O jardineiro e a Fräulein, história de amor verídica narrada por Rubem Alves

O jardineiro e a Fräulein, história de amor verídica narrada por Rubem Alves

Menino, ele de longe olhava os pescadores nos seus barcos levados pelo vento. Pensava que o mar não tem fim. Pensava que os pescadores eram felizes porque não precisavam plantar peixes para colher depois. O mar era generoso: ele mesmo plantava os peixes que os pescadores só faziam colher com as suas redes. Tinha inveja dos pescadores. Ele era filho de agricultores. Tinha de plantar para colher. Diferente do mar, a terra tinha fim. Todos os pedaços de terra, os menores, os mais insignificantes, todos já estavam sendo cultivados. Os pescadores, se quisessem mais, bastava-lhes navegar mar a dentro. Mas os agricultores não podiam querer mais. A terra chegara ao fim. Quem quisesse mais terra para cultivar teria que sair da terra conhecida e ir em busca de outras terras, além do mar sem fim.

E foi porque a terra chegou ao fim que ele, adolescente, seus irmãos e seus pais, entraram num navio que os levaria a uma nova terra, Buragiro… Era assim que eles, japoneses, conseguiam falar o nome Brasil…

No Brasil, Hiroshi Okumura – esse era o seu nome – conseguiu trabalho na casa de uma família de alemães. Família rica, casa de muitos criados e criadas. Ele não falava português nem alemão. Mas não importava. Seu trabalho era cuidar da horta e do jardim. E a língua da terra e das plantas ele conhecia muito bem. E foi assim que, na sua fiel e silenciosa competência de jardineiro e hortelão, ele passou a ser amado pelos seus patrões.

Mas os jardineiros têm também sonhos de amor. Jardins sem amor são belos e tristes. Mas quando o amor floresce o jardim fica perfumado e alegre. Pois esse era o segredo que morava na alma do jardineiro japonês: ele amava uma mulher, uma alemãzinha, serviçal também, todos a tratavam por “Fräulein”. Cabelos cor de cobre como ele nunca vira no seu país, pele branca salpicada de pintas, olhos azuis, e um discreto sorriso na sua boca carnuda que se transformava em risada, quando longe dos patrões. Era ela que lhe trazia o prato de comida, sempre com aquele sorriso…

E ele sonhava. Sonhava que suas mãos acariciavam seus cabelos. Sonhava que seus braços a abraçavam e os braços dela o abraçavam. Sonhava que sua boca e sua língua bebiam amor naquela boca carnuda… E a sua imaginação fazia aquilo que faz a imaginação dos apaixonados: se imaginava num ritual de amor, delicado como a cerimônia do chá, tirando a roupa da Fräulein e beijando a sua pele…

Mas era apenas um sonho. Olhava para seu corpo atarracado, para sua roupa rude de jardineiro, para suas mãos sujas de terra, para seus dedos ásperos como pedras. A Fräulein pertencia a um outro mundo distante do seu mundo de jardineiro.

Seu amor nunca saiu da fantasia. Ninguém nunca soube.

Os anos passaram. Ele ficou velho. A Fräulein também envelheceu. Mas o amor não diminui. Para ele, era como se os anos não tivessem passado. Ela continuava a ser a meninota sardenta. O amor não satisfeito ignora a passagem do tempo. É eterno.

Chegou, finalmente, o momento inevitável: velho, ele não mais conseguia dar conta do seu trabalho. Seus patrões, que o amavam profundamente, pensaram que o melhor, talvez, fosse que ele passasse seus últimos anos num lar para japoneses idosos, uma grande área de dez alqueires, bem cultivada, com pássaros, flores e um lago com carpas e tilápias. Ele concordou. Visitou o lar mas, por razões desconhecidas, não quis viver lá. Achou preferível viver com parentes, numa cidade do interior. Mas o fato é que os velhos são sempre uma perturbação na vida dos mais novos. São, na melhor das hipóteses, tolerados. E a sua velhice se encheu de tristeza.

Um dia, movido pela saudade, resolveu visitar a casa onde passara toda a sua vida e onde vivia a Fräulein. Contaram-lhe que ela fora internada num lar para idosos alemães. Estava muito doente. Quis visitá-la. Encontrou-a numa cama, muito fraca, incapaz de andar.

E então ele fez uma coisa louca que somente um apaixonado pode fazer: resolveu ficar com ela. Recusou-se a sair. Passou a dormir ao seu lado, no chão. Cuidava dela como se cuida de uma criança. O extraordinário é que a enfermeira-chefe compreendeu e fez como se nada estivesse vendo… Desrespeitou o regulamento.

A Fräulein estava muito fraca. Não conseguia mastigar os alimentos. Não conseguia comer. Aconteceu, então, um ato assombroso de amor que os que não estão apaixonados jamais compreenderão: o jardineiro passou a mastigar a comida que então colocava na boca da agora “sua” Fräulein.

Nunca ninguém viu, nunca ninguém me contou. Imaginei. Imaginei que quando estavam sozinhos, sem ninguém que os visse, o jardineiro encostava seus lábios nos lábios da Fräulein, e assim lhe dava de comer… Assim o fazem os namorados apaixonados, lábios colados, brincando de passar a uva de uma boca para a outra…

E assim, ao final da vida, o jardineiro beijou sua Fräulein como nunca imaginara beijar…

Rubem Alves
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Casal de dançarinos encanta ao apresentar-se em uma plataforma de metrô

Casal de dançarinos encanta ao apresentar-se em uma plataforma de metrô

Os bailarinos americanos Phillip Chbeeb e Renee Kester deram um espetáculo de beleza e sensibilidade ao realizar uma apresentação tendo como cenário uma plataforma de metrô.

Para Phillip “Todos dizem que é difícil superar a dor… e é mesmo. Desde que somos crianças, ouvimos que devemos nos agarrar ao melhor de nossas experiências e descartar as piores. Mas o que acontece quando nossas mais lindas memórias do passado prejudicam nosso futuro?”, conta o dançarino na descrição de seu vídeo no youtube.

Concept/Choreography:
Phillip Chbeeb
Renee Kester

Editing: Phillip Chbeeb
Música: “Slip” de Elliot Moss

Desejo de palco

Desejo de palco

A atriz Lorenna Mesquita estreia hoje, em São Paulo, o solo teatral Florbela Espanca – a hora que passa. O espetáculo é resultado de três anos de pesquisa da atriz sobre a vida e obra dessa grande poeta portuguesa, conhecida pela intensidade com que escrevia e por apresentar ideias muito avançadas para a década de 20 e ainda bastante atuais, sobretudo em relação ao comportamento feminino. Inclusive, pela postura que adotava em sua vida, Florbela é considerada uma das primeiras feministas. Mas a poeta não levantava nenhuma bandeira social ou política. Apenas queria ser respeitada e ter os mesmos direitos que os homens possuíam na época em que viveu.

Há mais de um ano em cartaz, a montagem já foi vista duas vezes em Portugal, em temporadas de 40 e de 30 dias por 19 cidades; além dos Estados Unidos e Cabo Verde. No Brasil, o espetáculo esteve em três temporadas em São Paulo e também viajou para Belém do Pará, terra natal da atriz onde há uma grande colônia portuguesa.

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Lorenna Mesquita como Florbela – Foto Aline Serra

Desta vez, a reestreia do espetáculo terá um sabor especial. Lorenna Mesquita está grávida de oito meses e vai ficar em temporada até o fim de julho, quando entra no nono mês de gestação. Na sua gravidez, seu desejo é pelo palco.

“Apresentar Florbela grávida é muito mágico. Já passei por três etapas da gravidez e cada uma delas foi diferente. Quando apresentei o espetáculo nos Estados Unidos, no início de janeiro, eu desconfiava da gravidez, mas ainda não tinha certeza. Lembro de ter passado a mão na barriga durante uma cena. De volta ao Brasil reestreei Florbela em São Paulo e já sabia que estava grávida. Mas a barriga ainda não aparecia e o público nem desconfiou. Foi uma temporada difícil, pois no início da gestação sentia dores (por conta da expansão do útero) e algumas movimentações precisaram ser adaptadas. E agora, com essa barriga enorme, também tivemos que modificar algumas marcações que eram feitas no chão.”, comenta.

Para o público também será inusitado ver uma Florbela grávida. “Em Cabo Verde, o escritor português Rui Zink disse que iria ver pela primeira vez um monólogo com duas pessoas no palco. Até então, eu não tinha me dado conta que de fato o público iria ver um espetáculo diferente. É impossível ignorar que esta mulher está grávida. E tudo o que ela diz durante o espetáculo e com toda a força que possui, acaba sendo um contrasta com essa barriga aparente. O teatro é sempre único. Cada sessão é diferente da outra. E desta vez, é mais diferente ainda.”, reforça a atriz.  

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Lorenna Mesquita como Florbela – Foto Aline Serra

Com direção de Fabio Brandi Torres, o solo teatral apresenta Florbela Espanca como uma mulher angustiada e ao mesmo tempo forte, exigindo da atriz uma carga emocional muito grande. Lorenna Mesquita conta que numa das primeiras sessões em São Paulo, chegou a sair do teatro com dores no peito que só passaram após alguns dias. “Mexemos com sentimentos muito fortes. Além da angústia, tem a tristeza da Florbela por ter sido tão incompreendida e se sentir abandonada e esquecida por sua família e rodas sociais”, conta. A montagem também apresenta uma Florbela apaixonada, querendo amar a tudo e a todos; uma Florbela irônica, debochando da vida, altiva. “Procuramos mostrar as várias faces dessa mulher, que é contraditória em suas ações e suas palavras de acordo com cada momento da vida. Ela, como cada um de nós, muda de pensamento segundo suas nossas experiências. E é justamente essa a grande riqueza do espetáculo: mostrar a pessoa por detrás daqueles versos”, comenta a atriz.

É por isso que mesmo quem não conhece a poeta portuguesa e assiste o espetáculo também se emociona. A peça não é um recital de poesia, são as ideias de Florbela Espanca apresentadas num fluxo de pensamento, durante a hora que antecede a sua morte. Ela fala de destino, amores, dores, sonhos, desilusões, paixões. É um espetáculo para quem quer ouvir sobre vida e se emocionar.

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Florbela Espanca – A Hora que Passa – Fotografia Vagner Click

Florbela Espanca – a hora que passa

Temporada: 2 a 30/7

Sempre às quintas-feiras

Hora: 21h

Local: TOP Teatro – Rua Rui Barbosa, 201. Bela Vista – São Paulo

Ingressos: 30 reais

50% de desconto para os seguidores das páginas CONTI outra, artes e afin e Mia Couto

Abaixo, a CONTI outra, artes e afins traz uma entrevista exclusiva com a atriz, feita por Nara Rúbia Ribeiro.

Lorenna, você consegue se lembrar da primeira vez em que teve contato com a poesia de Florbela? Como foi? Quando surgiu o interesse na séria pesquisa sobre Florbela e sua obra?

Quando descobri as poesias da Florbela Espanca, eu me apaixonei perdidamente. Eu queria saber quem era aquela mulher que escrevia com tanta intensidade, às vezes por meio de metáforas que transmitiam cores, cheiros, imagens capazes de nos fazer sentir exatamente o que ela estava sentindo; outras vezes de forma crua e dura. Na época, eu estava procurando um monólogo, mas não encontrava nenhum texto que me tocasse de verdade. Eu queria alguma coisa profunda, que pudesse emocionar o público. E quando me deparei com os poemas de Florbela, eu senti que realmente havia encontrado o que eu tanto procurava. E pressentia que esse trabalho iria mudar a minha vida.

O monólogo “Florbela Espanca – A hora que passa” é muito festejado pela crítica e aplaudido por aqueles que tiveram o privilégio de assistir. Diga-nos como foi escrito o monólogo. Você mesmo o escreveu? Ele virou livro?

Eu comecei a pesquisa da obra de Florbela Espanca em 2011 e dois anos depois eu tinha em mãos um texto dramatúrgico de 3 horas de espetáculo. Eu sentia que ainda não seria o texto final, que faltava lapidá-lo. E decidi viajar a Portugal para conhecer as principais cidades em que ela viveu: Vila Viçosa (nascimento), Évora (juventude) e Matosinhos (morte). Eu tinha que respirar os mesmos ares, olhar para as ruas onde ela havia andado, ver as casas em que ela morou, mesmo que não conservadas. Em Matosinhos, consegui entrar na casa em que ela viveu com o terceiro marido. Visitei todos os cômodos, inclusive, o quarto onde ela teria cometido o suicídio. Todas essa imagens foram muito enriquecedoras para a minha pesquisa e para o meu trabalho como atriz. De volta ao Brasil, conheci o diretor e dramaturgo Fabio Brandi Torres e o convidei para o projeto. E juntos fizemos experimentações em sala de ensaio e construímos uma nova dramaturgia, a que o público conhece hoje e que também virou livro. Inclusive, o livro traz fotos do Vagner Click, com a primeira experimentação pública da peça.

Diga-nos sobre a sua experiência internacional com esse espetáculo. Como tem sido levar a emoção de Florbela a outros países? Como foi participar das festividades de aniversário de Florbela em sua terra natal?

A receptividade do público nos outros países tem sido um grande presente. Sempre vemos pessoas muito comovidas na platéia, com os olhos marejados. Isso ocorre porque no espetáculo falamos sobre vida e esse é um assunto universal. Em Portugal, ainda foi mais especial, porque ouvimos dos portugueses que mostramos a eles uma Florbela que eles não conheciam, que “precisou vir uma brasileirinha apresentar Florbela pra gente”. Saber disso foi tão gratificante. E voltar com esse espetáculo nos 120 anos de nascimento da poeta, foi ainda mais especial. No dia do aniversário dela, em 8 de dezembro, em Vila Viçosa, fui convidada para declamar em praça pública, na frente do seu busto, o poema “Amar!”. Nessa hora passou um filme na minha cabeça. Eu havia estado naquele mesmo local, em 2013, para pesquisar sobre sua vida e pouco mais de um ano depois, eu estava declamando um poema de Florbela para a comunidade no dia do aniversário dela. Não agüentei a emoção e recitei o poema chorando.    

E, para finalizar, Lorenna Mesquita tem muito de Florbela? Se você pudesse definir essa sua experiência com a poesia de Florbela em uma só palavra, que palavra seria?

O que eu tenho de Florbela é a intensidade. Quando eu me entrego a alguma coisa ou a alguém, é com minha alma que eu faço isso. É por isso que viver Florbela Espanca em cena é sempre muito forte. Eu não consigo fingir. Tudo o que eu faço ou falo, como Florbela, é de verdade. E também tem uma mistura de sentimentos. Florbela mudou a minha vida. Transformou minha carreira como atriz e me deu a família que eu tenho hoje. Esse filho que tenho na barriga é fruto desse projeto, da minha união com o Fabio Brandi Torres, resultado de um grande encontro que vida e Florbela me deram de presente. Se for para resumir em uma só palavra essa experiência, a palavra é GRATIDÃO.

Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

“Somente quem mama na teta do governo pode falar bem como ela. Os brasileiros que se dane. Até um teatro ela construiu no Rio. Espero que como eu ninguém mais vá prestigiar esta mulher que não ama o pais”

“Vaca igual ao safado do ex marido!”

“Vendida!”

 “Só podia, agora é moda só fala e elogia se receber, que pais é esse?”

“Eu tinha um apreço por esta senhora mas perdeu toda credibilidade com o Brasil ela e o gordo sem caráter”

Muita gente já viu aquele vídeo em que o Chico Buarque morre de rir, contando como foi quando ele descobriu que a internet é um poço de ódio. Só espero que a Marieta Severo tenha a mesma reação que ele, já que tudo o que tá escrito aí em cima foi dirigido a ela, em uma página do Facebook. Da última vez que dei uma olhada lá, tinha mais umas centenas de comentários desse mesmo teor, que publicou esse post aí embaixo.

contioutra.com - Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

         Não existe nada que faça perder mais a fé na espécie humana do que ler os comentários de um sites de notícias. Opiniões raivosas baseadas em falsas premissas sempre existiram, claro, não foram inventadas pela internet. Dizem que eram os comentários de mesa de bar, que antes só podiam atingir três ou quatro pessoas, e agora são expostos para milhões. Outra coisa que também não é invenção da web é usar mentiras e desinformação para dirigir o ódio de um grupo. Mas o que é a grande contribuição desse meio, é o poder e a intensidade com que ele atinge um número enorme de pessoas.

         E tudo é possível. Alguém resolveu criar um post, dizendo que a combinação de camarão e vitamina C causa envenenamento por arsênico. Se você parar dois segundos pra pensar – ou se quiser economizar neurônios e só se lembrar de alguma vez em que tenha espremido um limãozinho em cima do camarão em alguma praia – vai perceber que a notícia é absurda. Mas milhares de pessoas compartilharam essa notícia. Vez por outra, ela volta a aparecer na timeline, assim como notícias de sites de humor, postadas como se fossem verdadeiras.

         Esses comentários que eu separei aí em cima foram postados no Facebook, em resposta a uma suposta denúncia. Uma acusação, na verdade. Todo esse carinho foi motivado por uma postagem que acusa Marieta de ter defendido o PT pela simples razão de ter recebido dois milhões de reais do governo.

         No meio dos comentários, tem gente que tenta argumentar que Marieta não defendeu o PT, só fez uma afirmação que pode ser medida por qualquer pessoa que se disponha a fazer uma pesquisa séria. E que muito menos recebeu dois milhões de reais do governo, no máximo teve um projeto com esse valor aprovado na Lei Rouanet, se é que isso é verdade. (O site usou uma imagem ilegível, de definição bem baixa – como tudo o mais – nesse post.) Mas existe um prazer enorme em poder exercitar a maldade quando se acha que se está com a razão. Se alguém contestar o seu comportamento, sempre dá pra dizer que você fazia o que achava que era certo. E é com isso que contam esses sites que se especializam em espalhar boatos, destruir reputações e incitar o ódio: a sua participação bem-intencionada.

         Claro que ninguém é inocente. Em termos de internet, só acreditamos naquilo que já estamos predispostos a acreditar. Quem odeia um partido, vai acreditar em qualquer boato que sirva para desmoralizá-lo, por mais duvidoso que seja o boato. Na verdade, tanto faz se a pessoa acredita ou não, o importante é passar a desinformação pra frente. Tenho amigos virtuais que bradam contra a corrupção, mas sempre que podem, compartilham um boato, uma mentira, qualquer coisa que ajude a provar que estão certos em seu ódio.

         A Lei Rouanet tem sido usada sempre que se quer desqualificar alguém por um suposto apoio dado ao governo, como aconteceu nesse caso da Marieta e com Jô Soares. Pra funcionar, é preciso contar com a ignorância das pessoas sobre os mecanismos da Lei, mas eu tenho visto gente da área artística, gente que sabe como funciona a Rouanet, passando esse tipo de postagem pra frente. Não tá na hora de parar pra pensar se esse tipo de comportamento também não é uma forma de corrupção? Talvez esteja mesmo na hora de pensar. Pensar, por exemplo, se vale a pena destruir a reputação de uma pessoa pra se afirmar uma ideia. De um dia pro outro, Marieta Severo se tornou um ser desprezível, sem caráter, pra pessoas que antes a admiravam,. A gente tem que pensar no que significa esse poder todo. E pra ajudar a pensar, mais alguns comentários dirigidos pra Marieta, na forma como foram escritos:

         “Deve está recebendo dinheiro do roubo do governa deve fazer parte da quadrilha de safados ladrão”

         “Mais uma pro meu caderninho, vai se juntar com Toni ramos.zecuamargo, josoares ….”

         “Decrpcionante magouo os fãs.”

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.

A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.

Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.

Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?

Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.

Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.

Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.

Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…

Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente.

Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…

Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella

Em novo vídeo, Ana Claudia Quintana Arantes fala sobre a vida, o tempo e a morte

Em novo vídeo, Ana Claudia Quintana Arantes fala sobre a vida, o tempo e a morte

A morte ensina a viver

Para a geriatra e especialista em cuidados paliativos Ana Claudia Quintana Arantes, lidar com a morte nos ensina a aproveitar melhor o tempo. Pensar sobre o assunto, explica, ajuda a tomar decisões com lucidez e aproveitar mais as conquistas.

Esse material foi publicado originalmente pelo site NAMU, espaço que recomendamos sem reservas.

Direção: Alessandra Haro
Reportagem: Daniel Cunha
Produção: Guilherme Speranzini
Câmera: Cintia Pimentel e Sandra Adami
Edição e finalização: Cintia Pimentel

Dica de livro: Sobre A Morte E O Morrer

“Devagar, crianças”- um texto de Ligia Moreiras Sena

“Devagar, crianças”- um texto de Ligia Moreiras Sena

Por Ligia Moreiras Sena

O ano corre, as tarefas do mundo adulto se sobrepõem, se acumulam, nos sobrecarregam e a chegada dessa época do ano traz junto a sensação de que “ufa, enfim será possível relaxar”, mesmo que por poucos dias.
Fazemos planos de andar pela casa de pijama, ou de deixar o celular no mudo, ou de não responder aos e-mails, ou de acordar bem cedo apenas para saborear lentamente um cafezinho bem passado, ou de dormir até meio-dia, ou qualquer outra coisa que, para cada um de nós, represente um momento de pausa em meio a tantos compromissos, que devoram nosso tempo, engolem nossa energia e nos levam muitas vezes à beira da exaustão, física, mental e emocional.

Nessa correria – e na pausa dela, que as festas representam para muitos de nós – acabamos esquecendo que as crianças também podem estar exaustas.

Muitas vezes achamos que, por serem crianças, não se preocupam com nada, não se cansam com tanta facilidade, têm toda a energia do mundo e não precisam de tanto descanso assim, já que não têm “compromissos sérios” ou “grandes responsabilidades”.

Mas isso é um grande erro, fruto do “adultismo”, um jeito de ver o mundo que supervaloriza o adulto em detrimento das crianças, que as considera menos capazes de decisões sobre si, ou menos conscientes do que se passa à sua volta, ou menos envolvidas na rotina por vezes massacrante de suas famílias, um jeito de ver o mundo que as oprime e as secundariza na ordem do dia. É o adultismo, inclusive, que faz com que muitas famílias criem para suas crianças uma agenda de compromissos quase desumana, a fim de que desenvolvam habilidades, responsabilidades, organização, foco, meta. Isso tudo com 3, 4, 5, 6 aninhos, ou mais. É claro que esses pais e mães acreditam verdadeiramente que, agindo assim, estão fazendo o melhor para elas, proporcionando experiências ricas, que farão a diferença no futuro e trarão melhores oportunidades. Então as matriculam na escola tradicional, e na aula de inglês, no judô, no balé, na musicalização, na ginástica olímpica, no piano e em mais uma infinidade de tarefas e compromissos.

Mas a ausência de tais compromissos excessivos também não é sinônimo de vida infantil tranquila e sem cansaços. Crianças que não seguem uma agenda corrida ou extremamente exigente, que podem levar a vida com mais flexibilidade, que não estão inseridas em rotinas tão rígidas, também podem estar bastante cansadas. Isso porque existe um tipo de exaustão tão ou mais importante que a física: a emocional.

Engana-se quem pensa que uma criança estará sempre protegida contra as intempéries ou mudanças vividas por sua família, ainda que a família se esforce muito para protegê-la. Crianças sentem tudo. Podem não saber os detalhes das situações, mas sentem exatamente que algo está acontecendo. Sentem a tensão, vivem a dúvida, sentem o que seus pais e mães também estão sentindo. E isso não é algo de todo ruim não, pois mostra que a criança é membro ativo e participante daquela dinâmica familiar, que não é apenas um figurante, e que as decisões tomadas também passam por elas – e muitas vezes são pensadas e tomadas justamente em função delas. Mas sempre é importante lembrar: crianças sentem e vivem o que seus pais e mães estão sentindo e vivendo, estão vinculadas a eles – pelo menos espera-se que estejam, e de maneira positiva…-, sentem suas alegrias e angústias, preocupam-se com eles.

Então chegam as férias e festas de fim de ano, que para tantos é sinônimo de brincar, de se divertir, de estímulo, aventura e descoberta. Algumas famílias chegam a planejar dezenas de atividades divertidas e estimulantes para entreter seus filhos. E começa a corrida contra o “tédio infantil”. Corra. Brinque. Divirta-se. Chame seu vizinho para jogar bola com você. Vamos para a colônia de férias. Invente novas brincadeiras. Não desperdice seu tempo e seu verão dormindo. Não fique aí parado. Vá andar de bicicleta. Vá jogar seu novo jogo eletrônico, ou testar um novo equipamento. Faça alguma coisa para se divertir. Mantenha-se ativo.
Mas essa associação quase obrigatória entre criança e estímulos – quando acreditamos que é preciso estimular as crianças cada vez mais para que tenham seu tempo preenchido – pode não ser tão positiva quanto se pensa. Podemos estar atropelando as crianças. Podemos estar sobrecarregando quem também precisa descansar.

Podemos estar esquecendo de ensiná-las que nem sempre ausência de atividade é sinônimo de tédio e que, muitas vezes, tédio é apenas falta de um olhar acolhedor sobre o descanso, sobre momentos de tranquilidade em meio à tão conhecida agitação.
Crianças precisam descansar. Física e mentalmente também, mas principalmente emocionalmente. E as férias são ótimos momentos para isso.

Elas precisam ficar sem fazer nada. E entenda que o “nada” aqui não tem a conotação de “ficar parada em frente à tv, computador ou qualquer outro eletrônico”. Tem, isso sim, conotação de CONTEMPLAÇÃO. Contemplação, descanso, relaxamento, tranquilidade. Dormir o quanto quiser. Proporcionar conversas tranquilas e agradáveis com elas. Preparar um café da manhã com calma, paz e tranquilidade, junto com elas. Não soterrá-las em brinquedos mil. Curtir uma preguicinha juntos. Contar histórias “de cabeça”, inventar algumas, e não apenas seguir roteiros prontos ou livros de histórias. Observar o mundo ao redor. Calmamente. É preciso ensinar as crianças a valorizarem seu tempo livre, seu tempo ocioso. E mostrar que é também na ausência de atividades que elas podem se conhecer melhor, se observar, entrar em contato com elas mesmas.

Crianças são esponjas humanas. Absorvem tudo ao seu redor, inclusive durante momentos de tensão ou de dificuldades. Elas também se sobressaltam. Elas também ficam exaustas. Elas também precisam descansar, relaxar, contemplar, ficar de pernas e papo para o ar, ouvir o silêncio que vem de si mesmas e desenvolver uma boa relação com isso.

Ensinar as crianças a bem acolherem seus silêncios internos, a bem se relacionarem com os momentos de ócio, é ensinar um futuro adulto que ele não precisa fugir de si ou ter medo de estar sozinho. Que calmaria não significa ausência. Que não é preciso ir atrás de pessoas e aventuras a todo custo. E que contemplação dá um significado ainda mais especial à vida.

Estou viajando com minha filha e assim ficaremos por mais alguns dias. Estamos hospedadas em um trailer pequeno e aconchegante. Trouxemos alguns poucos brinquedos, massas de modelar, um caderno de desenho, lápis, canetas e agora ela acaba de ganhar uma bicicleta. Não temos horários para nada. Acordamos quando os olhos se abrem. Dormimos quando dá sono. E tenho observado atentamente seu comportamento. Ela desacelerou completamente, talvez que pelo simples fato de termos rompido a rotina. E olha que é uma criança sem agenda corrida, sem horários rígidos, e com uma rotina bastante flexível e amigável. Mas acontece que ela vive tudo o que eu vivo, sente o que eu sinto, é parte ativa e participante da família e minhas decisões sempre a envolvem de maneira decisiva. E assim, estando tão fortemente vinculada a mim, pode sentir o que sinto, viver o que vivo, ainda que em grau diferente.

Ontem, quando estávamos deitadas descansando, eu contando para ela, no aconchego do trailer, uma história de uma personagem que criei há um certo tempo e que a acompanha em seu crescimento, ela se levantou, olhou para mim e disse:

– Mamãe, estou adorando essa viagem…
Mostrei-me feliz, disse que também estava amando viajar com ela e perguntei do quê ela estava gostando mais.
– Ah, mamãe… Estou gostando que aqui as coisas não acontecem o tempo todo.
Surpresa com a resposta, pedi que me explicasse melhor o que estava sentindo.
– É que lá em casa a gente fica fazendo, fazendo, pensando, pensando. As coisas ficam acontecendo o tempo todo. É isso, é aquilo. Muita coisa acontecendo. A gente fica feliz, depois fica triste, e depois tem correria. E as coisas não param de acontecer. Aqui a gente pode ficar de preguicinha, e sempre juntas, e descansar muito. E as coisas não acontecem o tempo todo.
Perguntei:
– Você gosta quando as coisas não acontecem o tempo todo, filha?
– Sim, mamãe. Eu fico cansada quando você fica cansada. A gente tem que fazer férias sempre. Férias mesmo se a gente não for viajar. Pras coisas pararem de acontecer. Todo mundo tem que descansar. Criança também tem que descansar…

Nesse mundo tão corrido, não nos esqueçamos disso: crianças também precisam descansar. Precisam de ócio, de silêncio, de contemplação.
Ensinar, ainda na infância, que silêncio e solitude não são sinônimos de solidão e que calmaria nem sempre é tédio, é criar adultos que não sintam necessidade de buscar emoções a todo custo apenas para fugirem de si mesmos.

Estejamos atentos.
Onde houver criança, que possamos ir mais devagar.

O texto acima faz parte do acervo do blog Cientista que virou mãe, espaço que recomendamos para mais materiais sobre a temática.

Se o mundo fosse acabar, dançaria contigo

Se o mundo fosse acabar, dançaria contigo

Por Fabrício Carpinejar

Minha namorada me convidou para dançar em público.

Público significa meus amigos e os dela em nosso apartamento. Era uma festa com mais de 35 pessoas.

Dançar para os outros é uma loucura para mim: eu que me encostava nas paredes na adolescência, eu que mexia a garrafa de cerveja para fingir desinteresse na pista das baladas, eu que era travado e de pernas duras, incapaz de sambar sem olhar para os pés.

Em um único movimento de mãos, com seu gesto de bandeja “Vem fazer uma performance!”, Katy desafiou todo o meu passado, todas as minhas amarras, todas as minhas fobias.

– Performance? Que performance?, questionei.

– A que vamos inventar – ela respondeu.

O salão abriu para nos assistir. Tremia, mas fechei as pálpebras com a consciência de uma boca.

Ela colocou nossa música, “O Último Dia”, de Paulinho Moska, e me puxou com força.

Rodopiamos, descemos os joelhos, ela confiava em mim, ela dançava simples e fácil, como o vento é simples e fácil a uma criança – pegava impulso para o balanço e chegava o mais próximo possível das traves.

Jogava os cabelos para trás e me adivinhava. Seus braços eram pernas, suas pernas eram asas enraizadas em minha cintura, voei com os ouvidos.

O ritmo recebia apenas uma breve trégua dos lábios ou do rosto roçando, para o torvelinho nos arremessar de novo aos lados. Não concebia se aquilo que fazíamos era dança ou patinação artística.

Não encarava mais ninguém, o apartamento foi esvaziado pelo nosso desejo de se pertencer, de não ser ninguém para ser dois.

Celebrávamos o amor, nos oferecíamos ao amor, amadores e espontâneos em cada movimento, viscerais e intuitivos, animais que confundem fome e pressa.

No final da canção, ela se curvou e não estava próximo para segurar sua cintura. E caímos com violência no chão.

Só deu tempo de deixar meu dorso como travesseiro de sua cabeça.

Enquanto os amigos acreditavam que havíamos nos machucado, descobríamos que havíamos nos curado.

Deitados no tapete, gargalhamos da ensurdecedora queda. Porque a queda é também improviso. A queda é onde acontece o melhor abraço. O mais humilde abraço. O mais sincero abraço.

Naquele momento antes de subir e finalizar a coreografia, lembrei de nossa conversa durante o primeiro beijo.

Eu tinha dito com orgulho “Somos muitos!”, quando ela me corrigiu “Temos que ser menos, cada vez menos, até ser um só”.

Em uma noite, aprendemos a cair juntos, a nos levantar juntos, a matar o medo do vexame.

Publicado no site Vida Breve

Amor pacífico e fecundo, um poema de Rabindranath Tagore

Amor pacífico e fecundo, um poema de Rabindranath Tagore

Amor pacífico e fecundo

Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

Rabindranath Tagore, in “O Coração da Primavera”
Tradução de Manuel Simões

O que andar de bicicleta tem a ver com o sentido da vida

O que andar de bicicleta tem a ver com o sentido da vida

Por Gabriela Gasparin

Eu me lembro até hoje da sensação que tive quando aprendi a andar de bicicleta, com uns cinco anos, na rua detrás da minha casa: era como se eu tivesse acabado de aprender a voar. De repente, eu não precisava mais das duas “rodinhas” para me equilibrar. Sentia-me leve em cima das duas rodas, que desciam ladeira abaixo fazendo o vento bater com tudo na minha cara. Voar deve ser exatamente assim: sentir-se livre, leve, e sentindo o vento bater no rosto!

Desde então, passei a infância e adolescência andando pra lá e pra cá de bicicleta no meu bairro. As ruas eram largas e com pouco movimento de carros, o que tornava a prática comum e acessível naquela época. Andar de bicicleta era a coisa mais natural do meu a dia a dia. Eu sempre me sentia livre, leve, e com o vento batendo na cara.

O tempo passou. Eu cresci. A bicicleta foi encostada no quintal da minha antiga casa e nem sei mais que fim levou. Provavelmente meus pais a doaram para alguma entidade. E eu nunca mais experimentei aquela gostosa sensação de pedalar sobre duas rodas.

Aliás, o que eu fiz foi comprar um carro. E assim a minha rotina, aos poucos, mudou. Fui me acostumando a andar pra lá e pra cá dentro do automóvel. Os vidros fechados e com o filme escuro, para o ladrão não me ver nem me roubar. E o pior: nada de vento na cara. O trânsito parado e a dificuldade de locomoção: nada de liberdade. Corpo parado e sem movimento: nada de leveza.

E foi assim que, sem perceber, eu tinha deixado de fazer uma das coisas mais gostosas que existem na vida. Afinal, não temos asas, mas desde criança sabemos exatamente aquilo que nos faz voar. São as coisas mais simples e naturais do dia a dia.

Há quase um ano, desde que eu vendi meu carro, eu sentia uma necessidade enorme de comprar uma bicicleta. Eu não tinha a menor consciência do que motivava esse meu desejo, mas eu sabia que ter uma bike iria ajudar na minha locomoção pelo bairro.

Somente há pouco mais de um mês eu consegui concretizar meu desejo. Comprei a dita cuja parcelada em 12 vezes e me arrisquei a andar pelas ruas da cidade de São Paulo.

No começo, senti um enorme medo dos carros e cheguei a pensar que a usaria muito pouco. Ledo engano. Aos poucos, a sensação de liberdade, de leveza, e o vento batendo na cara voltaram e eu logo percebi: reaprendi a voar!

Comecei a andar pelas ciclovias da cidade. E fiquei surpresa com a facilidade que temos de conversar com as pessoas da bicicleta ao lado – não é raro eu fazer “colegas” de trajetos na ciclovia, conversar com os motoqueiros e cumprimentar os guardas de trânsito. Quando fazemos isso dentro do carro? Nunca. No máximo xingamos o motorista logo da frente, de forma muito impessoal, sem sequer saber o rosto de quem dirige.

No último domingo, eu era uma das inúmeras pessoas que foram à Avenida Paulista comemorar a inauguração da ciclovia na principal via da cidade de São Paulo. Só quem foi pôde perceber o sorriso no rosto de todos que lá estavam. Os “Ual” de quem chegava e sentia o que estava acontecendo. Era a sensação de liberdade dos paulistanos que, assim como eu, estão reaprendendo a voar.

Quem acompanha os relatos que colho sobre o sentido da vida pode ter notado que este texto é um pouco diferente dos demais. Não é o depoimento de ninguém sobre o que dá sentido à vida. É meu relato sobre como andar de bicicleta nos faz sentir a vida. É o meu manifesto por mais ciclovias na cidade de São Paulo. E que o tapete vermelho da liberdade cubra essa cidade cinza, porque todos os paulistanos precisam – e merecem – (re) aprender a voar!

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“No caminho, com Maiakóvsky”, um poema assustadoramente atual

“No caminho, com Maiakóvsky”, um poema assustadoramente atual

No caminho, com Maiakóvsky

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Eduardo Alves da Costa

Já não podemos mais voar sem freios

Já não podemos mais voar sem freios

Por Clara Baccarin

Estamos nos tornando seres sem sonhos.

Por termos que lidar com acontecimentos amargos e imprevistos na nossa vida, por termos que engolir nossos erros e derrotas e esconder nossas fraquezas. Por termos que passar por lutos de pessoas ainda vivas e continuar encontrando os fantasmas sem poder no entanto toca-los.

Por termos aprendido que ter é muito mais importante do que querer, que possuir nos faz mais ricos do que apenas almejar, que concretizar ideias e vontades é mais valioso do que o simples imaginar.

Por já não podermos, como era na infância, gargalhar descomedidamente por conta de uma simples brincadeira, e chorar desconsoladamente por uma viagem interrompida. Por não podermos nos aceitar fracos, infantis, ingênuos…

Pelo mundo exigir da gente mais sensatez do que paixão.

Em algum momento, desenvolvemos a capacidade de controlar nossos sonhos antes que eles nos devorem ou deformem.

Em algum momento, desaprendemos a sonhar como verbo intransitivo. A sonhar como fim em sim mesmo.

Desaprendemos o ato de contemplar e começamos a fabricar metas, a visualizar alvos, a traçar passos realistas.

Em algum momento, aprendemos a gerenciar nossas emoções da mesma forma que gerenciamos nossos compromissos profissionais. Agrupamos nossos sonhos na ala das metas a serem cumpridas, catalogamos os nossos sentimentos, acompanhamos atentamente nossas variações internas a fim de podar aquelas sensações que podem nos fazer parecer meio loucos, meio bobos, meio infantis.

Aprendemos a vetar os comportamentos inaceitáveis. Aprendemos a não nos permitir seguir impulsos, a não aceitar certas atitudes nas outras pessoas, e quando nos deparamos com essas atitudes, sem pensar e sem dó, jogamos no nosso lixo virtual e taxamos como spam.

Afinal não podemos perder tempo com coisas incertas, erradas e que não trazem bons frutos imediatamente. Não podemos sujar nossos limpos e lineares caminhos com sentimentos confusos, pessoas inconstantes, acontecimentos avassaladores.

Não temos tempo para o sofrimento! Sim porque, sonhar sem realizar é puro sofrimento.

Por não aceitarmos que sonhos às vezes não se cumprem. Que promessas de momentos às vezes servem apenas para adoçar as lembranças. Que paixões vivem além da presença do outro.

Aprendemos a criar o nosso próprio ‘manual do não sofrimento’.

E assim nos protegemos, e assim não precisamos passar pelas mesmas dores duas vezes. Pois, seguindo esse manual, já sabemos, antes mesmo de olhar mais atentamente nos olhos do outro, onde não devemos pisar. Pela comparação, já reconhecemos de cara o que pertence à lista das coisas inaceitáveis.

Aprendemos a assassinar a paixão. Aprendemos a culpar o outro por não se enquadrar nas nossas listas insanas. Aprendemos a culpar o tempo, a exigir muito de nós mesmo. Nos tornamos seres de mentes cheias, e corações calados.

Aprendemos a organizar o que era de natureza caótica.

E assim nos poupamos. E assim ganhamos tempo nessa nossa vida tão curta. E assim nos tornamos cirurgiões plásticos de nossos sentimentos. E assim, ao lapidarmos os nossos próprios excessos e os descompassos, muitas vezes jogamos no lixo a habilidade de sonhar acima de tudo e apesar de tudo.

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10 maneiras de dormir melhor, segundo as Leis da Natureza

10 maneiras de dormir melhor, segundo as Leis da Natureza

Por Terezinha Gnoatto

Quantas coisas flutuam a nossa volta e passam despercebidas simplesmente porque não podemos ver, tocar ou sentir. No entanto, sendo visíveis ou invisíveis, integram o universo regido pelas inexoráveis, inflexíveis e implacáveis leis naturais.  

Por isso, conhecer um pouco sobre as leis da natureza pode levar você a evitar inúmeros distúrbios e problemas, o que é muito vantajoso.

A Física explica que o universo está estruturado em camadas e que tudo está interligado com tudo o mais, organizado e sincronizado na mais perfeita ordem.

E que cada elemento existente, seja orgânico ou inorgânico, é sustentado por dois campos fundamentais – o campo de força e o campo da matéria.

No campo de força temos, por exemplo, o eletromagnetismo (ex: ondas do celular), a gravidade e as forças nucleares.

No campo da matéria temos elementos orgânicos (uma folha qualquer, um grilo e o próprio ser humano) e inorgânicos (como sal, cobre, ouro).

E o que sustenta estes dois campos? Você tem alguma ideia?

É justamente a inteligência da natureza que subjaz a tudo no universo.

Olhe a sua volta e perceba quanta coisa se move, com vida e função própria.

Sinta o movimento e frescor do vento. É incontestável que há uma ordem inerente a cada fenômeno natural, o que indica que há uma inteligência atuante em tudo. O crescimento de uma planta, o movimento dos planetas, em cada estrutura e em cada atividade há inteligência.

E a inteligência humana está atrelada a essa inteligência total que tudo comanda.

Há inúmeros estudos que justificam os níveis de inteligência em cada coisa e estes atrelados a uma inteligência maior, absoluta, eterna, imutável, soberana e onipotente. No caso dos seres humanos, o seu poder interno, o potencial mental.

Se você facilitar para que esta ordem permeie sua vida, vários obstáculos ou distúrbios, entre eles o do sono, passam a não existir, espontaneamente.

Qualquer situação tem uma causa que produz um efeito. E nesse processo de causa/efeito/causa, a vida se movimenta e progride ordenadamente se você estiver em sintonia com as leis naturais.

Para tanto, você deve tomar alguns pequenos cuidados com as bases (causas) de suas ações diárias.

Basta você observar um pouco melhor as coisas do seu cotidiano e tomar algumas medidas simples.

Não infringir as leis naturais equilibra a vida e o sono – Fazer o mínimo e obter o máximo. Assim funcionam as leis naturais. A natureza é econômica e exige que cada um de nós realize mais, usando menos energia e recursos.

Aqui vão algumas indicações para cumprir as leis da natureza que são normas que regem todo o universo e os fenômenos naturais.

1.  Faça aquilo que lhe cabe

É aquilo que é natural que se faça, aquilo para o qual se nasceu.

Isso quer dizer que envolve todas as boas ações que uma pessoa desempenha para viver bem e evoluir.  A certeza de que tais ações estão de acordo com as leis naturais, está em desempenhá-las sem sentir tensão.

Se assim for, há harmonia entre o agente e o seu trabalho.

O critério para estar em sintonia com as leis naturais é adotar métodos que suavizem o fluxo da vida. O mais importante é sossegar a mente, que mantêm a sobrevivência do corpo em equilíbrio.

Portanto, é prudente que se abra a mente para aprender critérios que mantenham em ordem o aspecto mental, físico, emocional e espiritual, preferencialmente numa única investida.

Silencie e medite sobre o quadro de sua vida hoje e parta para um novo conceito.

2.  Evite forçar a barra sobre as necessidades da vida.

Você já se deu conta que muitos dos seus desejos não são exatamente seus?

As pessoas são induzidas a adquirir coisas com a promessa de felicidade, sucesso, prestígio e tantas outras benesses.

Você adquire e a dita felicidade não chega como prometido.

O que chega é a conta para pagar e mais responsabilidades e tensões.

Perde-se aí um tempo precioso de tranquilidade e bem viver.

Portanto, pense bem se a necessidade que você acredita ser sua é sua mesmo, ou é de quem não se importa nadinha com você. Se a realização dos interesses dos outros não prejudicam os seus interesses.

Vale a pena avaliar para que você reduza suas tensões e então possa cumprir apenas com aquilo que lhe cabe, mais do que suficiente para ser muito feliz e dormir bem.

3.  Seguir as ondas da natureza

“Somos feitos para seguir as ondas da natureza e não para lutar contra elas”.

Tudo na natureza tem um ritmo cadenciado, ordenado e relacionado com tudo o mais, como diz a Física.

Os estudos científicos mostram que nas medições de tempo e espaço, há um ritmo básico do corpo que se repete a cada 24 horas. É chamado de ritmo circadiano – cerca de um dia (em latim).

Inúmeras coisas e movimentos acontecem repetidamente com todos os elementos existentes na natureza.

A Terra gira em seu próprio eixo em 24 horas e temos o dia e a noite.

E no giro dela em torno do Sol, que dura 365 dias, temos as quatro estações, que propiciam o cultivo de alimentos adequados ao bem estar do corpo nos 4 períodos.

Agora eu pergunto: que argumento você teria para fazer diferente?

Não há argumento plausível. São as forças da natureza que estão no comando.

Cabe a nós apenas segui-las, mesmo porque não há qualquer razão para não fazê-lo. Só há ganhos e sucessos.

Dessa forma, é prudente observar os sinais do próprio corpo.

Agir durante o dia e dormir o suficiente à noite.

Apenas isso já alinha você aos ritmos naturais, espontaneamente.

4. Siga os horários ideais de dormir

Para fluir de acordo com as leis naturais é preciso que se respeite a necessidade fisiológica do corpo de reparação com o repouso adequado e suficiente.

E isto está diretamente ligado a rotação do planeta Terra.

Conforme o movimento vai ocorrendo, o corpo vai sendo influenciado a suprir as necessidades de cada horário para manter o equilíbrio.

Por ora, nas 24 horas do dia, atente-se a dois períodos básicos: Divida o dia em duas partes – uma das 6:00 às 18:00 e outra das 18:00 às 6:00.

Agora, foque-se nesse último período. Seguindo o ritmo da natureza, a partir das 18:00, o corpo começa a se aquietar, até atingir um estado calmo para dormir, ou seja, menos agitação mental e física.

Para tanto, reavalie se você está fazendo atividades que te agitem demais a partir do entardecer.  Se o corpo não conquista a calma suficiente para descansar e eliminar as tensões do dia, você passará a acordar com cansaço, frequentemente.

5. Não apoiar ações incorretas

Reveja seus conceitos. Pode ser um a um, quando surgir um questionamento qualquer. Agora, para que seus conceitos sejam renovados e melhorados o que se deve ter em mente é: “Realize seus interesses sem prejudicar os interesses dos outros”.  Isto é verdadeiramente poderoso.

A desordem não favorece ninguém, nem aos mais abonados.

Diante disso lembre-se de uma coisa. Não duvide nunca disso: “Nada que for contra a evolução das pessoas dura muito”.  Você duvida que um dia a casa caia? Eu não!

Então como fazer: Cumpra, à risca, as leis tributárias, de trânsito, as normas do condomínio, enfim, cumpra o que diz o código civil. Já está de ótimo tamanho. Agindo assim já estará, de alguma maneira, cumprindo as leis naturais, porque as leis dos homens foram feitas para regular o comportamento humano para estabelecer a melhor convivência possível, o que cria paz coletiva!

6. Cuidar da alimentação melhora o sono

Aquilo que ingerimos também afeta o sono.

A dica aqui é: Cuide para consumir alimentos sadios. Comece a se interessar com a procedência dos alimentos que você leva à mesa de sua família. Você vai se deparar com toda a cadeia de produção e então terá como analisar se àquilo é saudável ou não. Não deixe que os outros cuidem de sua saúde. Tome isso para você. Logo verá que sai mais barato e te consome bem menos tempo.

Outra orientação básica: Para adormecer, o metabolismo do corpo precisa ser reduzido. Ao ingerir alimentos, a taxa metabólica se eleva, justamente para que o corpo extraia a energia da comida. Desse modo, procure fazer sua refeição da noite de 2 a 3 horas antes de deitar, cuidando para que o deitar não ultrapasse muito além das 22:30. Além disso, cuide para ingerir alimentos de fácil digestão. Senão vai ter briga, ou seja, a taxa metabólica querendo se reduzir porque a noite chegou e o corpo tendo que processar um alimento pesado, por horas. Concorda que há um impasse?  Isso é sobrecarga de experiência. O corpo se cansa demais e o sono fica ruim.

7. Atente-se para a responsabilidade socioeconômica e ambiental do consumidor

Todas as pessoas consomem coisas, diariamente. Porém, nesse exato momento de grandes problemas globais, que vão desde a saúde da população até a preservação dos ecossistemas, assim como a natureza os fez, é inconcebível que não tomemos consciência que estamos todos no mesmo barco.

A Terra não aguenta mais o desperdício. A água está sumindo e isso repercute direta e indiretamente em vários aspectos e níveis da vida humana.

Então toda vez que você for adquirir qualquer coisa, pense bem. Você realmente precisa daquilo? Você já tem roupas, por exemplo. Faça uma análise de quanto tempo você poderia ficar sem comprar uma peça sequer.

O mundo precisa ser mais econômico, assim como a natureza é.

8. Desperdício dos recursos naturais

Reflita aqui se aquilo que você adquire você realmente precisa.

Quando você adquire somente o que precisa, você ganha tempo e economiza dinheiro para usufruir de outros valores da vida, além de ganhar mais tranquilidade.

Quando você adquire o que os outros dizem que você precisa, certamente você estará apoiando ações incorretas que, certamente, promovem o desperdício de recursos naturais.

Evite compactuar com isso..

Os recursos naturais são finitos..

A humanidade demorou demais para se convencer disso. Agora resta-nos economizar ao máximo para dar tempo da natureza se refazer. E aprender, definitivamente, que sabendo usar não vai faltar.

9. Seguir o Sol

Isso você não deve esquecer, nunca. O astro maior da nossa Galáxia, foi considerado divindade por todas as civilizações antigas, em todos os tempos, por sua extrema importância como principal regulador da vida humana. Seguir seu aparente movimento diurno favorece que as ações sejam de acordo com as interligadas leis naturais. O poente indica que é o tempo do repouso e o sono vem poucas horas depois, naturalmente.

Deixar-se guiar pelo movimento ele te despertará antes da aurora e assim você vai acordar bem disposto, com pique, de bom humor e cheio de entusiasmo e com a mente aliviada. Esse é o resultado de fluir de acordo com as ondas da natureza.

Você merece! Ajuste-se e viverá muito melhor.

10. Invista em sua felicidade, pois só você poderá chegar a ela.

Aqui uma orientação ouvida na igreja: “Seja uma pessoa boa que serás feliz e alcançarás o reino de Deus”. Para ser feliz é preciso ser uma pessoa boa, eu repetia mentalmente. Mas qual era a medida? Ah! Como isso me torturou. Até eu descobrir um grande equivoco de entendimento, ou seja, que o efeito foi confundido com a causa.

Na verdade a indicação correta é : Seja feliz e então serás uma pessoa boa. Agora sim faz sentido.  É bem mais fácil ser feliz e então, espontaneamente, cada um será uma pessoa boa.

Para ter felicidade, que é o propósito da criação, basta não arrumar para a própria cabeça.

Ajuste-se, nem que seja aos poucos, para fluir conforme as leis naturais para que tudo se organize facilmente e você só tenha vantagens.

Assim, você não precisará apostar na sorte. A ordem, na sua vida, se estabelece para valer e, como dizem por aí: “E vamos para o abraço”.

Terezinha Gnoatto

Saiba mais em: www.escoladosono.com.br

Vida em primeira pessoa

Vida em primeira pessoa

Por Patrícia Dantas

”Dá vontade mesmo!” – escutei tal frase tão enérgica e decidida que me ocorreu o pavor de topar com a minha prova maior de todos os dias: o esvaziamento de mim, recomeçar me criando, estilhaçar o ser velho e amorfo, fundir-me com o novo. Esse novo que despista os erros e enche nossos mundos interiores de boas promessas; não saber o que fazer da despretensiosa ideia de se esvaziar, colocar o eu à prova de balas de todos os calibres, o que é antes de tudo uma evasão de si sem consultas prévias.

Passei o restinho de dia que ainda havia trancada com tal frase pendurada nas mãos, sem bem saber o que fazer com uma confissão que não tinha sido endereçada a mim, era apenas uma declaração em uma hora propícia de uma amiga para a outra – que talvez fizesse pouco caso ou nem soubesse como seria difícil uma pessoa se esvaziar, como se desfazer de algo precioso que se guarda a vida inteira.

A verdade é que nos guardamos também uma vida toda, sem saber nunca o que fazer ou o medir acertadamente o nível do medo que precisamos domar para saltar do trampolim humano. Voamos sobre nossos pés, e não enxergamos nossas asas por medo de ver nossas criações fantasmagóricas de tão autênticas que são.

É uma vontade que ultrapassa e arrepia até o último fio de cabelo que repousa inerte no corpo fatigado e angustiado pelo iminente descortinamento do ser. Uma novela de personagens e universos fatídicos. Vivos. Vivíssimos dentro e fora do corpo, com angústias e alucinações verdadeiras e imorríveis. Que nome esse, que ecoa fundo, tilintando na liberdade sem fim: imorrível!

O que parte do meu desejo – essa espécie de vontade que nem possui nome próprio – ou não saberia ou teria palavras para nomeá-la de tão impalpável que é. É algo que me ultrapassa e me lança aos ares despovoados de um abismo que me atira e me levanta num voo possante. A começar pela mente que habita a alma e faz morada há tempos; depois, a leves passos, debandar o que existe em casa sem nenhum sentido.

É como se despir uma pessoa por inteira, assim também há a necessidade do desprendimento. O suspiro. O último ar disponível. Despertencer. Voar livre. De braços bem abertos para abraçar a polpa do mundo.

Onde buscar tanta graça? A graça da coisa como nos abriu os olhos a escritora Martha Medeiros. Tudo parece ter graça e sentido ao mesmo tempo, ao passo que se está distante e, ao chegar mais perto, vai se esvaindo como uma chama em prantos, para ser mais exata, como um rio caudaloso desabando sobre a gente. Com tanta força e poder que não vale questionar. Então, cadê a graça mais bendita de todas? Àquela que estremecemos a face, só de pensar? Talvez no tempo incontável e eterno haja o resíduo de toda a graça libertadora com ares de ser vivo, de realidades e abstrações sutis.

É nessa riqueza de detalhes – sem meias-palavras – a que somos submetidos que se consolam nossos dias, que almejam ser bem melhores e mais graciosos que o bendito cotidiano que vemos muitas vezes como um ato libertador.

E do total desprendimento que me cerca, do nome revelador que me ocorre e se mostra com tal facilidade e empatia é que sou quem sou; vou me tornando uma quase desconhecida audaciosa que busca conhecer cada vez mais a outra que mora bem ao lado. É minha metamorfose em ciclos.

Até agora, ainda não descobri um lugar adequado para guardar minhas vontades e descobertas sobre essa nova veste feminina e largada no mundo -fruto dessa transformação diária – sem destino e pretensões de se descobrir por completo numa só vida.

Muitas delas ainda virão – muitas de mim, melhor dizer! Não há tanta pressa frente ao tumulto desse despertar, porque há muito mais o sabor de se pertencer aos poucos e nem sempre saber sobre a total nudez que nos entrega.

contioutra.com - Vida em primeira pessoa
Cena do filme “A pele que habito”- Imagem meramente ilustrativa

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