O que andar de bicicleta tem a ver com o sentido da vida

Por Gabriela Gasparin

Eu me lembro até hoje da sensação que tive quando aprendi a andar de bicicleta, com uns cinco anos, na rua detrás da minha casa: era como se eu tivesse acabado de aprender a voar. De repente, eu não precisava mais das duas “rodinhas” para me equilibrar. Sentia-me leve em cima das duas rodas, que desciam ladeira abaixo fazendo o vento bater com tudo na minha cara. Voar deve ser exatamente assim: sentir-se livre, leve, e sentindo o vento bater no rosto!

Desde então, passei a infância e adolescência andando pra lá e pra cá de bicicleta no meu bairro. As ruas eram largas e com pouco movimento de carros, o que tornava a prática comum e acessível naquela época. Andar de bicicleta era a coisa mais natural do meu a dia a dia. Eu sempre me sentia livre, leve, e com o vento batendo na cara.

O tempo passou. Eu cresci. A bicicleta foi encostada no quintal da minha antiga casa e nem sei mais que fim levou. Provavelmente meus pais a doaram para alguma entidade. E eu nunca mais experimentei aquela gostosa sensação de pedalar sobre duas rodas.

Aliás, o que eu fiz foi comprar um carro. E assim a minha rotina, aos poucos, mudou. Fui me acostumando a andar pra lá e pra cá dentro do automóvel. Os vidros fechados e com o filme escuro, para o ladrão não me ver nem me roubar. E o pior: nada de vento na cara. O trânsito parado e a dificuldade de locomoção: nada de liberdade. Corpo parado e sem movimento: nada de leveza.

E foi assim que, sem perceber, eu tinha deixado de fazer uma das coisas mais gostosas que existem na vida. Afinal, não temos asas, mas desde criança sabemos exatamente aquilo que nos faz voar. São as coisas mais simples e naturais do dia a dia.

Há quase um ano, desde que eu vendi meu carro, eu sentia uma necessidade enorme de comprar uma bicicleta. Eu não tinha a menor consciência do que motivava esse meu desejo, mas eu sabia que ter uma bike iria ajudar na minha locomoção pelo bairro.

Somente há pouco mais de um mês eu consegui concretizar meu desejo. Comprei a dita cuja parcelada em 12 vezes e me arrisquei a andar pelas ruas da cidade de São Paulo.

No começo, senti um enorme medo dos carros e cheguei a pensar que a usaria muito pouco. Ledo engano. Aos poucos, a sensação de liberdade, de leveza, e o vento batendo na cara voltaram e eu logo percebi: reaprendi a voar!

Comecei a andar pelas ciclovias da cidade. E fiquei surpresa com a facilidade que temos de conversar com as pessoas da bicicleta ao lado – não é raro eu fazer “colegas” de trajetos na ciclovia, conversar com os motoqueiros e cumprimentar os guardas de trânsito. Quando fazemos isso dentro do carro? Nunca. No máximo xingamos o motorista logo da frente, de forma muito impessoal, sem sequer saber o rosto de quem dirige.

No último domingo, eu era uma das inúmeras pessoas que foram à Avenida Paulista comemorar a inauguração da ciclovia na principal via da cidade de São Paulo. Só quem foi pôde perceber o sorriso no rosto de todos que lá estavam. Os “Ual” de quem chegava e sentia o que estava acontecendo. Era a sensação de liberdade dos paulistanos que, assim como eu, estão reaprendendo a voar.

Quem acompanha os relatos que colho sobre o sentido da vida pode ter notado que este texto é um pouco diferente dos demais. Não é o depoimento de ninguém sobre o que dá sentido à vida. É meu relato sobre como andar de bicicleta nos faz sentir a vida. É o meu manifesto por mais ciclovias na cidade de São Paulo. E que o tapete vermelho da liberdade cubra essa cidade cinza, porque todos os paulistanos precisam – e merecem – (re) aprender a voar!

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Jornalista, blogueira e escritora. Em 2013 criou o blog www.vidaria.com.br, onde publica depoimentos sobre o sentido da vida. O trabalho resultou no livro “Vidaria, uma coletânea de sentidos da vida”, à venda no site www.autografia.com.br.