dentro do cérebro de Riley convivem várias emoções diferentes: Alegria, Nojinho, Medo, Raiva e Tristeza. A líder do grupo é a Alegria, que se esforça bastante para que a vida de Riley seja sempre feliz. Porém, nem tudo está sob seu controle, e quando ela é expulsa da sala de controle juntamente com a Tristeza, a vida da menina muda radicalmente, enquanto percebemos o papel de cada sentimento no controle de nossas vidas.

Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção é a forma como o longa evita tornar a Tristeza uma vilã. Ao contrário, por mais que a Alegria se esforce para “levantar” a Tristeza, no final ela compreende sua importância, ou sua necessidade de existir junto às outras emoções.

E descobrimos que somos todos normais, até mesmo quando não conseguimos sorrir.

contioutra.com - A Alegria e a Tristeza em DivertidaMente

A alegria só existe por causa da tristeza. Os quintais abrigam histórias embaixo de goiabeiras que eventualmente viram seus frutos serem corroídos por bichinhos invasores a cada temporada; e os jardins são mais floridos por causa da chuva que caiu, varreu, partiu, floresceu. A menina amadurece quando não lhe cabem mais as saias da infância, e o menino desfaz seus barcos de papel quando descobre que a meninice ficou pequena demais para o tamanho de seus sonhos.

Sabemos da alegria porque um dia demos a mão à tristeza. Entendemos de satisfação depois de ter experimentado a frustração. Aprendemos a dar valor às coisas quando percebemos o buraco que a falta faz. Adquirimos coragem de abrir as janelas depois que algumas portas são fechadas; somos impelidos a reencontrar sentido na existência quando tudo em que acreditávamos muda de repente. Entramos em contato com o sagrado que há em nós quando percebemos que a vida carece de respostas e definições. Não saberíamos da luz se não tivéssemos experimentado a escuridão. Percebemos o amor após superar a dor, e valorizamos o encontro depois de tanto desencontro.

Não sou uma pessoa triste, mas a tristeza tem espaço dentro de mim. Não a acolho gratuitamente_ como faço com a alegria_ mas respeito sua necessidade de emergir de tempos em tempos. Faz parte do que sou e do meu equilíbrio, embora não possa me definir. Sinto-a como um tempo de reflexão, uma estação que me permite desaguar em prantos secos ou úmidos, brandos ou muito intensos, mornos ou bastante gelados.

DivertidaMente termina com o trunfo da Tristeza, que acaba mostrando à Alegria que muito do que aconteceu de bom na vida de Riley foi porque ela se permitiu vivenciar a dor.

E descobrimos que parte de nossa sensibilidade e delicadeza vem da capacidade de nos emocionar, ou de nos sentirmos tocados bem no fundo da alma. Somente com a alegria isso seria impossível.

Há um quê de nostalgia e dor em toda poesia. E embora guardadinha, é a tristeza que nos embeleza também, apaziguando nossa euforia, moldando nosso espírito, acrescentando uma ponta de doçura e esperança em cada lembrança.

Talvez ser feliz seja isso. Perceber que nem só de alegria é feita nossa alma. Permitir estar um pouco triste mesmo sendo muito feliz. Almejar serenidade mesmo quando a música se eleva e todas as luzes se acendem. Conciliar entusiasmo com fala mansa e passos suaves, na ponta dos pés.

Saber ser pingo de chuva quando o sol resseca a pele, e conseguir ser raio de sol quando a vida chuvisca na vidraça…

Três mini-contos de Franz Kafka

Três mini-contos de Franz Kafka

A PERGUNTA
Só a nossa noção de tempo nos faz pensar em Juízo Final, quando é de justiça sumária que se trata.
O suicida é como o prisioneiro que, vendo armar-se uma forca no pátio, imagina que é para ele – foge de sua cela, à noite, desce ao pátio e pendura-se ao baraço.
Os mártires não menosprezam o corpo, apenas fazem-no pregar à cruz: é no que estão de acordo com seus adversários.
As portas são inumeráveis, a saída é uma só, mas as possibilidades de saída são tão numerosas quanto as portas. Há um propósito e nenhum caminho: o que denominamos caminho não passa de vacilação.
Os leopardos invadem o Templo e esvaziam os vasos sagrados… O fato não cessa de reproduzir-se; até que se chega a prever o momento exato e isso entra a fazer parte do ritual.
Os bons vão a passo certo; os outros, ignorando-os inteiramente, dançam à volta deles a coreografia da hora que passa.
Outrora eu não podia compreender que minhas perguntas não obtivessem resposta; hoje em dia não compreendo que jamais tivesse admitido a hipótese de formular perguntas… Bem, eu não acreditava então em coisa alguma – só fazia perguntar.

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Franz Kafka, nascido no dia 03 de julho de 1883.

 O PIÃO
Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda irava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade, acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia antieconômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando. E sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança se transformava em certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria das crianças – que ele até então não havia escutado e agora de repente penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira.

A PONTE
Eu era rígido e frio, eu era uma ponte; estendido sobre um precipício eu estava. Aquém estavam as pontas dos pés, além, as mãos, encravadas; no lodo quebradiço mordi, firmando-me. As pontas da minha casaca ondeavam aos meus lados. No fundo rumorejava o gelado arroio das trutas. Nenhum turista se extraviava até estas alturas intransitáveis, a ponte não figurava ainda nos mapas. Assim jazia eu e esperava; devia esperar. Nenhuma ponte que tenha sido construída alguma vez, pode deixar de ser ponte sem destruir-me. Foi certa vez, para o entardecer – se foi o primeiro, se foi o milésimo, não o sei – meus pensamentos andavam sempre confusos, giravam, sempre em círculo. Para o entardecer, no verão, obscuramente murmurava o arroio, quando ouvi o passo de um homem. A mim, a mim. Estira-te, ponte, coloca-te em posição, viga órfã de balaústres, sustém aquele que te foi confiado. Nivela imperceptivelmente a incerteza de seu passo, mas se cambaleia, dá-te a conhecer e, como um deus da montanha, atira-o à terra firme. Veio, golpeou-me com a ponta férrea de seu bastão, depois ergueu com ela as pontas de minha casaca e arrumou-as sobre mim. Com a ponta andou entre meu cabelo emaranhado e a deixou longo tempo ali dentro, olhando provavelmente com olhos selvagens ao seu redor. Mas então – quando eu sonhava atrás dele sobre montanhas e vales – saltou, caindo com ambos os pés na metade de meu corpo. Estremeci-me em meio da dor selvagem, ignorante de tudo o mais. Quem era? Uma criança? Um sonho? Um assaltante de estrada? Um suicida? Um tentador? Um destruidor? E voltei-me para vê-lo. A ponta de volta! Não me voltara ainda, e já me precipitava, precipitava-me e já estava dilacerado e varado nos pontiagudos calhaus que sempre me tinham olhado tão aprazivelmente da água veloz.

Em um mundo de extremos, caminho do meio é estrada deserta.

Em um mundo de extremos, caminho do meio é estrada deserta.

Por Josie Conti

Às vezes, parece que, para sobrevivermos emocionalmente, a melhor opção é nos alienarmos, mesmo que sazonalmente,  de algumas realidades. Assistir TV quase sempre destrói as esperanças no ser humano, ler as manchetes dos principais jornais e revistas é alimentar e reforçar o sensacionalismo. Opinar é lançar-se à jaula dos leões.

Tudo o que soa dissonante é imediatamente rechaçado e as reações são tão díspares que fica difícil acreditar que elas são provenientes da mesma origem. Mas, existe explicação para isso: a leitura do mundo nunca acontece antes de que as informações passem pelo crivo histórico e emocional de seu leitor. A interpretação é quase sempre tendenciosa e contaminada de si mesmo e, em nossa falta de humildade, quem interpreta diferente é considerado ignorante, é aquele que não entendeu, aquele com capacidade inferior.

contioutra.com - Em um mundo de extremos, caminho do meio é estrada deserta.Quando, entretanto, não vemos a diferença como uma afronta pessoal, as situações ficam leves e até cômicas. Uma dinâmica que eu inventei inspirada em técnicas projetivas e que, por gostar dos resultados, sempre usava em grupos era assim: Uma imagem da Monalisa era projetada na parede e eu pedia para que as pessoas pensassem consigo mesmas “Quando você vê a Monalisa, você acha que ela tem cara de quê? Que tipo de sentimentos ela transmite?”.

A questão não era saber quem pintou o quadro, as curiosidades que o envolviam, se alguém já o tinha visto pessoalmente ou não. O enfoque era um olhar pessoal e emocional. Como devem ter percebido, a própria pergunta que era feita já era feita de maneira leve para deixar fluir o que quer que viesse em resposta. Não existia certo ou errado.

Muitas vezes, pela primeira vez, as pessoas olhavam para um dos quadros mais famosos do mundo e pensavam na mulher “Monalisa” e no que ela transmitia a cada um e, como era de se esperar, eu ouvia uma infinidade de respostas para o que ela representava a cada um. Assim, a atividade acabava sendo, além de um exercício de observação, reconhecimento e respeito à diferença do olhar do outro, um grande momento lúdico e de descontração.

Do ponto de vista pessoal, meu interesse pelas pessoas costuma ser inversamente proporcional aos títulos que exaltam, as grandes verdades que apregoam e aos “amigos” que exibem. Creio que não há nada mais pobre do que alguém que precisa se valer de sua titulação para fazer uma afirmativa. Vejo com desconfiança a segurança emocional de quem usa de estratégias como essas para ornamentar seus nomes ou quer ter artistas para decorar suas fotos.

Entre os extremos, o caminho do meio tem se tornado uma estrada deserta, cena de filme de faroeste, onde rolam bolas de feno. Chego a ouvir a música de fundo.

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Preocupa-me também a surdez para com as entrelinhas. As pessoas estão tão fechadas em si e em suas visões de mundo que reagem mais a si mesmas que ao outro. É um efeito espelho. E, se a pessoa olha para o outro e só vê a si mesma, dificilmente perceberá as nuanças da relação. Os detalhes da fala, dos lapsos, da postura corporal, da mudança no tom de voz – que pode ser para mais sincera declaração de amor ou para a mais sagaz ironia, e, principalmente, do momento do outro que pode, no mínimo, merecer o respeito que a vivência em sociedade determina.

Para tentar ver o outro na maior completude possível, é necessário desligar-se um pouco de si, de suas convicções. Não é preciso olhar muito para perceber que a maioria das pessoas supervaloriza as suas próprias opiniões e gostos. É necessário sair da arrogância para ler um texto que vai além de um erro de digitação ou grafia. Quem lê um texto é só enxerga o “s” onde deveria haver o “z” me lembra aquelas pessoas que olham para alguém que carrega uma deficiência e só veem um “defeito”, não um ser humano. Será que não se pode corrigir sem o véu da superioridade?

É necessário o exercício da sensibilidade para enxergar o contexto,  a mensagem maior, a realidade que vai além do espelho. Por mais lindo que seja o nosso próprio reflexo, sempre haverá mais beleza e verdade em uma paisagem completa.

Poema em linha reta, de Fernando Pessoa

Poema em linha reta, de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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As metáforas de Rubem Alves

As metáforas de Rubem Alves

“A metáfora é uma das mais poderosas formas de comunicação,pelo seu poder de quebrar resistências com histórias que levam as mensagens que você quer comunicar.”  Mundo das metáforas

Os contadores de histórias são exímios inventores de metáforas, pois necessitam sensibilizar por meio das mais belas comparações.

Abaixo, um apanhado de algumas das mais belas e inteligentes metáforas de Rubem Alves.

Juntar ou jogar fora, por Marina Colasanti

Juntar ou jogar fora, por Marina Colasanti

Todo dia aparece alguém querendo nos ensinar a viver. E como crianças bem educadas nos debruçamos sobre esses ensinamentos esperando aprender algo novo e útil capaz de renovar o brilho do nosso cotidiano.

Chega até nós agora o manual de arrumação da japonesa Marie Kondo, “A mágica da arrumação: a arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida”. O título, quase tão longo e explicativo quanto um livro, seduziu milhões de pessoas no mundo inteiro ansiosas por transformar lares e vidas modestamente bagunçados em peças de design oriental.

E boa parte dos leitores já havia jogado no lixo mais da metade dos seus pertences, quando outra voz ergueu-se contestando o desapego. “Por que na vida deveríamos nos livrar de nossas coisas maravilhosas?” gritou Dominique Browning nas páginas do “The New York Times”.

Marie talvez possa ser considerada maníaca – aos 5 anos, em vez de brincar, arrumava os livros nas prateleiras da sua sala de aula – mas teve a sabedoria de usar a mania – chegou a desmaiar de angústia por não saber, exatamente, o que guardar e o que passar adiante- como ferramenta de afirmação e, por que não, de lucro.

Dominique é igualmente categórica, embora mais maleável: “Está na hora de celebrar a delicada arte da bagunça.”

Nós, colhidos entre as duas, temos direito de reivindicar a pluralidade.

Ordem ou desordem – ou acúmulo e desapego – não são somente uma atitude. São também uma tendência e o resultado de imposições sociais. São ligadas a circunstâncias biográficas e a contas bancárias. Têm a ver com cultura e clima.

Em recente viagem a Belo Horizonte ganhei um livro estupendo, “A arte de colecionar”. Páginas e páginas de conjuntos de objetos de determinado tipo. A coleção, entretanto, é apenas a forma mais sofisticada e artística do acúmulo. Conheço apartamentos submersos em corujas ou pinguins de geladeira, e me extasio na casa de meus amigos colecionadores de arte, onde não há centímetro de parede disponível. Um deles, ao não dispor mais de espaço, prendeu os quadros contra o teto. E nenhum colecionador para de adquirir novas peças.

Gente rica compra muito, e se desfaz de muita coisa. Gente pobre quase não compra, e não joga nada fora porque tudo pode vir a servir. Os novos ricos precisam exibir, e estão sempre em busca de elementos que testemunhem sua nova condição. A sociedade de consumo estimula o acúmulo e não o desapego, mas basta bater crise econômica para que pensemos mais antes de nos desfazer de qualquer coisa, e calculemos mais antes de comprá-la.

Marie nasceu para arrumar, assim como Dominique se sente mais à vontade em alguma “bagunça”. A ciência não garante, mas a observação nos diz que arrumação ou desordem vêm também no DNA. A educação conta, como em tudo, mas não é tão definitiva como as mães gostariam; vi crescer um casal de irmãos, ele desde sempre grande arrumador de suas gavetas e roupas, enquanto para ela bastava qualquer coisa em qualquer cabide.

Os povos nômades não poderiam juntar muitas coisas, mas juntam. Quem mora em espaço pequeno não deveria ter mais do que o essencial, mas tem. O despojamento – mais do que apenas a ordem – é um requinte que se alcança ou através da arte ou através da espiritualização. Ou mesmo através da mania.

Fonte: Blog pessoal de Marina Colasanti

Um berço para uma borboleta

Um berço para uma borboleta

Por Lúcia Costa

O menino de seis anos encontra uma borboleta morta no para-choque  do carro do pai e pergunta:

_ Pai, por que essa borboleta morreu?

_ Ah, filho, ela foi atraída pela luz do carro, durante à noite, quando voltávamos da casa da vovó e chocou-se com o para-choque.

_ E elas não dormem durante à noite, pai?

_ Borboletas não dormem,  Miguel.

_ Então por que a gente não dá o bercinho de Giovana a ela? É só colocar ali no quintal e desligar a luz, pronto. Elas dormem e não morrem.

_ Borboletas não precisam de berço para dormir, filho. Elas são bichos, entende, BICHOS?!

_ Como sabe que não precisam, pai? O senhor já fez algum bercinho para uma borboleta? Por acaso conhece alguém que faça esse serviço?

O pai calou-se enquanto o filho o olhava fixamente. Esperava uma resposta…  O menino começou a pensar em como seria o bercinho, quem embalaria o sono da borboleta. Chegou a ver uma libélula cantarolando uma música feliz. Um véu azul poderia proteger a borboletinha de insetos enquanto dormia, pensava.

O homem estava imóvel. As palavras sumiram. Deu a volta por trás do veículo e entrou em casa. Sentou-se e também ficou a imaginar como seria um berço para borboletas.

Miguel continuava a pensar e até já imaginava pijaminhas para borboletas. Deteve-se em seus pensamentos enquanto continuava a recolher, com todo cuidado, as borboletas mortas no para-choque.

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